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WILHEIM, J.; Novas contribuições para o estudo do psiquismo pré e perinatal

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NOVAS CONTRIBUIÇÕES PARA O ESTUDO DO PSIQUISMO PRÉ E 
PERINATAL 
 
Embora o Psiquismo Pré-natal seja tão antigo quanto o ser humano, 
novos são os estudos – e decorrentes conhecimentos – que vêm sendo feitos 
a seu respeito. Quanto a isso podemos considerar uma nova área do 
conhecimento humano está sendo inaugurada: a psicologia pré-natal. 
O que vem a ser a Psicologia Pré-natal? 
É o estudo do comportamento e do desenvolvimento evolutivo e 
psicoafetivo-emocional do indivíduo no período anterior ao seu nascimento. 
 
E o que vem a ser o psiquismo pré e perinatal? 
 
Quando falamos em psiquismo pré e perinatal, estamos nos 
referindo, por um lado, à existência de vida mental no feto e no recém-
nascido, e por outro, à existência de registros de experiencias pré e 
perinatais – tanto traumáticas como não traumáticas – na mente do adulto, 
da criança e/ou do bebê. A sua presença é em si testemunho e evidencia da 
existência de uma vida psíquica pré e perinatal, pois que para ocorram as 
engramações, pressupõe-se a existência de condições. 
 
Já vou lhes falar a respeito destas condições que constituem 
justamente o objeto de estudo da psicologia pré e perinatal. Antes, porém, 
desejo especificar que, o que acabei de enunciar, subentende que no período 
pré e perinatal – que vai de antes da concepção até o nascimento – todas as 
experiencias biológicas pelas quais passa o ser – desde sua experiencia 
enquanto espermatozoide e ovulo – recebem inscrição. E que estas 
inscrições ficam guardadas numa espécie de banco de dados inconsciente e 
virão a ter uma representação mental enquanto emoção mais tarde quando 
um aparelho psíquico devidamente equipado estiver formado e disponível. 
 
Voltando agora à questão da existência de condições 
Falarei primeiro do que elas vêm a ser no período pré-natal 
 
Elas se referem à capacidade – existente tanto no feto como no 
embrião – para apreender e discernir situações de perigo, registra-las e fixa-
las em uma memória, fazer o reconhecimento e a memorização de estímulos 
sonoros e musicais, registrar estímulos identificados como dolorosos ou 
prazerosos, agradáveis ou desagradáveis, etc. São estas condições que vêm 
sendo descobertas e pesquisadas a passos cada vez mais velozes nos últimos 
trinta anos. Crescente número de pesquisas sobre as condições senso-
perceptivas do feto e do embrião e sobre o seu desenvolvimento psicomotor 
– as quais podem hoje ser desenvolvidas graças aos avanços tecnológicos 
dos últimos trinta anos, em particular, graças ao ultrassom – revelaram 
dados importantes sobre a experiencia intrauterina, não apenas no que se 
refere ao desenvolvimento das funções senso-perceptivas – (tácteis, 
olfativas, gustativas, auditivas, visuais) – e das funções motoras do feto, como 
também sobre o seu comportamento e a sua personalidade. 
Voltando-me agora para o período perinatal, ou seja, para as 
condições com que nasce o bebê – conhecimentos estes relativamente 
recentes, que também datam dos últimos trinta anos – conta-nos Marshall 
Klaus – o neonatologista norte-americano que revolucionou a neonatologia 
– que quando os filhos dele nasceram, ele desconhecia todas as 
surpreendentes coisas de que o recém-nascido é capaz. Descritas por ele no 
livro “O surpreendente recém-nascido”. 
Foi somente na década de sessenta que Wolff e Prechtl fizeram a tão 
importante descoberta referente aos seis diferentes estados de consciência 
do recém-nascido (sono profundo, sono com sonhos, acordado, estado de 
alerta tranquilo, estado de alerta ativo e estado de choro). E de que é 
somente quando ele se encontra em um destes seis estados – o estado de 
alerta tranquilo – que o recém-nascido é capaz de perceber, de enxergar, de 
reconhecer a voz e o rosto de sua mãe, de estabelecer com ela um contato 
olho-a-olho, de imitar expressões faciais do adulto, de interagir com o seu 
meio-ambiente, de aprender com a experiencia. 
Sabemos hoje que as capacidades apresentadas pelo recém-nascido, 
começam a se desenvolver muito antes desde bebê nascer. Os 
investigadores que acompanham o desenvolvimento das capacidades do 
feto concordam em dizer que o bebê já antes de nascer é um ser inteligente, 
sensível, apresentando traços de personalidade próprios e bem definidos, 
tendo ele uma vida afetiva e emocional a qual pode estar vinculada a sua 
experiencia relacional com a sua mãe pré-natal, já que está em comunicação 
empática e fisiológica com ela, captando os seus estados emocionais e sua 
disposição afetiva para com ele. 
Hoje sabemos que muito antes de nascer, o feto pode perceber luz e 
som, é capaz de engolir, ter paladar, escolher uma posição predileta, 
registrar sensações e mensagens sensoriais. Que ele dorme, sonha, acorda, 
boceja, esfrega os olhos, espreguiça-se, faz caretas, pisca dá “passos”, ouve, 
reconhece a voz de sua mãe, brinca com o cordão umbilical e com a sua 
placenta, chupa o dedo, o dedão do pé, reage com irritação quando se sente 
molestado e apresenta rudimentos de aprendizado. Reações observadas em 
embriões e fetos a determinadas situações, apontam para a existência de 
respostas de medo, pânico e choque em determinadas circunstancia: fetos 
de mulheres grávidas em estado de estresse permanente apresentam 
batidas cardíacas mais aceleradas e embriões submetidos a exame de 
amniocentese revelaram sensível alteração em sua atividade respiratória. 
O feto está atento, alerta e tem percepção de perigo. A capacidade de 
prestar atenção é inata. Um embrião de oito semanas já revela atenção 
dirigida. Fetos de cinco semanas foram vistos fazendo um movimento para 
afastar ou apanhar com a mão a agulha introduzida por ocasião do exame 
de amniocentese. 
Os fetos também se assustam quando suas mães se assustam. 
Durante um terremoto no sul da Itália fetos apresentaram intensa 
hipercinesia, que se manteve por algumas horas. Quando a mãe assiste a um 
filme violento, ou a noticiário de televisão que a deixa angustiada, o feto 
reage, dando pontapés. 
 
Até o advento do ultrassom, considerava-se que o feto vivia isolado 
num mundo impenetrável, num estado nirvânico de satisfação e felicidade 
plena e total, completamente indiferente ao ambiente fora do útero de sua 
mãe, protegido desse pelas espessas paredes abdominais do mesmo. O 
útero por sua vez era considerado um lugar absolutamente silencioso, 
recluso, abrigado e sem movimentos. Esta visão mudou radicalmente a partir 
das pesquisas e da observação do feto em seu ambiente natural. Estes 
estudos têm-nos revelado por um lado, a sofisticação do aparelho senso-
perceptivo e motor do feto, a crescente complexidade do aparelho mental e 
a sua participação ativa na manutenção da gravidez e na determinação de 
seu desfecho final. Por outro lado os conhecimentos sobre a fisiopatologia 
da gestação, incluindo estudos sobre o efeito do estresse materno no feto e 
no embrião, puseram um a fim à falsa ideia que se fazia do útero como um 
lugar tão ideal: hoje sabemos que o álcool, o fumo, as drogas e substancias 
neuro-hormonais da mãe que acompanham alterações de seus estados 
emocionais, atravessam a placenta e atingem o feto, podendo configurar 
condições ambientais intrauterinas mais próximas das de um inferno do que 
das de um paraíso. 
Vou mencionar rapidamente alguns dados referentes à cronologia do 
aparecimento das manifestações senso-perceptivas e motoras no ser pré-
natal. 
A boca abre-se pela primeira vez em torno do 28º dia. 
Com cinco semanas começam a despontar pernas e braços e surgem 
pela primeira vez, movimentos bruscos, espontâneos. 
Com seis semanas, suas mãozinhas estão desenvolvendo dedos. A 
partir deste momento, o embrião responde ao toque com movimentos 
amplos e generalizados. Começam a aparecer os primeiros reflexos: se sua 
mãozinha ou pezinho tocarem na parede do útero, contrai os dedos ou os 
artelhos. 
A partir da oitava semana, o feto revela indubitáveliniciativa individual 
e escolha de movimentos. Um ligeiro toque em sua face, fá-lo-á desviar a 
cabeça. 
Com 10 semanas, já apresentam movimentos de sucção, aproxima as 
mãos do rosto, espreguiça-se, boceja, movimentos de língua também podem 
ser observados. 
Com 12 semanas, começa a engolir o líquido amniótico. Começa a 
chupar o dedo. Começam a aparecer variações individuais nas feições e 
expressões faciais diferenciadas. Com treze semanas o feto pode ser visto 
brincando com o seu cordão umbilical e com sua placenta, esfregando mãos 
e pés. Com 14 semanas, suas expressões faciais evidenciam agrado e 
desagrado. Com quinze semanas, apresenta todos movimentos presentes 
em fetos a termo. 
Com 16 semanas, além de levantar as sobrancelhas, fazer caretas, 
coçar a cabeça, esfregar os olhos, o feto começa a desenvolver o sentido do 
paladar. As papilas gustativas já estão desenvolvidas e surgem as 
preferências de gosto: fará caretas e cessará de engolir se uma substancia 
amarga for coloca no líquido amniótico enquanto uma gota de substancia 
doce provocara a aceleração da ingestão do liquido. Reage da mesma 
maneira a ingestão pela mãe, de nicotina e do álcool, evidenciando que lhe 
causam desagrado. 
Com 17 semanas já se encontram instaladas as estruturam 
anatômicas que lhe permitem registrar a experiencia de dor. 
Na 19ª semana os seus movimentos começam a ficar mais 
coordenados, contrastando com os movimentos inicias que eram reflexos 
mais primitivos. 
Sua função auditiva vai se organizando pouco a pouco: com 20 
semanas seu sistema auditiva já está desenvolvido. 
Com 23 semanas verificou-se a presença de sono com sonhos. 
Na 26ª semana, o feto abre os olhos pela primeira vez e a partir deste 
momento, vai se comportar como um recém-nascido: fecha os olhos quando 
dorme e abre-os quando está acordado. 
Até o sétimo mês, o feto pode se movimentar livremente, mas a partir 
do oitavo mês, o ambiente torna-se mais apertado e quase todo o espaço 
está ocupado pelo bebê. Ele começara então a fazer os movimentos 
preparatórios para o seu nascimento. 
A título de curiosidade menciono algumas experiencias feitos com a 
função auditivas dos fetos. Numa maternidade inglesa, uma experiencia 
revelou que fetos de quatro a cinco meses acalmavam-se quando escutavam 
música de Vivaldi e Mozart, e ficavam agitados ao som de Brahms, Beethoven 
e música de Rock. Outra experiencia consistiu em as mães gravidas 
escutarem diariamente determinada melodia que, tocada posteriormente 
para os recém-nascidos, tinha o poder de acalmá-los. O pesquisador norte-
americano em audição-fetal, Anthony DeCasper, instruiu um grupo de 
gravidas para que lessem em voz alta, diariamente, duas vezes por dia, seis 
semanas antes do parto, determinada história infantil. Três dias após o 
nascimento, duas historinhas diferentes eram lidas para os recém-nascidos: 
aquela que suas mães lhes haviam lido durante a gravidez e uma outra, 
desconhecida. As reações dos recém-nascidos eram registradas num 
dispositivo ligado a um aparelho medidor de sucção. Observou-se que os 
bebês revelavam evidente preferência pela história conhecida, sugando com 
maior frequência para obter que esta lhes fosse lida. 
Creio que a melhor maneira de mim agora lhes passar a noção do que 
vem a ser a realidade psíquica no período pré-natal e perinatal, é mediante 
o relato de algumas situações clinicas que tomei emprestadas das 
experiencias de três autoras: as Dras. Alessandra Piontelli, Marie Claire 
Busnel e Myriam Szejer. Algumas palavras de apresentação a respeito de 
cada uma delas. 
A Dra. Piontelli é psicanalista, italiana, reside e trabalha em Milão. Nos 
últimos vinte anos, tem-se interessado em particular pelas origens da vida 
psíquica e tem-se dedicado ao estudo deste assunto. Recentemente 
escreveu um livro, “De Feto a Criança”, do qual tirei emprestado o caso que 
vou lhes relatar. 
A Dra. Marie Claire Busnel é francesa, pesquisadora em sensorialidade 
fetal – mais particularmente em audição fetal – e organizou um livro – “A 
Linguagem dos Bebês – sabemos entende-la” – com depoimentos de mães, 
pais e profissionais da área – do qual tomei emprestadas algumas situações. 
Finalmente, a Dra. Myriam Szejer, também francesa, psicanalista, que 
se especializou nos últimos anos em psicanálise de bebês e de recém-
nascidos. De um recentíssimo livro seu “Palavras para Nascer” (1997) tirei o 
relato mais pormenorizado. Mais adiante, falar-lhes-ei no que consiste este 
trabalho de psicanalisar bebês. 
 
Vou começar com o caso do menino Jacob, atendido pela Dra. Piontelli. 
Jacob veio trazido à consulta por seus pais quando tinha dezoito meses 
porque não dormia e era muito agitado. 
Na Primeira entrevista, enquanto os pais relatam as dificuldades do 
menino, Piontelli o observa movimentando-se agitadamente pela sala, como 
se estivesse obcecado procurando algo em todos os cantos; sem conseguir 
encontrar. De vez em quando detinha-se em algum objeto, que passava a 
sacudir como se estivesse querendo ressuscita-lo. 
Os pais comentam que é exatamente assim que Jacob se comporta dia 
e noite. Dizem ainda que cada novo passo de seu desenvolvimento – como 
sentar, engatinhar, andar, pronunciar as primeiras palavras – veio sempre 
acompanhado de intensa angustia, como se tivesse com medo de “estar 
deixando alguma coisa para trás”. 
Dirigindo-se então neste momento para o menino, Piontelli lhe diz que 
ele parecia estar procurando alguma coisa perdida que não encontrava em 
lugar algum. 
Jacob para e olha para ela com muita intensidade. 
Ela prossegue, dizendo que através deste sacudir os objetos, ele 
parecia estar tentando traze-los de volta a vida, como se temesse que sua 
imobilidade significasse morte. 
Neste momento, os pais ficam muito emocionado e contam que Jacob, 
de fato, havia tido um gêmeo, que iria se chamar Tino e que morrera duas 
semanas antes do nascimento. Jacob, portanto, passara duas semanas ao 
lado do gêmeo morto, que evidentemente não reagia. 
A simples percepção disso, relata Piontelli, bem como a verbalização 
referente aos seus temores de que cada passo para frente no seu 
desenvolvimento – a começar pelos primeiros sinais de seu iminente 
nascimento – pudesse vir acompanhado da morte de um ente querido por 
quem ele se sentia responsável, resultou numa mudança incrível em seu 
comportamento. A identificação da situação traumática e a verbalização de 
seu significado, permitiram a retomada do processo de desenvolvimento 
psicoafetivo deste menino que ficara aprisionado nas engrenagens de um 
drama fetal. 
 
Passarei agora às ilustrações que emprestei do livro de Marie Claire 
Busnel. 
Primeira situação: trata-se do depoimento da mãe do menino Marcos, 
que relata o seguinte: recém-casada, engravidara de uma gravidez muito 
desejada. Com cinco semanas de gravidez, uma forte hemorragia – que 
durou algumas horas – a fez recorrer a um atendimento de emergência. 
Somente alguns dias mais tarde – quando pode se submeter a um exame de 
ultrassom – ficou sabendo que não havia perdido o bebê. 
“Aos cinco anos” – prossegue a mãe em seu depoimento – “Marcos 
entrou no período dos grandes questionamentos sobre a vida e a morte, 
sobre o “antes” e o “depois”, com perguntas referentes à substituição de 
bebês mortos. 
Em virtude de o assunto retornar sempre, a mãe considera ter 
chegado o momento de lhe contar o que havia acontecido quando estivera 
gravida dele. Fala-lhe da hemorragia que tivera, de sua angustia quando a 
ter ou não perdido o bebê, e termina, acrescentando: “Nós não sabemos, 
Marcos a interrompe, para dizer: “Mas eu sei o que aconteceu! Eu estava 
dentro da tua barriga e lá dentro de repente deu um terrível pé de vento e lá 
estava mais um outro bebe que era pequenino e me amolava muito e queria 
que eu fosse embora, queria me expulsar de lá. Mas eu não queria ir embora. 
Então eu bati, bati nele,com os meus pés – e depois me agarrei na pequena 
manivela que eu tinha fabricado dentro da tua barriga, e o empurrei. Ele foi 
embora e eu fechei a porta da tua barriga (ao dizer isso, faz movimentos com 
os pés como se estivesse tapando um buraco), e pronto!” 
Depois desta conversa com Marcos, relata a mãe, cessaram as 
perguntas e todos problemas. 
 
Segunda ilustração 
Uma senhora indiana, residente na França, vem dar á luz numa 
maternidade parisiense. O recém-nascido colocado no peito, não quer 
mamar. A equipe de atendimento fica muito preocupada, até que uma 
enfermeira observa de que talvez esse bebê estivesse sentindo falta – no leite 
materno – dos cheiros e gostos dos condimentos com os quais costuma ser 
temperada a comida indiana e de cujo cheiro e gosto estivera impregnado o 
liquido amniótico. Sugerem ao pai da criança que trouxesse comida de casa. 
Feito isso o bebê se pôs a mamar no peito, cujo leite estava agora 
aromatizado de curry e de todos os outros temperos indianos com os quais 
estava familiarizado. 
 
Terceira ilustração 
É o relato de um caso que pertence a determinada pesquisa feita pela 
equipe de Busnel com recém-nascidos: “Uma das mães que avaliamos”, 
conta Busnel “tinha dado à luz a um bebê que ficava aparvoado com os 
barulhos. Era um bebê nascido a termo. Ele acordava, berrava, se 
sobressaltava e era muito difícil cuidar dele em um contexto sonoro normal. 
Nos propusemos então a investigar que tipo de gravidez a mãe havia tido: 
durante a gravidez a mãe fora para o campo, sem radio, sem televisão, sem 
carro – apenas ela e os passarinhos. Portanto, ela não teve nenhum barulho 
em sua volta e, na medida em que se pode pensar que a gravidez é um 
período durante qual o feto adquire os elementos de sua futura cultura, e do 
ponto de vista sonoro, este bebê não havia adquirido nada além da voz de 
sua mãe que de fato o acalmava perfeitamente, enquanto todo o resto 
representava pra ele um estresse sonoro. 
 
Ultima ilustração dos casos emprestado de Marie Claire Busnel 
Um menininho de quatro anos – quando já portanto tinha a linguagem 
bastante desenvolvida e estabelecida – disse, ao ouvir pela primeira vez uma 
musica que sua mãe costumava escutar durante a gravidez: “Está e a musica 
de dentro da mamãe”: e a mãe lhe respondeu: “Não, a mamãe não toca 
música. Está é uma música de Prokofieff.” “Sim, sim”, diz o menino, “mas é a 
musica de dentro da mamãe”, insiste. 
Esta musica “de dentro da mamãe” queria dizer para ele, que se 
tratava da musica que ele havia escutado dentro do ventre de sua mãe 
quando ela estivera gravida dele, uma vez que a mãe nunca mais escutara 
esta musica desde o tempo da gravidez. 
 
A seguir, farei o relato de um caso mais complexo, tirado do livro de 
Myriam Szejer. Com ele estarei ilustrando não apenas a questão referente à 
existência de uma vida psíquica pré e perinatal, como também, em que 
consiste a psicanalise de bebês. 
Trata-se do caso da recém-nascida prematura Léa. 
O caso é encaminhado para atendimento com a psicanalista, em 
virtude de seus antecedentes, a gestação havia sido gemelar. No 
acompanhamento pré-natal, constatou-se que uma das gêmeas era 
portadora de grave má formação, com prognostico de curta sobrevida pós-
natal que seria em meio a terríveis e sofrimentos. Os médicos indicam então 
a interrupção da vida ir útero deste bebê mal formado. Foi então praticado 
o feticídio seletivo desta gêmea condenada, quinze dias antes do termino da 
gravidez. Em se tratando de feticídio seletivo tardio, a orientação foi de deixar 
o feto morto dentro do útero até o fim da gravidez. 
A mãe pedira uma cesariana sob anestesia geral, para não presenciar 
o nascimento da criança morta. A cesariana foi praticada duas semanas 
antes do termino da gravidez. 
Em função destes antecedentes, ficara claro para a psicanalista que 
deveria intervir com a palavra falada junto da gêmea sobrevivente, tão logo 
a ocasião se apresentasse. A sua experiencia e conhecimentos com respeito 
ao efeito dos choques pré-natais, a autorizava a considerar que a recém-
nascida podia estar correndo perigo. 
A ocasião logo surgiu: Lea se recusava a mamar no peito de sua mãe. 
Ao ir ao encontro da família pela primeira vez, a Dra. Myriam já sabia 
que os nomes dados as gêmeas eram, Sofia para a gêmea morta e Léa, à 
sobrevivente. 
Chegando ao quarto olhando diretamente à Léa e lhe diz: “Tua irmã 
Sofia, que viveu ao teu lado dentro do ventre de tua mãe e cujos movimento 
você sentia morreu. É por isso que antes ade nascer, você deixou de sentir 
os movimentos dela ao seu lado. É também por isso que você não à está mais 
vendo, nem voltara a vê-la. Claro, você pode guardar a sua lembrança viva 
em você, mas ela nunca mais estará ao seu lado.” 
A mãe se mostra surpresa por ouvir a psicanalista dizer estas coisas 
ao bebê, pôs que – antes da interrupção medica da gravidez – ela havia 
procurado saber dos médicos, o quanto o bebe sobrevivente iria registrar os 
fatos. Eles lhe responderam de forma evasiva, o que a deixou desnorteada. 
Myriam a esclarece que sim, Léa certamente sentira e notara o que 
havia se passado. Era justamente por isso que era preciso nomear estas 
apreensões para ela. 
Três dias mais tarde, Myriam retorna, encontrando uma situação 
tensa. Léa havia emagrecido muito. Foi preciso entubá-la para alimentá-la 
com o leite materno, mas ela regurgitava e todos estavam muito 
preocupados. 
Neste meio tempo, a pediatra a informara que Léa tinha uma má-
formação congênita no pé, de fácil correção cirúrgica: dois artelhos estavam 
colados juntos. 
Myriam então se dirige a Léa, e lhe diz: 
“Me parece Léa, que você quis nascer, mas agora parece que você não 
decidiu ainda se você quer mesmo viver, por isso você reluta em comer. Para 
viver é preciso comer. Você tem uma má formação no pé, mas isso não tem 
nada a ver com a má-formação que vitimou tua irmã. Você não vai morrer 
disso. Apenas mais tarde você será operada e terá então um pé normal.” 
Após o que, Myriam orienta as enfermeiras para que dessem o leite 
materno a Léa no copinho afim de que ela provasse o gosto do leite de sua 
mãe em sua presença. E à mãe sugeriu que colocasse Léa em contato pele a 
pele sobre o seu ventre, afim de que ela pudesse escutar os seus batimentos 
cardíacos, sentir o seu calor e o seu cheiro. 
Visava com isso reconstituir para ela suas referencias pré-natais 
estabelecendo um elo de continuidade entre o antes e o depois do 
nascimento (o cheiro e o gosto de sua mãe), pois que Léa estava muito 
deprimida e não conseguia se assumir viva em função da gêmea morta. 
Myriam considerou que mediante o reencontro destas sensações 
perdidas subitamente em função da brusca separação do corpo de sua mãe, 
Léa poderia se assumir viva. Desta maneira, poderia fazer do luto pela irmã, 
uma “coisa da vida” ao invés de se identificar com ela num movimento de 
morte. 
No dia seguinte, conclui a Dra. Myriam em seu relato, Léa havia feito a 
opção pela vida: dispôs-se a mamar no peito por si mesma e em grande 
quantidade e duas semanas mais tarde, deixava a maternidade. 
O caso fala por si. Mas aproveita-lo para a partir de evidenciar alguns 
elementos. 
Em primeiro lugar, fica claro através do relato desta experiencia o 
quanto durante o período pré-natal, o ser humano faz a apreensão de suas 
experiencias sensoriais e vivenciais. Elas são inscritas na memória, faltando-
lhes, no entanto, o código verbal que permita a sua conceituação. 
Penso que todos os relatos que acabei de lhes fazer, evidenciam que 
houve inscrição na mente destes bebês, das experiencias sensoriais pelas 
quais passaram no período antes de nascer. Estas inscrições, que passam a 
fazer parte da bagagem inconsciente, vão exercer influência tanto sobre a 
sua personalidade pós-natal como sobre a sua conduta e o seu 
comportamento. 
E finalmente algumas considerações para aqueles quelidam com os 
recém-nascidos, particularmente em berçários de alto-risco inspiradas na 
experiencia da Dra. Myriam. Ela que vem se dedicando a esta nova pratica 
desenvolvida na França nos anos recentes – a psicanalise de bebês – nos diz: 
“Há um interesse enorme atualmente em se considerar o bebe desde o 
nascimento como um ser humano destinado a falar e a que se fale com ele. 
Antes de se fazer qualquer procedimento com um bebê, este deve ser 
verbalizado, quer seja doloroso ou não. Seja um banho, uma troca de fraldas 
ou no caso de se fazer uma punção ou ter-se que lhe aplicar uma injeção, o 
motivo do que se está fazendo, deve ser verbalizado e explicado: eles se 
acalmam como se doesse menos e muito mais depressa quando os 
procedimentos são verbalizados antes. E deixam se consolar quando o 
consolo é feito pela mesma pessoa que havia falado com eles antes. 
A Dra. Myriam insiste de que verbalizar as ações antes de executá-las, 
não é algo difícil de ser introduzido nos serviços que lidam com bebês e que 
esta maneira de trabalhar pode facilmente ser adotada pelos profissionais. 
Como por exemplo, dizer a um bebê ao acordá-lo: “Estou te acordando 
porque preciso te fazer uma punção; desculpe por estar te machucando, mas 
preciso fazer isso para o teu próprio bem”. 
Verbalizar procedimento tais como os banhos de luz no caso de bebês 
ictéricos, por exemplo, explicando ao bebe o que está sendo feito, porque 
está sendo feito, quanto tempo vai durar este procedimento e que depois de 
findo este tempo, a venda dos olhos lhe será tirada e ele irá reencontrar a 
sua mãe. 
Inserir na incubadora de um prematuro, uma peça de roupa da mãe 
impregnada com o seu cheiro, uma fita gravada com a sua voz falando com 
ele docemente, ou uma fita gravada com uma música que a mãe costumava 
escutar durante a gravidez – são recursos aos quais se pode recorrer sem 
grandes dificuldades e que terão uma importância muito grande para a vida 
psíquica deste pequeno ser que acabou de nascer, que sofre com a 
separação prematura do corpo da mãe – quando se trata de prematuros – 
separação não prematura quando se trata de bebes nascidos a termo, pois 
que a separação é sempre uma experiencia dolorosa e complicada que 
requer elaboração. 
Toda e qualquer experiencia traumática – na medida do possível – 
deve vir acompanhada de verbalização, elemento indispensável para que 
possa ser feita a sua elaboração. 
Espero ter sido capaz de evidenciar através das ilustrações que lhes 
trouxe, que existe um mundo mental no feto e no recém-nascido – rico, 
complexo, variado -, cujos vestígios ressoam no espaço mental pós-natal e 
se manifestam como ecos de um passado distante, dando a este uma 
continuidade no presente, embora por vezes de difícil decodificação. 
 
 
 
 
 
 
Joanna Wilheim 
Rua Bocaina 81 
05013-030/São Paulo 
Telefone: (011) 650833 
Fax: (011) 650491

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