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A pesquisa em sala de aula pelos olhos de Pedro Demo Postado em 25/07/2016 18h30min Por - Autor de mais de 90 livros, o conferencista Pedro Demo esteve na Univates em fevereiro para participar do Seminário Institucional. O evento, voltado a professores, teve como tema a pesquisa em sala de aula. PhD em Sociologia pela Universidade de Saarbrücken, Alemanha, e pós-doutor pela University of California at Los Angeles (UCLA), Demo atualmente é professor titular aposentado e professor emérito da Universidade de Brasília (UnB), no departamento de Sociologia. A provocação que Pedro Demo trouxe aos docentes é a transformação da sala de aula em um ambiente de pequisa. Segundo o autor, a universidade moderna não transmite conhecimento, ela cria um ambiente para que o estudante produza o próprio conhecimento. A tendência é abandonar a abordagem de ensino e adotar a abordagem de aprendizagem. Para Demo, o conhecimento não é um pacote congelado que podemos repassar ano após ano. O conhecimento é dinâmico, se renova. Para o conferencista, a ideia de autoria não pode estar dissociada do conhecimento. “Toda a aprendizagem só é aprendizagem se for autoaprendizagem. Só temos de fato a aprendizagem quando surge a figura do autor. A grande alfabetização é a que leva para a autoria. O Brasil tem um sistema educacional muito superado. Só transmite, treina para a falsa visão de que o conhecimento está pronto e congelado em apostilas. A ciência não precisa de tutor ou patrocinador, ela precisa da autoridade do argumento”, ressaltou Demo em sua fala aos docentes da Univates. Confira a entrevista exclusiva que o professor concedeu à Revista Univates. Como o senhor definiria para o leitor que não está familiarizado com as metodologias ativas a abordagem de ensino versus a abordagem de aprendizagem? O ensino é uma atividade que vem de fora, de cima, de um terceiro, enquanto na aprendizagem é o terceiro que está envolvido que facilita, promove, instiga, faz mediação, mas o fenômeno se dá no estudante, na mente do estudante. Ela não é feita na aula, a aprendizagem acontece quando o estudante pesquisa, elabora, lê, estuda. A escola não deve dar aula, o papel do professor é outro, é orientar e avaliar a pesquisa, vai cuidar para que os estudantes estudem, pesquisem, produzam conhecimento. Esse acompanhamento, essa mediação, deve ser o principal papel do professor. Provocar nos alunos a disposição de pesquisar, de ser autor e não somente copiar, colar e receber conhecimentos passivamente é um grande desafio para os professores. Como os professores, que também tiveram uma educação transmissiva, podem começar essa jornada? Precisa cuidar do professor, todas essas grandes mudanças são mediadas pelo professor. Na Univates, vejo que existe essa preocupação: cuidar do professor, há preocupação pedagógica, chamar o professor para refletir sobre o tema. Não ser impositivo, mas dar oportunidade. O estudante aprende bem com o professor que aprende bem. Não podemos ter um professor que dá aula, temos que ter um professor que aprende bem. Só assim ele pode colocar o aluno para buscar seu conhecimento. O professor que pesquisou, que tem a experiência de autoria que os mestrados e doutorados exigem, sabe produzir conhecimento. Mas chega na sala de aula e parece que ele esquece isso. Um professor bem formado é um pesquisador. Ele tem que ser pesquisador e não um papagaio. Qual o impacto para o desenvolvimento econômico, social e cultural da sociedade que a educação científica seria capaz de promover? A ciência é móvel das mudanças, o móvel também do progresso. Há muitos problemas porque ela foi aprisionada pelo capitalismo, pelo mercado liberal, mas isso não tira o argumento. O grande fator de mudança hoje em dia no mundo é o científico, tanto para o bem quanto para o mal. O conhecimento tem que ser profundamente questionado porque ele é colonialista, ele é eurocêntrico, ele é machista, ele destrói os outros saberes, as outras culturas. Mas isso não retira o argumento. A grande virada da Europa foi com a vinda do método científico: caiu toda aquela visão do mundo, caiu o geocentrismo, entrou o heliocentrismo, os métodos de mensuração dos fenômenos, a construção dos telescópios para pesquisar os astros. Essa foi a grande virada tecnológica. A partir daí vieram as grandes tecnologias que mudaram nossas vidas. Agora, “mudar a vida” nem sempre é para todos. A gente vê que o grande progresso europeu é para uma parcela muito pequena da população. Hoje, 1% tem quase tudo e 99% têm quase nada. Isso é triste, mas não muda o argumento: o grande elemento transformador de tudo isso é o conhecimento científico, pela força abstrata e analítica dele. O senhor cita em uma de suas falas uma máxima de Habermas: “a força sem força do melhor argumento”, argumentar sem ser dono da verdade. Como o senhor vê hoje, no Brasil, essa prática dentro das universidades? Na verdade, seria um efeito esperado de uma boa pesquisa. Quando você é bom pesquisador, você logo descobre também que não tem a última palavra, que você vai também pescar o que os outros já disseram. Não adianta redescobrir a roda. Você se imbui de certa humildade que vem lá de Sócrates, da maiêutica. O conhecimento mais interessante é aquele que é modesto, que tem desconfiômetro. Aquele que sabe tudo o que não sabe. Mas, como o conhecimento se dá em sociedade, também se divide em hierarquias, se divide em propriedades. Há os donos da verdade e há aqueles que obedecem. O que se espera de um professor em 2016, na era da sala de aula multitela e hiperconectada? Entendo que essa juventude precisa de outras coisas, precisa de outros horizontes que nós não estamos, de modo geral, preparados para oferecer. Estamos muito voltados para a escola do século passado, reprodutiva, fazer provinha, fazer aula, e eles querem voar, querem ser cientistas, querem experimentar, estar na fronteira do conhecimento. Acredito que não estamos preparados para eles. Essa entrevista faz parte da edição 1 da Revista Univates. A versão on-line pode ser conferida aqui. https://www.univates.br/noticia/18777-a-pesquisa-em-sala-de-aula-pelos-olhos-de-pedro-demo Direito à qualidade na Educação Básica é tema de livro lançado pelo advogado Salomão Ximenes na quarta-feira (15) Publicação, que reúne esforços da Ação Educativa e Editora Quartier Latin, provoca reflexão sobre a disputa de sentidos das políticas de promoção da qualidade na educação A Constituição Federal brasileira define um conjunto de princípios a serem efetivados na educação escolar, dentre eles o direito à qualidade. O debate em torno da definição de um padrão que assegure a máxima qualidade de ensino é o tema do livro Direito à Qualidade na Educação Básica: Teoria e Crítica, de Salomão Ximenes. Resultado de sua tese de doutorado e de sua trajetória em defesa da escola pública e dos direitos humanos, esta obra apresenta uma análise do complexo desafio do campo educacional: garantir uma educação de qualidade articulada ao conjunto de políticas sociais, de combate às desigualdades, compreendendo as sete dimensões jurídicas fundamentais, relacionadas às características dos alunos, ao ambiente escolar, às condições de infraestrutura e insumos básicos, aos conteúdos, aos processos educacionais relevantes, aos resultados e ao financiamento público. A obra conta com a apresentação da educadora, feminista e coordenadora da área de Educação de Ação Educativa, Denise Carreira, e prefácio de Nina Ranieri, professora associada da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e coordenadora da Cátedra UNESCO de Direito à Educação. Salomão Ximenes é, atualmente, professor adjunto do bacharelado em Políticas Públicas da Universidade Federal do ABC e pesquisador colaborador junto ao Centro de Pesquisa Jurídica Aplicada da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV Direito SP) e à Ação Educativa Assessoria, Pesquisa e Informação. Foi membro do Comitê Diretivo da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, da coordenação colegiada da Plataforma Brasileira de DireitosHumanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (Plataforma DhESCA Brasil) e da coordenação do Projeto de Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil. Serviço Livro Direito a Educação Básica. Salomão Ximenes ==================================== De Olho nos Planos (De Olho) – Em sua tese, você cita que há 19 Projetos de Lei sobre a Lei de Responsabilidade Educacional (LRE) em tramitação na Câmara dos Deputados, desde 2006. Como você analisa estes projetos e o atual substitutivo do deputado federal Raul Henry (PMDB-PE)? Salomão Ximenes (Salomão) – É preciso tomar cuidado com a discussão sobre a Lei de Responsabilidade Educacional (LRE) antes da regulamentação do regime de colaboração no campo da educação. A possibilidade de a lei ser realmente abrangente e eficaz está relacionada a uma maior definição dos papeis e responsabilidades de cada ente federativo e ao estabelecimento de mecanismos mais objetivos para a distribuição destas responsabilidades conforme a capacidade de cada ente federativo. E a principal preocupação quanto aos Projetos de Lei para a LRE é a responsabilização a partir do alcance de metas pelo Ideb [Índice de Desenvolvimento da Educação Básica]. A proposta do governo federal vai a outro sentido, contra a responsabilização a partir do resultado de testes padronizados. Hoje, ao mesmo tempo em que o texto do [substitutivo do] deputado Raul Henry prevê que a responsabilização seja feita com base nos resultados para aqueles municípios que tiveram queda no resultado do Ideb de um ano para o outro, considera também a necessidade de se garantir padrões de qualidade da educação por meio de 16 itens a serem assegurados como planos de carreira para os profissionais da educação e boa infraestrutura e funcionamento de escolas. Outra preocupação está relacionada a uma desproporção em termos de atribuições no campo da educação na medida em que o substitutivo traz poucos elementos de responsabilização para o governo federal, o que é justamente o ponto central para este debate em torno do regime de colaboração. (De Olho) – E o que a aprovação desta lei pode significar para a política educacional brasileira? (Salomão) – A ideia de uma lei específica para a responsabilidade educacional reforça o risco de fragmentação desse debate, tanto em relação ao regime de colaboração, quanto à determinação conceito de qualidade da educacional, já que tanto o artigo 1º do substitutivo quanto o próprio Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi) se propõem a definir o conteúdo do que seria este padrão de qualidade. [Leia também matéria sobre o Custo Aluno-Qualidade] Há um risco de fragmentação que pode tornar menos efetivas ambas as medidas. Além disso, boa parte dos parâmetros de qualidade que o substitutivo ao PL tenta sistematizar já está presente, por exemplo, na Lei do Piso Salarial, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB) e em resoluções do Conselho Nacional de Educação, como a que regulamenta o CAQi. Mas a principal novidade deste PL é a responsabilização para os municípios que tiveram queda no resultado do Ideb de um ano para o outro. Neste caso, o Ideb poderá servir como um mero índice para uma responsabilização jurídica que pode fortalecer movimentos de fraude de resultados e do entendimento de que a educação deve ser voltada apenas para a resolução de testes. (De Olho) – Pensando na importância do controle social de políticas públicas, a LRE poderia, por outro lado, contribuir com a garantia da qualidade na educação brasileira? (Salomão) – É necessário fortalecer a possibilidade de responsabilização em alguns aspectos, não desconsiderando que hoje já existem muitas formas de cobrar esta responsabilização por meio do Ministério Público e de ações de organizações da sociedade civil, por exemplo. No entanto, é necessário estabelecer de forma mais objetiva, para além da medida judicial, quais são os fatores que podem ser cobrados como, por exemplo, o número adequado de alunos por sala, os padrões básicos para carreira docente, o respeito à carga horária e os recursos mínimos a serem aplicados por aluno, como determina o CAQ. (De Olho) – E como você avalia que deve ser a ação das pessoas e organizações da sociedade civil neste contexto? (Salomão) – Tanto na regulamentação da LRE quanto do regime de colaboração a sociedade precisa exigir a participação neste processo. O ideal para a construção do regime de colaboração seria a realização de uma nova conferencia nacional de educação para discussão de um projeto mais consolidado e que poderia incluir também o debate sobre a Lei de Responsabilidade Educacional. http://www.deolhonosplanos.org.br/de-quem-e-a-responsabilidade-pela-garantia-de-uma-educacao-de-qualidade/ Hoje, nós temos em vista duas possibilidades. A primeira é que estabeleceria um acordo amplo na sociedade brasileira para uma discussão conjunta destas duas regulamentações. E estenderia em um ano o debate sobre a LRE de maneira que ela venha a se constituir, por exemplo, como um capítulo de uma lei sobre o regime de colaboração. Do ponto de vista jurídico não haveria nenhum problema. A outra possibilidade é aprovar a LRE ainda este ano. E, neste caso, eu proporia que fosse tirada a referência à responsabilização a partir dos resultados do Ideb. A literatura educacional confirma que, sempre que se coloca muito peso na punição em torno dos resultados, se estimula excessivamente o ensino voltado para a realização de testes. E aprovar esta lei sem a realização de um debate mais amplo é muito arriscado. (De Olho) – E qual a relação desta regulamentação com a construção dos Planos Estaduais e Municipais de Educação, que também estão previstos para estarem prontos este ano? (Salomão) – O que se pode fazer é aproveitar esse movimento de construção dos Planos Municipais e Estaduais de Educação como um momento para a elaboração de um amplo diagnóstico para a construção do regime de colaboração. A construção e a regulamentação do regime de colaboração tem que levar em conta o que vai ser produzido nos Planos locais. Ou seja, em que medida os estados e municípios assumem as responsabilidades e como elas dialogam com as dos demais entes federados. Já em um movimento seguinte o ideal seria fazer um amplo diagnóstico sobre o conteúdo destes planos estaduais e municipais para que possa contribuir com essa nova legislação sobre o regime de colaboração na área educacional. Imagem 1: Salomão Ximenes / Memória EBC Imagem 2: Salomão Ximenes / Divulgação Imagem 3: Salomão Ximenes / Divulgação – Reportagem – Gabriel Maia Salgado http://www.deolhonosplanos.org.br/de-quem-e-a-responsabilidade-pela-garantia-de-uma-educacao-de-qualidade/ http://www.deolhonosplanos.org.br/de-quem-e-a-responsabilidade-pela-garantia-de-uma-educacao-de-qualidade/ http://www.deolhonosplanos.org.br/de-quem-e-a-responsabilidade-pela-garantia-de-uma-educacao-de-qualidade/