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Sobre Ética e Economia, Amartya Sen SEM, Amartya. Sobre Ética e Economia. Brasil, Companhia das Letras, 1ª edição, Cap. 1 – 2, 1999. Capítulo 1: Duas Origens É difícil crer que pessoas reais poderiam ser totalmente indiferentes ao alcance do autoexame induzido pela questão socrática “Como devemos viver?” — uma questão que também é, como demonstrou Bernard Williams (1985), fundamentalmente motivadora da ética. As pessoas estudadas pela economia podem mesmo ser tão insensíveis a essa questão flexível e ater-se exclusivamente à impassibilidade rudimentar a elas atribuída pela moderna economia? (SEN, Amartya, p. 10) O Assunto da economia foi tido como uma ramificação do tema ética, e ensinado de forma conjunta em muitas universidades. No início, Aristóteles associava economia ao estudo dos fins humanos em preocupação com a riqueza. Para Aristóteles, a política deveria usar das demais ciências para traçar o que devemos ou não fazer, essa questão fica mais bem definida em seu livro Política. Mas, a economia não pode ser apenas definida como a busca por riqueza, e sim, como um estudo mais profundo sobre objetivos mais básicos. O estudo da economia fica então associado ao estudo da ética e da política, isso porque há alguns problemas que devem ser resolvidos, como: a motivação humana ligada a ética de “como devemos viver?”; a avaliação da realização social de alcançar o “bem para o homem”. Outra origem da economia está ligada a “engenharia” que também se caracteriza por tentar responder as questões de como promover o “bem para o homem” ou “como devemos viver”. Nessa abordagem diferente, o objetivo principal é achar os meios para atingir essas questões. A preocupação está mais voltada a discutir problemas práticos como: “estratégias para Estados vulneráveis”; “classificação de terras”; “manobras diplomáticas”. No geral, a ética se mostra presente nos textos da maioria dos pensadores econômicos, mais nas obras de Adam Simth, John Stuart Mill, Karl Marx ou Francis Edgeworth e menos em contribuições de William Petty, François Quesnay, David Ricardo, Augustine Cournot ou Leon Walras, que estavam mais preocupados em esclarecer situações logísticas e falar sobre engenharia na economia. “Examinando as proporções das ênfases nas publicações da economia moderna, é difícil não notar a aversão às análises normativas profundas e o descaso pela influência das considerações éticas sobre a caracterização do comportamento humano real” (SEN, Amartya, p. 13). Vemos na economia moderna um afastamento entre e economia e a ética. Alguns estudos, como a teoria do equilíbrio geral, trouxeram uma preocupação entre as relações de mercado, porém, quando fazemos uma análise casual em relação a fome no mundo moderno, não ligamos totalmente ela a oferta de alimentos, mas sim, está ligado a interdependência econômica geral. Comportamento Econômico e Racionalidade A economia moderna expressa seus estudos supondo um comportamento racional a todos os seres humanos. Devido a isso, a uma crítica a esse pensamento, pois nem o comportamento real não age de acordo com a racionalidade econômica. A economia moderna concebe a racionalidade como uma escolha interna do ser humano para maximizar o auto interesse, ou seja, uma pessoa que toma uma ação contrária ao que vá maximizar seu interesse, não pode ser chamada de racional. Essa relação entre escolha e maximização pode ser vista na “função utilidade”, em que o ser racional fundamenta sua escolha em com o objetivo de aumentar a utilidade. O problema de colocar o comportamento racional como o unicamente o empenho de atingir seu auto interesse está ligado ao fato de que ao seguir esse comportamento há uma rejeição da motivação relacionada à ética. Isso porque, ao dizer que o homem toma decisões no empenho por atingir seus próprios objetivos, supõe-se que todos devem ser bem-informados e agem de modo inteligente, tomando isso como verdade. Pode ser feito uma observação nesse caso sobre a dicotomia existente entre “egoísmo” e “utilitarismo”, há dois aspectos no comportamento racional: as pessoas se comportam de modo a atingir exclusivamente o auto interesse, ou, elas tomam ações pensando de modo unicamente auto interessado? Em “Teoria dos sentimentos morais”, Adam Smith fala sobre a prudência, razão e autodomínio. Para ele, todos esses valores estão presentes no homem, mas aquele mais o auxilia é a prudência. Smith julgava que as ações do homem estão ligadas ao seu auto interesse com efeito de produzir um bom resultado, é a ideia de que o egoísmo iria levar a nação a prosperar: “Não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que esperamos obter nosso jantar, e sim da atenção que cada qual dá ao próprio interesse. Apelamos não à sua humanidade, mas ao seu amor-próprio, e nunca lhes falamos das nossas necessidades, e sim de seus interesses” (SMITH, 1776, pp. 26-7). Porém, há um erro em achar que Smith entendia esse auto interesse como motivação única e que apenas isso iria salvar a nação. O que ele fez foi estudar as transações de mercado e como elas podem ser mutuamente vantajosas. Smith era contrário as restrições do comércio e as barreiras burocráticas da época, mas não se opunha a interferência do Estado para lidar com a escassez que levava os pobres a fome. Há escritos de Adam Smith que faziam considerações sobre condutas e éticas no comportamento humano, porém, esses estudos foram deixados de lados com a evolução da economia moderna. Capítulo 2: Juízos Econômicos e Filosofia Moral A economia do bem-estar, nos estudos e avanços da economia moderna, foi deixada de lado e considera-se apenas que os seres humanos têm plena noção de suas ações e vivem com base em seu próprio auto interesse e realização social. Otimalidade de Pareto ou Eficiência Econômica: “Considera-se que um determinado estado social atingiu um ótimo de Pareto se, e somente se, for impossível aumentar a utilidade de uma pessoa sem reduzir a utilidade de alguma outra pessoa. [...] A otimalidade de Pareto às vezes também é denominada ‘eficiência econômica’” (SEN, Amartya, p. 26). O “Teorema Fundamental da Economia do Bem-Estar” faz relação entre a otimalidade de Pareto e o equilíbrio de mercado em concorrência perfeita. Nesse teorema, acredita-se que, o equilíbrio perfeito competitivo é um ótimo de Pareto pois possui relação com algum conjunto de preço. Porém, esse é um modo limitado de avaliar a realização social dos seres humanos. Nesse caso, o mecanismo de mercado competitivo irá assegurar as informações necessárias para os indivíduos, dessa forma, entende-se que é fácil calcular as distribuições iniciais de dotações (valor inicial). Além disso, “[...] a segunda parte do “teorema fundamental” seria usada apenas se fosse politicamente possível redistribuir recursos entre as pessoas de qualquer maneira que fosse exigida por considerações de otimalidade social” (SEN, Amartya, p. 27). “Não sendo possíveis redistribuições radicais de propriedade, os movimentos em direção à otimalidade social global exigiriam mecanismos mistos de um tipo não abrangido pelo teorema” (SEN, Amartya, p. 28). O Teorema Fundamental leva em consideração que, para uma mudança ser vantajosa para uma pessoa, ela precisa ser vantajosa para toda a sociedade que essa pessoa compõe. Nesse caso, a vantagem é identificada como utilidade, mas, deixa esses pressupostos de lado e não identificando vantagem como utilidade, a otimalidade de Pareto perderia seu significado. Assim, a otimalidade de Pareto poderia ser usada como um critério se fosse colocado de lado as comparações interpessoais de utilidade. O Welfarismo - um ranking unânime das utilidades individuais tem de ser adequado para o ranking social global dos respectivos estados” (SEN, Amartya, p. 28) – leva em conta a utilidade individual econsidera a utilidade como a única fonte de valor. Mas, há duas críticas que podem ser feitas sobre esse conceito: 1º. Não podemos restringir o êxito de uma pessoa apenas em termos de bem- estar, ou seja, uma pessoa pode tomar decisões e realizar ações que tenham como base outras causas que não apenas seu próprio interesse; 2º. Nem sempre a utilidade será admitida como representação do bem-estar pessoal. O que precisa ser entendido é que, existe uma dualidade na condição de uma pessoa, aquela em as decisões são tomadas em termos de agente econômico, e a concepção de pessoa em termos de bem-estar. Quando entendido tudo apenas pelo auto interesse essa dualidade é perdida. “Reconhecer a distinção entre o “aspecto da condição de agente” [agency aspect] e o “aspecto do bem-estar” [well-being aspect] de uma pessoa não requer que consideremos que o êxito de uma pessoa como agente deve ser independente, ou totalmente separável, de seu êxito em termos de bem-estar. [...] O fato de duas variáveis poderem ser tão relacionadas que uma não pode mudar sem a outra não implica que elas sejam a mesma variável ou que terão os mesmos valores, ou ainda que o valor de uma possa ser obtido a partir da outra por meio de alguma transformação simples” (SEN, Amartya, p. 30). Ter como base o bem-estar social associado unicamente a métrica de felicidade ou satisfação de desejos é limitado pelo simples fato de que, uma pessoa sem oportunidade e com infortúnios pode ficar feliz com pequenas coisas. Nesse caso, mesmo que a pessoas não possa suprir seus desejos, ela encontra felicidade em pequenos momentos e causas. Assim, felicidade e satisfação pessoal não podem refletir o bem-estar de alguém. Deve-se entender que, “‘Estar feliz’ nem ao menos é uma atividade valorativa, e ‘desejar’ é, na melhor das hipóteses, uma consequência de valoração” (SEN, Amartya, p. 31). “Assim, dadas as suposições estruturais, o formato unilateral da relação entre a economia preditiva e a economia do bem-estar, que pode ser visto na tradição econômica dominante, é inteiramente sustentável contanto que a economia do bem-estar fique confinada ao reduzido compartimento que proclama a adequação da otimalidade de Pareto” (SEN, Amartya, p. 34).
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