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ROMPIMENTO CELULAR A maior parcela dos produtos biotecnológicos de interesse comercial corresponde a metabólitos extracelulares de células microbianas como bactérias e leveduras. Entretanto, uma parcela importante dos bioprodutos corresponde a moléculas acumuladas intracelularmente, como proteínas, enzimas e anticorpos. O aumento da demanda por bioprodutos intracelulares para aplicações nas indústrias alimentícias e farmacêuticas evidencia a importância das operações de rompimento celular. Soma-se a isso o fato de que os avanços nas técnicas de recombinação de DNA apontam na direção de estudos relacionados à síntese de diversas novas moléculas intracelulares, em procariotos e eucariotos, o que leva à necessidade adicional de avanços nas técnicas de rompimento celular. Quando a molécula de interesse está no meio intracelular, a primeira operação necessária é o rompimento da parede celular ou membrana celular. O mecanismo adotado para romper células depende do tipo de microrganismo empregado e ocorre após a etapa de separação e lavagem das células obtidas ao final do cultivo (PESSOA & KILIKIAN, 2005). Os métodos de rompimento celular podem ser assim subdivididos: 1) mecânicos; 2) não mecânicos ou físicos; 3) químicos; 4) enzimáticos. Segundo MONKS (2015), esses métodos podem ser mecânicos (homogeneizador de alta pressão, moinho de bolas, prensa francesa e ultra- som), não mecanismos (choque osmótico, congelamento e descongelamento, aquecimento, secagem), químicos (álcalis, solventes, detergentes, ácidos) e enzimáticos (lise enzimática, inibição da síntese da parede celular). No entanto, os métodos mais abordados em escala laboratorial e industrial são os mecânicos e os métodos de rompimento químico, pois o enzimático é de difícil ampliação de escala, devido à dificuldade de monitoramento dos parâmetros adotados. (NEVES, 2003). O meio líquido resultante da operação de rompimento das células é denominado homogeneizado ou lisado, e é constituído pela molécula-alvo, moléculas contaminantes e fragmentos de membranas celulares, o que resulta em uma composição complexa. Os compostos indesejáveis presentes nesse lisado devem ser removidos por meio de operações unitárias adequadas, que compreendem o processo de purificação de biomoléculas. A etapa de rompimento celular acaba promovendo o aumento do número e da diversidade de moléculas contaminantes no meio que contém a biomolécula a ser purificada, além do aumento da viscosidade causada pela liberação de componentes do citoplasma das células, como os ácidos nucleicos. Além disso, é necessário acrescentar mais uma operação de clarificação, para separação dos fragmentos da parede celular. Como resultado, tem-se um processo com maior número de operações unitárias, e consequentemente, maior custo do produto final, quando comparado com o custo de produtos extracelulares, além de menores rendimentos, pois a cada etapa de purificação agregada ao processo uma fração da molécula-alvo é perdida. Nesse sentido, a biologia molecular pode contribuir para a redução dos custos dos processos de purificação de produtos biotecnológicos, uma vez que pode ser aplicada para a modificação genética da célula de tal forma que ela passe a produzir a biomolécula-alvo extracelularmente. Fatores que afetam o rompimento celular Como citado anteriormente, para escolher o método de rompimento celular mais adequado, é necessário ter conhecimento da morfologia e tamanho da célula, ou seja, ter conhecimento sobre sua estrutura (CARNEIRO,1996). A Saccharomyces cerevisiae, por exemplo, é um fungo unicelular que apresenta parede celular rígida e altamente complexa, por possuir polissacarídeos, o que geralmente está relacionado às condições de cultivo em que foi submetida (RIO, 2002). Os Beta-glucanos e a quitina são os maiores responsáveis pela rigidez da parede celular e definem sua forma. (GOMES, 2009). Assim, conhecendo tais características, torna-se possível definir o método para rompimento da célula. A parede celular pode ser completamente rompida ou o suficiente para liberar a molécula alvo. Após o rompimento os compostos indesejados (biomoléculas e fragmentos celulares) devem ser removidos por processos de filtração, centrifugação, precipitação ou extração liquido- liquido. Considerando que o rompimento celular agrega etapas e custos adicionais ao processo de purificação e reduz o rendimento final da molécula-alvo, especial atenção deve-se dar à seleção do método que será empregado. Assim, alguns fatores, listados abaixo, devem ser considerados na seleção da operação de rompimento celular a ser utilizada. • Fatores dependentes dos organismos: Tipo de célula, estado fisiológico, velocidade de crescimento, tamanho e forma da célula e meio de cultivo utilizado. • Fatores dependentes do produto final: Sensibilidade ao calor, tempo de rompimento, sensibilidade a tensões de cisalhamento, custo do processo e localização na célula. Com os avanços das técnicas de recombinação de DNA, várias moléculas intracelulares tem sido sintetizada a partir de procariotos e eucariotos. Levando em consideração: tamanho da célula, tolerância a tensões de cisalhamento, necessidade de controle de temperatura, custo e rendimento do processo. Células envolvidas só por membranas celulares, como células de animais, são frágeis e rompidas facilmente sob baixas tensões. Além de poderem ser rompidas por variação da pressão osmótica do meio, adição de detergentes ou aplicação de ultra som. Por outro lado, há células com parede celular robusta, caso das microbianas e o rompimento é mais difícil. As bactérias gram-positivas possuem parede mais rígida que as gram-negativas. AS leveduras possuem paredes celulares ainda mais rígidas. Métodos de rompimento celular 1. Mecânicos Embora existam muitos exemplos específicos de ruptura celular por processos químicos e enzimáticos, são os métodos mecânicos que têm sido mais utilizados industrialmente. O tamanho e a forma das células, assim como a estrutura da parede celular, são fatores determinantes para a definição do tipo de processo a ser utilizado para a ruptura celular através de processos mecânicos. 1.1 Homogeneização a alta pressão Constituído por pistões projetados para a aplicação de altas pressões, forçando a passagem da suspensão celular por um orifício estreito seguida de colisão contra uma superfície em uma câmara de baixa pressão. A redução instantânea da pressão associada ao impacto provoca rompimento celular sem danificar as biomoléculas. A quantidade de células rompidas é proporcional à pressão empregada. Este tipo de rompimento provoca aumento da temperatura do meio, por isso necessita de sistema de refrigeração. O desempenho pode ser afetado por: Pressão de operação, velocidade de alimentação, temperatura, estado fisiológico do microrganismo, condições de cultivo, tipo de célula e sua concentração. A homogeneização sob alta pressão consiste em fazer passar suspensões de células, a alta pressão, através de um pequeno orifício que liga uma câmara com a pressão atmosférica. Pela súbita descompressão, as células se rompem. Esta mudança brusca de pressão gera grande quantidade de calor, por isso é necessário um sistema de refrigeração eficaz (TREVAN et al., 1990). Figura 1. Esquema de Homogeneizador a alta pressão Figura 2. Homogeneizador a alta pressão para aplicação industrial O grau de ruptura verificada nesse tipo de equipamento depende da fase de crescimento do micro-organismo, sendo que as células da fase estacionária são mais resistentes que as da fase exponencial (TREVAN et al., 1990). A ruptura em homogeneizador sob alta pressão gera um rompimento não específico, pois ocorre em apenas uma parte da parede celular. O homogeneizador é um equipamento vital nas indústrias de laticínios para ruptura dos glóbulosde gordura do leite e controle de tamanho destes (GECIOVA, BURY; JELEN, 2002). Esses equipamentos são indicados para romper bactérias e leveduras, e não para fungos filamentosos (bloqueiam a válvula de descarga). Porém esse tipo de rompimento causa o aumento da temperatura do meio e por isso, o equipamento deve ter um sistema de refrigeração, principalmente quando a molécula é termo sensível. A quantidade de células rompidas é proporcional a pressão de alimentação (5000 a 20000 psi). Para aumentar a eficiência pode- se recircular o material (aumenta o custo, gera fragmentos bem menores, pode-se degradar a molécula). As condições de crescimento influenciam a eficiência. Células E. Coli cultivadas em meio sintético são rompidas em condições mais brandas do que as cultivadas em meio complexo (pode oferecer nutrientes essenciais para a síntese da parede celular). Crescimento rápido gera células com paredes celulares menos robustas. 1.2 Agitação em moinho de bolas O método de rompimento mecânico de moinho de bolas consiste na utilização de esferas de vidro em um recipiente cilíndrico contendo a suspensão celular (GARCIA,2006). O choque das esferas com a biomassa promove transferência de energia e consequentemente o rompimento celular. Alguns fatores como tamanho das esferas, velocidade de agitação do moinho e a concentração de células interferem neste processo (LUCI et. al., 2015). Consiste na passagem da suspensão celular por uma câmara de trituração (vertical ou horizontal) promovida de um eixo com discos de agitação e preenchida com esferas de vidro. O rompimento ocorre devido à força de cisalhamento aplicada pelas esferas de vidro contra a parede celular das células. O moinho de bolas, originalmente utilizado nas indústrias de tintas, foi adaptado com sucesso para o rompimento celular, tanto em laboratório quanto industrialmente. É um método simples e efetivo para o rompimento da parede celular de diferentes tipos de micro-organismos. O esquema básico desses equipamentos consiste em uma câmera de moagem encamisada com uma haste longitudinal rotatória no centro. Na haste estão presos agitadores de diferentes formatos que são responsáveis por transmitir energia cinética a pequenas esferas (geralmente de diâmetro inferior a 1,5 16 mm) contidas na câmera, forçando-as a colidirem umas com as outras (MIDDELBERG, 1995). A seleção do diâmetro das esferas e da carga de partículas é de grande importância para uma maior eficiência no processo de ruptura celular, dependendo da localização do bioproduto na célula. Uma carga geralmente de 80-90% do volume livre do compartimento de abrasão é considerada ótima (MIDDELBERG, 1995). É constituído por uma câmera cilíndrica fechada, horizontal ou vertical, um sistema de refrigeração e um eixo que gira em alta rotação. Nessa câmera são adicionadas esferas de vidro e células em suspensão. Ocorre atrito entre esferas e as células o que causa o rompimento celular. As condições de rompimento são facilmente controláveis e a eficiência depende: 1) da geometria da câmera: câmeras horizontais proporcionam maior eficiência; 2) da velocidade: quanto maior a velocidade mais rápido é o rompimento; 3) do tipo de agitador: o que transfere mais energia é o mais eficiente; 4) do tamanho das esferas: bactérias requerem 0,1mm e leveduras 0,5mm. Quanto menor o diâmetro melhor a eficiência; 5) da carga das esferas: as esferas devem ocupar de 80 a 85% do volume da câmera horizontal e 50 a 60% do volume da câmera vertical. Carga muito pequena não proporciona colisão e carga muito grande faz que esferas colidam com esferas; 6) da concentração celular: 30 a 50% do volume da câmera; 7) da velocidade de alimentação: a fração de células rompidas diminui com o fluxo de alimentação, pois diminui o tempo de residência no rompedor; 8) da temperatura: recomenda- se o rompimento entre 5 e 15 graus, para os moinhos de bolas devem possuir mantas de resfriamento. 1.3 Ultrassom O rompimento por ultrassom ocorre quando ondas sonoras de altíssima frequência são convertidas em vibrações em um meio liquido gerando bolhas pequenas, as quais entram em colapso com o passar do tempo, gerando impacto e uma onda de choque que circundam pelo meio líquido, produzindo uma tensão de cisalhamento e o rompimento celular. Método muito utilizado em escala de laboratório e inviável em grande escala. A energia ultrassônica é gerada por um aparelho chamado sonicador e transmitida por uma sonda. Grande parte da energia ultrassônica absorvida pela suspensão celular se transforma em calor, por isto um controle de temperatura é necessário (MIDDELBERG, 1995). O mecanismo de ruptura celular por ondas ultrassônicas está associado com o fenômeno de cavitação. Este fenômeno resulta na liberação de ondas de choque altamente energéticas, que causam a aparição de tensões mecânicas, provocando danos na superfície atingida. As forças cisalhantes produzidas pelo turbilhonamento gerado durante a cavitação geram pequenas bolhas de ar, e quando estas bolhas são maiores que as células, elas fazem com que estas células se movimentem de forma violenta até que ocorra o rompimento das mesmas. Por outro lado, quando as bolhas são menores que as células, elas são capazes de gerar stress cisalhante disruptivo sem a necessidade de movimentação das células. Dessa forma, células maiores sentem mais o turbilhão do que células menores (GECIOVA, BURY; JELEN, 2002). Desvantagens do rompimento mecânico As elevadas forças de cisalhamento provocadas pelos rompimentos mecânicos podem destruir organelas celulares e desnaturar enzimas; com o rompimento integral das células todo o conteúdo intracelular, incluindo ácidos nucléicos, organelas e fragmentos celulares é liberado junto com a molécula-alvo, sendo que o homogeneizado celular pode conter grande quantidade de contaminantes e elevada viscosidade. 2. Não Mecânicos 2.1 Choque osmótico Para o rompimento celular em meio com alta pressão osmótica, as células devem ser mantidas por 30 min em meio cuja concentração de sacarose seja de 20%, separadas por centrifugação e suspendidas em água destilada a 4ºC. O choque não rompe a célula integralmente, mas propicia uma permeabilidade seletiva, onde algumas proteínas podem ser liberadas para fora da célula. Essa técnica reduz a quantidade de contaminantes para ser retirado em técnicas posteriores. Muito indicado para gram-negativas (parede celular mais sensível). 2.2 Congelamento/descongelamento Consiste em ciclos de congelamento e descongelamento, em velocidade e temperaturas adequadas. A ruptura total ou parcial da parede celular se dá pela ação dos cristais de água formados (cristas de gelo que perfuram a célula ou a lesionam) e liberal a molécula-alvo. Os fatores de importância a se considerar são: tipo de célula, sua idade, temperatura final de congelamento e as velocidades de congelamento e aquecimento. É indicado para rompimento de patógenos, porém possui algumas desvantagens por ser um método demorado e de difícil implantação em grande escala, além disso, enzimas sensíveis ao congelamento podem acabar sendo inativadas. Logo, não é indicado para a obtenção de biomoléculas sensíveis. 2.3 Aquecimento/ Termólise Consiste no aquecimento da suspensão celular em banho termostatizado, com injeção direta de vapor, tambor rotativo ou em spray-drier. São os mais utilizados para rompimento em larga escala devido à sua simplicidade; principalmente utilizados para algas, fungos filamentosos, leveduras e bactérias destinadas à produção de proteína microbiana; apresenta a vantagem de gerar fragmentos celulares com maiores dimensões e, portanto, de mais fácil remoção por filtração ou centrifugação. Exemplos: Rompimento total de células de uma suspensão de E. coli (bactéria Gram-negativa), ocorre com aquecimento a 90 ºC por 15 minutos com liberaçãode enzimas intracelulares. Uma suspensão de Bacilus megaterium nas mesmas condições proporciona o rompimento de menos da metade das células (bactéria Gram-positiva - camada mais espessa de peptideoglicano). 3. Químicos 3.1 Álcalis Os compostos álcalis mais utilizados para o rompimento celular são o hidróxido de sódio e a amônia, em razão da inativação de patógenos ou microrganismos geneticamente modificados. Essa técnica é adequada para ser utilizada quando a biomolécula se encontra estável em um pH acima de 11,0. Ademais, é um método simples e com baixo custo de investimento, podendo facilmente ser ampliado em larga escala. Sua principal desvantagem é a geração de poluentes produzida durante o uso. 3.2 Detergente Os detergentes têm como função desestruturar as moléculas de lipídio das membranas biológicas, gerando a ruptura e todo seu conteúdo celular passa a ficar disperso na solução. Nesse caso, a célula apresenta a possibilidade de ser totalmente rompida, devido à propriedade que os detergentes possuem de dissociar proteínas e lipoproteínas de suas paredes celulares. Isso ocasiona a formação de poros que irão liberar a molécula alvo em questão. A eficiência dessa ruptura irá depender do pH e da temperatura, podendo ser aumentado por meio de um pré-tratamento à base de solventes orgânicos que estimulam a autólise. 4. Enzimáticos 4.1 Lise enzimática Esse processo utiliza enzimas que possuem a capacidade hidrolisar as paredes celulares de células microbianas. O mecanismo consiste no rompimento da membrana citoplasmática através de pressão osmótica interna. Após a parede celular, ou parte dela, ser removida pelas enzimas, o conteúdo intracelular é liberado para o meio externo. A lise enzimática é um método de rompimento celular atraente em termos da sua especificidade, condições suaves de operação, baixo investimento de capital, além de ser adequado para a recuperação de biomoléculas sensíveis à tensão de cisalhamento (Harrison, 1991). É vantajoso devido à facilidade no controle de temperatura e do pH, alta especificidade para degradação da parede celular e é possível associar o uso com outros métodos, mecânicos ou não. Já como desvantagens, tem-se o alto custo das enzimas e a variação da eficiência em função do estado fisiológico do microrganismo, visto que a eficácia dessas enzimas pode variar de acordo com o estágio de crescimento celular, gênero e espécie. O sistema enzimático deve ser adequado para cada tipo de organismo, pois possuem composições distintas na parede celular. As bactérias gram-negativas, diferentes das gram-positivas, são compostos por uma parede com duas camadas: a interna, de peptidoglicano e a externa, de lipoproteínas, proteínas, fosfolipídios e lipossacarídeos. Figura X – Diferentes estruturas de paredes celulares de microrganismos REFERÊNCIAS HARRISON, S. T. L. Bacterial cell disruption : a key unit operation in the recovery of intracellular products. Biotechnology Advances, v.9, n.2, 1991. LEITÃO, Ana Laura Oliveira de Sá. Avaliação de métodos de rompimento celular e de diferentes metais imobilizados em resina Streamline Chelating para purificação do antígeno 503 de Leishmania i. chagasi. 2017. Dissertação de Mestrado. Brasil. NEVES, L. C. M. Obtenção da enzima glicose 6-fosfato desidrogenase utilizando ‘Sacchamomyces cerevisiae’ W303-181. Dissertação (Mestrado em Tecnologia de Fermentações) – Faculdade de Ciências Farmacêuticas, USP, 2003. PESSOA JR, A.; KILIKIAN, B. V. Purificação de produtos biotecnológicos. Barueri, SP: Manole, 2005.
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