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F O L • F ac u ld ad e d e O d o n to lo g ia d e L in s / U N IM E P 7vol. 1 4 n o s 2 ju l. /d ez . 2 0 0 2 APLICAÇÕES DA BIOLOGIA MOLECULAR NA ODONTOLOGIA: CONCEITOS E TÉCNICAS MOLECULAR BIOLOGY IN DENTISTRY: CONCEPTS AND TECHNIQUES FABIANE BORTOLUCI DA SILVA SIMONE MARIA GALVÃO DE SOUSA Bióloga especialista em Ciências da Universidade do Sagrado Coração Professora doutora da disciplina de Patologia Bucal da Faculdade de Odontologia da Universidade do Sagrado Coração RESUMO A implementação e o desenvolvimento de novas terapias e métodos baseados nos conhecimentos da biologia molecular requerem uma reciclagem educacional intensiva dos profissio- nais das áreas de saúde, entre eles, o cirurgião dentista. Esse avanço biotecnológico e as mudanças conceituais já estão pro- movendo modificações positivas na longevidade e na quali- dade de vida dos indivíduos. Este trabalho visa abordar os conceitos, avanços, técnicas e aplicações da biologia molecular na área da saúde, especificamente na odontologia. UNITERMOS: BIOLOGIA MOLECULAR – CÂNCER BUCAL – DOENÇA PERIODONTAL. SUMMARY The establishment and development of new techniques and therapies based on knowledge of molecular biology need an intensive education of the health professionals, such as, dental clinician. This biotechnological improvements associated with new concepts are promoting positive modifications in the longevity and life quality of population. This study aims to discuss about concepts, innovations, techniques and application of the molecular biology in Dentistry. UNITERMS: MOLECULAR BIOLOGY – ORAL CANCER – PERIODONTAL DISEASE. U N I M E P • U n iv er si d ad e M et o d is t a d e P ir ac ic ab a vo l. 1 4 n o s 2 ju l. /d ez . 2 0 0 2 8 INTRODUÇÃO Os avanços na biologia molecular têm contribuído significativamente para o enten- dimento da etiologia das doenças humanas. As técnicas de recombinação dos ácidos nucléicos têm permitido aos pesquisadores identificar os vários genes responsáveis por doenças hereditárias, detectar agentes infec- ciosos em material biológico, avaliar os me- canismos de infecção dos microrganismos e conhecer os processos que regulam a diferen- ciação e proliferação celular (principalmente neoplasias), entre outros. A biologia molecular também vem apresentando aplicação bastan- te expressiva na pesquisa de marcadores ge- néticos úteis no diagnóstico laboratorial e na avaliação da predisposição a inúmeras doen- ças. Por outro lado, as diferenças nas seqüên- cias do DNA observadas entre as espécies ou entre os indivíduos são extremamente úteis para a identificação de pessoas. Inegavelmen- te, os avanços foram inúmeros, contudo, mui- tas descobertas e importantes aplicações na área médica ainda devem levar algum tempo para serem desenvolvidas ou empregadas ro- tineiramente.9,16 Na área odontológica, a biologia mole- cular tem proporcionado o diagnóstico pre- coce da cárie dental, da doença periodontal e do câncer bucal. Além disso, a saliva atual- mente está sendo usada no diagnóstico de doenças bucais e sistêmicas, e os marcadores genéticos, aplicados na identificação das de- mais neoplasias presentes no complexo maxilofacial.10 Este trabalho visa abordar os princípios básicos da biologia molecular, seus conceitos, avanços, técnicas e aplicações na área da saú- de, em especial na odontologia. DNA E RNA AS BASES MOLECULARES DA HEREDITARIEDADE Os cromossomos são estruturas respon- sáveis pelo armazenamento, duplicação e transmissão de material genético. Cada cromossomo consiste em duas cromátides-ir- mãs, que são formadas por uma única fita de DNA associada a proteínas de RNA. O ser humano possui 23 pares de cromossomos de tamanhos e formas diferentes. Cada par de cromossomos tem, normalmente, a mesma seqüência de genes. Portanto, atuando sobre cada característica genética, existem dois genes, ou seja, dois alelos, um em certo cromossomo e o outro na mesma localização no seu homólogo. Os genes formam uma se- qüência linear ao longo dos cromossomos e são as unidades que determinam os traços hereditários.3,9,16 ESTRUTURA DA MOLÉCULA DE DNA O DNA é um polímero formado por nucleotídeos. Cada nucleotídeo é composto por um grupo fosfato, um açúcar e uma base nitrogenada. As bases nitrogenadas podem ser de dois tipos: pirimidínicas (citosina e timina) e púricas (adenina e guanina). Estruturalmen- te, sempre uma base adenina (A) se liga a uma timina (T) e uma citosina (C) sempre apare- ce pareada a uma guanina (G). A molécula do DNA é muito longa e, se esticada, pode chegar a dois metros. O DNA é formado por porções sem função codificante, chamadas íntrons, e porções com seqüências codi- ficadoras, denominadas éxons. A molécula de DNA é constituída de duas cadeias de nucleotídeos que se enrolam, originando a dupla hélice, e são mantidas unidas por pon- tes de hidrogênio entre as bases nitrogenadas de nucleotídeos opostos (AT ou CG).3, 6,7,9,16,19 Para o DNA ser comprimido dentro do núcleo celular, ele é helicoidizado em diver- sos níveis. Primeiramente, ele se enrola ao redor de proteínas chamadas histonas, para formar um nucleossomo. Os nucleossomos compõem um solenóide helicoidal. Cada vol- ta do solenóide inclui cerca de seis nu- cleossomos. Os solenóides são organizados em alças de cromatina, que se ligam a um ar- cabouço de proteína. Cada uma dessas alças contém aproximadamente 100 mil pares de bases do DNA. Depois de helicoidizado e condensado, o DNA atinge cerca de 1/10.000 do comprimento que teria se fosse totalmen- te estendido (fig. 1).3,6,16,17 ESTRUTURA DA MOLÉCULA DE RNA O RNA é composto por uma única ca- deia de nucleotídeos. No entanto, o açúcar presente é a ribose e a base timina é substituí- da no RNA pela base uracila (U). Existem três tipos de RNA: RNA mensageiro, cuja função é transportar uma mensagem especí- fica do DNA até o citoplasma, RNA ribossômico, que se liga às proteínas para compor os ribossomos, e RNA transportador, F O L • F ac u ld ad e d e O d o n to lo g ia d e L in s / U N IM E P 9vol. 1 4 n o s 2 ju l. /d ez . 2 0 0 2 que transporta no citoplasma os aminoácidos, que se unirão para formar uma nova cadeia polipeptídica.7,9 SÍNTESE DE PROTEÍNAS A síntese de proteínas é ativada quando uma proteína torna-se necessária ao metabo- lismo celular. Para iniciar a síntese, a seqüên- cia de DNA que contém o gene específico para determinada proteína deve estar com as pon- tes de hidrogênio rompidas entre as bases e a dupla hélice desenrolada. Essa ação é coman- dada por enzimas nucleares específicas. Es- tando o DNA exposto, ocorrerá a transcri- ção, ou seja, a formação de uma molécula de RNA mensageiro (RNAm) complementar à seqüência do DNA. O RNAm deixará o nú- cleo indo para o citoplasma, onde se unirá aos ribossomos. Na tradução, a cada códon de RNAm irá se acoplar um RNA transportador (RNAt). Os RNAts possuem uma região de três pares de bases, denominadas anticódons, que transportam em sua extremidade os aminoácidos. Dessa forma, os ribossomos promovem a ligação códon versus anticódon e a aproximação dos aminoácidos em seqüên- cia, que irão formar entre si, ligações peptídicas, dando origem às proteínas.3,9,16 TÉCNICAS DE BIOLOGIA MOLECULAR A análise molecular é um novo método de avaliação que busca as alterações expressas em nível genético, ou seja, pelo DNA. O DNA genômico é obtido de qualquer material bio- lógico, mas as amostras mais utilizadas são san- gue (leucócitos), tecidos biopsiados (células residentes), fluido amniótico e vilosidade coriônica. Para extrair o DNA do núcleo celu- lar, são necessárias várias etapas, que compre- endem lise celular, extração das proteínas e do RNA, precipitação do DNA, até a purificação. O DNA obtido será digerido por enzimas de restrição que produzem muitos fragmentos de DNA do gene em estudo.3 Essas enzimas de restrição cortam a dupla hélice do DNA em uma seqüência específica, denominada de sí- tio derestrição, que varia de quatro a seis ba- ses. A enzima de restrição EcoRI sempre reco- nhece uma mesma seqüência e faz o corte entre as bases G e A de cada cadeia.3,14 Atualmente, já estão identificadas mais de 400 enzimas de restrição, cada uma atuando em sítios de res- trição diferentes. O nome da enzima refere-se ao microrganismo em que foi identificada sua linhagem e a ordem de descoberta. Por exem- plo, a enzima EcoRI significa enzima de restri- ção descoberta na Escherichia coli, linhagem R, e foi a primeira enzima de restrição identificada neste organismo.3,6,14 As pontes de hidrogênio podem ser rompi- das aumentando-se a temperatura, no processo chamado de desnaturação, e, se a temperatura diminuir, a dupla hélice forma-se novamente. Essa capacidade da molécula de DNA de se renaturar, reassociando-se com sua cadeia com- plementar para formar a dupla hélice, é utilizada no processo da hibridização. Na hibridização, as regras de pareamento entre A-T e C-G são mantidas. É importante mencionar que entre A-T existem duas pontes de hidrogênio, enquan- to entre C-G há três. Dessa forma, uma molécu- la de DNA rica em pares C-G requer, para sua desnaturação, uma temperatura mais alta do que uma molécula de DNA composta principalmente por pares A-T.9,16 ELETROFORESE A eletroforese em gel de agarose ou de poliacrilamida é um método simples e rápido que separa o DNA em fragmentos de tama- nhos diferentes usando enzimas de restrição. Quando submetidas a um campo elétrico (matriz) em pH neutro, as moléculas de DNA são atraídas para o pólo positivo e repelidas do pólo negativo. Quando a matriz apresenta resistência à migração das moléculas, os frag- mentos menores podem se mover com maior facilidade do que os maiores, havendo, então, uma migração diferenciada dos fragmentos. A escolha do material da matriz depende da FIGURA 1. PADRÕES DE HELICOIDIZAÇÃO DO DNA. U N I M E P • U n iv er si d ad e M et o d is t a d e P ir ac ic ab a vo l. 1 4 n o s 2 ju l. /d ez . 2 0 0 2 1 0 resistência necessária para a separação efetiva dos fragmentos. Uma matriz feita de agarose possui um tamanho de poros que permite a separação de fragmentos que variam de 200 pb (pares de bases) a 50 kb (kilobase). A poliacrilamida permite a separação de frag- mentos muito pequenos, até 1.000 pb, sendo o material ideal para géis de seqüenciamento. No entanto, a separação de fragmentos de DNA em tamanhos superiores a 50 kb não pode ser realizada por esse tipo de eletroforese convencional e exige uma variação conhecida como eletroforese em campo pulsado (PFGE). A PFGE permite a separação de fragmentos que variam de 50 a 10.000 kb. Isso ocorre de- vido à alternância de dois campos elétricos em direções perpendiculares. De acordo com esse método, se as moléculas de DNA forem sub- metidas a um campo perpendicular à sua mi- gração, elas irão se reorientar nessa nova dire- ção e as moléculas menores serão capazes de assumir o novo caminho mais rapidamente do que as maiores. Assim, a separação das molé- culas dependeria da sua capacidade de se reorientar em resposta às mudanças de dire- ção do campo elétrico aplicado. O nível de re- solução depende do tempo do pulso elétrico. A PFGE pode ser aplicada para a análise de grandes fragmentos de DNA, o mapeamento gênico, o estudo de cromossomos ou para detecção de grandes deleções do DNA genômico. Depois de separado, o DNA pode ser corado com um corante fluorescente e visualizado sob luz ultravioleta (UV).3,7 MÉTODOS MÉTODO DE SOUTHERN Depois de obtidos os fragmentos de DNA no gel, um certo segmento do DNA que con- tém o gene de interesse pode ser detectado pela hibridização com uma sonda específica. Para isso, o DNA contido no gel é transferido para um filtro de nitrocelulose ou náilon por meio do método de transferência chamado Southern blotting. Quando o material presente no gel é RNA, o método chama-se Northern blotting e, caso seja proteína, denomina-se Western blotting. Após ser fotografado em UV, o gel é mergulha- do em solução de hidróxido de sódio, ocasio- nando a desnaturação da dupla fita de DNA. O DNA em fita simples é, então, coberto com a membrana de transferência em um fluxo de solução salina, onde é desprendido da matriz e transferido para a membrana. Nela, o DNA é fixado e hibridizado com uma sonda específica marcada radioativamente, ligando-se a sua se- qüência complementar. Em seguida, é retirado o material radioativo que não se hibridizou, e a membrana é exposta a um filme de raios-X sen- sível à radioatividade. Como resultado, obser- vamos na auto-radiografia um padrão com uma ou mais bandas, indicando o número e o tama- nho dos fragmentos de DNA complementares à sonda. Assim, para amostra de DNA, o pa- drão de bandas será constante, desde que o DNA seja digerido com uma certa enzima de restrição e hibridizado com uma determinada sonda. Diferença no padrão normal obtido in- dica a presença de um gene mutante.3,7 HIBRIDIZAÇÃO COM OLIGONUCLEOTÍDEOS ALELO- ESPECÍFICOS (ASO) Esse método consiste no reconhecimento de um alelo particular usando-se diferentes sondas. A sonda é uma seqüência de oligonucleotídeos complementar ao máximo a cada alelo possível do gene (ASO). Dessa forma, é possível distinguir diferentes alelos de um mesmo gene, visto que essa hibridização somente ocorrerá se o oligonucleotídeo for absolutamente complementar ao alelo. Esse é um método restrito, pois é necessário conhe- cer a seqüência de bases em cada alelo para sintetizar o oligonucleotídeo específico para cada gene.3 REAÇÃO EM CADEIA DE POLIMERASE (PCR) Consiste na amplificação enzimática espe- cífica do DNA visando à produção de milhões de cópias dessa seqüência em um tubo de en- saio. Uma fita simples do DNA é usada como molde para a síntese de novas cadeias comple- mentares sob a ação da enzima polimerase do DNA, que adiciona os nucleotídeos presentes na reação de acordo com a fita molde. A polimerase do DNA precisa de um ponto de iní- cio. Ele é fornecido por um oligonucleotídeo que hibridiza a fita molde simples (primer). As fitas simples iniciais precisam fornecer os primers es- pecíficos a cada uma delas. Portanto, a região do DNA genômico a ser sintetizado é definida pelos primers, que se anelam às seqüências com- plementares na fita molde, delimitando o frag- mento de DNA a ser amplificado. No início, usava-se a polimerase do DNA extraída da E. coli, mas como ela era sensível a altas tempera- F O L • F ac u ld ad e d e O d o n to lo g ia d e L in s / U N IM E P 1 1vol. 1 4 n o s 2 ju l. /d ez . 2 0 0 2 turas, passou-se a utilizar a Taq polimerase, ex- traída da bactéria Thermus aquaticus. Usualmen- te, os primers têm 20 pares de bases, para garan- tir a identificação de uma única seqüência complementar. No final do processo, o DNA produzido pode ser observado em eletroforese em gel de agarose ou poliacrilamida. A vanta- gem desse método é que o resultado fica pron- to em até 24 horas e requer quantidades muito pequenas de DNA.3,7,9,16 A PCR tem uma ampla faixa de aplica- ções: 1. possibilita a amplificação rápida de um DNA molde para a coleção de mutações não caracterizadas; 2. permite uma identificação rá- pida de marcadores polimórficos; e 3. pode ser utilizada para a análise de mutações conheci- das. Essa técnica – que revolucionou o estudo do câncer – tem sido usada para detectar mu- tações nos oncogenes associados ao câncer, nos genes supressores de tumores, nos linfócitos B e T e translocações.7,16 A PCR tem algumas limitações. Embora seja um método para aumentar a quantidade do gene de interesse in vitro, pode haver difi- culdades devidas ao material necessário no es- tudo de pequenas quantidades de DNA. Além disso, a especificidade da reação pode ser limi- tada e depende de muitos fatores, como o ta- manho dos oligonucleotídeos, a temperatura de anelamento e a concentração do sal. Toda- via, uma das maiores limitações é a susceti- bilidade do processo à contaminação.7,16 HIBRIDIZAÇÃOIN SITU DE FLUORESCÊNCIA (FISH) Na hibridização in situ, geralmente utili- za-se uma preparação de cromossomos metafásicos em lâmina, na qual o DNA cromossômico foi desnaturado pela exposi- ção a formamida antes da hibridização, com uma sonda apropriada. Na técnica de FISH, a sonda de DNA pode ser marcada direta- mente, pela incorporação de um precursor de nucleotídeo marcado com fluorescência, ou indiretamente, pela incorporação de um nucleotídeo contendo uma molécula repór- ter (biotina ou digoxigenina). Depois de in- corporada ao DNA, essa molécula repórter é ligada, por afinidade, a uma molécula marcada com fluorescência.7,16 Essa técnica fornece resultados rápidos, que podem ser visualizados sob microscopia de fluorescência. Nos cromossomos metafásicos, os sinais positivos aparecem como pontos duplos, correspondendo à hibridização da sonda em ambas as cromátides-irmãs. As aplicações da téc- nica são a detecção de alterações cromossômicas numéricas e estruturais, o diagnóstico pré-natal, o diagnóstico de doenças virais, a determinação do sexo pré-natal, o mapeamento gênico e, na oncologia, a detecção de doença residual míni- ma como células tumorais em baixa freqüência e o monitoramento de transplantes de medula ós- sea. Sua desvantagem é que ela se limita ao seg- mento pesquisado.7,16 APLICAÇÕES DA BIOLOGIA MOLECULAR NA ODONTOLOGIA O progresso da engenharia genética na medicina terá efeitos similares na prática do cirurgião dentista. Novos métodos serão aban- donados em favor das técnicas da bioenge- nharia. O avanço mais significativo será na interação entre dentistas e pacientes, com o desenvolvimento de novos sistemas de diag- nóstico, prevenção e tratamento.19 A microbiologia bucal é essencial para a identificação e caracterização de vários mi- crorganismos envolvidos nas infecções bu- cais. A bolsa periodontal tem cerca de 300 espécies diferentes de bactérias. Alguns mi- crorganismos têm sido associados com a do- ença periodontal, como Actinobacillus acti- nomycetemcomintans (Aa), Fusobacterium nucleatum (Fn), Porphyromonas gingivalis (Pg), Prevotella intermédia (Pi) e Eikenella corrodens (Ec). Muitos métodos têm sido usados na detecção da variação fenotípica e genotípica para a caracterização desses patógenos periodontais, assim como na identificação de bactérias da cavidade bucal. Por meio dessas técnicas, o patógeno pode ser diagnosticado antes que a doença esteja em estado avança- do, sendo possível identificar, simultaneamen- te, mais de um patógeno. A PCR é uma das técnicas mais utilizadas na identificação de patógenos associados à doença periodontal, à placa e à carie dental.1,4,6 Com o seqüenciamento, provavelmente será possível a modificação das bactérias que causam doenças bucais. A determinação do genoma bacteriano permitirá ao dentista pesquisar e compreender melhor a função celular desses organismos responsáveis pelo início da cárie dental e da doença periodontal. Na terapia endodôntica, os profissionais se- rão capazes de desenvolver geneticamente te- U N I M E P • U n iv er si d ad e M et o d is t a d e P ir ac ic ab a vo l. 1 4 n o s 2 ju l. /d ez . 2 0 0 2 1 2 cido pulpar dentro do canal para crescer e preencher a câmara. Será possível, também, a regeneração da perda de tecido ósseo alveolar, de tecido gengival e de cemento, pro- porcionando, assim, um ótimo nível de saúde periodontal.19 A genética do câncer tem se desenvolvi- do devido aos avanços nas técnicas de biolo- gia molecular e de imunohistoquímica. O cân- cer é causado por componentes ambientais e alterações genéticas que ocorrem nos tecidos, com predisposição hereditária em algumas famílias. Câncer pode ser definido como uma coleção de distúrbios que compartilham, como característica afim, o crescimento celu- lar descontrolado, formando uma massa de células chamada neoplasia ou tumor. Os genes do câncer são classificados em três principais categorias: os que normalmente inibem a pro- liferação celular (supressores tumorais), os que ativam a proliferação (oncogenes) e os que participam do reparo do DNA e da apoptose.16 Os genes supressores tumorais têm a pro- priedade de bloquear a proliferação celular descontrolada. Uma de suas características é a de que as mutações herdadas são alelos do- minantes em nível de indivíduo, mas recessivos em nível celular. Isso pode ser ex- plicado pelo fato de que apenas uma célula tumoral é necessária para iniciar um tumor em um indivíduo. Os genes supressores tumorais apresentam mutações na linhagem germinativa que causam síndromes de cân- cer herdado, como o retinoblastoma (Rb).16 A maioria dos oncogenes origina-se de proto-oncogenes, genes envolvidos com os quatros reguladores básicos do crescimento celular. Um oncogene é o resultado de uma mutação em um proto-oncogene. Os onco- genes são geralmente dominantes em nível celular, ou seja, apenas uma única cópia de um oncogene é necessária para contribuir para o processo de multietapas de progressão tumoral. As mutações oncogênicas de linha- gem germinativa raramente causam síndro- mes de câncer herdado.16 Tem sido evidenciado que genes especí- ficos estão alterados no câncer bucal. Muitas das proteínas desses genes podem ser detec- tadas por técnicas de imunohistoquímica, ser- vindo como marcadores de lesões com alto risco de progressão para doença maligna. A maioria dos genes e proteínas desregulados no câncer bucal está associada à proliferação celular. A superexpressão das oncoproteínas ciclina D1 e mdm2 associadas com o ciclo celular, tanto quanto a subexpressão dos supressores p53, p16 e p27, podem ser marcadores tumorais importantes.8 As mutações somáticas no gene p53 são encontradas em aproximadamente 50% de todos os tumores humanos, tornando-o o gene de câncer geralmente mais alterado. O p53 é ativado em resposta a sinais de dano celular. Esse gene codifica um fator de trans- crição que interage com pelo menos seis ou- tros genes. Como o gene p53 é considerado um supressor tumoral, as mutações que nele ocorrem podem ocasionar uma perda de fun- ção. Entretanto, algumas mutações do p53 podem ter um efeito negativo dominante, em que o produto protéico do alelo mutado interage e inativa o produto protéico do alelo normal, induzindo a transformação celular. O gene p53 é importante por dois motivos. Primeiro, porque sua presença geralmente indica tumores mais agressivos, com chance de sobrevida baixa; segundo, porque ele é im- portante na prevenção do tumor. Alguns tes- tes labo-ratoriais mostram que a inserção de um gene p53 normal em células tumorais re- sulta numa diminuição significativa da carcinogê-nese, sendo um indicativo de for- ma alternativa de tratamento do câncer.14,16,17 O p53 é comumente encontrado mutado no câncer humano e, algumas vezes, também está superexpressado em outras lesões, como o ameloblastoma. Já a proteína mdm2 é ca- paz de se associar com a p53 e impedir a fun- ção de supressão da p53. Sandra et al.14 anali- saram 34 pacientes com ameloblastoma por meio de testes imunohistoquímicos Western blotting e ELISA. O resultado mostrou que o p53 não está relacionado com a atividade proliferativa no ameloblastoma, enquanto a proteína mdm2 causou alta atividade proliferativa, principalmente no amelo- blastoma de células basais. Acredita-se que o mapeamento do genoma e a clonagem de genes para síndromes de câncer fornecerão informações importan- tes a respeito dos mecanismos de carci- nogênese e dos processos biológicos funda- mentais. O diagnóstico pré-sintomático de membros familiares com risco de câncer e a possibilidade de intervenções genéticas são outras metas importantes desses estudos.16 F O L • F ac u ld ad e d e O d o n to lo g ia d e L in s / U N IM E P 1 3vol. 1 4 n o s 2 ju l. /d ez . 2 0 0 2 Atualmente, os patologistas têm dado maior importância à identificação da apoptose e da mitose para poderem melhor compreen- der a cinética e o desenvolvimento de diver- sos processos patológicos. Aparticipação das alterações nos proto-oncogenes, genes supressores e genes associados com a apoptose está relacionada ao desenvolvimento e à pro- gressão de tumores. Os avanços referentes a conceitos, mecanismos e técnicas de identifi- cação são importantes na determinação da apoptose, como auxiliar no diagnóstico e no prognóstico dos cânceres humanos.15,18 A relação entre a apoptose e a prolifera- ção celular em um tumor é determinada pela participação, nesses processos, dos mesmos genes, dos mesmos inibidores do ciclo celu- lar e das mesmas proteinoquinases, refletin- do, assim, a cinética celular tumoral. A apoptose é ativada por substâncias e genes envolvidos na homeostase das células normais, bem como em alterações patológicas especí- ficas, como o câncer. A apoptose pode ser re- gulada, tanto direta como indiretamente, por oncogenes e por genes supressores de tumor. Os genes bcl-2, c-myc, c-fos, p53, Rb, seus homólogos e proteínas têm sido associados com a modulação, inibição e indução da apoptose em vários tipos de cânceres huma- nos, em que variações da expressão desses genes e produtos podem contribuir, retardan- do ou aumentando o crescimento tumoral em resposta a fatores como radiação, hormônios, quimioterapia citotóxica e hipertermia.15 A expressão da oncoproteína bcl-2 pode ser encontrada no esôfago, na tireóide, na ca- beça e pescoço e em carcinomas bucais, como o de células escamosas da língua. Alguns es- tudos revelaram que o gene p53 interage in- versamente com o gene bcl-2 na regulação da apoptose. Yao et al.18 realizaram análise imunohistoquímica de 52 pacientes com car- cinoma espinocelular da borda lateral da lín- gua, em que as oncoproteínas bcl-2 e p53 fo- ram identificadas em 50% e 60% dos pacientes cancerosos, respectivamente. Os carcinomas espinocelulares na cavidade bucal constituem a maior proporção de cânceres de cabeça e pescoço e umas das principais cau- sas de morbidade e mortalidade mundial. Os genes supressores p53 e Rb estão freqüentemente associados com o carcinoma espinocelular. Tam- bém foi evidenciado que, nesse tipo de carcino- ma, o gene p53 apresenta a capacidade de mo- dular a expressão de vários outros genes – como p21, mdm2, Bax e bcl-2 – envolvidos no contro- le do ciclo celular, parada do crescimento, su- pervisão e reparo do DNA, diferenciação celular e no controle da apoptose.13,15 Segundo Birchall et al.,2 uma desordem no balanço entre proliferação e apoptose po- dem contribuir para a carcinogênese. A apoptose pode ocorrer na porção mais superfi- cial do epitélio displásico. A superexpressão do gene bcl-2 nas células B prolonga a sobre- vivência e subseqüente malignidade das cé- lulas. De acordo com Sandra et al.,14 há rela- tos que evidenciam a expressão das proteínas p53 e/ou mdm2 não só em tumores malignos e benignos nas regiões bucais e maxilofaciais como também em lesões odontogênicas. Ng et al.11 estudaram a expressão das oncoproteínas p21, p53, mdm2 e Ki-67 (MIB1) para determinar se havia uma corre- lação entre elas na diferenciação tumoral, nos estágios dos tumores e na terapia por radiação em 88 amostras de 56 pacientes com carcino- ma espinocelular. Os resultados das amostras para p21, p53, mdm2 e MIB1 foram, respecti- vamente, 82,4%, 67,8%, 25,95 e 98,8%. Foi evidenciado que as oncoproteínas p21 e mdm2 predominam nas regiões suprabasal e superi- or dos tumores e que a expressão positiva da p21 está correlacionada à expressão da mdm2, mas não à expressão da p53. Além disso, o ní- vel de expressão da p21 foi maior em pacien- tes mais velhos e em mulheres. Não foi encon- trada uma associação significativa entre p53, mdm2 e MIB1. A expressão da p53 foi mais elevada nos tumores com pobre diferenciação celular e em pacientes jovens. A terapia por radiação não alterou a expressão de nenhuma das oncoproteínas. Os autores concluíram que a proteína p21 estava superexpressada nos car- cinomas de células escamosas bucais, e que essa superexpressão estava relacionada com a pro- liferação celular e com a expressão da mdm2, mas era independente da p53 alterada. De acordo com a pesquisa de Yao et al.,18 a utilização dos marcadores para p53 e bcl2 e, especialmente, sua combinação na deter- minação dos índices proliferativos e apo- ptótico podem contribuir para a determina- ção prognóstica da agressividade dos carcinomas espinocelulares da língua. Foi ve- rificado, ainda, que a supressão do oncogene bcl2 na regulação da apoptose contribui para a manutenção desse tipo tumoral. U N I M E P • U n iv er si d ad e M et o d is t a d e P ir ac ic ab a vo l. 1 4 n o s 2 ju l. /d ez . 2 0 0 2 1 4 O leiomiossarcoma é um tumor muito raro da cavidade bucal e que apresenta dificul- dade de identificação histopatológica entre tu- mor maligno e benigno. Nikitakis et al.12 reali- zaram o diagnóstico e prognóstico de dois pacientes por imunohistoquímica e marcadores moleculares. Os autores concluíram que a pro- teína p53 pode ser identificada em leio- miossarcomas, possibilitando a distinção en- tre os dois tipos de tumores. A expressão da proteína p53 também pode estar associada com a alta taxa de recorrência e com o curto perío- do de sobrevivência. Além da proteína p53, foi identificada a expressão do oncogene mdm2. Ambos os casos foram imunohistoqui- micamente positivos para quinase 4 dependen- te da ciclina (CDK4), cuja amplificação e superexpressão tem sido considerada como um mecanismo alternativo para a mutação no gene Rb e a desregulação do ciclo celular. Altera- ções na regulação do ciclo celular envolvendo a proteína do retinoblastoma, ciclinas e quinases dependentes da ciclina têm sido rela- tadas em diferentes tipos de sarcomas huma- nos, incluindo o leiomiossarcoma. A técnica de imunohistoquímica tem con- tribuído para uma determinação mais precisa no prognóstico de pacientes com neoplasias, principalmente nos casos em que o diagnósti- co definitivo não pode ser estabelecido pela coloração com a hematoxilina-eosina. Primei- ro, a técnica pode ser usada rotineiramente em tecidos já preparados; segundo, é um sistema muito sensível, que pode detectar antígenos que são expressos em pequenas quantidades e, se cuidadosamente selecionados, o complexo antígeno-anticorpo pode ser muito específico; terceiro, os aspectos técnicos, como baixo cus- to dos equipamentos e pequena área labo- ratorial, são favoráveis. A seleção dos anticorpos para esse teste é feita com base na espe- cificidade do tumor e se o anticorpo provavel- mente irá reagir com o tumor sob avaliação. Essa técnica é utilizada para o estudo dos pa- drões gerais de expressão em nível de proteí- nas dentro de um tecido ou outra estrutura multicelular. Os tecidos são geralmente con- gelados ou embebidos em parafina e cortados em secções muito finas. O anticorpo apropria- do é utilizado para se ligar à proteína do teci- do, podendo produzir dados de expressão dis- poníveis para a comparação com a coloração histológica de cortes de tecidos vizinhos.8,16 Os avanços na área da biologia molecular são muitos. Nesta revisão, encontramos algu- mas técnicas utilizadas para a identificação molecular de doenças humanas e suas aplica- ções na odontologia. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Avila-Campos MJ, Velásques-Meléndez G. Prevalence of putative periodontopathogens from periodontal patients and healthy subjects in São Paulo, SP, Brazil. Rev. 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