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Luciana Santos ATM 2023/2 1 Pediatria Trauma de Crânio Quedas e maus-tratos ocorrem em todas as idades, e os acidentes automobilísticos (tanto pedestres como ocupantes de veículos) ocorrem principalmente entre escolares e adolescentes. A maioria dos casos é trauma leve (85-90%). 3-5% das vítimas no Brasil morrem no próprio local do acidente e 2% morrem durante a internação hospitalar. Patogenia e fisiopatologia Fatores anatômicos: Faixa etária pediátrica é mais suscetível ao trauma de crânio pois a cabeça é proporcionalmente maior em relação ao corpo, maior conteúdo de água do encéfalo associado ao processo de mielinização incompleto favorece lesões por mecanismos de aceleração-desaceleração, com consequente cisalhamento (deslocamento de um plano sobre o outro) de vasos e neurônios, resultando em hemorragias e lesão axonal difusa. Calota craniana é mais complacente nos lactentes e é mais suscetível a deformidades e fraturas mesmo com traumas leves – comum lesão intracraniana assintomática ou oculta, assim como lesão direta do encéfalo; em crianças maiores e adultos há lesões pela projeção do encéfalo contra protuberâncias ósseas do lado oposto ao impacto (lesões por contragolpe). Sangramentos do couro cabeludo e subgaleais podem ser intensos levando a choque hemorrágico. Fontanelas e suturas cranianas ainda abertas permitem aos lactentes maior tolerância aos aumentos de pressão intracraniana (PIC). Lesões primárias: Ação direta da força mecânica do trauma. Geralmente irreversíveis – alterações anatômicas e funcionais ao nível celular. • Trauma direto pelo choque do encéfalo com as protuberâncias ósseas da caixa craniana ou penetrante de um fragmento ósseo/corpo estranho lesões incluem sangramento do couro cabeludo, hematoma subgaleal, fraturas cranianas fechadas, abertas ou afundamentos cranianos, hematoma epidural e contusões/lacerações cerebrais. • Ação das forças inerciais (aceleração-desaceleração) que causam cisalhamento de estruturas vasculares e neuronais. Movimentação violenta dentro do crânio hematoma subdural, hemorragia subaracnoide, concussão e lesão axonal difusa (pode estar presente em cerca de 75% dos traumas moderados a grave). Lesões secundárias: Em consequência do insulto primário. Principais efeitos sistêmicos da lesão secundária são hipotensão, hipóxia, hipercapnia, hipocapnia, anemia, febre, hipoglicemia ou hiperglicemia, distúrbios eletrolíticos, acidobásicos, sepse ou pneumonia e Coagulopatias. Perturbações fisiopatológicas como edema cerebral, hipertensão intracraniana ou alterações perfusionais (hiperemia, isquemia) podem estar presentes, assim como outros eventos como hemorragias tardias, hidrocefalia, infecções, convulsões. Principais eventos das lesões secundárias: Hipotensão e hipóxia (apneia/cianose ou SatO2<90%) na fase inicial do atendimento estão implicados como preditores independentes de pior prognóstico sendo a hipotensão dobrando a mortalidade. Perturbações fisiopatológicas como edema cerebral, hipertensão intracraniana e alterações perfusionais (isquemia e hiperemia) determinam alterações significativas no fluxo sanguíneo cerebral. Fluxo sanguíneo cerebral (FSC) Crianças – fluxo de 100ml/100g de tecido/min (maior que adultos – 50ml). O fluxo diminui com a idade, igualando-se ao do adulto por volta dos 10 anos. TCE grave com FSC de 25ml/100g de tecido/min é relacionado a hipoperfusão, isquemia e piora do prognóstico. O FSC é influenciado por fatores como demanda metabólica cerebral, viscosidade sanguínea, resistência vascular cerebral, pH, níveis de PO2 e PCO2, e pela manutenção de uma pressão de perfusão cerebral adequada (PPC). Pressão de perfusão cerebral (PPC) é uma diferencial entre a pressão arterial média e a pressão intracraniana – PPC = MAP – PIC. PPC Mínima em crianças varia de 40-50mmHg – varia com a faixa etária. <40mmHg é relacionada a pior prognóstico, mas valores supranormais não indica que reduz morbimortalidade. Cérebro autorregulação suporta variações da PAM na faixa de 50-150mmHg por variações na resistência vascular cerebral, com vasodilatação máxima a 50mmHg e vasoconstrição máxima a 150mmHg. Flutuações além desses níveis afetam a constância do fluxo determinando isquemia (na hipotensão) ou rompimento da barreira hematoencefálica (hipertensão). TCE grave perda do mecanismo fluxo fica dependente das variações da pressão arterial sistêmica. A hipercapnia por alterações de pH tecidual é capaz de aumentar o fluxo, enquanto a redução do PCO2 reduz o fluxo. Circulação cerebral é extremamente sensível a mudanças da PCO2. Luciana Santos ATM 2023/2 2 Primeiras 6h pós trauma: redução do fluxo. Após o período alguns pacientes evoluem com aumento do fluxo (hiperemia difusa, inchaço ou swelling) que podem contribuir para aumento da pressão intracraniana. Pressão intracraniana (PIC): Varia em função do volume do conteúdo do crânio volume do compartimento do encéfalo (80%), sangue (10%) e líquor (10%). Volume do encéfalo aumenta com edema. Criança com fontanela já fechada sem capacidade de expansão da caixa craniana pequenas variações no volume de um compartimento devem ser balanceadas por acomodações no volume dos outros setores. Grandes variações não podem ser compensadas e resultam em aumento da PIC. PIC varia de acordo com a faixa etária Até 5mmHg em RN e lactentes 6-15mmHg em crianças <15mmHg para adolescentes e adultos Elevações com breve retorno a pressão normal em menos de 5 minutos são insignificantes. Elevações sustentadas >20mmHg por mais de 5 minutos são indicativas de tratamento e indicam pior prognóstico. Clínica Traumatismo moderado a grave: história e exame evidentes – 10% dos casos Traumatismo leve a moderado: menos óbvio clinicamente – 85% dos casos – pode haver lesões intracranianas ocultas principalmente em lactentes – suspeitar de maus tratos. Casos fatais: óbito no local do acidente – 5% dos casos A gravidade do trauma também pode ser definida pela Escala de Glasgow, modificada em <5 anos: Trauma de crânio leve Glasgow 13-15 Luciana Santos ATM 2023/2 3 Trauma de crânio moderado Glasgow 9-12 Trauma de crânio grave Glasgow menor ou igual a 8 Avaliação primária: Primeira avaliação: primeiros 5-10 min. SV reavaliados 5/5 minutos e depois de 15/15h até estabilização completa. ABCDE. Via aérea e controle da coluna Indicação de intubação é Glasgow menor ou igual a 8 pela dificuldade de proteção da via aérea. Levar em conta clínica – outros sinais de incapacidade de proteção da via como respiração ruidosa, respiração cm protrusão das bochechas na expiração, acúmulo de secreções na orofaringe e lentidão nas respostas motora, verbal e ocular a estimulação. Também necessária se necessidade de sedação p procedimentos diagnósticos. Via preferencial orotraqueal. Fratura de base de crânio contraindica intubação nasotraqueal. Proteger coluna cervical pelo risco de trauma raquimedular associado Pré-medicação adequada para evitar pico de PIC com risco de lesões secundárias Sedação e bloqueio neuromuscular (Midazolam ou Tiopental + Rocuronio ou Vecuronio) e Lidocaína 1-2mg/kg 30 segundos antes da intubação. Respiração FR, expansibilidade, MV. Apneia e hipoventilação são achados frequentes no trauma de crânio grave. In iciar ventilação com bolsa, máscara e O2 100% e depois intubação traqueal com VM. Circulação FC, perfusão periférica e PA. PA pode estar normal em choque compensado. Valorizar taquicardia, pulsos de pequena amplitude, TEC >2seg (lentificado), extremidades frias, pálidas ou cianosadas – sugere perda volêmica. Preconiza-se manter PA sistólica >60mmHg em RN a termo, >70mmHg em lactentes, >70+(idadex2) mmHg em crianças entre 1-10 anos e >90mmHg acima de 10 anos de idade. Corrigir volemia com soro fisiológico 20ml/kg. Após 40ml/kg considerar adm de concentrado de hemácias 10ml/kg. Tríade de Cushing – hipertensão, bradicardiae bradipneia – indicam herniação – manifestações mais tardias. Neurológico Escala rápida (AVDN): alerta, responsivo a comandos verbais, responsivo a dor, não responsivo + Escala de Glasgow. Complementa-se com exames de pupilas, observação de posturas anormais e déficits motores, como avaliação de reflexos do tronco cerebral. Pupilar anisocoria com dilatação ipsolateral ao trauma, não reagente a estímulo luminoso direto ou consensual sugere herniação transtentorial e compressão de fibras do 3º nervo craniano. Pupilas midriáticas bilateralmente, não reagentes a luz, indicam compressão do 3º par bilateral ou hipóxia-isquemia global do encéfalo. Luciana Santos ATM 2023/2 4 Avaliação secundária: Exame da cabeça Deformidades cervicais, edema e dor a palpação lesão de cervical imobilizar Lacerações e depressões do couro cabeludo investigar lesões penetrantes Equimose retroauricular (Sinal de Battle) e periorbitária, rinorreia, otorreia liquoricas fratura de base de crânio Hemotímpano indica fratura temporal e lesão do nervo VII e VIII Fontanela abaulada – aumento da PIC Padrão respiratório Apneia secundaria a paralisia do diafragma – lesão medular alta Cheyne-Stokes – lesão dos hemisférios cerebrais ou diencefálica Respiração apnêusica – pausas expiratórias prolongadas lesão pontina Exame neurológico Anisocoria – compressão do nervo III Pupilas isocóricas e puntiformes – lesão pontina, pupilas midriáticas e não reagentes sugerem lesão mesencefálica Síndrome de Horner miose, ptose e anidrose unilateral lesão hipotalâmica ou Herniação transtentorial Nistagmo lesão cerebral ou vestibular Desvio do olhar conjugado lesão cortical, disfunção dos Oculomotores ou convulsão Hemorragias retinianas trauma não acidental como maus tratos ou hipertensão intracraniana grave (papiledema, perda do pulso venoso) Reflexos corneopalpebral, cilioespinhal e oculovestibular ausentes – lesão de tronco cerebral Reflexos tendinoso profundos simétricos e hiper-reativos – lesão medular; assimétricos – lesão unilateral Sinal de Babinski (flexão do primeiro pododáctilo a estimulação plantar) positivo – comprometimento do trato piramidal Exames: TC: maior utilidade na fase aguda pela rapidez. Pode ser incialmente sem contraste após trauma imediato. Logo deve ser feita uma com contraste. RNM: sensibilidade superior a TC de crânio para lesões intracranianas, porém demorado, que requer sedação e nem sempre está disponível logo após a lesão. RX de crânio: não está indicado exceto suspeita de ferimento penetrante no encéfalo, suspeita e afundamento craniano, craniotomia prévia com shunt ventricular instalado, <2 anos com hematoma subcutâneo volumoso e suspeita de maus tratos. Doppler transcraniano: beira do leito, mede velocidade do fluxo sanguíneo cerebral – A. cerebral média. Monitorização: ECG, oximetria de pulso, PA não invasiva, PVC, temperatura, débito urinário, idealmente pressão arterial invasiva, capnografia e pressão capilar pulmonar Gasometria, eletrólitos séricos, glicemia, Osmolaridade sérica e densidade urinária Cerebral: PIC, pressão de perfusão cerebral, oximetria do bulbo de jugular, extração cerebral de oxigênio e EEG contínuo TCE grave elevado risco de herniações por aumento da pressão intracraniana síndromes herniativas são possivelmente fatais e devem ser reconhecidas rapidamente. Síndrome da herniação cerebral anisocoria ou midríase súbitas. Medidas gerais: Postura no leito: manter cabeça em posição neutra sem lateralizações, cabeceira elevada a 30 graus. Ventilação mecânica: São2>95% Equilíbrio hemodinâmico, hidroeletrolítico e metabólico Sedação, analgesia e bloqueio neuromuscular: o sedativo ideal deve ter início e térmico de ação rápida, metabolismo bem definido, sem metabólitos acumulativos, com efeito anticonvulsivante e com mínimo comprometimento cardiovascular Etomidato (bom para hipertensão intracraniana, mas pode causar supressão suprarrenal). Normalmente utiliza-se Midazolam 0,05-0,3mg/kg/hora associado a analgésico efetivo Fentanil 0,5- 2microgramas/kg/hora. Não é recomendado uso de Propofol em Pediatria Hipertensão intracraniana grave pode usar bloqueadores neuromuscular – reduzem a PIC – Vecurônio ou Atracúrio – monitorizar o EEG pelo risco de convulsões despercebidas. Luciana Santos ATM 2023/2 5 Temperatura: hipertermia (T>38-38,5 graus) é associada ao aumento da resposta fisiopatológica ao trauma, aumento do consumo do O2 cerebral e pior prognóstico. Hipotermia moderada de 32-33 graus tem sido estudada com efeito benéfico pela redução da demanda metabólica cerebral, inflamação, redução da PIC etc. Controle e prevenção de episódios convulsivos: 10% das vítimas de TCE grave. Precoces – ocorrem nos primeiros 7 dias após o trauma – fatores de risco são afundamento de crânio, hematoma intraparenquimatoso, TCE grave e menor idade. Recomenda-se uso profilático de Difenil-hidantoína (15-20mg/kg ataque, 5-7mg/kg dia manutenção), nas primeiras 24h pós trauma e mantidas na 1ª semana de tratamento. Episódio convulsivo: benzodiazepínico de ação rápida Diazepam 0,1-0,3mg/kg/dose, e a cada 3-5 minutos, dose máxima de 2mg. Tratamento específico da hipertensão intracraniana: quando PIC>20mmHg Drenagem liquórica Hiperventilação empírica com PaCO2<30mmHg usada para redução rápida da PIC se houver sinais clínicos de herniação ou PIC>40mmHg Manitol: não há estudos que suportem a sua recomendação nas diretrizes atuais. Soluções salinas hipertônicas Descartar lesões de massa: TC controle Barbitúricos: em altas doses são eficazes para redução da PIC – Tiopental 4-6mg/kg ataque, manutenção de 1- 5mg/kg/hora. Craniotomia descompressiva: último recurso no controle da hipertensão intracraniana refratária Corticoides: não diminuem a PIC nem melhoram o prognóstico em pacientes com TCE grave, não é indicado com esses propósitos. Outras medidas de apoio Controle da coagulação: coagulopatia é uma complicação potencial do trauma de crânio. Distúrbios da coagulação 40-80% das crianças com TCE grave. Suporte nutricional Antibioticoterapia profilática e profilaxia antitetânica: Atb profilático fraturas de crânio com soluções de continuidade, feridas contaminadas ou sujas. Monitorização invasiva não indica antibioticoterapia profilática, a menos que haja contaminação na inserção. Complicações do traumatismo craniano: Diabetes insipidus: 18% das crianças; relacionado a gravidade do TCE. Poliúria, hipernatremia, osmolaridade sérica elevada, osmolaridade urinária baixa Meningite, secundária a fraturas de base de crânio ou monitorizações intracranianas Infecções pulmonares Edema pulmonar neurogênico pela isquemia medular Cistos leptomeníngeos Lesão de nervos cranianos – principalmente após fratura de base de crânio Cegueira cortical: geralmente reverte em 24h, pode ser causada pelo edema cerebral ou vasoespasmo transitório Síndrome pós-traumática: irritabilidade, incapacidade de concentração, nervosismo Cefaleia: frequente pós-TCE grave a moderado Hidrocefalia Convulsões: normalmente em contusões, afundamento craniano e TCE grave (Glasgow 3-5). Prognóstico: mortalidade 6-35% em pacientes com Glasgow entre 3-5, 50-60% em casos de Glasgow = 3. Glasgow entre 6-8, maioria recupera a consciência no período de 3 semanas, 1/3 permanece com déficits neurológicos focais e dificuldades de aprendizado especialmente se coma >3 semanas. Escala prognóstica específica de pediatria Luciana Santos ATM 2023/2 6 Principais sequelas observadas: Déficits motores: espasticidade, incoordenação, ataxia, dificuldade de deglutição, refluxo gastroesofágico, disfagia Déficits sensitivos: qualquer nervo craniano pode ser afetado Déficits cognitivos Alterações comportamentais 2-10% apresentam episódios convulsivos, 95% nos primeiros 3 anos após o trauma fatores de risco contusões,hematomas (subdural principalmente), edema cerebral difuso e Glasgow<12. Referência: Celiny Garcia P, Piva JP. Terapia Intensiva Pediátrica. IN: Piva J, Celiny Garcia P (eds). Medicina Intensiva em Pediatria. Rio de Janeiro: Revinter. 2015.
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