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Desenvolvimento, conjuntura sistêmica e geopolítica - O impacto da relação entre economia e poder militar para a formulação da perspectiva e da estratégia nacional brasileira - VIEIRA -2013

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IV ENCONTRO NACIONAL DA ABRI. 
 BELO HORIZONTE – MINAS GERAIS – 23 A 26 DE JULHO DE 2013 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Desenvolvimento, conjuntura sistêmica e geopolítica: O impacto da relação entre economia 
e poder militar para a formulação da perspectiva e da estratégia nacional brasileira. 
 
 Ricardo Zortéa Vieira – UFRJ. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Painel: Geopolítica, segurança e desenvolvimento na integração regional 
Área: Segurança Internacional 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Resumo: 
 
A proposta desse trabalho é buscar levantar elementos que ajudem a compor uma 
estratégia de desenvolvimento nacional de longo prazo, conectando as duas faces do 
debate sobre o tema, a econômica e aquela associada ao poder militar e à geopolítica. Para 
tanto, na primeira seção apresentaremos a concepção que entende o desenvolvimento 
econômico como sendo baseado na construção e proteção de posições monopólicas 
externas, o que pressupõe a capacidade de dissuasão e projeção de poder bélico. Em 
seguida, argumentaremos que o sistema passa por uma fase de excesso de capitais e 
“competição excessiva” causada pelo crescimento das novas potências, principalmente da 
China. Simultaneamente, o Brasil se insere em uma área geopolítica dominada pelos EUA, 
cujo objetivo histórico e presente é de bloqueio à expansão econômica e militar do país. 
Finalmente, na terceira parte, iremos formular alguns elementos que possam integrar uma 
estratégia brasileira de desenvolvimento integral e de longo prazo que seja adequada à 
conjuntura atual. Defenderemos então que tal estratégia, nas suas dimensões econômica e 
militar, necessariamente terá como eixo central o entorno geopolítico imediato do Brasil 
constituído pela América do Sul e pela África. A execução da linha estratégica proposta, 
entretanto, exigirá a melhora da coordenação e o incremento dos recursos organizacionais à 
disposição do Estado brasileiro. 
 Palavras-chave: desenvolvimento econômico, dissuasão militar, conjuntura 
sistêmica, estratégia nacional. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
I. Introdução. 
 
 Historicamente, o debate acerca do desenvolvimento e da inserção externa do Brasil foi 
dominado por perspectivas e teorias oriundas do campo da economia. Nos últimos anos, 
todavia, o pensamento econômico vem demonstrado limitações na tarefa de produzir 
análises e estratégias capazes de orientar a ação brasileira nessas esferas no longo prazo. 
Nossa proposta no presente trabalho é apresentar uma análise que busque superar os 
marcos da economia tradicional, articulando a dimensão econômica e política da inserção 
externa e do desenvolvimento brasileiro, e a partir daí formular alguns parâmetros gerais 
que possam orientar uma estratégia nacional de longo prazo para o país. O objetivo, 
obviamente, não é exaurir o tema, ou chegar a conclusões definitivas, mas apenas contribuir 
trazendo elementos para o debate acerca da formulação do pensamento estratégico 
brasileiro. 
 Para tanto, dividimos o trabalho em três partes. Na primeira, apresentaremos uma 
visão teórica, extraída do campo da Economia Política Internacional, que liga o processo de 
desenvolvimento econômico ao processo de expansão do poder dos Estados nacionais e as 
conjunturas sistêmicas nos quais esses Estados se inserem. Na segunda, faremos uma 
leitura sumarizada da conjuntura atual do sistema, buscando identificar as tendências 
econômicas e geopolíticas que podem ter impacto sobre a inserção externa do Brasil. 
Finalmente, na terceira parte, iremos buscar formular alguns elementos que possam orientar 
uma estratégia brasileira de longo prazo adequada às tendências conjunturais previamente 
descritas, e aos desafios, cenários e oportunidades que elas ensejam. 
 
II. Desenvolvimento Econômico, Poder Nacional e Conjuntura. 
 
 Entre os anos 1950 e 1970, provavelmente a escola teórica que mais influenciou direta 
ou indiretamente as políticas de Estado tenha sido a estruturalista. Apesar de suas variantes 
internas, e as diferenças entre o modelo original e aquele posteriormente elaborado no 
Instituto de Economia da UNICAMP, pode-se dizer que o pensamento estruturalista, em 
linhas gerais, afirma existir uma correlação entre desenvolvimento econômico e 
industrialização. A estratégia que derivou do modelo cepalino, a substituição de 
importações, foi seguida de forma relativamente consistente pelos governos brasileiros entre 
as décadas de 1950 e 1970. Todavia, apesar de garantirem um crescimento acelerado no 
período, em última instância a industrialização brasileira falhou em promover o fim último do 
desenvolvimento, ou seja, a equiparação de renda entre o Brasil e os países centrais 
europeus e os EUA. Existe um grande debate sobre as razões do fracasso último da 
substituição de importações. Para os fins desse trabalho, tem especial relevância a crítica 
elaborada por Giovanni Arrighi, que se foca no caráter da riqueza usufruída pelos países 
centrais e que a industrialização periférica se propõe a, em algum grau, emular. 
 Arrighi (1998) coloca que essa riqueza não é produzida internamente pelos Estados 
centrais, mas coletivamente, por cadeias mercantis que unem o núcleo orgânico do sistema 
à sua periferia. Entretanto, a maior parte dessa produção coletiva é apropriada pelo centro 
devido ao seu controle sobre as etapas mais monopolizadas das cadeias. Com isso, os 
Estados “desenvolvidos” possuem um nível de renda completamente desproporcional ao 
seu nível de eficiência e produtividade, o que o autor denomina de “Riqueza Oligárquica”. Ao 
contrário, a riqueza produzida pela industrialização é proporcional à produtividade 
alcançada, ou “Riqueza Democrática” (por ser passível de generalização) permitindo a 
obtenção de um nível médio de renda, o que situa os países industrializados que não 
conseguiram obter controle sobre as atividades oligopolizadas em uma posição 
intermediária entre o centro e a periferia do sistema1. Além disso, pelo fato da 
industrialização substituidora de importações representar na prática um processo de 
construção de oligopólios internos, devido aos diversos incentivos e proteções da qual a 
indústria passa a usufruir, os países semiperiféricos industrializados apresentam um grande 
desnível interno de renda. 
 Segundo a argumentação de Arrighi, não existe qualquer setor que seja por 
definição de “alto valor agregado”, ou cuja implantação resulte no desenvolvimento. 
Historicamente, os setores econômicos foram transferidos do centro para a periferia à 
medida que perderam seu caráter oligopólico. A única garantia de se manter o potencial de 
qualquer atividade econômica específica de produzir a chamada Riqueza Oligárquica é 
construindo barreiras de acesso que impeçam os capitais de fluírem para esse setor. 
Todavia, o capital sozinho não pode desempenhar, nem nunca desempenhou essa tarefa2, 
e, na realidade, os mecanismos de reprodução do capital tendem a promover uma 
destruição das posições oligopólicas. Isso, entretanto, é contrastante com a observação de 
uma permanência, na longa duração, das atividades oligopolizadas dentro de uma área 
 
1
 Arrighi coloca nesses termos a diferença entre os dois tipos de riqueza características dos países ricos e dos 
países industrializados da periferia: “... as riquezas democrática e oligárquica são separadas por um fosso 
intransponível. A riqueza democrática é o tipo de controle sobre os recursos que, em principio, está disponível 
para todos em relação direta com a intensidade e a eficiência de seus esforços. A riqueza oligárquica, ao 
contrário, não tem nenhuma relação com a intensidade e a eficiência de seus beneficiários e nunca está 
disponível para todos, não importa quão intensos e eficientes sejamseus esforços (ARRIGHI, 1998, pág. 281).” 
2
 Isso porque mesmo as conhecidas táticas de construção de barreiras de acesso, como a inovação técnica e 
organizacional, não garantem em si mesmas as posições privilegiadas, devido a uma série de motivos. Por um 
lado, as inovações restritas não dependem somente da iniciativa empresarial para serem realizadas, mas de 
uma infra-estrutura cientifica e tecnológica, e do acesso a linhas de crédito. Por outro, é praticamente 
impossível evitar cópias e desenvolvimento de técnicas alternativas, o que gera um processo contínuo de 
entrada de competidores em áreas antes monopolizadas. 
geográfica específica, como acontece por exemplo com o nordeste da Europa e a América 
do Norte, ou as chamadas nações “desenvolvidas”. 
 Uma solução para a contradição aparente entre a tendência para a destruição das 
posições oligopólicas, por um lado, e a permanência da acumulação extraordinária e sua 
concentração geográfica, por outro, pode ser encontrada na análise elaborada por José Luís 
Fiori (2004) sobre a formação e evolução dos Estados Nacionais e do sistema interestatal 
europeu. Segundo Fiori, nos séculos XVI e XVII os Estados periféricos do continente tiveram 
que enfrentar o desafio bélico imposto pelos poderes que possuíam uma população, um 
território e uma base tributável maior do que a que tinham acesso os forçando a procurar 
caminhos alternativos para garantirem a sua sobrevivência no tabuleiro europeu. 
 A rota encontrada para equacionar esse desafio foi um esforço de nacionalização do 
capital, que passou a se denominar na moeda nacional e ser reservado preferencialmente 
em títulos da dívida do Estado, que por sua vez possuíam um perfil de longo prazo e juros 
baixos. Em troca do abandono final de suas operações “cosmopolitas”, o capital 
nacionalizado passou a ter acesso à exploração exclusiva das posições privilegiadas 
conquistadas com a expansão do poder nacional, representadas tanto no acesso ao 
mercado nacional protegido quanto ao sistema colonial ultramarino. Criou-se assim uma 
situação em que a “acumulação extraordinária” passou a depender da conquista e proteção 
de posições monopólicas pela guerra e pela aplicação do poder militar, que por sua vez era 
financiada pelo capital nacional3. E os dois processos, expansão militar e acumulação 
capitalista, foram sintetizados na criação de zonas de influência geopolíticas, em que 
convergiam as necessidades de defesa e as necessidades econômicas dos Estados e 
capitais a ele associados. A obtenção, proteção e expansão dessas esferas ultrapassou 
inclusive a dimensão da defesa externa e da acumulação capitalista, se tornando essencial 
também para garantir a estabilidade interna dos Estados. Isso porque, crescentemente, a 
autoridade central teve que lidar com os processos de criação de laços de cidadania e de 
instituições representativas, que canalizavam as pressões da população nacional por mais 
renda, segurança e bem-estar, interesses que somente poderiam ser atendidos mediante a 
expansão externa. Formou-se assim um “Bloco Nacional de Acumulação de Poder e 
Capital” que une expansão militar, acumulação de riqueza e consolidação interna de laços 
de cidadania. 
 
3
 Como coloca Fiori (2004): “...não é a força de trabalho que explica o incremento do valor inicial, é a mais-valia 
criada pelo poder e por sua capacidade de multiplicar-se por várias formas, mas, sobretudo através da 
preparação das guerras e das conquistas em caso de vitória. Neste ponto há que ter atenção porque a 
preparação das guerras mobiliza e multiplica recursos, enquanto que as guerras, propriamente ditas, destroem 
recursos e capacidade produtiva. Mas o importante é o resultado final, isto é, o aumento do poder dos 
vitoriosos e, como consequência, todo tipo de concessões monopólicas depois cedidas ao capital, pelo poder 
politico (FIORI, 2004, pág. 32).” 
 A categoria de “Bloco Nacional” proporciona uma referência para entender os 
processos de desenvolvimento econômico como sendo derivados e dependentes das 
perspectivas, estratégias e movimentos de expansão do poder nacional, que tem um viés 
eminentemente geopolítico e frequentemente bélico – militar. Entretanto, o “Bloco Nacional” 
descreve um processo geral presente na longa duração do sistema, que começa no “Longo 
Século XVI” e prossegue até os dias de hoje, e para nos aproximarmos da situação 
brasileira atual é preciso recorrer a um segundo conceito, que se refere a um tempo mais 
breve, o de conjuntura sistêmica. Partindo da noção da centralidade do poder na dinâmica 
do sistema e da própria acumulação capitalista, podemos propor a hipótese de que essa 
temporalidade mais curta, equivalente em termos aproximados a uma conjuntura 
braudeliana é delimitada pela configuração das relações de alinhamento ou rivalidade entre 
as Grandes Potências, assim como pelas suas respectivas estratégias de expansão de 
poder. Portanto, cada uma dessas conjunturas apresenta novas formas de acumulação do 
poder nacional, tanto nas áreas geográficas que atua como nos padrões de articulação com 
o capital. 
 No período que se estende do final do século XIX ao inicio do século XX teve lugar 
uma conjuntura específica que adicionou novos elementos ao padrão antes descrito de 
conflito entre os Blocos Nacionais e suas esferas de influência político-econômicas 
relativamente autônomas e estanques. O que passou é que o Reino Unido, durante essa 
fase histórica, elaborou uma estratégia inédita de expansão de seu poder que se articulava 
em torno da universalização do padrão-ouro e pela liberalização financeira. Essa agenda 
britânica levava à erosão do poder das demais Grandes Potências, na medida em que 
exigia que elas implantassem uma política de contenção de gastos, o que vetava políticas 
de reaparelhamento militar, de desenvolvimento econômico e de proteção social. Com isso, 
se reduziam drasticamente as possibilidades de acumulação do capital nacional, bem como 
o apoio interno dos Estados, ao mesmo tempo em que se criava uma tendência para a 
unificação dos mercados nacionais em um único mercado global, comandado desde 
Londres. A resultante final desse processo seria a eliminação da própria competição 
interestatal, e sua substituição por um sistema com características imperiais. 
 Antes que as tendências inscritas na estratégia britânica chegassem aos seus 
extremos, foram detonados nos demais países europeus reações “nacionalizantes” ou “auto-
protetoras”4, que passaram primeiramente por tentativas de melhora das condições de 
competição dos capitais nacionais no espaço econômico global tutelado pela Grã-
Bretanham, como a criação de novos instrumentos de centralização e concentração de 
capitais tutelados pelo Estado, que tomaram a forma, principalmente na Alemanha, de 
 
4
 Ver POLANYI, 1980. 
conglomerados financeiros. Entretanto, o próprio sucesso das reações nacionalizantes e das 
estratégias desenvolvimentistas delas derivadas levou a uma destruição das posições 
privilegiadas e a um aumento da competição intercapitalista, na medida em que os novos 
capitais gerados invadiam os espaços de acumulação monopolista antes reservados aos 
capitais ingleses. Eventualmente, a queda das taxas de retorno devido à destruição dos 
oligopólios a nível sistêmico somente pode ser equacionada pela articulação de espaços 
exteriores de exploração exclusiva, na forma da expansão neocolonial na África, e na 
corrida armamentista observada a partir de 1890. Com isso, se observou uma transferência 
do eixo da disputa interestatal do plano econômico para o plano territorial, geopolítico e 
militar, o que criou uma nova tendência ao extremo, representada pelo conflito bélico entre 
as Grandes Potências. Tal extremo, ao contrário do sistema imperial,viria a se concretizar 
nas Guerras Mundiais de 1914 a 1945 (ARRIGHI, 1994). 
 Após o fim da II Guerra, se inaugurou outra conjuntura sistêmica, baseada no 
enfrentamento bipolar entre EUA e sua estratégia baseada no controle do Cinturão Interno 
da Eurásia (ou Rimland, na denominação do geopolítico americano Nicholas Spykman) para 
conter o poder terrestre do seu adversário central, a União Soviética. A estratégia de 
contenção americana proveria a base para a formação do sistema Bretton Woods, e para o 
sucesso dos desenvolvimentismos periféricos, inclusive o brasileiro, entre os anos 1940 e 
1970. Entretanto, no final dos anos 1960 e 1970, as potências da Rimland, a Alemanha e o 
Japão, haviam se tornado concorrentes econômicos dos EUA, o que motivou uma 
reorientação estratégica e de alianças americanas, inaugurando uma nova conjuntura 
sistêmica. Faremos a análise dessa nova fase, que constitui o pano de fundo da inserção 
estratégica brasileira, na próxima seção. 
 
III. A Conjuntura Sistêmica Presente. 
 
 Ao longo dos anos 1970, os EUA perceberam que a estratégia de contenção 
colocada em prática desde os anos 1940 estava se esgotando, o que se refletia em 
problemas tanto no campo econômico, com a ascensão da Alemanha e do Japão, quanto no 
campo geopolítico, com a derrota no Vietnã e a ampliação das alianças soviéticas no 
Terceiro Mundo, fora de sua zona tradicional de influência. 
 O primeiro problema, aquele causado pelo crescimento nipo-germânico e que 
mereceu a maior parte da atenção dos autores da Economia Política Internacional, era a 
primeira vista que o déficit comercial e em transações correntes que ele gerou para a 
economia dos EUA, e que era incompatível com o padrão ouro-dólar. Todavia, a questão de 
fundo era que a recuperação do Japão e da Alemanha ameaçou se tornar, nos anos 1970, 
uma contestação à hegemonia americana na dimensão econômica, ao invadir os setores 
antes dominados de forma oligopólica pelos capitais estadunidenses (ARRIGHI, 1994). 
 Isso ficou evidente após o fim da conversibilidade ouro-dólar em 1971, e das 
paridades cambiais fixas em 1973, quando os EUA, tendo sido bem sucedidos na sua 
estratégia de liberalização financeira, se viram livres de constrangimentos externos à sua 
política econômica, e assim adotaram uma linha fiscal e monetária expansionista ao longo 
dos anos 1970 (HELLEINER, 1994). Todavia, os líderes estadunidenses logo perceberam 
que os estímulos econômicos não davam resultado, e isso era em grande parte resultado da 
própria competição japonesa e alemã, e também dos desenvolvimentismos periféricos, que 
aumentava em demasiado os custos de mão-de-obra e de matérias primas, impedindo ou 
tornando pouco rentáveis os investimentos desencadeados pela política expansiva 
(ARRIGHI, 1998). 
 A solução para esse problema veio entre 1979 e 1985, quando os EUA primeiro 
promoveram o choque de juros, que retirou os capitais excedentes da esfera produtiva, e 
abortou os processos de desenvolvimento periféricos, inclusive o brasileiro. Em seguida, 
Washington pressionou, e conseguiu, a valorização das moedas japonesas e europeias, no 
Acordo de Plaza. Com isso, somou a recentralização dos capitais no seu sistema financeiro 
promovida pelo choque de juros com um câmbio competitivo, condições ideais que, 
juntamente com a retomada dos gastos militares ao longo dos anos 1980, permitiram aos 
EUA consolidarem novas posições econômicas monopólicas através das inovações e 
investimentos da chamada “terceira revolução industrial” (ARRIGHI, 1994; CONCEIÇÃO 
TAVARES, 1985: 1997). 
 A estratégia de liberalização econômica iniciada pelos EUA entre 1971 e o final dos 
anos 1980, todavia, estava inscrita e foi viabilizada por uma estratégia maior, concernente 
ao equilíbrio de poder na Eurásia. Nas décadas anteriores, o crescimento japonês e alemão 
havia se baseado na prioridade americana de impedir que qualquer potência, ou aliança de 
potências, obtivesse a hegemonia na Eurásia, o que pedia, naquele momento, a contenção 
do poder soviético e de seus aliados chineses. Entretanto, o aumento da projeção de poder 
soviético no Terceiro Mundo, e o rompimento sino-soviético mudou esse cenário, tanto da 
perspectiva chinesa quanto da estadunidense. 
 Ao final dos anos 1960, China e União Soviética, depois de mais de uma década 
de deterioração nas relações mútuas, estavam em um virtual estado de guerra 
(KISSINGER, 2011). A liderança chinesa então resolveu procurar uma aliança defensiva 
com os Estados Unidos, já em 1968. Do ponto de vista dos americanos, por sua vez, 
convinha impedir uma derrota chinesa, pois isso iria desestabilizar em demasia o equilíbrio 
de poder eurasiano5. A articulação com a China que se formou nos anos 1970 como 
resultado desses interesses possibilitaria diversas vitórias para o poder americano nas 
décadas seguintes. Em primeiro lugar, ela não só impediu a quebra da balança de poder na 
Eurásia que viria de uma vitória russa na China, como cortou uma das maiores, senão a 
maior, zona de expansão potencial do poder soviético, tanto em termos militares quanto em 
termos econômicos. Com isso, abriu caminho para o colapso da URSS entre 1989 e 1991, e 
para a hegemonia militar e ideológica dos EUA no globo. Em segundo, ela permitiu também 
a hegemonia econômica americana atingida nos anos 1990. Isso porque, por um lado, 
viabilizou geopoliticamente a estratégia de liberalização financeira imposta aos países 
europeus e ao Japão, que foi por sua vez fundamental tanto para a recuperação da 
competitividade da economia americana, quanto para a formação da agenda neoliberal 
constituída pela abertura comercial, pelas privatizações e pela desregulamentação, que foi 
imposta aos países da América Latina e do antigo Bloco Socialista a partir dos anos 1980. A 
combinação desses dois fatores permitiu a reconstituição, em escala mundial, das posições 
privilegiadas (e dos “ganhos extraordinários”) e sua exploração pelos capitais associados ao 
poder americano, pois simultaneamente promoveu a redução do crescimento econômico, e 
com elas os preços das matérias-primas e mão-de-obra antes elevados, e abriu, via 
liberalização, aliança com a China, e pela “revolução tecnológica”, novos espaços 
privilegiados de investimento aos quais os capitais americanos estavam em melhores 
condições de explorar. 
 Entretanto, na medida em que avançavam os anos 1990 e 2000, pode-se observar 
que os dois pilares da estratégia americana e que alçaram o país a um nível de poder sem 
precedentes, a agenda liberalizante e a aliança com a China, também geraram tendências 
que estavam em contradição cada vez maior com a própria estratégia. Dessa forma, a 
liberalização defendida com ardor pelos EUA no final do século XX levou, em um primeiro 
momento, à redução da autonomia e à desarticulação das economias nacionais, 
principalmente na América Latina e os países que se formaram após o fim da União 
Soviética, e consequentemente da sua capacidade de acumulação de capital e de 
atendimento às necessidades das populações locais, o que passou a ameaçar, nos casos 
mais extremos, a própria existência dos Estados Nacionais dessas regiões. Contudo, antes 
que tal resultado viesse a ocorrer, reações de caráter pluriclassista levaram ao poder novas 
elites, descomprometidas com o projeto neoliberal, e que com intensidade crescente 
passaram a implantar nos seus países políticas de viés nacionalizante. 
 
5
 Mais precisamente, o acesso do poder terrestre que domina a Heartland, então representado pelos 
soviéticos, aos mares quentes, como aquele que seria possibilitado, por exemplo, pelo litoral chinês. Além 
disso, a articulação do parque industrial e dos recursos naturais soviéticos com a população chinesa levaria a 
constituiçãode um bloco geoeconômico de proporções consideráveis. 
 Em linhas gerais, as políticas nacionalizantes passam pela reconstituição das 
economias nacionais, através da execução de uma linha que combina retomada do controle 
sobre os recursos naturais, protecionismo tarifário e cambial, formação de novos 
instrumentos de centralização e concentração de capitais e incentivos de diversas matrizes 
para a acumulação do capital local. Em seguida, o sucesso das políticas de 
desenvolvimento e acumulação leva a iniciativas de aliança financeira e comercial, através 
da articulação de blocos regionais, com o objetivo de garantir esferas privilegiadas de 
investimento para o capital nacional. A construção e proteção dessas posições, por sua vez, 
requer uma maior capacidade de projeção de poder bélico e político, o que gera a tendência 
para que os espaços econômicos construídos pelo Estado no exterior coincidam em grau 
frequente com as áreas de interesse estratégico-militar, formando zonas de influência 
econômico – militares no seu entorno6. 
 Além das reações nacionalizantes, os “Desenvolvimentismos Asiáticos”, com 
destaque para o caso chinês, também começaram a operar como uma fonte de 
desestabilização crescente da estratégia americana e da conjuntura sistêmica que se 
articulava sobre ela. Tanto a China quanto a Índia, os dois casos de maior sucesso recente 
na Ásia, vem crescendo desde os anos 1980 e 1990, respectivamente, a taxas superiores a 
7 % ao ano, que são sustentadas por um ritmo ainda maior de avanço na poupança e 
investimentos domésticos e nas suas exportações, principalmente para o mercado 
americano. Desde 1999, a poupança interna chinesa é superior a 40 % do PIB, subindo de 
449 bilhões de dólares no ano 2000 para 3.063 trilhões de dólares em 2010 (BANCO 
MUNDIAL & INDEX MUNDI, 2013). Nesse último ano, a poupança interna foi responsável 
por financiar 97 % dos investimentos na economia chinesa, com o Investimento Direto 
Estrangeiro (IDE), de 105 bilhões, representado os 3 % restantes (BLOOMBERG, 2011). No 
mesmo período, as exportações da China avançaram de 232 bilhões em 2000 para mais de 
1.904 trilhão em 2011 (INDEX MUNDI, 2013). Como resultado direto do avanço chinês, se 
observou a partir de 2002 um ciclo de forte alta no preço das commodities, com grande 
impacto inclusive nas contas externas brasileiras (MAGALHÃES PRATES, 2007). 
 Apesar de em um primeiro momento o avanço asiático ter contribuído para os 
propósitos americanos, nos últimos anos ele gerou tendências tanto econômicas quanto 
geopolíticas que se tornaram um obstáculo crescente à estratégia americana. Na primeira 
dimensão, o crescimento da economia chinesa pressiona o preço das commodities e das 
matérias primas, e a sua alta taxa de investimento leva a inundação dos mercados globais 
com mercadorias baratas, ao mesmo tempo em que os capitais chineses passam cada vez 
 
6
 Um exemplo dessa trajetória é o caso da Rússia, que desde 1999 vem levando a cabo um projeto que passa 
pela nacionalização dos recursos naturais, reaparelhamento das forças armadas e formação de zonas de 
influência regionais, como a União Eurasiana. 
mais a entrarem em áreas de maior valor agregado e intensidade tecnológica, antes 
reservadas às empresas estadunidenses e europeias (TREBAT & MEDEIROS, 2013). Com 
isso, gera-se uma tendência de destruição das posições monopólicas, e portanto de redução 
do nível de rentabilidade dos investimentos e compressão dos ganhos. Na segunda 
dimensão, a China cada vez mais capaz de competir, inclusive na esfera militar, com o 
poder americano na Ásia, criando um desafio potencial do mesmo nível, ou até mesmo 
maior, do que aquele representado pela antiga União Soviética (MEARSHEIMER, 2001). 
 Aparentemente, as temporalidades envolvidas nas duas dimensões da ascensão 
chinesa, somada com as reações nacionalizantes, convergiram entre 2008 e 2009. Nesse 
biênio, a crise financeira detonou um novo ciclo de políticas monetárias e fiscais altamente 
expansionistas por parte dos EUA, e, em menor medida, também da Europa. Todavia, até o 
momento (cinco anos depois) tais políticas não surtiram o efeito esperado de garantir a 
retomada ao nível de crescimento anterior à crise. De fato, mesmo o crescimento dos 
BRICs, inclusive o da própria China, tem observado uma redução expressiva. Esse cenário 
é coerente com aquele que Arrighi chama de “equilíbrio de alto nível”, em que o crescimento 
é bloqueado pela ausência de possibilidades de ganhos extraordinários causado por uma 
competição intercapitalista excessiva, ou seja, a destruição mútua de esferas privilegiadas 
de investimento e exploração oligopólica, que se manifesta na valorização do preço das 
matérias-primas e da mão-de-obra. Todos esses elementos são efeitos das reações 
nacionalizantes e protecionistas e, principalmente, da ascensão econômica chinesa. E, de 
forma reveladora, quase que simultaneamente ao inicio da crise global, a nova 
administração Barack Obama anunciou em 2009 sua política de “pivot” para a Ásia, com o 
objetivo não explicitado, mas bastante claro, de contenção do poder chinês ascendente. 
(CLINTON, 2009). Com isso, parece que os anos de 2008 e 2009 indicam um ponto de 
inflexão na conjuntura sistêmica que se formou a partir dos anos 1970, ao revelar os limites 
e eventual esgotamento da estratégia americana baseada na liberalização comercial e 
financeira e no alinhamento com a China. 
 Nas próximas décadas, assim, a conjuntura deverá ser dominada por duas tendências 
centrais. Em primeiro lugar, as tentativas americanas de cercar e conter a China, e os 
esforços chineses de rompimento desse cerco. Apesar da rivalidade crescente e das 
tensões envolvidas em uma relação desse tipo, entretanto, dificilmente haverá um conflito 
armado entre os dois países nas próximas décadas.7 A segunda tendência é a que as 
 
7
 Isso porque a China importa a maior parte do seu petróleo por vias marítimas, que são vulneráveis à ação da 
Marinha americana e que Pequim não pode, por não deter um poder naval próprio, proteger. Atualmente, os 
chineses buscam tanto construir esse poder naval quanto criar rotas alternativas, por via terrestre, de 
suprimento de energia, mas tais esforços só se completarão no longo prazo. Por sua vez, os EUA não tem 
capacidade de projeção de poder terrestre sobre o território chinês, devido às forças de mísseis terra-terra e 
terra-mar chineses (STRATFOR, 2013) . 
demais grandes potências e Estados – pivôs, como Rússia, Japão, Alemanha, Índia e Brasil 
devem se focar cada vez mais em construir e consolidar zonas de influência políticas, 
econômicas e militares, com o objetivo de garantir o desenvolvimento econômico e a 
segurança em um sistema com capitais e competição excessiva, destruição mútua de 
posições privilegiadas e tendência ao deslocamento da disputa econômica para a bélica e a 
geopolítica. Na presente conjuntura, existe a possibilidade que as potências perdedoras 
durante a estratégia americana que vigorou até 2008- 2009 colham frutos do realinhamento 
que está ocorrendo, como é o caso do Japão, que terá sua importância aumentada caso a 
estratégia americana de contenção da China efetivamente se consolide. Entretanto, essa 
não parece ser uma possibilidade para o Brasil, como será exposto na próxima seção, sobre 
a inserção e a estratégia do país durante a conjuntura presente. 
 
IV: A Inserção e a Estratégia Brasileira. 
 
 Atualmente, o Brasil se insere no sistema como um de seus “Estados pivôs”, ou seja, 
aqueles que são Grandes Potências ou estão mais próximos de sê-lo, pelo seu tamanho 
demográfico, territorial e econômico, assim como seu posicionamento geopolítico. O país é 
o quinto em termos de população e área, e tem o sétimo maior PIB domundo. Além disso, 
se situa em uma região, constituída pela América do Sul, Atlântico Sul e África Subsaariana 
(podendo também incluir a Antártica) em que não possui rivais simétricos, e portanto lhe 
garante grandes possibilidades de expansão do seu poder nacional. Essa mesma região 
também é praticamente autossuficiente em alimentos, minérios e, com as recentes 
descobertas de petróleo do pré-sal e as reservas potenciais no Golfo da Guiné, em energia 
(PENHA, 2011). 
 Apesar de todas essas vantagens, a atuação do Brasil no seu “entorno estratégico” 
tem um grande desafio, representado pelo envolvimento do Poder Americano na região. Os 
EUA tem como um de seus objetivos fundamentais de política externa desde o século XIX 
impedir que surja no Hemisfério Ocidental qualquer Estado capaz de dissuadir o seu poder. 
Tal estratégia foi primeiro exposta na Doutrina Monroe, em 1823, e depois sistematizada no 
pensamento do geopolítico americano Nicholas Spykman, no seu livro de 1943 que se 
tornou a base da doutrina de contenção americana após a II Guerra, “America’s Strategy in 
World Politics” (ALMEIDA DE MELLO, 1999; FIORI, 2007). 
 A estratégia tradicional de hegemonia hemisférica dos EUA formulada no século XIX 
e depois melhor definida por Spykman é voltada tanto para os Estados de fora quanto para 
os de dentro da região. E, para os de dentro, o Brasil sempre foi visto como o país que 
melhor reunia as condições necessárias para vir a se tornar uma Grande Potência na 
América. Daí que qualquer dinâmica de expansão do poder brasileiro no exterior está 
fadada a entrar em choque com os interesses americanos. A única forma de se evitar um 
conflito desse tipo seria através de uma aliança entre Brasil e EUA no qual o primeiro se 
tornaria uma espécie de “sócio menor” do poder global do segundo, em condições 
semelhantes a da Europa Ocidental, o Japão e Israel. Na realidade, tal pacto seria muito 
vantajoso para o Brasil, pois permitiria inclusive a superação da condição de nível de renda 
média que detém hoje, na medida em que o país passaria a ter acesso às posições 
reservadas aos capitais dos EUA e de seus aliados. Todavia, tal opção não parece ser 
viável, mesmo depois do realinhamento estratégico dos EUA e das demais Grandes 
Potências após os anos 2000. Isso porque, ao contrário do que ocorre por exemplo com o 
Japão e os demais Estados asiáticos, o Brasil não pode ser visto como um baluarte contra a 
expansão chinesa. Dessa forma, um “convite ao desenvolvimento” dos EUA para o Brasil 
apenas ajudaria, do ponto de vista de Washington, a criar mais uma ameaça para o poder 
americano, ao fortalecer um Estado e rival em potencial no seu entorno estratégico imediato. 
 Se uma aliança em termos vantajosos é inviável, enfrentar o poder americano é uma 
tarefa difícil, e a primeira vista, impossível. Os EUA tem hoje um PIB sete vezes maior do 
que o brasileiro (CIA, 2013), e são uma potência nuclear que detém o maior poder aeronaval 
do mundo. Essas capacidades se fazem diretamente presentes no entorno estratégico 
brasileiro através de dois comandos de área, o Southcom e o Africom. Os dois comandos 
controlam um cinturão de bases no Atlântico Sul (com destaque para a base aérea na ilha 
de Ascensão) e tem acesso a recursos navais que podem ser rapidamente colocados à sua 
disposição8. Dessa forma, os EUA controlam totalmente o Atlântico Sul, e seu domínio na 
área não poderá ser contestado no futuro imediato. 
 Apesar das dificuldades, assumir a competição com os EUA é a única opção do 
Brasil, se não quiser abandonar seus objetivos de potência. Portanto, é necessário elaborar 
uma estratégia de contenção e dissuasão do poder americano, o que requer desenhar 
cenários de conflito potencial que contemplem a progressão das tendências sistêmicas e as 
capacidades e vulnerabilidades dos dois países. Podemos tomar como base para tal 
exercício que as pressões internas sobre o poder brasileiro levarão a um continuado 
envolvimento no seu entorno estratégico, de forma a garantir espaços para os capitais e 
empresas nacionais, assim como alianças de forma a prevenir o aumento da penetração do 
poder americano na região. Isso pode levar a dois tipos de conflitos principais nas próximas 
décadas, entre vários outros: o latente e o aberto. 
 
8
 A Marinha Americana dispõe de 63 submarinos nucleares, e 11 grupos de combate de porta-aviões, que 
podem ser rapidamente designados para qualquer uma das frotas que operam sob o Southcom (IV Frota) e o 
Africom (II Frota) (EUA, 2013). Em comparação, a Marinha Brasileira possui apenas 5 submarinos, todos 
convencionais, e 1 grupo de combate de porta-aviões, que não está em condições de combate devido ao 
estado obsoleto das suas aeronaves embarcadas. 
 No primeiro, a incapacidade brasileira em consolidar seu controle sobre o entorno 
estratégico levaria a redução do nível de crescimento, o que aumentaria o 
descontentamento interno. A instabilidade interna seria aproveitada pelas organizações de 
inteligência e diplomacia americanas, com a cooperação de seus parceiros internos na 
economia e política nacional, de forma a estruturar redes de poder internas capazes de 
reduzir a margem de manobra do governo brasileiro. O resultado seria a redução da 
autonomia do Estado e o comprometimento parcial do processo decisório. 
 No segundo cenário, a exacerbação das pressões geopolíticas e intercapitalistas 
dentro do sistema levariam a um cenário de guerra aberta entre EUA e Brasil, que poderia 
ser limitada ou nuclear. No primeiro caso, mais provável, os EUA iriam buscar 
contrabalançar as suas dificuldades de projeção de poder terrestre utilizando sua força 
relativa no campo aeronaval e de inteligência – operações encobertas e especiais, de forma 
a se aproveitarem das duas principais vulnerabilidades brasileiras, ou seja, falta de 
capacidade dissuasória e a instabilidade interna. Nesse caso, as forças aeronavais 
americanas iriam se ocupar da destruição da infraestrutura brasileira de comunicações, 
transportes e energia, ao mesmo tempo em que cortariam as ligações brasileiras, de caráter 
econômico e militar, com as potências da Eurásia, tirando vantagem do fato de que 90 % do 
comércio brasileiro com esses países é feito pela via marítima através do Atlântico Sul e do 
Cabo da Boa Esperança (PENHA, 2011). Em seguida ao isolamento e à destruição da 
infraestrutura, os EUA iriam mobilizar seus recursos de inteligência e operações encobertas 
para estimular movimentos e forças adversos à autoridade central, que podem tomar 
diversas formas, sendo a mais grave aquela de cunho separatista tendente à desintegração 
territorial do país. 
 A estratégia para evitar a ocorrência desses dois cenários deve ter dois objetivos 
centrais: Dotar o país de uma capacidade dissuasória integral, com destaque para as 
capacidades aeronavais e estratégicas, inclusive nucleares; e garantir a consolidação 
interna da autoridade do Estado, principalmente contra interesses associados à poderes 
externos. A realização dos dois objetivos passa necessariamente pela obtenção de um 
crescimento continuado da economia brasileira e por sua dotação de setores 
tecnologicamente avançados, o que é necessário para garantir os recursos envolvidos na 
construção de forças militares capazes de dissuadir o poder americano, e também para 
assegurar o apoio interno ao Estado. 
 Tal crescimento no longo prazo, por sua vez e como argumentamos na primeira 
seção, não poderá advir de projetos de industrialização extensiva, nem muito menos de 
medidas de estímulo de viés keynesiano, mas sim do controle de atividades monopólicas a 
nível internacional, pois o país já tem hoje um status de renda média. Essa tarefa, todavia, é 
dificultada pelas tendências conjunturais de formaçãode zonas de influência político-
militares e pela impossibilidade de uma associação vantajosa com o poder americano, como 
expusemos anteriormente. 
 Portanto, as necessidades brasileiras, e as características da conjuntura presente, 
tornam o entorno representado pela América do Sul, Atlântico Sul e África Subsaariana vital 
para a estratégia brasileira de desenvolvimento. Nesse sentido, os recursos necessários 
para garantir o apoio interno e pagar pelos esforços de rearmamento somente podem ser 
obtidos através do controle sobre os países do entorno, o que viabilizaria a exploração de 
posições monopólicas na região pelos capitais e empresas brasileiras, que se concentrariam 
nos setores de maior valor agregado, como o aeroespacial, de informática, eletrônica e 
comunicações, farmacêutico e biotecnológico, máquinas e equipamentos e defesa. Por sua 
vez, os países do entorno poderiam se especializar, mediante investimentos e acesso aos 
mercados brasileiros, nos setores primários e industriais de baixo valor agregado. Apesar da 
desigualdade entre as posições do Brasil e dos países do entorno nessa divisão de tarefas, 
dado o nível de desenvolvimento desses últimos, o esquema proposto iria acarretar uma 
grande expansão na sua renda, melhorando suas condições econômicas e sociais. De fato, 
os benefícios colhidos com uma integração produtiva desse tipo seriam uma base para 
garantir a lealdade das nações sul-americanas e africanas ao Brasil, o que auxiliaria ainda 
com o objetivo militar de reduzir a penetração das forças americanas no entorno estratégico 
brasileiro. Dessa forma, se constituiria na América do Sul e África uma zona de influência 
que garantiria a expansão do poder nacional brasileiro tanto na sua dimensão econômica 
quanto militar. 
 Para obter-se esse controle do entorno geopolítico a estratégia nacional deve se 
adequar as tendências do tempo conjuntural, que se caracterizam pela evolução das formas 
menos intensas de competição, de âmbito diplomático e econômico, para as formas mais 
diretas que envolvem o emprego do poder bélico direto. Além disso, a estratégia também 
tem que levar em consideração a necessidade de evitar o conflito aberto com os EUA que 
pode surgir de uma ação incisiva na América do Sul ou África e para o qual o país não está, 
e não estará no futuro imediato, preparado. 
 O melhor curso de ação, portanto, seria aumentar a penetração nos países do 
entorno pela via econômica e ideológica. Todavia, é preciso perceber que somente o 
aumento do intercâmbio comercial e de investimentos, ou mesmo de ações de cooperação 
técnica e educacional que ampliem a simpatia local pelo Brasil por parte do público e dos 
governos das regiões de interesse não é suficiente. O objetivo final deve ser o controle 
político e econômico desses países, de modo a colocar o Brasil em condições de vetar o 
acesso dos capitais e do poder bélico americano na área, que seriam prejudiciais aos 
interesses brasileiros. Para tanto, é necessário criar redes internas de poder envolvendo 
interesses econômicos, mídia, organizações religiosas, partidos políticos e institutos de 
pesquisa que sejam filiados ao poder brasileiro. Uma tarefa dessa magnitude exige a 
definição de uma estratégia clara para os países do entorno, que deverá incluir critérios de 
apoio e sanções, em diversas escalas, aos governos e atores subnacionais nele presentes. 
Já a execução dessa estratégia depende de outros dois elementos: A melhora da 
coordenação no campo externo entre os órgãos do governo brasileiro, e a melhor dos 
recursos organizacionais do Estado. 
 No primeiro quesito, é preciso que o governo, de acordo com uma estratégia e um 
planejamento central, seja capaz de direcionar os investimentos brasileiros (estatais e 
privados), o auxílio econômico e técnico, os acordos de cooperação e as regulações 
comerciais no entorno de forma a fortalecer os atores favoráveis ao poder brasileiro e 
enfraquecer aqueles que são contrários. Mas mesmo essa coordenação, hoje inexistente, 
não é suficiente. Os interesses alinhados com o poder brasileiro precisam ser organizados 
nas redes anteriormente descritas capazes de atuar coerentemente na política interna dos 
países sul-americanos e africanos. Essa é uma tarefa que tradicionalmente foi realizada 
pelos órgãos de inteligência e operações encobertas, como a Central Intelligence Agency 
americana e a Comissão de Segurança do Estado (KGB), ou modernamente Serviço de 
Inteligência Exterior (SVR), russo. No caso brasileiro, a instauração de uma agência desse 
tipo, seja através da reforma daquela já existente, a ABIN, seja através de uma nova 
organização, é vital inclusive para exercer a tarefa de impedir que redes de influência 
externa desse tipo atuem dentro do território nacional, como é previsto no primeiro cenário 
de conflito com os EUA e que parece já, em alguma medida, ocorrer. 
 
V. Conclusão. 
 
 Esse artigo partiu da premissa que é um esforço necessário, para a elaboração 
estratégica brasileira, procurar integrar a longa e a média duração do sistema interestatal 
com suas dimensões econômicas e políticas. Dessa forma, nosso objetivo foi, a partir dos 
conceitos e teorias da Economia Política Internacional, realizar uma leitura geral da 
conjuntura em que o país se insere, e a partir daí extrair alguns parâmetros, também em 
nível muito geral, que poderiam compor a estratégia brasileira de longo prazo. 
 Para tanto, começamos apresentando algumas noções do campo da EPI, mais 
especificamente aquelas referentes às origens oligopólicas da acumulação e da renda dos 
países desenvolvidos, a da ligação da construção e manutenção das posições oligopólicas 
com os Estados Nacionais, o seu poder militar e suas esferas de influência político-
econômicas. Também propusemos um conceito básico de tempo conjuntural que delimita a 
inserção desses Estados no sistema, e que se baseia nas relações e estratégias que visam 
ampliar o poder nacional por parte das Grandes Potências. Na segunda parte, buscamos 
descrever as tendências econômicas e políticas que dominam a conjuntura presente. 
Argumentamos que essa conjuntura, que se iniciou nos anos 1970, se baseia na estratégia 
de liberalização americana e sua aliança com a China. Essa estratégia tem como objetivos 
garantir as bases econômicas e geopolíticas do poder dos EUA, o primeiro através da 
construção e preservação dos oligopólios reservados ao seu capital em escala global, e o 
segundo através da garantia do equilíbrio de poder na Eurásia e da prevenção do 
surgimento de um Estado com capacidades militares significativas. Apesar dessa estratégia 
ter equacionado os desafios que se apresentavam nos anos 1970 e 1980 ao poder 
americano, todavia, ela acabou desencadeando, através das reações nacionalizantes e da 
ascensão econômica chinesa pressões intercapitalistas e geopolíticas que levaram a um 
ponto de inflexão entre 2008 e 2009, com o advento da crise econômica mundial e da 
Doutrina Obama. Finalmente, na terceira parte, buscamos propor parâmetros gerais para a 
elaboração da estratégia nacional brasileira de longo prazo, e extrair desses parâmetros 
algumas recomendações específicas, das muitas que poderiam ser formuladas. Nesse 
sentido, nos baseamos na noção de que os EUA, por seu poder, presença no entorno 
geopolítico brasileiro, e orientação estratégica, é a ameaça central à expansão brasileira, e 
traçamos cenários em que essa ameaça poderia se efetivar. Em seguida, defendemos que 
o meio fundamental de evitar esses cenários, devido às tendências econômicas e 
geopolíticas da atual conjuntura, é através de uma estratégia de construção de uma zona de 
influência militar e econômica brasileira no seu entorno estratégico, baseada na penetração 
ideológica e econômica, pelo menos em um primeiro momento. E que, para a execuçãode 
tal estratégia, é necessário dotar o Estado brasileiro de melhor capacidade de coordenação 
e de capacidades específicas, notadamente na esfera de inteligência e operações 
encobertas. 
 Esse trabalho representa um esforço para oferecer uma visão alternativa que possa 
contribuir para o debate sobre a defesa e a estratégia brasileira. Tal debate ainda está no 
seu inicio, e para ter alguma chance de sucesso precisará necessariamente superar as 
barreiras e preconceitos disciplinares, e caminhar em direção a modelos e propostas que 
incorporem ao máximo as diversas dimensões que afetam o tema. 
 
VI. Referências: 
 
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