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IV ENCONTRO NACIONAL DA ABRI. BELO HORIZONTE – MINAS GERAIS – 23 A 26 DE JULHO DE 2013 Desenvolvimento, conjuntura sistêmica e geopolítica: O impacto da relação entre economia e poder militar para a formulação da perspectiva e da estratégia nacional brasileira. Ricardo Zortéa Vieira – UFRJ. Painel: Geopolítica, segurança e desenvolvimento na integração regional Área: Segurança Internacional Resumo: A proposta desse trabalho é buscar levantar elementos que ajudem a compor uma estratégia de desenvolvimento nacional de longo prazo, conectando as duas faces do debate sobre o tema, a econômica e aquela associada ao poder militar e à geopolítica. Para tanto, na primeira seção apresentaremos a concepção que entende o desenvolvimento econômico como sendo baseado na construção e proteção de posições monopólicas externas, o que pressupõe a capacidade de dissuasão e projeção de poder bélico. Em seguida, argumentaremos que o sistema passa por uma fase de excesso de capitais e “competição excessiva” causada pelo crescimento das novas potências, principalmente da China. Simultaneamente, o Brasil se insere em uma área geopolítica dominada pelos EUA, cujo objetivo histórico e presente é de bloqueio à expansão econômica e militar do país. Finalmente, na terceira parte, iremos formular alguns elementos que possam integrar uma estratégia brasileira de desenvolvimento integral e de longo prazo que seja adequada à conjuntura atual. Defenderemos então que tal estratégia, nas suas dimensões econômica e militar, necessariamente terá como eixo central o entorno geopolítico imediato do Brasil constituído pela América do Sul e pela África. A execução da linha estratégica proposta, entretanto, exigirá a melhora da coordenação e o incremento dos recursos organizacionais à disposição do Estado brasileiro. Palavras-chave: desenvolvimento econômico, dissuasão militar, conjuntura sistêmica, estratégia nacional. I. Introdução. Historicamente, o debate acerca do desenvolvimento e da inserção externa do Brasil foi dominado por perspectivas e teorias oriundas do campo da economia. Nos últimos anos, todavia, o pensamento econômico vem demonstrado limitações na tarefa de produzir análises e estratégias capazes de orientar a ação brasileira nessas esferas no longo prazo. Nossa proposta no presente trabalho é apresentar uma análise que busque superar os marcos da economia tradicional, articulando a dimensão econômica e política da inserção externa e do desenvolvimento brasileiro, e a partir daí formular alguns parâmetros gerais que possam orientar uma estratégia nacional de longo prazo para o país. O objetivo, obviamente, não é exaurir o tema, ou chegar a conclusões definitivas, mas apenas contribuir trazendo elementos para o debate acerca da formulação do pensamento estratégico brasileiro. Para tanto, dividimos o trabalho em três partes. Na primeira, apresentaremos uma visão teórica, extraída do campo da Economia Política Internacional, que liga o processo de desenvolvimento econômico ao processo de expansão do poder dos Estados nacionais e as conjunturas sistêmicas nos quais esses Estados se inserem. Na segunda, faremos uma leitura sumarizada da conjuntura atual do sistema, buscando identificar as tendências econômicas e geopolíticas que podem ter impacto sobre a inserção externa do Brasil. Finalmente, na terceira parte, iremos buscar formular alguns elementos que possam orientar uma estratégia brasileira de longo prazo adequada às tendências conjunturais previamente descritas, e aos desafios, cenários e oportunidades que elas ensejam. II. Desenvolvimento Econômico, Poder Nacional e Conjuntura. Entre os anos 1950 e 1970, provavelmente a escola teórica que mais influenciou direta ou indiretamente as políticas de Estado tenha sido a estruturalista. Apesar de suas variantes internas, e as diferenças entre o modelo original e aquele posteriormente elaborado no Instituto de Economia da UNICAMP, pode-se dizer que o pensamento estruturalista, em linhas gerais, afirma existir uma correlação entre desenvolvimento econômico e industrialização. A estratégia que derivou do modelo cepalino, a substituição de importações, foi seguida de forma relativamente consistente pelos governos brasileiros entre as décadas de 1950 e 1970. Todavia, apesar de garantirem um crescimento acelerado no período, em última instância a industrialização brasileira falhou em promover o fim último do desenvolvimento, ou seja, a equiparação de renda entre o Brasil e os países centrais europeus e os EUA. Existe um grande debate sobre as razões do fracasso último da substituição de importações. Para os fins desse trabalho, tem especial relevância a crítica elaborada por Giovanni Arrighi, que se foca no caráter da riqueza usufruída pelos países centrais e que a industrialização periférica se propõe a, em algum grau, emular. Arrighi (1998) coloca que essa riqueza não é produzida internamente pelos Estados centrais, mas coletivamente, por cadeias mercantis que unem o núcleo orgânico do sistema à sua periferia. Entretanto, a maior parte dessa produção coletiva é apropriada pelo centro devido ao seu controle sobre as etapas mais monopolizadas das cadeias. Com isso, os Estados “desenvolvidos” possuem um nível de renda completamente desproporcional ao seu nível de eficiência e produtividade, o que o autor denomina de “Riqueza Oligárquica”. Ao contrário, a riqueza produzida pela industrialização é proporcional à produtividade alcançada, ou “Riqueza Democrática” (por ser passível de generalização) permitindo a obtenção de um nível médio de renda, o que situa os países industrializados que não conseguiram obter controle sobre as atividades oligopolizadas em uma posição intermediária entre o centro e a periferia do sistema1. Além disso, pelo fato da industrialização substituidora de importações representar na prática um processo de construção de oligopólios internos, devido aos diversos incentivos e proteções da qual a indústria passa a usufruir, os países semiperiféricos industrializados apresentam um grande desnível interno de renda. Segundo a argumentação de Arrighi, não existe qualquer setor que seja por definição de “alto valor agregado”, ou cuja implantação resulte no desenvolvimento. Historicamente, os setores econômicos foram transferidos do centro para a periferia à medida que perderam seu caráter oligopólico. A única garantia de se manter o potencial de qualquer atividade econômica específica de produzir a chamada Riqueza Oligárquica é construindo barreiras de acesso que impeçam os capitais de fluírem para esse setor. Todavia, o capital sozinho não pode desempenhar, nem nunca desempenhou essa tarefa2, e, na realidade, os mecanismos de reprodução do capital tendem a promover uma destruição das posições oligopólicas. Isso, entretanto, é contrastante com a observação de uma permanência, na longa duração, das atividades oligopolizadas dentro de uma área 1 Arrighi coloca nesses termos a diferença entre os dois tipos de riqueza características dos países ricos e dos países industrializados da periferia: “... as riquezas democrática e oligárquica são separadas por um fosso intransponível. A riqueza democrática é o tipo de controle sobre os recursos que, em principio, está disponível para todos em relação direta com a intensidade e a eficiência de seus esforços. A riqueza oligárquica, ao contrário, não tem nenhuma relação com a intensidade e a eficiência de seus beneficiários e nunca está disponível para todos, não importa quão intensos e eficientes sejamseus esforços (ARRIGHI, 1998, pág. 281).” 2 Isso porque mesmo as conhecidas táticas de construção de barreiras de acesso, como a inovação técnica e organizacional, não garantem em si mesmas as posições privilegiadas, devido a uma série de motivos. Por um lado, as inovações restritas não dependem somente da iniciativa empresarial para serem realizadas, mas de uma infra-estrutura cientifica e tecnológica, e do acesso a linhas de crédito. Por outro, é praticamente impossível evitar cópias e desenvolvimento de técnicas alternativas, o que gera um processo contínuo de entrada de competidores em áreas antes monopolizadas. geográfica específica, como acontece por exemplo com o nordeste da Europa e a América do Norte, ou as chamadas nações “desenvolvidas”. Uma solução para a contradição aparente entre a tendência para a destruição das posições oligopólicas, por um lado, e a permanência da acumulação extraordinária e sua concentração geográfica, por outro, pode ser encontrada na análise elaborada por José Luís Fiori (2004) sobre a formação e evolução dos Estados Nacionais e do sistema interestatal europeu. Segundo Fiori, nos séculos XVI e XVII os Estados periféricos do continente tiveram que enfrentar o desafio bélico imposto pelos poderes que possuíam uma população, um território e uma base tributável maior do que a que tinham acesso os forçando a procurar caminhos alternativos para garantirem a sua sobrevivência no tabuleiro europeu. A rota encontrada para equacionar esse desafio foi um esforço de nacionalização do capital, que passou a se denominar na moeda nacional e ser reservado preferencialmente em títulos da dívida do Estado, que por sua vez possuíam um perfil de longo prazo e juros baixos. Em troca do abandono final de suas operações “cosmopolitas”, o capital nacionalizado passou a ter acesso à exploração exclusiva das posições privilegiadas conquistadas com a expansão do poder nacional, representadas tanto no acesso ao mercado nacional protegido quanto ao sistema colonial ultramarino. Criou-se assim uma situação em que a “acumulação extraordinária” passou a depender da conquista e proteção de posições monopólicas pela guerra e pela aplicação do poder militar, que por sua vez era financiada pelo capital nacional3. E os dois processos, expansão militar e acumulação capitalista, foram sintetizados na criação de zonas de influência geopolíticas, em que convergiam as necessidades de defesa e as necessidades econômicas dos Estados e capitais a ele associados. A obtenção, proteção e expansão dessas esferas ultrapassou inclusive a dimensão da defesa externa e da acumulação capitalista, se tornando essencial também para garantir a estabilidade interna dos Estados. Isso porque, crescentemente, a autoridade central teve que lidar com os processos de criação de laços de cidadania e de instituições representativas, que canalizavam as pressões da população nacional por mais renda, segurança e bem-estar, interesses que somente poderiam ser atendidos mediante a expansão externa. Formou-se assim um “Bloco Nacional de Acumulação de Poder e Capital” que une expansão militar, acumulação de riqueza e consolidação interna de laços de cidadania. 3 Como coloca Fiori (2004): “...não é a força de trabalho que explica o incremento do valor inicial, é a mais-valia criada pelo poder e por sua capacidade de multiplicar-se por várias formas, mas, sobretudo através da preparação das guerras e das conquistas em caso de vitória. Neste ponto há que ter atenção porque a preparação das guerras mobiliza e multiplica recursos, enquanto que as guerras, propriamente ditas, destroem recursos e capacidade produtiva. Mas o importante é o resultado final, isto é, o aumento do poder dos vitoriosos e, como consequência, todo tipo de concessões monopólicas depois cedidas ao capital, pelo poder politico (FIORI, 2004, pág. 32).” A categoria de “Bloco Nacional” proporciona uma referência para entender os processos de desenvolvimento econômico como sendo derivados e dependentes das perspectivas, estratégias e movimentos de expansão do poder nacional, que tem um viés eminentemente geopolítico e frequentemente bélico – militar. Entretanto, o “Bloco Nacional” descreve um processo geral presente na longa duração do sistema, que começa no “Longo Século XVI” e prossegue até os dias de hoje, e para nos aproximarmos da situação brasileira atual é preciso recorrer a um segundo conceito, que se refere a um tempo mais breve, o de conjuntura sistêmica. Partindo da noção da centralidade do poder na dinâmica do sistema e da própria acumulação capitalista, podemos propor a hipótese de que essa temporalidade mais curta, equivalente em termos aproximados a uma conjuntura braudeliana é delimitada pela configuração das relações de alinhamento ou rivalidade entre as Grandes Potências, assim como pelas suas respectivas estratégias de expansão de poder. Portanto, cada uma dessas conjunturas apresenta novas formas de acumulação do poder nacional, tanto nas áreas geográficas que atua como nos padrões de articulação com o capital. No período que se estende do final do século XIX ao inicio do século XX teve lugar uma conjuntura específica que adicionou novos elementos ao padrão antes descrito de conflito entre os Blocos Nacionais e suas esferas de influência político-econômicas relativamente autônomas e estanques. O que passou é que o Reino Unido, durante essa fase histórica, elaborou uma estratégia inédita de expansão de seu poder que se articulava em torno da universalização do padrão-ouro e pela liberalização financeira. Essa agenda britânica levava à erosão do poder das demais Grandes Potências, na medida em que exigia que elas implantassem uma política de contenção de gastos, o que vetava políticas de reaparelhamento militar, de desenvolvimento econômico e de proteção social. Com isso, se reduziam drasticamente as possibilidades de acumulação do capital nacional, bem como o apoio interno dos Estados, ao mesmo tempo em que se criava uma tendência para a unificação dos mercados nacionais em um único mercado global, comandado desde Londres. A resultante final desse processo seria a eliminação da própria competição interestatal, e sua substituição por um sistema com características imperiais. Antes que as tendências inscritas na estratégia britânica chegassem aos seus extremos, foram detonados nos demais países europeus reações “nacionalizantes” ou “auto- protetoras”4, que passaram primeiramente por tentativas de melhora das condições de competição dos capitais nacionais no espaço econômico global tutelado pela Grã- Bretanham, como a criação de novos instrumentos de centralização e concentração de capitais tutelados pelo Estado, que tomaram a forma, principalmente na Alemanha, de 4 Ver POLANYI, 1980. conglomerados financeiros. Entretanto, o próprio sucesso das reações nacionalizantes e das estratégias desenvolvimentistas delas derivadas levou a uma destruição das posições privilegiadas e a um aumento da competição intercapitalista, na medida em que os novos capitais gerados invadiam os espaços de acumulação monopolista antes reservados aos capitais ingleses. Eventualmente, a queda das taxas de retorno devido à destruição dos oligopólios a nível sistêmico somente pode ser equacionada pela articulação de espaços exteriores de exploração exclusiva, na forma da expansão neocolonial na África, e na corrida armamentista observada a partir de 1890. Com isso, se observou uma transferência do eixo da disputa interestatal do plano econômico para o plano territorial, geopolítico e militar, o que criou uma nova tendência ao extremo, representada pelo conflito bélico entre as Grandes Potências. Tal extremo, ao contrário do sistema imperial,viria a se concretizar nas Guerras Mundiais de 1914 a 1945 (ARRIGHI, 1994). Após o fim da II Guerra, se inaugurou outra conjuntura sistêmica, baseada no enfrentamento bipolar entre EUA e sua estratégia baseada no controle do Cinturão Interno da Eurásia (ou Rimland, na denominação do geopolítico americano Nicholas Spykman) para conter o poder terrestre do seu adversário central, a União Soviética. A estratégia de contenção americana proveria a base para a formação do sistema Bretton Woods, e para o sucesso dos desenvolvimentismos periféricos, inclusive o brasileiro, entre os anos 1940 e 1970. Entretanto, no final dos anos 1960 e 1970, as potências da Rimland, a Alemanha e o Japão, haviam se tornado concorrentes econômicos dos EUA, o que motivou uma reorientação estratégica e de alianças americanas, inaugurando uma nova conjuntura sistêmica. Faremos a análise dessa nova fase, que constitui o pano de fundo da inserção estratégica brasileira, na próxima seção. III. A Conjuntura Sistêmica Presente. Ao longo dos anos 1970, os EUA perceberam que a estratégia de contenção colocada em prática desde os anos 1940 estava se esgotando, o que se refletia em problemas tanto no campo econômico, com a ascensão da Alemanha e do Japão, quanto no campo geopolítico, com a derrota no Vietnã e a ampliação das alianças soviéticas no Terceiro Mundo, fora de sua zona tradicional de influência. O primeiro problema, aquele causado pelo crescimento nipo-germânico e que mereceu a maior parte da atenção dos autores da Economia Política Internacional, era a primeira vista que o déficit comercial e em transações correntes que ele gerou para a economia dos EUA, e que era incompatível com o padrão ouro-dólar. Todavia, a questão de fundo era que a recuperação do Japão e da Alemanha ameaçou se tornar, nos anos 1970, uma contestação à hegemonia americana na dimensão econômica, ao invadir os setores antes dominados de forma oligopólica pelos capitais estadunidenses (ARRIGHI, 1994). Isso ficou evidente após o fim da conversibilidade ouro-dólar em 1971, e das paridades cambiais fixas em 1973, quando os EUA, tendo sido bem sucedidos na sua estratégia de liberalização financeira, se viram livres de constrangimentos externos à sua política econômica, e assim adotaram uma linha fiscal e monetária expansionista ao longo dos anos 1970 (HELLEINER, 1994). Todavia, os líderes estadunidenses logo perceberam que os estímulos econômicos não davam resultado, e isso era em grande parte resultado da própria competição japonesa e alemã, e também dos desenvolvimentismos periféricos, que aumentava em demasiado os custos de mão-de-obra e de matérias primas, impedindo ou tornando pouco rentáveis os investimentos desencadeados pela política expansiva (ARRIGHI, 1998). A solução para esse problema veio entre 1979 e 1985, quando os EUA primeiro promoveram o choque de juros, que retirou os capitais excedentes da esfera produtiva, e abortou os processos de desenvolvimento periféricos, inclusive o brasileiro. Em seguida, Washington pressionou, e conseguiu, a valorização das moedas japonesas e europeias, no Acordo de Plaza. Com isso, somou a recentralização dos capitais no seu sistema financeiro promovida pelo choque de juros com um câmbio competitivo, condições ideais que, juntamente com a retomada dos gastos militares ao longo dos anos 1980, permitiram aos EUA consolidarem novas posições econômicas monopólicas através das inovações e investimentos da chamada “terceira revolução industrial” (ARRIGHI, 1994; CONCEIÇÃO TAVARES, 1985: 1997). A estratégia de liberalização econômica iniciada pelos EUA entre 1971 e o final dos anos 1980, todavia, estava inscrita e foi viabilizada por uma estratégia maior, concernente ao equilíbrio de poder na Eurásia. Nas décadas anteriores, o crescimento japonês e alemão havia se baseado na prioridade americana de impedir que qualquer potência, ou aliança de potências, obtivesse a hegemonia na Eurásia, o que pedia, naquele momento, a contenção do poder soviético e de seus aliados chineses. Entretanto, o aumento da projeção de poder soviético no Terceiro Mundo, e o rompimento sino-soviético mudou esse cenário, tanto da perspectiva chinesa quanto da estadunidense. Ao final dos anos 1960, China e União Soviética, depois de mais de uma década de deterioração nas relações mútuas, estavam em um virtual estado de guerra (KISSINGER, 2011). A liderança chinesa então resolveu procurar uma aliança defensiva com os Estados Unidos, já em 1968. Do ponto de vista dos americanos, por sua vez, convinha impedir uma derrota chinesa, pois isso iria desestabilizar em demasia o equilíbrio de poder eurasiano5. A articulação com a China que se formou nos anos 1970 como resultado desses interesses possibilitaria diversas vitórias para o poder americano nas décadas seguintes. Em primeiro lugar, ela não só impediu a quebra da balança de poder na Eurásia que viria de uma vitória russa na China, como cortou uma das maiores, senão a maior, zona de expansão potencial do poder soviético, tanto em termos militares quanto em termos econômicos. Com isso, abriu caminho para o colapso da URSS entre 1989 e 1991, e para a hegemonia militar e ideológica dos EUA no globo. Em segundo, ela permitiu também a hegemonia econômica americana atingida nos anos 1990. Isso porque, por um lado, viabilizou geopoliticamente a estratégia de liberalização financeira imposta aos países europeus e ao Japão, que foi por sua vez fundamental tanto para a recuperação da competitividade da economia americana, quanto para a formação da agenda neoliberal constituída pela abertura comercial, pelas privatizações e pela desregulamentação, que foi imposta aos países da América Latina e do antigo Bloco Socialista a partir dos anos 1980. A combinação desses dois fatores permitiu a reconstituição, em escala mundial, das posições privilegiadas (e dos “ganhos extraordinários”) e sua exploração pelos capitais associados ao poder americano, pois simultaneamente promoveu a redução do crescimento econômico, e com elas os preços das matérias-primas e mão-de-obra antes elevados, e abriu, via liberalização, aliança com a China, e pela “revolução tecnológica”, novos espaços privilegiados de investimento aos quais os capitais americanos estavam em melhores condições de explorar. Entretanto, na medida em que avançavam os anos 1990 e 2000, pode-se observar que os dois pilares da estratégia americana e que alçaram o país a um nível de poder sem precedentes, a agenda liberalizante e a aliança com a China, também geraram tendências que estavam em contradição cada vez maior com a própria estratégia. Dessa forma, a liberalização defendida com ardor pelos EUA no final do século XX levou, em um primeiro momento, à redução da autonomia e à desarticulação das economias nacionais, principalmente na América Latina e os países que se formaram após o fim da União Soviética, e consequentemente da sua capacidade de acumulação de capital e de atendimento às necessidades das populações locais, o que passou a ameaçar, nos casos mais extremos, a própria existência dos Estados Nacionais dessas regiões. Contudo, antes que tal resultado viesse a ocorrer, reações de caráter pluriclassista levaram ao poder novas elites, descomprometidas com o projeto neoliberal, e que com intensidade crescente passaram a implantar nos seus países políticas de viés nacionalizante. 5 Mais precisamente, o acesso do poder terrestre que domina a Heartland, então representado pelos soviéticos, aos mares quentes, como aquele que seria possibilitado, por exemplo, pelo litoral chinês. Além disso, a articulação do parque industrial e dos recursos naturais soviéticos com a população chinesa levaria a constituiçãode um bloco geoeconômico de proporções consideráveis. Em linhas gerais, as políticas nacionalizantes passam pela reconstituição das economias nacionais, através da execução de uma linha que combina retomada do controle sobre os recursos naturais, protecionismo tarifário e cambial, formação de novos instrumentos de centralização e concentração de capitais e incentivos de diversas matrizes para a acumulação do capital local. Em seguida, o sucesso das políticas de desenvolvimento e acumulação leva a iniciativas de aliança financeira e comercial, através da articulação de blocos regionais, com o objetivo de garantir esferas privilegiadas de investimento para o capital nacional. A construção e proteção dessas posições, por sua vez, requer uma maior capacidade de projeção de poder bélico e político, o que gera a tendência para que os espaços econômicos construídos pelo Estado no exterior coincidam em grau frequente com as áreas de interesse estratégico-militar, formando zonas de influência econômico – militares no seu entorno6. Além das reações nacionalizantes, os “Desenvolvimentismos Asiáticos”, com destaque para o caso chinês, também começaram a operar como uma fonte de desestabilização crescente da estratégia americana e da conjuntura sistêmica que se articulava sobre ela. Tanto a China quanto a Índia, os dois casos de maior sucesso recente na Ásia, vem crescendo desde os anos 1980 e 1990, respectivamente, a taxas superiores a 7 % ao ano, que são sustentadas por um ritmo ainda maior de avanço na poupança e investimentos domésticos e nas suas exportações, principalmente para o mercado americano. Desde 1999, a poupança interna chinesa é superior a 40 % do PIB, subindo de 449 bilhões de dólares no ano 2000 para 3.063 trilhões de dólares em 2010 (BANCO MUNDIAL & INDEX MUNDI, 2013). Nesse último ano, a poupança interna foi responsável por financiar 97 % dos investimentos na economia chinesa, com o Investimento Direto Estrangeiro (IDE), de 105 bilhões, representado os 3 % restantes (BLOOMBERG, 2011). No mesmo período, as exportações da China avançaram de 232 bilhões em 2000 para mais de 1.904 trilhão em 2011 (INDEX MUNDI, 2013). Como resultado direto do avanço chinês, se observou a partir de 2002 um ciclo de forte alta no preço das commodities, com grande impacto inclusive nas contas externas brasileiras (MAGALHÃES PRATES, 2007). Apesar de em um primeiro momento o avanço asiático ter contribuído para os propósitos americanos, nos últimos anos ele gerou tendências tanto econômicas quanto geopolíticas que se tornaram um obstáculo crescente à estratégia americana. Na primeira dimensão, o crescimento da economia chinesa pressiona o preço das commodities e das matérias primas, e a sua alta taxa de investimento leva a inundação dos mercados globais com mercadorias baratas, ao mesmo tempo em que os capitais chineses passam cada vez 6 Um exemplo dessa trajetória é o caso da Rússia, que desde 1999 vem levando a cabo um projeto que passa pela nacionalização dos recursos naturais, reaparelhamento das forças armadas e formação de zonas de influência regionais, como a União Eurasiana. mais a entrarem em áreas de maior valor agregado e intensidade tecnológica, antes reservadas às empresas estadunidenses e europeias (TREBAT & MEDEIROS, 2013). Com isso, gera-se uma tendência de destruição das posições monopólicas, e portanto de redução do nível de rentabilidade dos investimentos e compressão dos ganhos. Na segunda dimensão, a China cada vez mais capaz de competir, inclusive na esfera militar, com o poder americano na Ásia, criando um desafio potencial do mesmo nível, ou até mesmo maior, do que aquele representado pela antiga União Soviética (MEARSHEIMER, 2001). Aparentemente, as temporalidades envolvidas nas duas dimensões da ascensão chinesa, somada com as reações nacionalizantes, convergiram entre 2008 e 2009. Nesse biênio, a crise financeira detonou um novo ciclo de políticas monetárias e fiscais altamente expansionistas por parte dos EUA, e, em menor medida, também da Europa. Todavia, até o momento (cinco anos depois) tais políticas não surtiram o efeito esperado de garantir a retomada ao nível de crescimento anterior à crise. De fato, mesmo o crescimento dos BRICs, inclusive o da própria China, tem observado uma redução expressiva. Esse cenário é coerente com aquele que Arrighi chama de “equilíbrio de alto nível”, em que o crescimento é bloqueado pela ausência de possibilidades de ganhos extraordinários causado por uma competição intercapitalista excessiva, ou seja, a destruição mútua de esferas privilegiadas de investimento e exploração oligopólica, que se manifesta na valorização do preço das matérias-primas e da mão-de-obra. Todos esses elementos são efeitos das reações nacionalizantes e protecionistas e, principalmente, da ascensão econômica chinesa. E, de forma reveladora, quase que simultaneamente ao inicio da crise global, a nova administração Barack Obama anunciou em 2009 sua política de “pivot” para a Ásia, com o objetivo não explicitado, mas bastante claro, de contenção do poder chinês ascendente. (CLINTON, 2009). Com isso, parece que os anos de 2008 e 2009 indicam um ponto de inflexão na conjuntura sistêmica que se formou a partir dos anos 1970, ao revelar os limites e eventual esgotamento da estratégia americana baseada na liberalização comercial e financeira e no alinhamento com a China. Nas próximas décadas, assim, a conjuntura deverá ser dominada por duas tendências centrais. Em primeiro lugar, as tentativas americanas de cercar e conter a China, e os esforços chineses de rompimento desse cerco. Apesar da rivalidade crescente e das tensões envolvidas em uma relação desse tipo, entretanto, dificilmente haverá um conflito armado entre os dois países nas próximas décadas.7 A segunda tendência é a que as 7 Isso porque a China importa a maior parte do seu petróleo por vias marítimas, que são vulneráveis à ação da Marinha americana e que Pequim não pode, por não deter um poder naval próprio, proteger. Atualmente, os chineses buscam tanto construir esse poder naval quanto criar rotas alternativas, por via terrestre, de suprimento de energia, mas tais esforços só se completarão no longo prazo. Por sua vez, os EUA não tem capacidade de projeção de poder terrestre sobre o território chinês, devido às forças de mísseis terra-terra e terra-mar chineses (STRATFOR, 2013) . demais grandes potências e Estados – pivôs, como Rússia, Japão, Alemanha, Índia e Brasil devem se focar cada vez mais em construir e consolidar zonas de influência políticas, econômicas e militares, com o objetivo de garantir o desenvolvimento econômico e a segurança em um sistema com capitais e competição excessiva, destruição mútua de posições privilegiadas e tendência ao deslocamento da disputa econômica para a bélica e a geopolítica. Na presente conjuntura, existe a possibilidade que as potências perdedoras durante a estratégia americana que vigorou até 2008- 2009 colham frutos do realinhamento que está ocorrendo, como é o caso do Japão, que terá sua importância aumentada caso a estratégia americana de contenção da China efetivamente se consolide. Entretanto, essa não parece ser uma possibilidade para o Brasil, como será exposto na próxima seção, sobre a inserção e a estratégia do país durante a conjuntura presente. IV: A Inserção e a Estratégia Brasileira. Atualmente, o Brasil se insere no sistema como um de seus “Estados pivôs”, ou seja, aqueles que são Grandes Potências ou estão mais próximos de sê-lo, pelo seu tamanho demográfico, territorial e econômico, assim como seu posicionamento geopolítico. O país é o quinto em termos de população e área, e tem o sétimo maior PIB domundo. Além disso, se situa em uma região, constituída pela América do Sul, Atlântico Sul e África Subsaariana (podendo também incluir a Antártica) em que não possui rivais simétricos, e portanto lhe garante grandes possibilidades de expansão do seu poder nacional. Essa mesma região também é praticamente autossuficiente em alimentos, minérios e, com as recentes descobertas de petróleo do pré-sal e as reservas potenciais no Golfo da Guiné, em energia (PENHA, 2011). Apesar de todas essas vantagens, a atuação do Brasil no seu “entorno estratégico” tem um grande desafio, representado pelo envolvimento do Poder Americano na região. Os EUA tem como um de seus objetivos fundamentais de política externa desde o século XIX impedir que surja no Hemisfério Ocidental qualquer Estado capaz de dissuadir o seu poder. Tal estratégia foi primeiro exposta na Doutrina Monroe, em 1823, e depois sistematizada no pensamento do geopolítico americano Nicholas Spykman, no seu livro de 1943 que se tornou a base da doutrina de contenção americana após a II Guerra, “America’s Strategy in World Politics” (ALMEIDA DE MELLO, 1999; FIORI, 2007). A estratégia tradicional de hegemonia hemisférica dos EUA formulada no século XIX e depois melhor definida por Spykman é voltada tanto para os Estados de fora quanto para os de dentro da região. E, para os de dentro, o Brasil sempre foi visto como o país que melhor reunia as condições necessárias para vir a se tornar uma Grande Potência na América. Daí que qualquer dinâmica de expansão do poder brasileiro no exterior está fadada a entrar em choque com os interesses americanos. A única forma de se evitar um conflito desse tipo seria através de uma aliança entre Brasil e EUA no qual o primeiro se tornaria uma espécie de “sócio menor” do poder global do segundo, em condições semelhantes a da Europa Ocidental, o Japão e Israel. Na realidade, tal pacto seria muito vantajoso para o Brasil, pois permitiria inclusive a superação da condição de nível de renda média que detém hoje, na medida em que o país passaria a ter acesso às posições reservadas aos capitais dos EUA e de seus aliados. Todavia, tal opção não parece ser viável, mesmo depois do realinhamento estratégico dos EUA e das demais Grandes Potências após os anos 2000. Isso porque, ao contrário do que ocorre por exemplo com o Japão e os demais Estados asiáticos, o Brasil não pode ser visto como um baluarte contra a expansão chinesa. Dessa forma, um “convite ao desenvolvimento” dos EUA para o Brasil apenas ajudaria, do ponto de vista de Washington, a criar mais uma ameaça para o poder americano, ao fortalecer um Estado e rival em potencial no seu entorno estratégico imediato. Se uma aliança em termos vantajosos é inviável, enfrentar o poder americano é uma tarefa difícil, e a primeira vista, impossível. Os EUA tem hoje um PIB sete vezes maior do que o brasileiro (CIA, 2013), e são uma potência nuclear que detém o maior poder aeronaval do mundo. Essas capacidades se fazem diretamente presentes no entorno estratégico brasileiro através de dois comandos de área, o Southcom e o Africom. Os dois comandos controlam um cinturão de bases no Atlântico Sul (com destaque para a base aérea na ilha de Ascensão) e tem acesso a recursos navais que podem ser rapidamente colocados à sua disposição8. Dessa forma, os EUA controlam totalmente o Atlântico Sul, e seu domínio na área não poderá ser contestado no futuro imediato. Apesar das dificuldades, assumir a competição com os EUA é a única opção do Brasil, se não quiser abandonar seus objetivos de potência. Portanto, é necessário elaborar uma estratégia de contenção e dissuasão do poder americano, o que requer desenhar cenários de conflito potencial que contemplem a progressão das tendências sistêmicas e as capacidades e vulnerabilidades dos dois países. Podemos tomar como base para tal exercício que as pressões internas sobre o poder brasileiro levarão a um continuado envolvimento no seu entorno estratégico, de forma a garantir espaços para os capitais e empresas nacionais, assim como alianças de forma a prevenir o aumento da penetração do poder americano na região. Isso pode levar a dois tipos de conflitos principais nas próximas décadas, entre vários outros: o latente e o aberto. 8 A Marinha Americana dispõe de 63 submarinos nucleares, e 11 grupos de combate de porta-aviões, que podem ser rapidamente designados para qualquer uma das frotas que operam sob o Southcom (IV Frota) e o Africom (II Frota) (EUA, 2013). Em comparação, a Marinha Brasileira possui apenas 5 submarinos, todos convencionais, e 1 grupo de combate de porta-aviões, que não está em condições de combate devido ao estado obsoleto das suas aeronaves embarcadas. No primeiro, a incapacidade brasileira em consolidar seu controle sobre o entorno estratégico levaria a redução do nível de crescimento, o que aumentaria o descontentamento interno. A instabilidade interna seria aproveitada pelas organizações de inteligência e diplomacia americanas, com a cooperação de seus parceiros internos na economia e política nacional, de forma a estruturar redes de poder internas capazes de reduzir a margem de manobra do governo brasileiro. O resultado seria a redução da autonomia do Estado e o comprometimento parcial do processo decisório. No segundo cenário, a exacerbação das pressões geopolíticas e intercapitalistas dentro do sistema levariam a um cenário de guerra aberta entre EUA e Brasil, que poderia ser limitada ou nuclear. No primeiro caso, mais provável, os EUA iriam buscar contrabalançar as suas dificuldades de projeção de poder terrestre utilizando sua força relativa no campo aeronaval e de inteligência – operações encobertas e especiais, de forma a se aproveitarem das duas principais vulnerabilidades brasileiras, ou seja, falta de capacidade dissuasória e a instabilidade interna. Nesse caso, as forças aeronavais americanas iriam se ocupar da destruição da infraestrutura brasileira de comunicações, transportes e energia, ao mesmo tempo em que cortariam as ligações brasileiras, de caráter econômico e militar, com as potências da Eurásia, tirando vantagem do fato de que 90 % do comércio brasileiro com esses países é feito pela via marítima através do Atlântico Sul e do Cabo da Boa Esperança (PENHA, 2011). Em seguida ao isolamento e à destruição da infraestrutura, os EUA iriam mobilizar seus recursos de inteligência e operações encobertas para estimular movimentos e forças adversos à autoridade central, que podem tomar diversas formas, sendo a mais grave aquela de cunho separatista tendente à desintegração territorial do país. A estratégia para evitar a ocorrência desses dois cenários deve ter dois objetivos centrais: Dotar o país de uma capacidade dissuasória integral, com destaque para as capacidades aeronavais e estratégicas, inclusive nucleares; e garantir a consolidação interna da autoridade do Estado, principalmente contra interesses associados à poderes externos. A realização dos dois objetivos passa necessariamente pela obtenção de um crescimento continuado da economia brasileira e por sua dotação de setores tecnologicamente avançados, o que é necessário para garantir os recursos envolvidos na construção de forças militares capazes de dissuadir o poder americano, e também para assegurar o apoio interno ao Estado. Tal crescimento no longo prazo, por sua vez e como argumentamos na primeira seção, não poderá advir de projetos de industrialização extensiva, nem muito menos de medidas de estímulo de viés keynesiano, mas sim do controle de atividades monopólicas a nível internacional, pois o país já tem hoje um status de renda média. Essa tarefa, todavia, é dificultada pelas tendências conjunturais de formaçãode zonas de influência político- militares e pela impossibilidade de uma associação vantajosa com o poder americano, como expusemos anteriormente. Portanto, as necessidades brasileiras, e as características da conjuntura presente, tornam o entorno representado pela América do Sul, Atlântico Sul e África Subsaariana vital para a estratégia brasileira de desenvolvimento. Nesse sentido, os recursos necessários para garantir o apoio interno e pagar pelos esforços de rearmamento somente podem ser obtidos através do controle sobre os países do entorno, o que viabilizaria a exploração de posições monopólicas na região pelos capitais e empresas brasileiras, que se concentrariam nos setores de maior valor agregado, como o aeroespacial, de informática, eletrônica e comunicações, farmacêutico e biotecnológico, máquinas e equipamentos e defesa. Por sua vez, os países do entorno poderiam se especializar, mediante investimentos e acesso aos mercados brasileiros, nos setores primários e industriais de baixo valor agregado. Apesar da desigualdade entre as posições do Brasil e dos países do entorno nessa divisão de tarefas, dado o nível de desenvolvimento desses últimos, o esquema proposto iria acarretar uma grande expansão na sua renda, melhorando suas condições econômicas e sociais. De fato, os benefícios colhidos com uma integração produtiva desse tipo seriam uma base para garantir a lealdade das nações sul-americanas e africanas ao Brasil, o que auxiliaria ainda com o objetivo militar de reduzir a penetração das forças americanas no entorno estratégico brasileiro. Dessa forma, se constituiria na América do Sul e África uma zona de influência que garantiria a expansão do poder nacional brasileiro tanto na sua dimensão econômica quanto militar. Para obter-se esse controle do entorno geopolítico a estratégia nacional deve se adequar as tendências do tempo conjuntural, que se caracterizam pela evolução das formas menos intensas de competição, de âmbito diplomático e econômico, para as formas mais diretas que envolvem o emprego do poder bélico direto. Além disso, a estratégia também tem que levar em consideração a necessidade de evitar o conflito aberto com os EUA que pode surgir de uma ação incisiva na América do Sul ou África e para o qual o país não está, e não estará no futuro imediato, preparado. O melhor curso de ação, portanto, seria aumentar a penetração nos países do entorno pela via econômica e ideológica. Todavia, é preciso perceber que somente o aumento do intercâmbio comercial e de investimentos, ou mesmo de ações de cooperação técnica e educacional que ampliem a simpatia local pelo Brasil por parte do público e dos governos das regiões de interesse não é suficiente. O objetivo final deve ser o controle político e econômico desses países, de modo a colocar o Brasil em condições de vetar o acesso dos capitais e do poder bélico americano na área, que seriam prejudiciais aos interesses brasileiros. Para tanto, é necessário criar redes internas de poder envolvendo interesses econômicos, mídia, organizações religiosas, partidos políticos e institutos de pesquisa que sejam filiados ao poder brasileiro. Uma tarefa dessa magnitude exige a definição de uma estratégia clara para os países do entorno, que deverá incluir critérios de apoio e sanções, em diversas escalas, aos governos e atores subnacionais nele presentes. Já a execução dessa estratégia depende de outros dois elementos: A melhora da coordenação no campo externo entre os órgãos do governo brasileiro, e a melhor dos recursos organizacionais do Estado. No primeiro quesito, é preciso que o governo, de acordo com uma estratégia e um planejamento central, seja capaz de direcionar os investimentos brasileiros (estatais e privados), o auxílio econômico e técnico, os acordos de cooperação e as regulações comerciais no entorno de forma a fortalecer os atores favoráveis ao poder brasileiro e enfraquecer aqueles que são contrários. Mas mesmo essa coordenação, hoje inexistente, não é suficiente. Os interesses alinhados com o poder brasileiro precisam ser organizados nas redes anteriormente descritas capazes de atuar coerentemente na política interna dos países sul-americanos e africanos. Essa é uma tarefa que tradicionalmente foi realizada pelos órgãos de inteligência e operações encobertas, como a Central Intelligence Agency americana e a Comissão de Segurança do Estado (KGB), ou modernamente Serviço de Inteligência Exterior (SVR), russo. No caso brasileiro, a instauração de uma agência desse tipo, seja através da reforma daquela já existente, a ABIN, seja através de uma nova organização, é vital inclusive para exercer a tarefa de impedir que redes de influência externa desse tipo atuem dentro do território nacional, como é previsto no primeiro cenário de conflito com os EUA e que parece já, em alguma medida, ocorrer. V. Conclusão. Esse artigo partiu da premissa que é um esforço necessário, para a elaboração estratégica brasileira, procurar integrar a longa e a média duração do sistema interestatal com suas dimensões econômicas e políticas. Dessa forma, nosso objetivo foi, a partir dos conceitos e teorias da Economia Política Internacional, realizar uma leitura geral da conjuntura em que o país se insere, e a partir daí extrair alguns parâmetros, também em nível muito geral, que poderiam compor a estratégia brasileira de longo prazo. Para tanto, começamos apresentando algumas noções do campo da EPI, mais especificamente aquelas referentes às origens oligopólicas da acumulação e da renda dos países desenvolvidos, a da ligação da construção e manutenção das posições oligopólicas com os Estados Nacionais, o seu poder militar e suas esferas de influência político- econômicas. Também propusemos um conceito básico de tempo conjuntural que delimita a inserção desses Estados no sistema, e que se baseia nas relações e estratégias que visam ampliar o poder nacional por parte das Grandes Potências. Na segunda parte, buscamos descrever as tendências econômicas e políticas que dominam a conjuntura presente. Argumentamos que essa conjuntura, que se iniciou nos anos 1970, se baseia na estratégia de liberalização americana e sua aliança com a China. Essa estratégia tem como objetivos garantir as bases econômicas e geopolíticas do poder dos EUA, o primeiro através da construção e preservação dos oligopólios reservados ao seu capital em escala global, e o segundo através da garantia do equilíbrio de poder na Eurásia e da prevenção do surgimento de um Estado com capacidades militares significativas. Apesar dessa estratégia ter equacionado os desafios que se apresentavam nos anos 1970 e 1980 ao poder americano, todavia, ela acabou desencadeando, através das reações nacionalizantes e da ascensão econômica chinesa pressões intercapitalistas e geopolíticas que levaram a um ponto de inflexão entre 2008 e 2009, com o advento da crise econômica mundial e da Doutrina Obama. Finalmente, na terceira parte, buscamos propor parâmetros gerais para a elaboração da estratégia nacional brasileira de longo prazo, e extrair desses parâmetros algumas recomendações específicas, das muitas que poderiam ser formuladas. Nesse sentido, nos baseamos na noção de que os EUA, por seu poder, presença no entorno geopolítico brasileiro, e orientação estratégica, é a ameaça central à expansão brasileira, e traçamos cenários em que essa ameaça poderia se efetivar. Em seguida, defendemos que o meio fundamental de evitar esses cenários, devido às tendências econômicas e geopolíticas da atual conjuntura, é através de uma estratégia de construção de uma zona de influência militar e econômica brasileira no seu entorno estratégico, baseada na penetração ideológica e econômica, pelo menos em um primeiro momento. E que, para a execuçãode tal estratégia, é necessário dotar o Estado brasileiro de melhor capacidade de coordenação e de capacidades específicas, notadamente na esfera de inteligência e operações encobertas. Esse trabalho representa um esforço para oferecer uma visão alternativa que possa contribuir para o debate sobre a defesa e a estratégia brasileira. Tal debate ainda está no seu inicio, e para ter alguma chance de sucesso precisará necessariamente superar as barreiras e preconceitos disciplinares, e caminhar em direção a modelos e propostas que incorporem ao máximo as diversas dimensões que afetam o tema. VI. 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