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1 CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO NA ÁREA DE SURDO- CEGUEIRA E DEFICIENCIA INTELECTUAL GUARULHOS – SP 2 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 4 2 HISTÓRIA DO CONCEITO DE DEFICIÊNCIA .......................................................... 5 3 ABORDAGENS ATUAIS SOBRE DEFICIÊNCIA ....................................................... 9 4 DEFICIÊNCIA NÃO É SINÔNIMO DE INCAPACIDADE ......................................... 11 5 AS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E O TRATAMENTO DADO A ELAS AO LONGO DA HISTÓRIA ................................................................................................................ 13 6 DA EXCLUSÃO À INCLUSÃO ................................................................................. 16 7 AS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E AS DIFERENTES NOMENCLATURAS UTILIZADAS AO LONGO DA HISTÓRIA ....................................................................... 19 8 POSSÍVEIS CAUSAS PARA A SURDEZ E A CEGUEIRA ...................................... 22 9 DEFICIÊNCIA VISUAL E CEGUEIRA ..................................................................... 23 10 DEFICIÊNCIA AUDITIVA E SURDEZ ...................................................................... 24 11 CLASSIFICAÇÃO DA DEFICIÊNCIA AUDITIVA ..................................................... 25 12 DESENVOLVIMENTO E EDUCAÇÃO DE CRIANÇAS SURDAS E DEFICIENTES VISUAIS......... ................................................................................................................ 27 12.1 Aspectos do desenvolvimento e as implicações socioeducacionais da criança cega.................................................................................................................................28 12.2 Aspectos do desenvolvimento e as implicações socioeducacionais da criança surda........................................ ....................................................................................... 30 13 NECESSIDADES EDUCATIVAS ESPECIAIS E A INCLUSÃO DE ALUNOS COM SURDEZ, DEFICIÊNCIA AUDITIVA, CEGUEIRA E BAIXA VISÃO ............................... 32 13.1 Necessidades Educativas Especiais para alunos com deficiência visual e a educação............ ............................................................................................................ 32 13.2 Ensino do Braile ................................................................................................... 34 13.3 Necessidades educativas especiais para alunos surdos e a educação .............. 37 14 EDUCAÇÃO ESPECIAL E INCLUSIVA ................................................................... 43 14.1 Transtorno do espectro autista ............................................................................ 44 14.2 Deficiências múltiplas .......................................................................................... 46 15 AUTISMO .................................................................................................................48 15.1 Histórico........ ....................................................................................................... 48 3 15.2 Traços autistas .................................................................................................... 49 16 PRÁTICAS EDUCACIONAIS ................................................................................... 51 16.1 Transtorno do espectro autista ............................................................................ 52 16.2 Deficiências múltiplas .......................................................................................... 53 17 ALUNOS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL ........................................................ 54 18 DIFICULDADES ENFRENTADAS NA BUSCA POR UMA PRÁTICA EDUCACIONAL INCLUSIVA........ ............................................................................................................ 54 19 ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO: DEFINIÇÕES À LUZ DO PARADIGMA INCLUSIVO .............................................................................................. 57 20 DISTÚRBIOS DE APRENDIZAGEM ....................................................................... 61 20.1 Rendimento nas atividades escolares ................................................................. 64 20.2 O que acontece no Brasil ..................................................................................... 66 21 OS DISTÚRBIOS DE APRENDIZAGEM E A AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM ......... 67 22 OS DISTÚRBIOS DE COMUNICAÇÃO ................................................................... 70 23 HISTÓRIA DAS POLÍTICAS EM EDUCAÇÃO ESPECIAL ...................................... 73 24 DIRETRIZES SOBRE EDUCAÇÃO INCLUSIVA NO BRASIL ................................. 76 25 OS DESAFIOS DAS ESCOLAS BRASILEIRAS DIANTE DA INCLUSÃO ESCOLAR.......................................................................................................................78 26 A REDE DE APOIO NAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO VOLTADAS À INCLUSÃO 80 27 PROFISSIONAIS ENVOLVIDOS NO PROCESSO DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA .. 82 28 A MANUTENÇÃO DE UM AMBIENTE COLABORATIVO E O BOM DESEMPENHO DA INCLUSÃO ............................................................................................................... 84 REFERÊNCIAS .............................................................................................................. 87 4 1 INTRODUÇÃO Prezado aluno! O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 5 2 HISTÓRIA DO CONCEITO DE DEFICIÊNCIA As diferenças nos modos de ser e existir são consideradas, analisadas e ponderadas desde os tempos mais longínquos. Na Grécia Antiga, a deficiência — principalmente a referida na ordem intelectual — chegou a ocupar o status de privilégio, por se caracterizar como certa liberdade presente nos indivíduos que a manifestavam, sob a forma de delírios (PELBART, 1989). Sócrates e Platão ressaltaram aspectos da deficiência em seus discursos. Platão deixou registrada, em seus escritos como Banquete e Fedro, a deficiência manifesta como Manikê, referindo-se ao delirante, para em seguida relacioná-la à arte divinatória Mantikê. Assim, as deficiências e os modos de estar no mundo se manifestavam por meio das diferenças — algo ao mesmo tempo especial e limitador (PELBART, 1989). O filósofo Hipócrates, considerado o “pai da medicina” (460–377 a.C.), conectou o que denominou “loucura” a implicações orgânicas. Nesse sentido, foi pioneiro ao propor uma interpretação conectada a doenças ou deficiências baseadas em origens e manifestações biológicas (PESSOTI, 1997). Nesse sentido, surgiram no século XVI maneiras de tratar os diferentes, os que não se encaixavam no cumprimento dasregras, ao mesmo tempo em que eles foram removidos do convívio social. Além de pensões e hospedarias específicas para esse público, cujo intuito era retirá-los da circulação das ruas e ainda usá-los como objetos de estudo, havia a chamada Nau dos Loucos. Tratava-se de uma embarcação que se propunha a navegar pelas águas calmas de rios e canais da Europa como um depósito para “loucos” e “leprosos” (FOUCAULT, 1978, p. 12). Entretanto, foi somente no início do século XIX, depois de muita barbárie no tratamento de pessoas com algum tipo de deficiência, que Philippe Pinel conseguiu inserir uma evolução do conceito de loucura, ao caracterizá-la como doença mental e, em seguida, como deficiência mental. Considerado o fundador da psiquiatria, Pinel estabeleceu a necessidade de permitir que o modo de ser dos sujeitos pudesse se expressar, determinando o desencarceramento dessas pessoas com deficiências intelectuais e indicando a criação de lugares específicos para tratamento com estímulos 6 adequados. Foi assim que Pinel se tornou também um dos fundadores da clínica médica (FRAYZE-PEREIRA, 1993). Apesar de todo o esforço para a condução de um tratamento moral das pessoas com deficiência intelectual, houve, ao longo de todo o século XIX, um alastramento da criação de asilos, os quais acabaram sendo concebidos como manicômios. Nesses locais, os tratamentos visavam à cura e, para isso, não mediam esforços para aplicar métodos que moldassem os comportamentos dos deficientes. Por meio de técnicas, aparelhos e medicações, buscavam a contenção dos sintomas, sem considerar as singularidades e peculiaridades de cada sujeito. (DUARTE, 2018) Foi durante a transição do século XIX para o século XX que surgiu uma preocupação com a linearidade das manifestações das deficiências. A partir disso, os fisiatras e estudiosos da época se preocuparam em contabilizar e categorizar as deficiências intelectuais sob o ângulo de suas funcionalidades. Então, estabeleceu-se na América do Norte, em 1880, uma espécie de censo com o primeiro esboço de um manual diagnóstico, no qual as deficiências intelectuais foram organizadas em sete categorias: mania, melancolia, monomania, paresia, demência, dipsomania e epilepsia (BLACK; GRANT, 2015). O primeiro esboço da formulação da declaração dos direitos humanos também ocorreu nos Estados Unidos. O documento alertava para a necessidade de fiscalizar e orientar as instituições que ofereciam tratamento às pessoas com deficiências intelectuais, buscando inibir internações arbitrárias e maus tratos que poderiam estar disfarçados sob a forma de tratamento. Esses movimentos em direção à garantia de direitos e tratamento digno promoveram avanços na psiquiatria enquanto ciência e conduziram inspirações para as ciências naturais. Além disso, auxiliaram no despertar de descobertas médicas e bacteriológicas, da anatomia patológica e da então recente neurologia, que se propunha a conectar os aspectos ligados à organicidade e à funcionalidade da estrutura cerebral aos comportamentos humanos (LAPLANTINE, 2010). Com a demanda por compreensão dos sujeitos com deficiências e das suas especificidades, tornou-se mais viável buscar tratamentos que se ancorassem no desenvolvimento das necessidades específicas de cada um. Despertou-se para a 7 importância de conduzir tratamentos que escapassem de uma lógica que rotula e acaba por aniquilar o princípio individual, enxergando apenas as limitações e os sintomas, e seguindo as suas intervenções somente na direção de uma normatização e um silenciamento das diferenças (FERREIRA, 2000). No Brasil, até a construção da Constituição Federal de 1988, os termos “excepcional” e “deficiente” eram utilizados para definir as pessoas com deficiência. Entretanto, por se tratar de uma definição limitada e por vezes pejorativa, implicava necessidade de mudanças. Assim, a atenção às pessoas com deficiências aparece em momentos bem pontuais da Constituição, como consta nos seguintes artigos (BRASIL, 1988, documento on-line): Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: [...] IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: […] III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino; […] V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um. Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. […] II - criação de programas de prevenção e atendimento especializado para os portadores de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos. § 2º A lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência. Somente em 1990, com a assinatura na Declaração de Caracas, documento que buscou propor uma reestruturação da assistência psiquiátrica, os direitos das pessoas com deficiência começaram a ser constituídos enquanto política pública (OPAS/OMS, 8 1990). Esse documento alertou para a necessidade de criação de políticas públicas no Brasil e levou à criação do Estatuto da Pessoa com Deficiência, que se estabeleceu a partir da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU e o seu Protocolo Facultativo, ratificados na forma do Artigo 5º da Constituição Federal. O Estatuto da Pessoa com Deficiência é destinado a estabelecer as diretrizes e normas gerais, bem como os critérios básicos para assegurar, promover e proteger o exercício pleno e em condições de igualdade de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais pelas pessoas com deficiência. Além disso, esse Estatuto visa à inclusão social e cidadania plena e efetiva da pessoa com deficiência, seja por ordem física, sensorial (auditiva e visual) ou intelectual (BRASIL, 2015). Nas discussões mais recentes sobre a caracterização do conceito de deficiência, é possível acompanhar uma transição para o reconhecimento e a expansão das possibilidades de existir de cada pessoa, para além de normas e padrões. Gaudenzi e Ortega (2016) propõem a visualização do conceito de deficiência em conformidade com a normatividade, escapando das lógicas enclausurantes da normalidade. Normatividade refere-se ao desenvolvimento de autonomia em conformidade com a subjetividade e as especificidades de cada sujeito. 9 3 ABORDAGENS ATUAIS SOBRE DEFICIÊNCIA A partir dos anos 2000, o conceito de deficiência passou a ser percebido de maneira ampliada, buscando compreender o sujeito de maneira integrada ao seu contexto. Dessa maneira, as políticas que promovem o apoio e o assistencialismo buscam se caracterizar como instrumentos de emancipação da pessoa com deficiência (FONSECA, 2008). Desse modo, faz-seprevalecer o equilíbrio para assegurar condições mínimas à efetiva inclusão social. A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência foi realizada na sede das Nações Unidas, em Nova York, no ano de 2006. Nela, é a palavra respeito que conduz o reconhecimento pleno do direito das pessoas com deficiência de viver de forma autônoma e plena em sociedade — ou seja, nem desprezo, nem indiferença, nem simpatia, mas simplesmente respeito. Essa convenção da ONU não visava à criação de novos direitos, mas especificou os existentes, que preferencialmente deveriam se ater às condições individuais das pessoas com deficiência, para que elas pudessem ter as mesmas oportunidades que a maioria dos seres humanos (FERREIA; OLIVEIRA, 2007). Assim, a Convenção Internacional Sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, assinada em Nova York, em 30 de março de 2007, também refere um conceito de deficiência muito mais adequado à contemporaneidade. Em seu primeiro artigo, descreve que pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (ARAUJO, 2011). Nesse sentido, consta em documentos como o Estatuto da Pessoa com Deficiência, instituído a partir da Lei13.146, de 6 de julho de 2015 (BRASIL, 2015), que os direitos das pessoas com deficiência devem ser assegurados em conformidade com as suas singularidades. Além disso, devem estar fundamentados nos princípios da universalidade e da solidariedade. Para isso, o Estado é responsável por propiciar condições mínimas para que as pessoas com deficiência possam de fato se inserir na sociedade, com participação plena e efetiva, em que seja possível viver com independência e dignidade (BRASIL, 2015). 10 As políticas públicas da atualidade utilizam um conceito de deficiência, de forma geral, no qual o sujeito possa conquistar espaço para existir, sem precisar se limitar por barreiras arquitetônicas, estruturais, sociais, culturais ou econômicas que o coloquem em desvantagem em relação a quem não possui deficiência. Conforme o relatório mundial sobre a deficiência (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2012), as pessoas com deficiência representam 15% da população mundial, o que significa cerca de um bilhão de sujeitos. Dessa maneira, configura-se na minoria mais presente no planeta, sendo esse fato promovedor de urgências para a criação, priorização e seguridade dos direitos, além do estabelecimento de políticas públicas específicas. Outro ponto desse relatório pode ser relacionado às desigualdades encontradas pelas pessoas com deficiência, como carências no acesso à saúde e à educação, além das constantes exposições a violências e à vulnerabilidade social e econômica, impactando negativamente no desenvolvimento desses sujeitos. As deficiências circulam pelos mais variados aspectos dos sujeitos, no que se refere aos tipos e graus de deficiência. Em outras palavras, o sujeito pode apresentar desde alguma dificuldade ou uma grande dificuldade até incapacidade de locomoção, visual, auditiva ou deficiência intelectual. É possível ainda apresentar deficiências múltiplas, com duas ou mais deficiências associadas, como na paralisia cerebral, na qual é comum que a pessoa apresente deficiência intelectual, dificuldades para locomoção e audição e, em alguns casos, até mesmo na visão (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2012). Tais aspectos tornam as pessoas com deficiências um grupo social extremamente heterogêneo e com uma imensa diversidade de manifestações. 11 4 DEFICIÊNCIA NÃO É SINÔNIMO DE INCAPACIDADE Ainda na primeira metade do século XX, surgiu o modelo biomédico sobre o conceito de deficiência, interpretando-a como mera barreira ou incapacidade a ser superada pela pessoa que a portava. Em seguida, instalou-se a transição para o modelo social do conceito de deficiência, relacionado à inclusão da pessoa com deficiência e à superação das barreiras estruturais. Atualmente, o paradigma dos direitos humanos é inserido, no intuito de garantir a dignidade, a autonomia e o acesso a todos os direitos sociais da pessoa com deficiência, bem como o combate à violação de seus direitos (SCHMIDT, 1997). Na atualidade, há uma preocupação para além das limitações impostas pela própria deficiência: construir constantemente espaço para a superação de barreiras ao pleno desenvolvimento do sujeito com deficiência. As políticas públicas direcionadas às pessoas com deficiência, assim como as problematizações do contexto estimuladas pelas convenções sobre os seus direitos, buscam distanciar o conceito de deficiência do de incapacidade, a fim de não restringir o conceito de deficiência a aspectos médicos. Ao mesmo tempo, são incorporados aspectos sociais, ou seja, a pessoa com deficiência deve ser compreendida para além dos aspectos físicos, sensoriais, intelectuais e mentais, destacando a conjuntura social e cultural em que o sujeito com deficiência está 12 inserido (FONSECA, 2008). Assim, o sujeito, visto além da deficiência e de suas barreiras de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, pode ser contemplado por meio de outros cenários para o desenvolvimento integral de suas potencialidades. Nesse sentido, as políticas públicas garantem à pessoa com deficiência o recebimento de benefício assistencial (quando o indivíduo se encaixa em critérios socioeconômicos), tendo garantia de benefícios como isenção de impostos como o IPI; preenchimento do percentual de funcionários com deficiência em empresas com mais de cem empregados; vagas destinadas às pessoas com deficiência em concursos públicos; participação nas paraolimpíadas e atendimento prioritário (FONSECA, 2008). Ademais, as políticas públicas promovem a garantia de espaço para que as pessoas com deficiência possam demonstrar as suas potencialidades e os seus talentos, especialmente nas áreas em que possuem maior desenvolvimento. A partir disso, o deficiente poderá encontrar uma maneira de ser visto enquanto sujeito integral, para além da deficiência. (DUARTE, 2018) Ao longo da história, o conceito de deficiência e a visão sobre a pessoa com deficiência enfrentaram muitos percalços. Nem sempre foi possível priorizar o desenvolvimento do sujeito integral, com respeito e construção da autonomia. No entanto, toda essa bagagem conduziu à consideração de aspectos fundamentais e indispensáveis, como a compreensão do sujeito em sua integralidade e singularidade. (DUARTE, 2018). 13 Nesse sentido, constituiu-se na contemporaneidade um novo conceito de deficiência, o qual expõe a evolução da cultura e da sociedade para o respeito às diferenças e à diversidade nos modos de ser e existir. Oportunizou-se assim que as pessoas com deficiência tenham livre acesso aos seus direitos, participando da vida social em igualdade e equidade. Tais aspectos atuam para a destruição das barreiras e buscam atuar em favor de uma inclusão íntegra e plenamente satisfatória para todos. (DUARTE, 2018) 5 AS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E O TRATAMENTO DADO A ELAS AO LONGO DA HISTÓRIA Ao longo da história da humanidade, as pessoas com deficiência foram vistas das mais variadas formas, acompanhando a evolução do pensamento humano característico de cada época. Elas foram sujeitadas a situações que iam desde uma visão divina sobre as suas condições até métodos de correção e cura por meio de torturas e sacrifícios. Dessa maneira, as pessoas com deficiência ficaram à mercê das resoluções alheias, discriminadas e pouco ou nada compreendidas ao longo da história. (DUARTE, 2019) Já nos tempos mais remotos, em civilizações arcaicas, é possível encontrar registros sobre os métodos adotados para o manejo com as pessoas com deficiência,levando muitas vezes à sua aniquilação. Como exemplo, podemos citar Esparta, onde, de acordo com a legislação instaurada, as crianças nascidas com alguma deformidade ou diferença anatômica não eram consideradas pessoas e, portanto, eram levadas ao alto de montes e atiradas de lá. Imaginava-se que essas crianças deveriam ser imediatamente eliminadas por representarem impedimentos para a procriação de sujeitos que se encaixavam em um padrão de “normalidade” (LORENTZ, 2006). Métodos semelhantes são encontrados em estudos antropológicos sobre tribos indígenas de diversas regiões do planeta, demonstrando visivelmente um estigma criado em relação àqueles que possuíam alguma diferença. Mesmo pessoas nascidas com um padrão anatômico aceitável ou não muito discrepante dos demais, ao desenvolverem e demonstrarem qualquer dificuldade, eram afastadas do grupo e deixadas à própria sorte 14 em locais afastados, em meio à florestas. Demonstra-se assim que as pessoas com deficiência carregam consigo, ao longo de toda a história da civilização, marcas e estigmas engendrados para excluí-las e segregá-las, sendo essas condutas justificadas por ideias hegemônicas e preconceituosas (GOFFMAN, 1978). Tais métodos eram justificados por códigos e escritos que relatavam os modos de viver da época, conforme os registros de Aristóteles e Platão, sobre legislações ideais na Antiguidade Clássica. Nesses registros, fica claro que os direitos individuais não eram reconhecidos e, portanto, eram colocados em segundo plano em relação ao direito público coletivo. Dessa forma, o Estado tinha o direito de não tolerar as deformidades ou monstruosidades de seus cidadãos (COULANGES, 2003). As religiões contribuíram para o entendimento de que as pessoas com deficiência deveriam ser vistas como pessoas em uma situação passível de cuidado e atenção, ainda que essa perspectiva tenha seus aspectos excludentes, por meio da criação de instituições como asilos e hospitais, onde as pessoas acabavam ficando confinadas sob a alegação de que deveriam receber assistência. Tal perspectiva contribuiu para um olhar mais orgânico sobre as deficiências, inserindo a ideia de que a pessoa com deficiência poderia ser curada, tratada ou desenvolvida de alguma maneira que a aproximasse de um padrão de normalidade, atribuindo funcionalidade e independência aos sujeitos (PIOVESAN, 2012). No decorrer de todos os momentos históricos, da civilização mais arcaica até bem recentemente, há registros de condutas excludentes e exterminadoras de pessoas com deficiência. Esses indivíduos foram eliminados por meio de assassinatos, abandonados sem qualquer cuidado, encarcerados e expostos a experimentos e pesquisas desumanas — como visto em relatos da Segunda Guerra Mundial (LORENTZ, 2006). O período entre guerras da primeira metade do século XX e a escassez da mão de obra qualificada oportunizaram a necessidade de educar e desenvolver, de maneira a construir a autonomia e as competências das pessoas com deficiência. Além disso, também possibilitaram o surgimento de classes especiais de educação dentro de escolas regulares, bem como o desenvolvimento de centros de reabilitação para as mais variadas deficiências. De acordo com Canziani (1995), foi somente a partir da segunda metade do 15 século XX que as pessoas com deficiência puderam escapar da concepção de invalidez e ser vistas como pessoas aptas ou inaptas — ideia que coincidiu com a expansão do modelo econômico capitalista. Conforme indica Lorentz (2006), a educação especial começou a ser delineada por meio do assistencialismo de clínicas e locais para o desenvolvimento das pessoas com deficiência. Nesses espaços, era priorizada a necessidade de ajustar, moldar, condicionar e, ainda, almejar a cura das pessoas com deficiência, para somente depois promover a sua inserção na sociedade. Nesse sentido, mesmo quando começaram a surgir classes especiais dentro das escolas regulares, estas ainda tinham o intuito de segregar, pois se compreendia, nessa época, que era preciso preparar a pessoa com deficiência para o convívio social, para, numa fase posterior, permitir o seu convívio com a sociedade. A década de 1980 foi um marco importante para as pessoas com deficiência, em especial para a construção de considerações relacionadas à sua educação. O ano de 1981 foi declarado como o Ano Internacional da Pessoa Deficiente (como era denominada a pessoa com deficiência nessa época) e deu o primeiro pontapé para as tessituras da efetivação dos direitos humanos das pessoas com deficiência. Esse fato produziu nas pessoas com deficiência consciência de si e de suas condições e potencialidades, possibilitando, a partir disso, uma organização política (FIGUEIRA, 2008). Somente em 1986, a expressão “alunos excepcionais” foi substituída por “alunos portadores de necessidades especiais”, conforme Bueno (1993). Nesse sentido, a partir dessa apropriação das pessoas com deficiência, a sociedade passou a desenvolver a sua aceitação e respeito, buscando superar a ideia de que esses indivíduos deveriam ter superado as suas diferenças, para somente depois se inserirem no convívio social. Aos poucos, em meio ao crescente interesse de diversos estudiosos para a construção de teorias da educação e a consciência de uma impossibilidade de cura para muitas deficiências, foi se potencializando a necessidade de abertura de oportunidades para as pessoas com deficiência, para a construção de seus direitos basilares a partir de seus próprios discursos. Dessa maneira, a tolerância à pessoa com deficiência também foi consubstanciada na proteção e no paternalismo da sociedade em relação esse grupo 16 de pessoas, por meio de declarações como a de Salamanca, em 1994, sobre princípios, políticas e práticas na área das necessidades educativas especiais, e as convenções internacionais da Organização das Nações Unidas (ONU) de 1996 e 1997. Em essência, as lutas pelos direitos das pessoas com deficiência implicaram fortemente na construção e no delineamento da educação especial. Contudo, apesar de todo o embasamento legislativo e da conquista dos direitos das pessoas com deficiência, ainda se contemplava a ideia de que era a pessoa com deficiência que precisava se adaptar à sociedade, e não a sociedade que lhe propiciaria meios de acessibilidade (PIOVESAN, 2012). Assim, as pessoas com deficiência foram percebidas como pessoas somente na história bem recente, ao fim do século XX e início do século XXI. Todavia, ainda são pouco escutadas e contempladas de acordo com as suas singularidades, sendo muitas vezes encaixadas em códigos que só visualizam a doença, beirando a negação da existência de uma pessoa única e pluralizada em sua subjetividade (SAVIANI, 1992). O Quadro 1 apresenta as diferenças entre os conceitos de inclusão, exclusão e segregação. 6 DA EXCLUSÃO À INCLUSÃO No Brasil, conforme Saviani (1992) a situação da educação ainda apresenta como agravante o reflexo da carência das políticas públicas. Em outras palavras, a educação das classes mais baixas era inexistente ou precária, pois as minorias eram usadas como mão de obra em zonas rurais ou fábricas. Dessa forma, as pessoas com deficiência que não tinham grande dificuldade de locomoção eram condicionadas ao 17 trabalho desde muito cedo, deixando passar despercebidas muitas das suas necessidades educacionais especiais. A pessoa com deficiência passou (e ainda passa) por estigmas relacionados à sua aparência ou apresentação, à sua maneira de se comportar e de pensar ou reproduzir o seu pensamento por meio da comunicação. Pensando no sujeito em integração com o meio, a pessoa com deficiência sofre de maneira mais significativa as carências do contexto no qual está inserida. Ela é atingida de forma que impede ou limita o seu desenvolvimento, conforme as vulnerabilidades àsquais está exposta, sejam elas econômicas (com situações de pobreza e miséria), culturais (acesso restrito à educação), sociais (pelas violências), entre outras. (DUARTE, 2019) As condutas excludentes infelizmente são reflexo de uma formação carente de humanidade da nossa sociedade e das políticas públicas. Ainda pouco tolerantes com as diferenças e diversidades, as instituições de ensino equilibram-se entre o manejo com o público de pessoas com deficiência e das sem deficiências. Embora essa realidade esteja aos poucos se transformando, ainda há muitas pessoas com deficiência que se veem excluídas da sociedade. (DUARTE, 2019) A educação especial de desenvolveu de maneira a considerar as peculiaridades educacionais de cada sujeito e teve seu início por meio de turmas de classe especial. Nessas classes, as pessoas com deficiência conviviam entre si, de acordo com a sua idade e as fases do desenvolvimento, em uma instituição de ensino regular com outras turmas de classes regulares. Essa modalidade educacional ofertava espaço para que as turmas ocupassem um mesmo território, mas sem que houvesse uma integração entre os alunos, impossibilitando o convívio mais efetivo entre as pessoas com e as sem deficiência, salvo em momentos de chegada ou partida — ainda que algumas instituições realizassem até mesmo esses momentos em horários separados (BUENO, 1993). A educação especial pretendia, dessa maneira, proteger a pessoa com deficiência e ainda oportunizar o seu desenvolvimento. Todavia, essa proteção ficava à sombra de uma segregação ou exclusão e, por esses motivos, essa modalidade de educação especial não é mais mantida na atualidade. Outra modalidade da educação especial foi a criação de escolas específicas e exclusivas para as pessoas com deficiência. (DUARTE, 2019) 18 Hoje essas instituições ainda existem, mas são raras, e visam o pleno desenvolvimento educacional das pessoas com deficiência, possibilitando o convívio com os seus pares e estimulando a socialização. Por contarem com um espaço mais amplo do que somente uma sala, como ocorria nas instituições com classes especiais, as pessoas com deficiência podem ter acesso a uma estrutura com adaptações arquitetônicas e acessibilidade plena, podendo exercer livre circulação, exploração e apropriação dos espaços. (DUARTE, 2019) Desde os anos 1990, como explica Sassaki (1997), existe um esforço da sociedade para que se possibilite a efetiva inclusão das pessoas com deficiência. A partir desse ideal, construiu-se a ideia da educação inclusiva, na qual pessoas com deficiência convivem na mesma turma de educação regular, mas com ensino adaptado às suas singularidades, mediante a consecução de projetos de desenvolvimento específicos para cada sujeito. Essa acepção favoreceu transformações na mentalidade social, não só com relação às famílias das pessoas com deficiência, como também com todas as pessoas com deficiência (SASSAKI, 1997). No entanto, a trajetória inclusiva da prática educativa encontrou alguns percalços. As pessoas com deficiência precisam ser compreendidas em sua individualidade, e algumas necessitam de atenção integral e exclusiva de um agente educador. O agente educador como mediador do processo educacional pode atuar de múltiplas maneiras, podendo facilitar o processo e estimular o desenvolvimento. No entanto, também pode causar prejuízos, como pressupor condutas vitimizadoras e limitantes das pessoas com deficiência ou ainda inibir o convívio entre os pares. A educação inclusiva em instituições regulares de ensino precisa ser acompanhada caso a caso, com todas as considerações singulares e subjetivas implicadas no processo educativo de cada sujeito (PIOVESAN, 2012). A educação inclusiva estimula o olhar sobre a diversidade social, que passa a ser objeto de aceitação e desejo em um novo modelo de inclusão social. Assim, para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária, deve haver a aceitação da diversidade social como um aspecto do direito à igualdade, sobretudo nas atuais sociedades multiculturais, nas quais a diversidade é a tônica social medular (ASSIS; POZZOLI, 2005). 19 Uma consideração bem importante para a educação da pessoa com deficiência é que ela deve, necessariamente, ser agente condutor de sua autonomia, e não mero recebedor passivo de prestações alheias (FIGUEIRA, 2008). Em resumo, a pessoa com deficiência deve ser protagonista e condutor de seu processo de inclusão. Assis e Pozzoli (2005) inserem que a educação deve preferencialmente ser vista como um todo, entre as pessoas com deficiência e as pessoas sem deficiência. Ela necessita de uma integração verdadeira desde a sua base, na educação infantil, estimulando as virtudes, a tolerância, a empatia e o apoio mútuo, assim como promovendo e desenvolvendo a coletividade e a equidade. Conforme Lorentz (2006), a mera tolerância da pessoa com deficiência não proporciona a dignidade humana. A verdadeira inclusão é proveniente do tratamento de respeito pleno, da admiração e do sentimento de amor entre as pessoas, com base na igualdade e na aceitação plena. 7 AS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E AS DIFERENTES NOMENCLATURAS UTILIZADAS AO LONGO DA HISTÓRIA A inclusão social se refere a um processo no qual a sociedade se adapta para poder incluir em seus sistemas sociais as diferenças e diversidades apresentadas pelos 20 sujeitos, entre os quais estão as pessoas com deficiência, ao mesmo tempo em que estes se preparam para assumir os seus papéis sociais. Para Sassaki (1997), a inclusão social se configura a partir de uma cooperação entre pessoa com deficiência e sociedade, com o objetivo de buscar soluções viáveis para problemas mútuos e estabelecer equidade de oportunidades e relações. Assim, para se estabelecer meios em que sejam oportunizadas trocas íntegras e equânimes entre os membros da sociedade, faz-se necessária a problematização de estigmas e do engessamento de ideias que limitem a compreensão do outro em sua singularidade. Nesse sentido, o modo como as pessoas são vistas e nomeadas reflete a sua integridade, o respeito, a atuação e apropriação de uma efetiva inclusão social. (DUARTE, 2019) As terminologias designadas para nomear as pessoas com deficiência acompanharam o desenvolvimento de sua compreensão e respeito ao longo da trajetória histórica da sociedade. Assim, esses indivíduos já foram apontados como aleijados, retardados, mongoloides excepcionais, entre outros. Excepcional, por exemplo, foi o termo utilizado nas décadas de 1950, 1960 e 1970 para se referir às pessoas com deficiência — especificamente a deficiência intelectual. No entanto, com o desenvolvimento de estudos e práticas educacionais referentes às altas habilidades, nas décadas de 1980 e 1990, esse termo passou a se referir a pessoas com inteligência lógico-matemática abaixo da média, ou excepcionais negativos, assim como a pessoas com inteligências múltiplas acima da média, ou excepcionais positivos (SASSAKI, 2003). Por fazer inferências pejorativas e discriminatórias, tais termos são raramente usados e não são recomendados. “Deficiente” é outro termo pejorativo reconhecidamente associado à incapacidade e ineficiência, que não deve ser utilizado. Já o termo “pessoa com necessidades especiais” engloba um conceito muito amplo, pois compreende idosos, gestantes, obesos e outras pessoas que possam ter dificuldade para realizar alguma atividade. Por contemplar um grupo muito vasto, considerando que todas as pessoas possuem alguma necessidade especial em algum nível, não é recomendado para se referir especificamente às pessoas com deficiência (SASSAKI, 2003). Outra terminologia bastante utilizada entre 1986 e 1996, como refere Sassaki (2003), foi a expressão “portador de deficiência”. Todavia, não é adequado o uso desse 21 termo, já que a deficiência não é algo quepossa ser portado, pois portar algo implica a possibilidade de não portar, se assim se desejar, como uma bolsa ou outro objeto. O termo mais adequado é, portanto, “pessoa com deficiência”. Sassaki (2003) orienta que, ao proferir o termo “pessoa com deficiência”, a pessoa se posiciona antes da deficiência. Essa simples inferência destaca que o sujeito, com as suas características singulares, é mais importante do que a deficiência. Assim, é correto afirmar que existem pessoas com deficiência auditiva, pessoas com deficiência visual, pessoas com deficiência física, pessoas com deficiência intelectual. É importante destacar que, para haver inclusão, as pessoas e a sociedade como um todo — e o reflexo de seu espírito coletivo — devem preferencialmente se propor à mudança, a ponto de compreender que, para aceitar as diferenças e oportunizar a expansão da diversidade, faz-se imprescindível estar atento às formas de comunicação. Dessa forma, elas se colocam a favor de construções e trocas permanentemente mútuas. Por meio dessa relação plena entre as pessoas — as suas diferenças e diversidades, os seus modos de ser e existir singulares — e a sociedade, a criação de oportunidades torna-se a base para se estabelecer o equilíbrio social. É por meio dela que se asseguram os princípios da igualdade e da dignidade da pessoa enquanto sujeito individual e coletivo, como está previsto na Constituição. (DUARTE, 2019) 22 8 POSSÍVEIS CAUSAS PARA A SURDEZ E A CEGUEIRA As causas das deficiências sensoriais, de forma geral, são variadas, podendo ser congênitas ou adquiridas. No que se refere à surdez ou deficiência auditiva, Marchesi (2004) aponta que, em cerca de um terço das pessoas, a origem da surdez não pode ser identificada com exatidão e há uma incidência entre 30% e 50% de causas hereditárias. Quanto à surdez adquirida, o autor aponta que as causas normalmente estão associadas a ocorrências como doenças ou lesões no aparelho auditivo, que podem ser provocadas por perfuração do tímpano devido ao uso de objeto perfurante, perda auditiva induzida por ruído e traumas físicos que afetam o osso temporal, entre outros fatores. Quanto à deficiência visual, a Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação, por meio do documento Saberes e Práticas de Inclusão (BRASIL, 2006a), explica que as causas congênitas incluem a prematuridade, por retinopatia da prematuridade ou por excesso de oxigênio na incubadora; a toxoplasmose, que pode levar a corioretinite; a rubéola e infecções na gestação, que podem levar a catarata ou glaucoma. A deficiência visual também pode decorrer de problemas durante o parto, que envolvem hipoxia, anoxia ou infecções perinatais, as quais podem levar à atrofia óptica. Aspectos hereditários como glaucoma congênito, degenerações retinianas (síndrome de Leber) e doenças hereditárias como diabetes também são fatores causadores da deficiência visual. Com relação às causas adquiridas, podem ser destacados os traumas oculares, as lesões cerebrais por acidente, doenças como diabetes, descolamento de retina, glaucoma, catarata, degeneração senil, infecções virais, tumores cerebrais. Também podem ocorrer lesões cerebrais em que o aparelho ocular se encontra em funcionamento normal, mas as mensagens visuais não são corretamente interpretadas e processadas pelo cérebro, o que leva à deficiência visual cortical (encefalopatias, alterações de sistema nervoso central ou convulsões). (LEITE, 2018) 23 9 DEFICIÊNCIA VISUAL E CEGUEIRA O termo “deficiência visual” se refere à diminuição ou perda da resposta visual, de caráter congênito ou adquirido. De acordo com Gil (2000), a deficiência visual pode ser classificada de duas formas: Baixa visão – quando ocorre a perda profunda da acuidade visual, indicando significativa redução do campo visual e da sensibilidade aos contrastes. A baixa visão se apresenta como “[...] incapacidade de enxergar com clareza suficiente para contar os dedos da mão a uma distância de 3 metros, à luz do dia; em outras palavras, trata-se de uma pessoa que conserva resíduos de visão” (GIL, 2000, p. 6). Quando os óculos convencionais, as lentes de contato, os implantes de lentes, os colírios ou as cirurgias não podem melhorar a qualidade da visão, estamos diante de um caso de baixa visão. Cegueira ‒ quando ocorre a ausência total da resposta visual ou mesmo ausência da projeção de luz pelo aparelho ocular. Raramente ocorrem cegueiras absolutas; na maioria dos casos, as pessoas cegas conseguem captar alterações de luz no ambiente, sombras ou mesmo nuances de cores. De acordo com o documento Saberes e Práticas da Inclusão (2006), a cegueira se caracteriza pela acuidade visual igual ou menor que 20/200 ou campo visual inferior a 20° no melhor olho, cujo resíduo visual pode ser utilizado para fins sociais, mas não oferece suporte à realização de tarefas, exigindo auxílio de tecnologias assistivas e/ou técnicas específicas. De acordo com a legislação vigente, mais especificamente a partir da Lei Brasileira da Inclusão, Lei nº 13.146 de 6 de julho de 2015: Cegueira: na qual a acuidade visual é menor ou igual a 0,05 no melhor olho com a melhor correção óptica; a baixa visão, que significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho e com a melhor correção óptica; os casos nos quais a somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60; ou a ocorrência simultânea de quaisquer das condições anteriores (BRASIL, 2015, p. 6). É importante destacar que essa definição não se constitui como uma tipificação visual única. Dependendo das circunstâncias em que se encontram os sujeitos, a maneira como cada pessoa enxerga pode variar. (LEITE, 2018) 24 10 DEFICIÊNCIA AUDITIVA E SURDEZ Bisol e Sperb (2010) apontam a falta de consenso entre os autores sobre os conceitos de surdez e deficiência auditiva. Para alguns, a surdez é uma limitação sensorial, cujas evidências científicas, culturais e sociais indicam que seja uma deficiência. Para outros, no entanto, a surdez não constitui uma deficiência, já que a pessoa surda é capaz de se comunicar; as limitações nessa área lhe são impostas pela sociedade, que não reconhece o seu meio natural de comunicação: a língua de sinais. Para os autores que se dedicam a pesquisar sobre a surdez pelo viés cultural, como Lopes (2007), Perlin (2007), Skliar (2010), essa questão está bastante clara, ou seja, com a oficialização e regulamentação da Libras houve um deslocamento importante do que entendemos sobre as especificidades do sujeito surdo e também do que entendemos pelo conceito da surdez. Ou seja, a Libras proporcionou ao sujeito surdo à possibilidade de ser reconhecido não como uma pessoa deficiente, aquele que não ouve, mas, sim, ser reconhecido a partir da sua especificidade linguística que possibilita que ele se comunique a partir de outra língua e faça parte de uma outra cultura, no caso a cultura surda. Nesse sentido, o sujeito surdo é reconhecido pelo enfoque cultural. Essa questão é muito importante, isso porque, dependendo do nosso olhar sobre a surdez como deficiência ou não, todo o processo de ensino e aprendizagem para esses sujeitos será diferente. Ao longo do texto, essas diferenças serão melhor demarcadas. Assim, a crítica feita por aqueles que defendem que a surdez não é uma deficiência é a de que a educação supervaloriza a audição e a fala, contribuindo para que as pessoas surdas fiquem à margem da sociedade. A pessoa surda é aquela cuja audição não é funcional para todos os sons e ruídos ambientais da vida, apresentando altos graus de perda auditiva, o que pode limitar a aquisição da linguagem oral e escrita. (LEITE, 2018) De acordo com o Decreto 5.626, de 22 de fevereiro de 2005 (BRASIL, 2005, documento on-line): Art. 2º – Considera-se pessoa surda aquela que, por ter perda auditiva, compreendee interage com o mundo por meio de experiências visuais, manifestando sua cultura principalmente pelo uso da Língua Brasileira de Sinais – Libras. Parágrafo único: Considera-se deficiência auditiva a perda bilateral, 25 parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas frequências de 500Hz, 1.000Hz, 2.000Hz e 3.000Hz. A audição é geralmente medida e descrita em decibéis (dB), uma medida relativa da intensidade do som. Zero decibéis representa audição normal, e uma perda auditiva de até 25 decibéis não é considerada uma deficiência significativa. A surdez parcial é também denominada de hipoacusia. (LEITE, 2018) Para entender um pouco melhor de que forma ocorre uma perda auditiva, é fundamental conhecer como funciona o ouvido. O ouvido externo é responsável pela captura dos sons, formado pelo pavilhão auricular (orelha) e o canal auditivo, em continuidade o som é conduzido até o ouvido médio, chocando-se contra a membrana timpânica, produzindo ondas vibratórias que chegam a três pequenos ossos, também conhecidos como cadeia ossicular do ouvido, quais sejam: o martelo, a bigorna e o estribo. Esses três pequenos ossos formam uma ponte entre o ouvido médio e o ouvido interno. Essa interação é responsável por intensificar e ampliar as ondas sonoras antes que elas cheguem à janela oval, o ouvido interno. É no ouvido interno que está localizada a cóclea, cujo formato é o de um caracol que contém um sistema de canais cheio de um líquido aquoso. Quando as ondas sonoras fazem a janela oval vibrar, o líquido se movimenta e mexe células muito pequenas, as quais chamamos de células ciliadas, que o nervo auditivo capta e leva as informações ao cérebro. (LEITE, 2018) As vibrações são transformadas em impulsos elétricos no órgão de Corti (ou órgão espiral), as ondas sonoras, como as conhecemos, que são transmitas pelo ar. São sons captados por nossa via aérea. Também é possível captar os sons por via óssea. No caso de uma pessoa com audição normal, o som é escutado por via aérea e, somente quando o som for muito grave e intenso, sentimos a vibração por via óssea, como, por exemplo, o bater de um tambor. (LEITE, 2018) 11 CLASSIFICAÇÃO DA DEFICIÊNCIA AUDITIVA É necessário saber quais são os fatores etiológicos que originam a perda auditiva. Isso porque existem diferentes classificações para cada tipo de perda auditiva, essas perdas são identificadas por escalas em decibéis (dB). Essas informações são 26 necessárias, pois é por meio delas que o professor irá desenvolver estratégias de ensino para esses sujeitos. (LEITE, 2018) Identificar se o aluno é surdo ou tem alguma deficiência auditiva é fundamental, isso porque todas as discussões voltadas para o seu processo de inclusão no ensino regular serão determinadas por esse fator. Além disso, as práticas pedagógicas voltadas para o ensino de pessoas com deficiência auditiva dependem das suas especificidades linguísticas e comunicacionais. (LEITE, 2018) Segundo o MEC (2003), do ponto de vista educacional, consideram-se dois grupos específicos: parcialmente surdos ou deficientes auditivos: aqueles com surdez leve e surdez moderada; grupo dos surdos: aqueles com surdez severa e surdez profunda. O volume ou intensidade dos sons é medido por unidades chamadas decibéis (dB). Surdez leve: perda auditiva de até 40 dB. Essa perda impede a percepção perfeita de todos os fonemas da palavra, mas não impede a aquisição normal da linguagem. Pode, no entanto, acusar algum problema articulatório ou dificuldade na leitura e/ou escrita. Surdez moderada: perda auditiva entre 40 e 70 dB. Esses limites se encontram no nível da percepção da fala, sendo necessário uma voz de certa intensidade para que seja claramente percebida. A pessoa apresenta maior dificuldade de discriminação auditiva em ambientes ruidosos. Ela identifica as palavras mais significativas, mas tem dificuldade na compreensão de certos termos de relação e/ou frases gramaticais complexas. Surdez severa: perda auditiva entre 70 e 90 dB. Essa perda permite a identificação de alguns ruídos familiares e apenas a percepção da voz de timbre mais forte. A compreensão verbal vai depender da utilização da percepção visual e da observação do contexto das situações. 27 Surdez profunda: perda auditiva superior a 90 dB. Essa perda é muito grave e pode privar a pessoa da percepção e identificação da voz humana, impedindo-a de adquirir naturalmente a linguagem oral. (LEITE, 2018) 12 DESENVOLVIMENTO E EDUCAÇÃO DE CRIANÇAS SURDAS E DEFICIENTES VISUAIS Autores da psicologia do desenvolvimento e da aprendizagem, como Piaget, Vygotsky e Wallon, entre outros, assinalam a importância das interações comunicativas entre o bebê e as pessoas que o cercam. Mas e quando essa comunicação não dispõe de canais fundamentais como a visão ou a audição? O estudo dos impactos da privação dos sentidos da visão e da audição sobre o desenvolvimento é de suma importância para a educação, pois fornece elementos para a compreensão dos aspectos sociais, emocionais, cognitivos e linguísticos envolvidos nas deficiências sensoriais, bem como para a compreensão dos fatores socioambientais que podem influenciar no desenvolvimento pleno das crianças com essas deficiências. (LEITE, 2018) A ausência de estimulação ou restrição de experiências comunicativas visuais e auditivas pode ameaçar o desenvolvimento normal do processo educativo da criança privada de visão ou audição. Além disso, o modo como essa restrição opera sobre o seu 28 desenvolvimento depende de alguns fatores desenvolvimentais, educacionais e socioemocionais, os quais serão abordados a seguir. (LEITE, 2018) 12.1 Aspectos do desenvolvimento e as implicações socioeducacionais da criança cega De acordo com Ochaíta e Espinosa (2004), as crianças cegas podem construir o seu desenvolvimento, apesar das limitações no acesso a informações visuais. Isso ocorre porque há um processo de compensação pelos demais órgãos do sentido, que passam a ser vias alternativas de conhecimento de mundo. Para Farrel (2008), o desenvolvimento social e emocional, da linguagem e cognição e da mobilidade e orientação são afetados na deficiência visual, podendo influenciar o funcionamento e a aprendizagem da criança nessa condição, caso não sejam empregadas as estratégias educacionais adequadas. Cabe ressaltar, conforme apontado pela Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação (BRASIL, 2006a), que não há diferença entre o deficiente visual e a criança vidente, do ponto de vista da capacidade de aprender. O nível “funcional” dessa criança, entretanto, pode estar reduzido, pela restrição de experiências que, adequadas às suas necessidades de maturação, sejam capazes de minimizar os prejuízos decorrentes do distúrbio visual (BRASIL, 2006a). O impacto da deficiência visual sobre o desenvolvimento do indivíduo depende de vários fatores que, de acordo o documento Saberes e Práticas de Inclusão (BRASIL, 2006a), devem ser observados pelos educadores, a fim de promover intervenções pedagógicas mais adequadas. Eles serão analisados a seguir. Idade em que manifestou a deficiência Se uma criança possui cegueira congênita ou perdeu a visão nos primeiros anos de vida, a sua aprendizagem dependerá dos outros sentidos (tato, paladar, olfato, audição). Ela não conserva imagens visuais para relacioná-las com as impressões recebidas e formar os conceitos sobre o mundo que a cerca. (LEITE, 2018) 29 Causa da deficiência O conhecimento da causa da deficiência pode auxiliar os educadores a identificarem se algum aspecto da conduta visual pode afetar o processo de ensino- - aprendizagem, bem como os cuidados necessários. Por exemplo, algumas patologias da visão requerem ambientes com pouca luz e outras, ambientes bem iluminados.(LEITE, 2018) Aceitação da deficiência Estudos indicam que a forma como a pessoa lida com a evidência da perda visual é fundamental para que os programas de inclusão tenham sucesso. Quando o aluno aceita a sua condição de deficiência, apresenta-se mais aberto à utilização dos seus próprios recursos sensoriais remanescentes e dos recursos de ensino para aprender (BRASIL, 2006a). Tempo transcorrido e estrutura emocional Geralmente, os indivíduos que perdem a visão de forma gradativa e lenta e que convivem há mais tempo com a deficiência tendem a se adaptar mais facilmente à situação educacional, ao contrário daqueles que ainda se encontram sob o impacto emocional da perda recente da visão. A capacidade de aceitação da deficiência depende, em grande parte, da estrutura emocional, bem como das condições oferecidas pelo meio social e familiar, em especial quando a perda da visão ocorre de forma súbita. (LEITE, 2018) Grau da perda visual O fato de o aluno ter visão residual interfere diretamente nas estratégias didático- pedagógicas, indicando a necessidade de utilização ou não de determinados materiais adaptados. (LEITE, 2018) 30 Oportunidades de aprendizagem A criança com deficiência visual necessita de oportunidades para aprender, num ambiente em que possa ser estimulada em seu desenvolvimento, por meio de experiências sensoriais compensatórias e convívio social. Quando isso não ocorre, pode levar à insegurança na adequação ao meio social. (LEITE, 2018). 12.2 Aspectos do desenvolvimento e as implicações socioeducacionais da criança surda Sabe-se que a capacidade de comunicação é um dos principais responsáveis pelo processo de desenvolvimento da criança surda em toda a sua potencialidade. Mas o que dizem as teorias sobre o desenvolvimento da comunicação dessa criança? Será que essa criança passa pelos mesmos processos que a criança ouvinte quanto ao desenvolvimento da sua capacidade de se comunicar? (LEITE, 2018) Antes da aquisição da linguagem oral, os seres humanos utilizam naturalmente recursos gestuais para se comunicarem. A criança que nasce surda ou perde a audição muito precocemente necessita de um ambiente estimulador, que valorize os recursos utilizados por ela para se comunicar. (LEITE, 2018) Segundo Marchesi (2004), nos primeiros meses de vida, o intercâmbio comunicativo entre adulto e bebê já ocorre por meio de expressões primitivas, pelas quais um e outro se regulam mutuamente, constituindo uma relação social básica. A falta do feedback auditivo pode levar a uma diminuição das expressões vocais dos bebês, mas essas consequências podem ser minimizadas em um ambiente rico em interações. Um fator de influência sobre o modo como ocorrerá o desenvolvimento da criança surda destacado por Marchesi (2004) é a idade em que se produziu a perda auditiva, que o autor diferenciou em dois tempos: antes dos três anos e depois dos três anos de idade. O primeiro caso denomina-se surdez pré-locutiva, pois a surdez ocorre antes que a criança tenha consolidado a fala; o segundo denomina-se surdez pós-locutiva, pois ocorre posterior à consolidação do desenvolvimento da fala. Com isso, as estratégias educativas devem levar esses dois fatores em consideração. 31 Segundo o autor, pesquisas indicam que as crianças que se tornam surdas antes da consolidação da linguagem oral não conseguiram consolidar, organizar neurologicamente e internalizar a fala. Já as crianças que perderam a audição depois possuem melhores condições de aprimorar a competência linguística verbal, se forem estimuladas a isso. Cabe ressaltar, no entanto, que a oralização como método de comunicação para surdos não é um consenso entre os autores, como você verá mais adiante. (LEITE, 2018) Os fatores ambientais também são destacados por Marchesi (2004) como capazes de influenciar o desenvolvimento de crianças surdas, como a atitude dos pais diante da surdez, a sua aceitação e busca de uma forma legítima de comunicação, que possibilite à criança interagir plenamente com o seu meio social, bem como a possibilidade de estimulação sensorial e a utilização da linguagem de sinais. O autor destaca ainda que crianças filhas de pais surdos tendem a ser mais bem-estimuladas em termos comunicacionais do que as que nascem de pais ouvintes. Alguns estudos sobre o desenvolvimento da linguagem em crianças surdas indicam, segundo o autor, que a progressão da linguagem ocorre de maneira semelhante à dos ouvintes: as crianças surdas escolhem inicialmente um membro de uma classe para representar a classe em seu conjunto. Por exemplo, criam um sinal ou um gesto para a classe “animal”, que pode representar qualquer animal (cachorro, gato, leão, etc.) e, aos poucos, vão refinando a sua comunicação, como ocorre com as crianças ouvintes. (LEITE, 2018) Marchesi (2004) ressalta que a competência cognitiva dos surdos também é semelhante à dos ouvintes, pois passam pelas mesmas etapas do desenvolvimento, podendo ocorrer uma evolução um pouco mais lenta devido às deficiências experimentais/comunicacionais que o surdo vive. Então, em se tratando da educação de crianças surdas, o desenvolvimento comunicativo e linguístico é um elemento decisivo à sua inserção social e cultural, influenciando também na sua aprendizagem. 32 13 NECESSIDADES EDUCATIVAS ESPECIAIS E A INCLUSÃO DE ALUNOS COM SURDEZ, DEFICIÊNCIA AUDITIVA, CEGUEIRA E BAIXA VISÃO A participação no currículo regular, com as devidas adequações de acesso, deve ser uma meta perseguida pelas escolas, no sentido de assegurar a educação inclusiva. Assim, as escolas devem prever a participação dos alunos com deficiências sensoriais em programas voltados ao Atendimento Educacional Especializado (AEE), para que estas possam se desenvolver plenamente e aprender com equidade. Tais programas envolvem o desenvolvimento de técnicas e tecnologias assistivas, bem como o desenvolvimento de conhecimentos e habilidades, visando minimizar as dificuldades oriundas da privação sensorial. (LEITE, 2018) De acordo com o Ministério da Educação, por meio do documento Diretrizes Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado, implementado pelo Decreto nº. 6.571/2008, no âmbito do sistema educacional, esses programas podem se efetivar dentro da própria escola, em salas de recursos multifuncionais, em Centros de Atendimento Educacional Especializado da rede pública ou em instituições conveniadas, sempre de forma complementar ou suplementar, devendo ocorrer no turno inverso à escolarização (BRASIL, 2009). A seguir, vamos discorrer sobre as necessidades educativas especiais específicas apresentadas por alunos com deficiência auditiva e visual, indicando possíveis intervenções pedagógicas no âmbito do atendimento educacionais especializado. (LEITE, 2018). 13.1 Necessidades Educativas Especiais para alunos com deficiência visual e a educação A deficiência visual pode limitar a experiência da criança com o mundo. Por isso, é importante que sejam oferecidas a ela oportunidades para desenvolver e aprimorar a utilização dos sentidos remanescentes, assim como as habilidades que favoreçam a sua inclusão social e educacional. Isso se torna possível a partir da sua participação em programas de atendimento educacional especializado e mediante as adequações de acesso ao currículo escolar. (LEITE, 2018) 33 De acordo com o documento Saberes e Práticas da Inclusão (BRASIL, 2006a), os programas de atendimento especializado para deficientes visuais envolvem as áreas de atividades da vida diária (AVD), orientação e mobilidade, e o ensino de braile. Atividades da vida diária Segundo Gil (2000), desde a tenra infância, aprendemos a lidar com as mais diversas situações apenas por meio da observação. A criança que nasce cega necessitará que as atividades que fazem parte do seucotidiano lhe sejam ensinadas, já que não dispõe do recurso da visão para aprender pela observação. As atividades da vida diária são uma área da educação especial voltada ao desenvolvimento de competências relacionadas à autonomia na resolução de problemas cotidianos. São procedimentos que fazem parte do nosso dia a dia, mas aos quais não damos muita atenção, em função da facilidade que temos em realizá-los. Contudo, a pessoa cega necessita de treinamento para executá-los com autonomia e independência. Para Gil (2000), o desenvolvimento de um programa de AVD não se limita ao objetivo de conquistar maior independência do deficiente visual, mas contribui também para a sua autoconfiança e para que a sociedade possa enxergar as suas potencialidades e capacidades, tendo em vista a sua participação social ativa. 34 Orientação e mobilidade Segundo Ochaíta e Espinosa (2004), conhecer o espaço à sua volta e mover-se no espaço com autonomia é uma das aprendizagens mais complexas a serem conquistadas pela pessoa com deficiência visual, devido à importância da visão para a orientação e a mobilidade espacial. Por isso, a orientação e mobilidade faz parte dos programas de atendimento educacional especializado. Envolve o desenvolvimento do esquema corporal, a orientação, o reconhecimento da natureza dos ambientes e terrenos, bem como o reconhecimento dos obstáculos geográficos; a percepção de distância (passos, metros, quilômetros e tempo), de profundidade e altura; e o desenvolvimento do sentido sinestésico, para a criação de mapas mentais. É uma área de extrema importância para que o deficiente visual tenha autonomia e independência, pois permite que ele exercite o seu direito de ir e vir, sem depender diretamente das ações de outras pessoas. Muitas vezes, o deficiente visual pode se encontrar desorientado e sem referências para realizar um movimento ou locomover-se no espaço, por não ter desenvolvido essas habilidades. (LEITE, 2018) De acordo com Mota (2001), o processo de orientação e mobilidade é amplo e flexível, e envolve o desenvolvimento de um conjunto de capacidades motoras, cognitivas, afetivas e sociais. Por meio de técnicas apropriadas e específicas, essas capacidades permitem ao deficiente visual conhecer, relacionar-se e deslocar-se de forma independente e natural nas mais diversas estruturas, nos espaços e nas situações do ambiente. A educação para orientação e mobilidade envolve o desenvolvimento do conceito corporal, conceitos espaciais, de medidas e ambientais, além do treino da audição (MOTA, 2001). As estratégias e os recursos mais utilizados na orientação e mobilidade são o guia vidente, a autoproteção, a bengala longa e o cão-guia. 13.2 Ensino do Braile Conforme apontado por Sá, Campos e Silva (2007), a leitura e escrita do aluno cego têm como recurso o sistema Braile, que é um código universal de leitura tátil inventado na França, em 1825. O braile consiste na combinação de seis pontos em 35 relevo, dispostos em duas colunas de três pontos. As diferentes disposições desses seis pontos permitem a formação de 63 combinações ou símbolo braile. Os símbolos formados pelo braile representam não só as letras do alfabeto, mas também os sinais de pontuação, números e notas musicais, permitindo ao cego uma comunicação ampla (Figura 1). Ao contrário da leitura e escrita dos videntes, as pessoas cegas que utilizam o braile leem com as pontas dos dedos, deslizando-os sobre os pontos em relevo. No braile, o aluno cego pode ler apenas um símbolo de cada vez, tornando a leitura mais lenta. (LEITE, 2018) Para Ochaíta e Espinosa (2004), o ensino do braile deve ser priorizado como forma de comunicação escrita para crianças cegas, devendo-se utilizar o sistema em tinta para os casos de baixa visão, sempre que possível, já que existem tecnologias assistivas, como lupas e computadores com ampliação de tela. Além disso, segundo Ochaíta e Espinosa (2004, p. 165), a utilização desse sistema: [...] lhes permite maior acesso às informações e à comunicação, tanto dentro como fora da escola. Se, pelo tipo de deficiência – por exemplo, uma doença degenerativa do sistema visual –, for aconselhável a aprendizagem do Braile, 36 mesmo que a criança disponha de resquícios visuais importantes, o ensino deve ser feito associando as informações táteis e visuais, visto que diversos estudos demonstraram que a aprendizagem visual do Braile é mais fácil que a tátil. Conforme prevê a Política Nacional de Educação Especial, a inclusão de alunos deficientes requer a estruturação do atendimento educacional especializado pela formação da sala de recursos, para apoiar o professor da classe regular. Deve-se providenciar adaptação de materiais e tecnologias assistivas, como recursos ópticos, sistema braile, computadores com sintetizadores de voz, gravadores e materiais desportivos adaptados, como bola de guizo, xadrez, dominó, dama, baralho e outros. (LEITE, 2018) A acessibilidade, definida pela Lei nº. 10.098/ 2000, também deve ser garantida e adequada à Norma 9050 da ABNT, visando acessibilidade arquitetônica e do mobiliário. Exemplos dessa adaptação são a reorganização do espaço para facilitar a movimentação e evitar acidentes; pistas táteis, auditivas ou olfativas para orientar o aluno na localização de ambientes; colocação de corrimões nas escadas. (LEITE, 2018) No que se refere às adequações de acesso ao currículo escolar, o documento Saberes e Práticas da Inclusão (2006) define algumas ações para a inclusão de alunos cegos e com baixa visão. É importante que o professor familiarize o aluno com o espaço da sala de aula, apoiando-o na locomoção e tomando cuidado para que a mobília não seja alterada, a fim de que o aluno não seja surpreendido com modificações que possam provocar acidentes. Para a aprendizagem da matemática, além dos recursos em relevo que o professor pode utilizar para a confecção de gráficos e elementos algébricos, um recurso bastante utilizado por alunos cegos é o Soroban, um aparelho de cálculo adaptado, que permite a realização de operações matemáticas (adição, subtração, multiplicação, divisão, radiciação, potenciação). (LEITE, 2018) De acordo com Sá, Campos e Silva (2007), os desenhos, gráficos e mapas devem ser adaptados e representados em relevo. Também são relevantes para a inclusão do aluno cego o uso de alfabeto de madeira, lixa ou pano, bola de guizo (para aulas de educação física), globo em relevo, gravador, mapa de madeira, miniaturas, computador com sintetizador de voz, prancha, reglete e punção. 37 Conforme apontado por Sá, Campos e Silva (2007), é importante que as atividades predominantemente visuais sejam adaptadas com antecedência. Isso pode ser feito com o apoio do professor que atua no atendimento educacional especializado. Outras atividades requerem adaptação durante a sua realização, como o uso de áudio descrição durante a exibição de filmes e outras informações que possam auxiliar o aluno a identificar o contexto, seja na sala de aula ou em atividades externas, como excursões e exposições. É recomendável apresentar um resumo ou contextualizar a atividade programada para esses alunos. O professor do aluno cego deve providenciar adequações de acesso ao currículo da sala de aula, fornecendo recursos materiais e adaptando a avaliação quanto ao instrumento utilizado, com a transcrição de provas para o braile, provas ditadas ou gravadas, avaliações orais. Além disso, deve ampliar o tempo de realização da avaliação, para que o aluno não fique em desvantagem com relação aos demais, entregar com antecedência para o aluno o material de leitura que será transcrito para o braile ou gravado. Para alunos que já enxergaram, é importante que se considere a bagagem de informações visuais, a fim de desencadear novas associações que favoreçam a compreensão.(LEITE, 2018) Ainda segundo Sá, Campos e Silva (2007), a área da informática tem oferecido recursos valiosos para a inclusão do deficiente visual, os quais facilitam muito o acesso à informação e a comunicação com esses alunos. Alguns exemplos são os softwares sintetizadores de voz, que leem o que está escrito na tela do computador para o aluno, os teclados em braile, os softwares que ampliam o tamanho das letras ou o próprio texto para as pessoas com visão subnormal. 13.3 Necessidades educativas especiais para alunos surdos e a educação De acordo com Damázio, Alves e Ferreira (2010), as concepções sobre a melhor forma de comunicação do surdo se fundamentaram historicamente em três diferentes abordagens educacionais: a abordagem oralista, a comunicação total e a educação bilíngue. 38 Na abordagem oralista, a pessoa surda é ensinada a comunicar-se pela voz, para que possa utilizar a língua dos ouvintes. Nesse tipo de comunicação, o surdo reproduz a fala e realiza a leitura labial; a utilização de gestos ou sinais para representar ou indicar coisas ou objetos não é bem aceita. A comunicação total considera a pessoa com surdez de forma natural, valorizando suas características e admitindo o uso de todo e qualquer recurso possível para que a comunicação e a interação social ocorram, ou seja, a linguagem gestual/visual, textos orais e escritos. Quanto ao bilinguismo, Damázio, Alves e Ferreira (2010) enfatizam que é a forma de comunicação que capacita a pessoa com surdez para a utilização de duas línguas: a língua de sinais e a língua da comunidade ouvinte. De acordo com Damázio, Alves e Ferreira (2010), o oralismo e a comunicação total não favorecem o pleno desenvolvimento das pessoas surdas, pois enfatizam a modalidade oral, em que essas pessoas usam um português sinalizado, em detrimento da sua língua natural: a língua de sinais. A autora defende que a educação bilíngue é a que melhor corresponde às necessidades educacionais do aluno com surdez, pois respeita a língua natural e permite construir um ambiente propício para a educação especial na perspectiva da inclusão escolar. A língua de sinais é uma forma de comunicação que se dá exclusivamente por meio de sinais gestuais. É um sistema linguístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, mas que não é universal. Cada país possui a sua própria língua de sinais, que varia regionalmente, conforme a cultura. (LEITE, 2018) A língua brasileira de sinais (Libras) é reconhecida como uma língua oficial na Lei nº. 10.436/2002 (BRASIL, 2002). O direito à comunicação por Libras bem como aos recursos que sirvam de suporte para essa comunicação são definidos no Decreto nº. 5.626 (BRASIL, 2005), que preconiza a oferta obrigatória do ensino da Libras e da língua portuguesa como segunda língua para os surdos, desde a educação infantil, e prevê que os sistemas educacionais devem contar com: a) professor de Libras ou instrutor de Libras; b) tradutor e intérprete de Libras–língua portuguesa; c) professor para o ensino de língua portuguesa como segunda língua para pessoas surdas; e d) professor regente de classe com conhecimento da singularidade linguística manifestada pelos alunos surdos. Assim, como suporte à comunicação, cabe às escolas desenvolverem um 39 ambiente bilíngue, sendo o atendimento educacional especializado ofertado tanto na modalidade oral e escrita quanto na língua de sinais. De acordo com Quadros (2008), a melhor escola para os surdos é aquela que oferece um ambiente em que a criança surda possa se comunicar com pessoas que sejam falantes nativas da língua de sinais, ou seja, com outras pessoas surdas. Esse é o posicionamento de autores que defendem que a educação de surdos seja realizada em escolas próprias para crianças nessas condições. Alguns dos argumentos apresentados por Quadros (2008) são os seguintes: [...] oportunizar a aquisição da Libras, oferecer modelos bilingue e bicultural à criança e oportunizar o desenvolvimento da cultura específica da comunidade surda. A escola deve se preocupar com a qualidade e a quantidade de input da Libras oferecido à criança (QUADROS, 2008, p. 108). A criação de um projeto educacional inclusivo na escola é uma condição fundamental para que sejam rompidas as barreiras para a inclusão do aluno surdo. A escola deve considerar as necessidades de comunicação desse aluno, preparando-o para a vida em sociedade. Para tanto, deve oferecer-lhe condições de aprender um código de comunicação que permita o seu ingresso na realidade sociocultural, com efetiva participação na sociedade. (LEITE, 2018) De acordo com Damázio (2007), a inclusão do aluno surdo requer da escola as seguintes providências: contratação de um intérprete de sinais, para acompanhar os alunos surdos sinalizados nas atividades do currículo escolar; disponibilização de material concreto e visual que sirva de apoio para garantir a assimilação de conceitos novos; troca de experiências com professores que tenham vivenciado situações semelhantes; orientação de professores de educação especial, itinerantes ou de salas de recursos. 40 Como suporte à comunicação, cabe às escolas desenvolverem um ambiente bilíngue, no qual seja possibilitado ao aluno surdo o acesso à língua brasileira de sinais e à língua portuguesa. (LEITE, 2018) Os alunos surdos devem frequentar as salas regulares e, em horário complementar, deverá ser realizado o atendimento educacional especializado. Segundo Damázio (2007), esse atendimento deve envolver três momentos didático-pedagógicos. Atendimento educacional especializado em Libras: é o momento em que o aluno surdo é auxiliado por um professor, preferencialmente surdo, no desenvolvimento dos diferentes conteúdos curriculares abordados na sala de aula, utilizando a linguagem de sinais como forma de comunicação. Atendimento educacional especializado para o ensino de Libras: é o momento destinado ao ensino da Libras para alunos surdos, que terão aulas nessa língua, visando favorecer a sua aprendizagem, especialmente no que se refere ao 41 conhecimento e à aquisição de termos científicos. Esse trabalhado deve ser realizado pelo professor e/ou instrutor de Libras (preferencialmente surdo), de acordo com o estágio de desenvolvimento da língua de sinais em que o aluno se encontra. Atendimento educacional especializado para o ensino da língua portuguesa: é o momento em que são trabalhadas as especificidades da língua portuguesa para os alunos surdos. Deve ser um trabalho diário junto ao aluno, realizado por um professor de língua portuguesa, graduado nessa área, preferencialmente. A criança com audição normal aprende a ler decodificando o sistema de símbolos da palavra, pela associação desses símbolos aos conceitos linguísticos já adquiridos por meio da fala. Na criança surda, essa base linguística é ausente; portanto, o aprendizado da língua portuguesa tende a ocorrer com maior dificuldade e em maior tempo do que para as crianças ouvintes. Ela necessitará de condições especiais para aprender essa língua, que não é natural para ela. (LEITE, 2018) A escrita de crianças surdas tem sido caracterizada na literatura como deficiente, quando comparada com a de crianças ouvintes. Observam-se dificuldades em relação à flexão e à concordância entre os elementos da frase, e faltam elementos de ligação, como preposições e conjunções. Além disso, os vocabulários não são ordenados conforme determina a gramática. (LEITE, 2018) Quanto à alfabetização da criança surda, a Libras é a sua primeira língua. Por isso, para a alfabetização em língua portuguesa, é importante que a criança não oralizada tenha se apropriado da língua de sinais, de modo que possa estabelecer uma comunicação com o professor alfabetizador e associar os símbolos da escrita. (LEITE, 2018)
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