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1 NEUROPSICOPEDAGOGIA INSTITUCIONAL, CLÍNICA E HOSPITALAR 2 APRENDIZAGEM E ADEQUAÇÕES PARA ACESSO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA AO CONHECIMENTO 3 SUMÁRIO APRENDIZAGEM E ADEQUAÇÕES PARA ACESSO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA AO CONHECIMENTO ............................................................................ 4 APRENDIZAGEM: UM TEMA PARA REFLEXÃO ........................................................10 Características do pensamento ....................................................................................16 FUNÇÕES MENTAIS DA LINGUAGEM .......................................................................17 FLEXIBILIDADE CURRICULAR: UM ASSUNTO EM DEBATE ....................................20 ACESSO AO CURRÍCULO – ADEQUAÇÕES .............................................................25 ADAPTAÇÕES CURRICULARES SIGNIFICATIVAS ...................................................30 REFERÊNCIAS ............................................................................................................34 4 APRENDIZAGEM E ADEQUAÇÕES PARA ACESSO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA AO CONHECIMENTO Este curso traz informações resultantes de estudos bibliográficos e documentais realizados acerca da aprendizagem, da flexibilidade curricular e do acesso das pessoas com deficiência ao conhecimento. Inclusive transitamos pelos documentos normativos que tratam da educação escolar das pessoas com deficiência, particularmente nos dias atuais, quando o discurso da Educação Inclusiva predomina no contexto educacional com repercussões na sociedade. Tais resultados têm intrigado alguns autores, tais como Patto (2008, p. 25), que critica o alastramento da palavra inclusão no Brasil, dizendo que “ela está na mídia, no discurso de políticos, em documentos de Ministérios, de Secretarias estaduais e municipais e de organizações não governamentais; ela está na produção acadêmica e no senso comum”. A esse respeito, pondera a autora, devem-se levar em consideração as próprias circunstâncias socioeconômicas na sociedade que ainda alimentam a “exclusão de um enorme contingente da população”, comprometida com o excesso de mão de obra, degradação de salário e, ainda, um processo seletivo que envolve preconceito, estereótipos e níveis de escolaridade incompatíveis até com o “trabalho a ser realizado”. Bueno (2008, p. 43-44), por sua vez, ao identificar o alastramento do tema inclusão escolar nas políticas educacionais, de forma mundial, acrescenta que: [...] a inclusão escolar surge como a “nova missão da escola” [...] de lealdade entre os crentes e confiança entre os empenhados, assim como que qualquer questionamento a respeito é encarado como “heresia”, pois que não aceito pelos adeptos, sem qualquer consulta ou consideração. Pelo que apreendemos do próprio significado do termo heresia usado pelo referido autor, é inquestionável a inclusão posta pelos disseminadores dessa doutrina, tida como verdade absoluta e irremediável sua implantação no País. Para esclarecimento sobre o termo heresia, portanto, fomos buscar apoio em Polito, autor do Dicionário de Sinônimos e Antônimos, Michaelis (1994, p. 332), seu respectivo sinônimo, a fim de esclarecer nossas dúvidas diante do emprego da terminologia, e vimos que heresia é ao mesmo tempo: “heterodoxia; ortodoxia; blasfêmia; absurdo, contrassenso; disparate”. O interessante nesse aspecto é que, enquanto isso, a escola e os professores, 5 ignorando que possam ser identificados com o significado desses termos por não compactuarem imediatamente com as propostas implementadas sobre a inclusão de todos os alunos em classes comuns, vivenciam o processo de encaminhamento dos alunos com deficiência para as escolas, com significativa inquietação. E, assim, não se intimidam ao dizerem não saber como lidar com alunos com deficiência, especialmente se tiverem que lidar com casos de deficiências mais complexas. “Ao lidar diretamente com os alunos, no cotidiano da escola, os docentes são invadidos por sentimentos que vão da perplexidade à frustração, da exaustão à impotência. Não sabem o que fazer, nem como ensinar os alunos” (OLIVEIRA e MACHADO apud GLAT, 2007, p. 36). Episódios sobre posicionamentos semelhantes diversificam-se, dentre eles, o que foi vivenciado por Oliveira (2007, apud MEIRELLES, 2007, p. 39), a qual nos diz o seguinte: Em um encontro de educadores, uma professora levantou em relação à seguinte questão: é certo os alunos com necessidades especiais serem cobaias na escola? E um rapaz com paralisia cerebral com formação em nível superior levantou-se e disse: se eu não fosse cobaia há vinte anos eu não estaria aqui hoje. O fato de uma escola ter me recebido, após inúmeras tentativas de minha mãe, fez com que eu chegasse onde cheguei, provavelmente eu estaria hoje em um canto de uma sala ou em uma rede.Autores como Glat e Nogueira (2002), Mendes, Ferreira & Nunes (2003) e Beyer (2005) vêm alertando para a questão da insuficiência dos cursos de formação de professores para o trabalho com a diversidade. No que diz respeito à formação dos professores para trabalhar com os pressupostos da educação inclusiva, pesquisadores apresentam manifestações diversas, inclusive apontando inconsistências presentes no currículo voltado a essas práticas. [...] em todas as questões que se referem a currículo para formar professores, percebemos a incompletude. Não há respostas fechadas quanto à dicotomia entre as perspectivas de inclusão e a manutenção da exclusão diária e contumaz. Ou quanto ao atendimento às classes heterogêneas via atividades diversificadas. Certamente, não se constrói um currículo de forma apriorística por meio de planilhas rígidas e objetivos estereotipados. Ele é vivo, produto de uma construção coletiva, vivenciado no cotidiano da educação. Há muito que fazer, portanto, para que o “fazer pedagógico” dos professores que trabalham com alunos portadores de necessidades educativas especiais possa ser aperfeiçoado (OLIVEIRA e ABREU, 2003, p. 108 apud OLIVEIRA; MACHADO, 2007, p. 39). 6 Da mesma forma, Fontes (2010, p. 56-57) contribui com esse assunto e acrescenta: [...] além da falta de preparo teórico-metodológico para incluir o aluno com deficiência ou outras condições de “excepcionalidade”, o professor do ensino regular pode apresentar expectativas desfavoráveis em relação a sua capacidade de aprendizagem. Nesse sentido, a aceitação do “aluno especial” e suas diferenças é um processo complexo que passa pela sensibilização do professor. O Plano Nacional de Educação (BRASIL, 2001) já denunciava não acreditar na eficácia da escola sem que seus professores estivessem devidamente preparados para atender aos alunos com deficiência, por ocasião de sua formação inicial. Ao mesmo tempo, refere-se à necessidade de formação continuada, reconhecendo que esta “assume particular importância, em decorrência do avanço científico e tecnológico e de exigência de um nível de conhecimentos sempre mais amplos e profundos na sociedade” ( p. 77). E tais providências são imprescindíveis, cresce cada vez mais a atuação do Ministério de Educação com projetos voltados à efetivação da educação inclusiva no contexto educacional brasileiro, conciliada com a projeção da construção da sociedade inclusiva. Sobre esses dois assuntos, nas suas considerações sobre as pesquisas realizadas por educadores, e, ao mesmo tempo, reportando-se às defesas da construção de uma sociedade democrática encabeçadas por Anísio Teixeira (1979 apud BUENO 2008) e Paulo Freire (1967 apud BUENO, 2008), Bueno (2008, p. 56) nos adverte sobre o real significado de tais bandeiras levantadas no País: A bandeira da educação inclusiva parece, em princípio repor sobre outras bases, esses mesmos ideais, mas isto é somente aparência, pois se o norte é a educaçãoinclusiva como meta a ser alcançada, isto significa que a projeção política que se faz do futuro é de que continuarão a existir alunos excluídos, que deverão receber atenção especial para deixar de sê-lo. [...] esta nova bandeira vira de cabeça para baixo aquilo que era uma proposição política efetivamente democrática (mesmo com perspectivas políticas diferentes), na medida em que o que deveria se constituir na política de fato – a incorporação de todos pela escola, para se construir uma escola de qualidade para todos – se transmuda num horizonte, sempre móvel, porque nunca alcançado. Documentos emanados do Ministério da Educação (MEC), órgão nacional responsável pela política pública de educação, tais como, a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008), tratam da emergência dos alunos com deficiência estudarem nas classes comuns junto com os 7 alunos sem deficiência, em todos os níveis, etapas e modalidades da Educação Nacional, conforme previstos na Lei 9394/96 (LDB). Tais providências foram reforçadas pelo texto da Convenção da Organização das Nações Unidas (ONU, 2006b)1, nos seguintes termos: [...] reconhecem o direito das pessoas com deficiência à educação. [...] deverão assegurar um sistema educacional inclusivo em todos os níveis, bem como o aprendizado ao longo de toda a vida; [...] [reconhecem] que as pessoas com deficiência não sejam excluídas do sistema educacional geral sob alegação de deficiência e que as crianças com deficiência não sejam excluídas do ensino fundamental gratuito e compulsório, sob alegação de deficiência; Deverão assegurar que pessoas com deficiência possam ter acesso à educação comum nas modalidades; de ensino superior, treinamento profissional, educação de jovens e adultos e aprendizado continuado, sem discriminação e igualdade de condições com as demais pessoas. Para tanto, os Estados Partes deverão assegurar a provisão de adaptações razoáveis para pessoas com deficiência. Muito embora, as orientações supramencionadas ainda mereçam prudência, pois, oportunamente, lemos o seguinte: [...] não se pode esperar que a turma comum seja o ambiente de aprendizagem melhor para todos, sobretudo para os que apresentam comprometimentos graves. Há crianças com comportamentos que colocam em risco a si mesmas e aos outros; há aquelas que não se expressam ou movem, e que sem uma interação mais próxima, em ambiente mais estruturado, o professor não terá respostas a dar às suas necessidades educacionais especiais. Some-se a isso o fato de que muitas dessas crianças e jovens tiveram seu ingresso na escola tardiamente e não têm qualquer referência educacional. O que estamos querendo enfatizar é que, dada a diversidade do alunado e das realidades escolares, não temos ainda conhecimento e experiências de escolas inclusivas acumuladas que permitam afirmar que as classes comuns da maioria das escolas brasileiras – com grande número de alunos, professores sem formação adequada, entre outros aspectos – são a melhor opção para aprendizagem e desenvolvimento de todos os alunos (GLAT, 2007, p. 32-33). Além disso, a parceria entre a escola comum e a educação especial deve ser cada vez mais incentivada, haja vista a essencialidade da atuação conjunta de ambas para o atendimento às necessidades educacionais dos alunos com deficiência, 8 transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, no momento em que a educação especial, em suas finalidades atuais, requer providências importantes para efetivação de suas ações, emergindo providências que necessitam ser mobilizadas. A escola na concepção de educação inclusiva precisa organizar respostas educativas a fim de alcançar a todos os alunos. Entende-se por resposta educativa “a preocupação da escola em responder às necessidades apresentadas por seus alunos, em conjunto, e a cada um deles em particular, assumindo efetivamente o compromisso com o sucesso na aprendizagem da totalidade do corpo discente” (GLAT e BLANCO, 2007, p. 17). Dentre elas, promover e orientar redes de apoio, conforme se lê no seguinte trecho: A educação especial direciona suas ações para o atendimento às especificidades desses alunos no processo educacional e, no âmbito de uma atuação mais ampla na escola, orienta a organização de redes de apoio, a formação continuada, a identificação de recursos, serviços e o desenvolvimento de práticas colaborativas (BRASIL, 2008, p. 15). Como então desenvolver práticas colaborativas? Esse assunto é atualmente evidenciado, na discussão acerca da atuação paralela da educação especial e do ensino regular, no momento em que, a definição do papel do professor do ensino comum e do professor da educação especial, trouxe à tona a teoria do ensino colaborativo, cujo significado remete a: [...] um modelo de prestação de serviço de educação especial no qual o educador comum e um educador especial dividem a responsabilidade de planejar, instruir e avaliar a instrução de um grupo heterogêneo de estudantes, sendo que esse modelo emergiu como uma alternativa aos modelos de salas de recursos, classes especiais, e especificamente para responder às demandas das práticas de inclusão de estudantes com necessidades educacionais especiais (MENDES, 2006b, p. 32). Por tudo isso, a educação inclusiva no País tende a significar uma ruptura conceitual e atitudinal, com os atendimentos praticados, até então, sobre os quais, pessoas com deficiência, em sua maioria, estudaram em classes ou em escolas especiais2, serviços cuja existência voltada, dentre outros, para a oferta de educação escolar sequer são mencionados nas políticas públicas que direcionam a educação especial. [...] a entrada de alunos tradicionalmente atendidos pela Educação Especial no 9 espaço da escola regular não deve ser vista como uma proposta de diluição dos serviços de apoio às escolas, aos alunos e aos sistemas de ensino, pois estes são essenciais para que o processo de inclusão desses sujeitos de fato ocorra. Ao contrário, o sucesso da política de Educação Inclusiva depende diretamente da continuidade da existência dessa rede de suportes especializados, incluindo-se a formação inicial e continuada de professores especialistas nos diferentes tipos de necessidades especiais e níveis de ensino. Pois só o diálogo entre especialistas e generalistas fará com que a escola construa as melhores respostas educativas para todos os seus alunos (GLAT, 2007, p. 33). Em meio a essas questões, ainda vivenciamos uma realidade que nos aponta a existência de um número ainda desconhecido de pessoas com deficiência que não estudam em nenhum lugar. Os índices de fracasso e evasão escolar continuam sendo apontados como “endêmicos”, constituindo-se como mecanismos poderosos de exclusão escolar e social de contingente considerável da população. Porém, com frequência esses índices são camuflados por meio da adoção de sistemas de ciclos, programas de aceleração, de progressão continuada ou projetos para “corrigir” a defasagem idade- série (PLETSCH, Grifos da autora, 2010, p. 74). Na composição desse cenário, um tema emergente precisa fazer parte dos estudos na formação dos professores e na escola, qual seja a aprendizagem. Não menos necessário, outro assunto dessa natureza amplia nossa reflexão: como ensinar pessoas com deficiência? Essa indagação está presente no discurso dos professores, conforme podemos verificar em diversos pesquisadores como, por exemplo, Anache (2007) e Ferreira (2007). Essa última pesquisadora, em um trabalho sobre os encaminhamentos da aprendizagem de alunos com deficiência intelectual, acrescenta outra pergunta a nossa: “adaptar o quê e como?” e, ao mesmo tempo responde: Frente à inexistência clara de uma resposta, as professoras e professores vão se orientando pelo senso comum cujaracionalidade é a de que, no decorrer do processo escolar, os alunos com deficiência intelectual são incapazes de aprender. Tais necessidades emanam de uma representação social que considera que eles são mais lentos, e, devido à dificuldade nos processos cognitivos, devem aprender menos conteúdo e que estes sejam mais simplificados, já que as abstrações são complicadoras dos processos de apropriação do conhecimento (FERREIRA, 2007, p. 102). 10 Essas e outras investidas nos dizem que, a depender do que lhe for oferecido na escola para o seu desenvolvimento e aprendizagem, o aluno com deficiência acabará evadindo da escola, interrompendo seu percurso educacional. Com base nisso, acrescentamos ao presente estudo, reflexões sobre estratégias a serem pensadas para o acesso de alunos com deficiência ao conhecimento, sem perder de vista, a necessidade de contarmos com o apoio dos pesquisadores que tratam dos seguintes assuntos: • Aprendizagem: um tema para reflexão; • Flexibilidade Curricular: um assunto em debate e adequações para acesso ao currículo, como possibilidade para o desenvolvimento do trabalho pedagógico na diversidade. APRENDIZAGEM: UM TEMA PARA REFLEXÃO Conforme Anache (2007) a aprendizagem deve ser entendida como um processo em que ocorre a interatividade enriquecida pelas diferentes formas de manifestações subjetivas, configuradas por questões individuais e coletivas, articuladas nos diferentes contextos sociais e institucionais. O caráter singular da aprendizagem vai nos obrigar a pensar em nossas práticas pedagógicas sobre os aspetos que propiciam o posicionamento do aluno como sujeito da aprendizagem, o que necessariamente vai implicar o aluno com suas experiências e ideias no espaço do aprender. Isso é conseguido não apenas com aspetos técnicos envolvidos na exposição de um conteúdo, mas como desenvolvimento de relações que facilitam o posicionamento ativo e reflexivo dos alunos [...] (REY, 2008, p. 38). Cabe acrescentar as necessárias mediações que ocorrem na vida dos seres humanos, como possibilidade de promover resultados impactantes em ações e no desenvolvimento da sua personalidade (ANACHE, 2007). Quanto ao papel de mediador por parte do professor, é valioso que a escola direcione seus propósitos, no sentido de “assegurar, mediante as ações e reflexões do professor, o envolvimento do aluno em seu próprio processo de aprendizagem. O aluno, e não o professor é quem é o sujeito do processo. O professor é o facilitador da aprendizagem” (MITIJANS E MARTINEZ apud REY, 2008, p. 41). As vivências a que estão submetidos os sujeitos e suas relações nos contextos 11 institucionais e sociais resultam na constituição da subjetividade e dos sistemas simbólicos e de sentido subjetivo, sendo esse último, integrante dos aspectos constitutivos da personalidade e dos conhecimentos de mundo. Os sentidos subjetivos constituem verdadeiros sistemas motivacionais que – diferente das teorias mais tradicionais da motivação – permitem-nos representar o envolvimento afetivo do sujeito em uma atividade, não apenas pelo seu vínculo concreto nela, mas como produção de sentidos que implica em uma figuração única, sentidos subjetivos, emoções e processos simbólicos resultantes de subjetivação que integram aspetos da história individual, como os diferentes momentos atuais da vida de cada sujeito concreto (REY, 2008, p. 34). Para isso, dentre outras emergências: A sala de aula tem que converter em um espaço de diálogo e reflexão. Para isso, podem ser empregadas opções diversas, como a discussão em pequenos grupos quando se trata de uma turma muito numerosa, a apresentação de painéis e mesas redondas seguidas de perguntas escritas ou orais aos apresentadores sobre o tema tratado, apresentação de filmes ou trechos de filmes com seu correspondente debate etc. Os professores devem estar conscientes que, sem a conquista do interesse do aluno, a aprendizagem nunca poderá transcender seu caráter passivo-reprodutivo (REY, 2008, p. 40). Apoiados em Anache (2007), ressaltamos que no processo de ensino- aprendizagem estão implicados o professor, o contexto institucional, a intencionalidade, e as estratégias necessárias para que a aprendizagem se desenvolva. O autor acrescenta que “[...] é imperioso construir processos de ensino com objetivos, recursos e estratégias diversificadas, para que a aprendizagem ocorra, o que implicaria a transformação de todos os envolvidos”. Com base nos estudos dessa pesquisadora, comungamos com a ideia de que os recursos relacionais nesse processo são elementos que devem ser alvo de destaque por parte dos educadores, cujo entendimento sobre esses recursos e os resultados da aprendizagem, nos leva a considerar o que nos apontam Anache e Martinez (2007, p. 47): O ser humano possui uma história social, na qual estão englobados elementos da cultura e uma história individual, os quais dizem respeito ao contexto relacional, que também é cultural, o que dificulta padronizar um tipo específico de comportamento para um determinado tipo de deficiência, ou seja, as reações frente à deficiência dependem não só das capacidades individuais do sujeito, mas também do que representa para seu ambiente familiar, escolar e social. 12 Nesse sentido, a educação com caráter interacional, configura-se em uma ação processual de construção e reconstrução de conhecimentos, resultantes das interações entre as pessoas, cada qual, com seus valores, ideias, percepções, interesses, capacidades, estilos cognitivos e aprendizagens. De tal modo, compreender o processo da aprendizagem de pessoas requer o rompimento com a homogeneização, pois cada aluno é único e tem uma forma de aprender. Isso significa pensar no quanto é necessário adentrar na escola a disseminação pelo respeito à diversidade, cuja significação remete a outras orientações às ações e ao Projeto Político Pedagógico da escola. Para tal, devemos entender que: A celebração da diversidade é um verdadeiro desafio, porque o modelo classificatório que pautou o último século da educação teve sempre por referencial o padrão, a uniformidade, a homogeneidade. Em virtude disso, nossas instituições de ensino foram e vêm sendo fortemente seletivas e excludentes, uma vez que se contrapõem à natureza própria do desenvolvimento humano – que tem sua origem na diversidade (HOFFMANN, 2005, p. 39). Aliado a essas considerações, deve-se buscar outras formas de pensar sobre cada uma dessas pessoas e de como ensiná-las. O aporte teórico torna possível que as situações de ensino e aprendizagem tenham sentido e sejam preparadas, modificadas, interrompidas [...] Procedimentos, apenas meios e circunstâncias para alcançar objetivos mais amplos, esses sim, norteadores de nossas ações educativas – o desenvolvimento e aprendizagem, necessários à inserção cultural (PADILHA, 2001, p. 82). Temos visto por parte de autores, tais como Glat (et al., 2007), bem como Ferreira (2007) e Anache (2007), o quanto atividades diversificadas, criativas, trabalho em grupo, pesquisas, aulas passeio e outras estratégias impactam positivamente em suas vidas, lembrando o seguinte: [...] em uma classe inclusiva, o professor terá que aprender como melhor lidar com as diferenças significativas entre os alunos. Conceitos que são considerados elementares para um determinado nível de raciocínio, para alunos que apresentam deficiência mental podem não ser. Além disso, muitas vezes, o professor avalia o aluno a partir de sua expectativa, não tendo o cuidado de analisar as hipóteses por ele apresentadas. Assim, uma resposta que parece sem lógica, com base nos processos cognitivos esperados, pode ter coerência para aquele aluno que está iniciando suas investidas no curso da sua vida acadêmica e que, dependendo da avaliação que seu professor fizer, terá ou não motivaçãopara continuar. Em outras 13 palavras, a lógica da aprendizagem é inerente ao processo que cada aluno percorre para alcançar conhecimento. Consequentemente, o professor deve saber valorizar os diferentes caminhos percorridos por todos os seus alunos, tenham eles uma necessidade educacional ou não (GLAT, et al. 2007, p. 89). Reconhece-se que, se bem planejadas, inúmeras atividades podem favorecer a aprendizagem dos alunos, mesmo os com deficiência, no entanto: [...] para ensinar em uma turma inclusiva, o professor precisa adotar uma postura flexível e criativa, revendo e transformando sua prática cotidianamente. Ele precisa estar muito atento aos seus alunos para reconhecer os conhecimentos que eles já dispõem e as necessidades educacionais que apresentam, e, a partir desses dados, elaborar formas alternativas de ensinar, que respondam às necessidades observadas. Nesse sentido, a avaliação deve ser resgatada como um relevante documento para identificar o que precisa ser repensado, e como corrigir as falhas no processo de ensino-aprendizagem. (GLAT et al., 2007, p. 94) Devemos reconhecer que a aprendizagem é um fato complexo e não acontece da mesma forma em todas as pessoas, ou, melhor dizendo, a maneira de aprender não é homogênea, isso significa afirmar que cada um tem formas diferentes de aprendizagem, de manifestação e de expor suas experiências. Também, devemos considerar que: Necessidade educacional especial não é uma característica homogênea fixa de um grupo etiológico também supostamente homogêneo, e sim uma condição individual e específica; em outras palavras, é a demanda de um determinado aluno em relação a uma aprendizagem no contexto em que é vivida. Dois alunos com o mesmo tipo e grau de deficiência podem requisitar diferentes adaptações de recursos didáticos e metodológicos. Da mesma forma, um aluno que não tenha qualquer deficiência, pode, sob determinadas circunstâncias, apresentar dificuldades para aprendizagem escolar formal que demandem apoio especializado (GLAT e BLANCO, 2007, p. 26-27). Em virtude de novas demandas e expectativas sociais, ligadas aos avanços da ciência e tecnologia, os profissionais da Educação Especial têm se voltado para a busca de novas formas de educação escolar com alternativas menos segregativas de absorção desses alunos pelos sistemas de ensino. Esse processo está em constante aceleramento, sobretudo, a partir dos anos 90, com o reconhecimento da Educação Inclusiva como diretriz educacional prioritária na maioria dos países, entre eles o Brasil (GLAT e BLANCO apud GLAT, 2007, p. 15-16). 14 Outra questão, diz respeito ao olhar unilateral que impede ao professor vislumbrar a heterogeneidade na deficiência, pois nenhuma pessoa com deficiência, ou com a mesma deficiência carrega consigo um único modelo ou características que os assemelhe ou que se traduzam como marca de identidade como se fosse a mesma pessoa, em nenhuma de suas manifestações ou em qualquer uma de suas atividades. Segundo nos informa Anache (2007), pela perspectiva histórico-cultural, a pessoa com deficiência deve ser considerada na sua singularidade e, além do mais, há que se considerar o social na construção da deficiência. Negada a essa pessoa, a convivência com seus pares, a escolarização, possibilidades de relações dialógicas, enfim, a vida em sociedade, é reduzi-la a sua deficiência, e impedir que as funções psicológicas superiores se constituam especialmente se forem negadas experiências nas relações humanas tão necessárias para o desenvolvimento dessas funções. [...] o processo de aprendizagem, que se exige no âmbito escolar, requer o amadurecimento das funções psicológicas superiores dos estudantes para a compreensão dos conceitos científicos, no entanto, esclarecemos que elas estão ainda incompletas, portanto sua estruturação depende da coletividade (ANACHE, 2007, p. 51). Cabe nesse momento lembrar que as funções mentais superiores foram lembradas na discussão do atendimento educacional especializado na Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008). As funções mentais necessárias para a aprendizagem humana são: atenção, sensação, percepção, memória, orientação, consciência, pensamento e linguagem. • Atenção: “Funções mentais específicas de concentração num estímulo externo ou numa experiência interna pelo período de tempo necessário” (OMS/CIF, 2003, p. 45). • Sensação: É a capacidade de captar estímulos por meio de receptores sensoriais e transformá-las em imagens ou sensações no sistema nervoso central. • Percepção: É um processo de natureza complexa. Ela começa pela análise da estrutura percebida, e recebida pelo cérebro, por meio de componentes ou pistas, e são, subsequentemente, codificadas e inseridas nos sistemas móveis correspondentes. 15 Esse processo de seleção e síntese é de natureza ativa e ocorre sob a influência direta das tarefas com que o indivíduo se defronta. Realiza-se com auxílio de códigos já prontos (especialmente códigos de linguagem) que servem para colocar o aspecto percebido no seu devido sistema e para conferir a ele um processo de comparação do efeito com a hipótese original, ou, em outras palavras, um processo de verificação da atividade perceptiva, tudo isso com apoio em (LURIA, 1981). A percepção humana é um complexo processo de codificação do material percebido que se realiza com a estrita participação da fala, e que a atividade perceptiva humana, portanto, nunca acontece sem a participação direta da linguagem (LURIA, 1981). Aspectos a serem considerados: − Capacidade de concentração; − Em quantos objetos é capaz de estar focada simultaneamente (distribuição); − Excitabilidade (quanto tempo demora para iniciar a atenção). • Memória: É a função psicológica que garante o elo temporal da vida psíquica, pois reflete o passado, no presente e nos permite a perspectiva de futuro. − Dimensões da Memória: Fixação: é a capacidade de gravar as informações. A qualidade desses registros depende de alguns fatores: interesses, atenção, compreensão, conhecimento prévio, quantidade de informação, via sensorial envolvida na percepção, condições físicas e emocionais, semelhança e diferença dos dados, número de repetições no tempo e tempo durante o qual se pretende fixar. Evocação: é a capacidade de atualizar os dados já fixados. Esquecimento é a incapacidade de evocar. Reconhecimento: É a capacidade de recordar uma imagem (engrama). 16 • Orientação: É uma das expressões de lucidez psíquica que depende, fundamentalmente, da integridade do estado de consciência, por meio da qual se identifica a capacidade de consciência temporoespacial. Pode ser: − Autopsíquica: (identidade pessoal e a relação com o grupo social); − Alopsíquica: Autolocalização da pessoa no tempo e situação (espaço). • Consciência: Capacidade do sujeito se dar conta do que está ocorrendo dentro e ao redor de si, ao alcance de seu sensório. As suas variações podem ser: continuidade, amplitude e claridade. • Pensamento: Formação de conceito e articular estes conceitos em juízos e com base nisso, construir raciocínios, de modo a solucionar com êxito os problemas com que se depara. Características do pensamento: − Capacidades de generalização. − Capacidades de identificar e distinguir nos fenômenos e objetos da natureza o que é essencial e o que é acessório. − Capacidades de utilizar o cabedal de conhecimentos acumulados para elaborar conceitos e construir raciocínios. Conceitos: É a capacidade de relacionar a palavra com seu significado e o seu significado entre si. Constituem o nível mais elementar das unidades estruturais do pensamento. Juízos: Eles representam uma possibilidade de relacionar os conceitos entre si. Por meio deles, afirma-se ou nega-sealgum atributo ou qualidade a um objeto ou 17 fenômeno. Os interesses, desejos, sentimentos e necessidades de uma pessoa influem sobre o seu julgamento. Raciocínio: a capacidade de concluir, podendo ser indutivo (particular para o geral), dedutivo (geral para o particular) e analógico (do conhecimento particular para o particular). Operações racionais: análise e síntese, generalização e sistematização, abstração, concreção e comparação. FUNÇÕES MENTAIS DA LINGUAGEM Funções mentais específicas de reconhecimento e utilização de sinais, símbolos e outros componentes de uma linguagem. Inclui: funções de recepção e decifração da linguagem oral, escrita ou outras formas de linguagem, como por exemplo, linguagem de sinais; funções de expressão da linguagem oral, escrita e de outras formas de linguagem escrita e de outras formas de linguagem: funções integrativas da linguagem oral e escrita, tais como aquelas envolvidas na afasia receptiva, expressiva, afasia de Broca, de Wernicke e de condução. Recepção da linguagem: funções mentais específicas de descodificação de mensagens na linguagem oral, escrita ou outra, como por exemplo, na linguagem de sinais, para obter o seu significado. Expressão da linguagem: funções mentais específicas necessárias para produzir mensagens com significado sob a forma de linguagem oral, escrita, por meio de sinais ou de outras formas. Funções da linguagem: funções mentais que organizam o significado semântico e simbólico, a estrutura gramatical e as ideias para a produção de mensagens em forma de linguagem oral, escrita ou outra. (OMS/CIF, 2003, p. 50). Sobre a importância do desenvolvimento das funções mentais superiores, Padilha, parafraseando Vygotsky nos diz: [...] é preciso criar instrumentos culturais (signos especiais), que consigam tirar o deficiente do desenvolvimento limitado das funções superiores. Para isso, os procedimentos pedagógicos devem ser organizados 18 para que tal desenvolvimento se dê por vias indiretas, por outros caminhos porque “a condição mais importante e decisiva do desenvolvimento cultural é precisamente a habilidade de empregar instrumentos psicológicos, que nessas crianças não é utilizada” (VYGOTSKY, 1988, p. 22 apud PADILHA, 2001, p. 122). Imbuídos do compromisso de desenvolverem nos alunos condições tais de desenvolvimento das funções superiores, dada sua importância para os processos cognitivos, os professores deverão direcionar suas práticas pedagógicas no sentido de alcançar tais resultados e, consequentemente, o sucesso na aprendizagem dos alunos. Ao mesmo tempo, devemos planejar ações, no sentido de favorecer o desenvolvimento dos processos superiores. Porém, “[...] nada disso poderá ser alcançado sem que o professor nutra expectativas positivas em relação ao seu aluno” (GLAT et al., 2007, p. 94). Dessa forma, pensar em práticas pedagógicas que resultem na aprendizagem das pessoas com deficiência é pensar, sobretudo, em mudanças conceituais e atitudinais para compreender as diferentes formas de aprendizagem, a fim de se desenvolver planejamentos e reordenamentos do trabalho pedagógico, de maneira a contemplar as pessoas com deficiência em seu desenvolvimento e aprendizagem. [...] tem havido uma forte tendência que reforça o apelo pelo trabalho pedagógico na diversidade. O princípio é de que as instituições educativas não se traduzem mais pelas figuras dos alunos e professores a partir de estereótipos desejáveis e idealizados. Fica cada vez mais difícil ignorar que os espaços educativos constituem-se de profunda e concreta diversidade – brancos, negros, índios, imigrantes, migrantes, pobres, ricos, homens, mulheres, sadios, deficientes, aidéticos, marginais, engajados socialmente, colonos, criminosos, solidários; enfim, todos os com e/ou sem alguma coisa, não mais padronizados e violentados pela lógica da identidade hegemônica (RESENDE, 2008, p. 18). Em se tratando de questões conceituais e atitudinais referentes à pessoa com deficiência, há de se reconhecer que não é tão simples romper com terminologias que as estigmatizaram. Não foram poucas as tentativas de mudança, no sentido de suavizar os efeitos sociais oriundos da carga semântica muito mais representativas das faltas, das incapacidades do que do sujeito atuante e capaz de responder por si, de fazer e de ser (AMARAL, 1995). Por isso, devemos pensar e refletir a aprendizagem das pessoas com deficiência, também, a partir das ponderações de cientistas socialistas, cujos 19 entendimentos nos levam a compreender o quanto é necessário investigar e identificar as formas sociais de agir sobre ele, ou seja, as formas sociais de contornar as dificuldades que impõe, ampliando o seu potencial criador (TUNES, 2003). Essa busca implica de imediato a não exclusão da pessoa que apresenta a anomalia das atividades que valorizamos socialmente. De outro modo, não termos como descobrir as formas de contornar as dificuldades que ela impõe na realização daquelas atividades. Logo, as barreiras secundárias ao desenvolvimento intelectual, criadas pela exclusão não se farão sentir (TUNES, 2003, p.10). Além dessa questão, quanto ao funcionamento dos sujeitos, nos apoiamos no que diz Vygotsky (1997), que afirma que o defeito primário é de origem biológica e o defeito secundário resulta das aquisições e construções ocorridas nas relações sociais. Por isso, ao pensar nas pessoas com deficiência e os impactos e indagações que as acompanham na sociedade, o ideal seria desenvolver um trabalho, no sentido de evitar que os defeitos primários se transformassem em defeitos secundários, o que requer ações imediatas, a fim de eliminar todas as formas de fragilidades causadas pela interpretação dada ao sujeito em situação de deficiência. Em decorrência disso, esse sujeito é culpabilizado pelo insucesso da escola ou pelo fracasso na aprendizagem, geralmente, justificado por disfunções intrínsecas, deficiências ou problemas sociais que afetavam as possibilidades de aprender (GLAT, 2007, p. 23). Segundo Anache (2007), os seres humanos formam um todo complexo e são dotados de um conjunto histórico-social, cultural e individual e isso dificulta as padronizações, mesmo que as pessoas possuam a mesma deficiência. Cada um carrega consigo histórias familiares, escolares e sociais. A complexidade, diversidade e singularidade dos processos de aprendizagem e desenvolvimento humanos demandam ações diversificadas e criativas se a pretensão é realmente promovê-los de forma afetiva. A consideração dos sujeitos como singulares implica o reconhecimento da diversidade presente na sala de aula e a exigência de uma atuação diversificada em virtude das múltiplas situações de aprendizagem e desenvolvimento que o professor tem que promover e gerenciar (MARTINEZ, 2008, p. 73). Outro aspecto levantado por Anache (2007) diz respeito à perspectiva histórico- cultural que não limita as funções da aprendizagem apenas à aquisição de habilidades, mas contém uma organização intelectual que articula descobertas, soluções e ações em outras tarefas ou situações. 20 Trabalhar a partir de uma representação do espaço de sala de aula como um espaço de diversidade educativa exige dos educadores e psicólogos o desenvolvimento de novos conhecimentos, novas competências e muita criatividade, porém, precisamente nesse esforço de experimentação, de fracassos e acertos, é que a inclusão pode devidamente ser construída (MITJÁNS e MARTÍNEZ, 2005, p. 101 apud ANACHE, 2007). Com isso, podemos entender que o sucesso da aprendizagem das pessoas com deficiência tem implicações nas práticas pedagógicas que demandam recursos e estratégias diversificadas e alicerçadas nas transformações escolares envolvendo aspectos relacionais, e, com tais disposições, promover a rupturas com as formas tradicionaisdos processos de ensino-aprendizagem. As práticas curriculares tradicionais desenvolvidas nas escolas, com seus correspondentes procedimentos de avaliação, vêm fazendo mais que apenas excluir: criam subjetividades que se desenvolvem sob a égide da exclusão. Isto afeta vidas humanas: disposições, atitudes, sensibilidade e, naturalmente, habilidades, aprendizagens, desempenho escolar (OLIVEIRA e MACHADO, 2007, p. 48). Com essa leitura, introduzimos a discussão sobre um estudo divulgado pelos órgãos oficiais, envolvendo a temática flexibilidade curricular como um dos pressupostos. FLEXIBILIDADE CURRICULAR: UM ASSUNTO EM DEBATE O que significa pensar em flexibilidade curricular ao mesmo tempo em que discutimos a educação inclusiva? Identificamos nas leituras realizadas, a expressão flexibilização curricular, como temática presente nas políticas públicas educacionais, bem como, nos saberes e práticas a serem desenvolvidos na escola impregnada pelas necessidades de adequações do currículo para a efetivação da inclusão educacional. Garcia (2007), como resultado de análise documental, nos diz que o termo flexibilidade curricular está presente em sete documentos publicados entre 1994 e 2004. Cinco desses documentos são fontes nacionais publicadas pelo Ministério da Educação, por meio da Secretaria de Educação Especial (SEESP) e da Secretaria de Ensino Fundamental (SEF) e também do Conselho Nacional de Educação (CNE) e sua Câmara de Educação Básica (CEB). As duas fontes internacionais foram publicadas pela UNESCO. 21 Dos estudos realizados por Garcia (2007), o conceito de flexibilidade, em tais documentos, transmite alguns sentidos, por exemplo: qualidade, inclusivo, inovação, não tradicional, não rígido, não homogêneo, dinamicidade, movimento, atendimento ao local. Por outro lado, tais estudos nos deixaram o entendimento que tais ideias possibilitam um imaginário que comunga currículo flexível a um trabalho pedagógico inclusivo, dinâmico, inovador, que atenda não só a diversidade humana, mas a identidade cultural local. Dessa forma, o currículo e o trabalho pedagógico deverão promover rupturas, no sentido de: Sair da camisa de força de um paradigma nivelador para desencadear teorias e práticas que sustentem um trabalho pedagógico atrelado a questões de gênero, saúde, escolhas sexuais, nacionalidade, multiculturalismo, religiosidade, força da mídia e dos artefatos culturais, processos de significação e disputas, novas comunidades, entre tantas outras, aos chamados conteúdos escolares e para além de chavões e discursos festivos e superficiais. Esse parece ser o maior e mais desafiante dos compromissos dos profissionais da educação (RESENDE, 2008, p. 19). Da Declaração de Salamanca, Garcia (2007) foi buscar algumas ideias sobre a temática flexibilidade, extraindo três delas, quais sejam: • Sistemas educacionais flexíveis e adaptados para atender às diferentes necessidades educacionais e contribuir para a educação e a inclusão. • Currículos adaptados às crianças e não o contrário • Estratégias de flexibilidade: diversificar opções de aprendizagem, favorecer a ajuda entre as crianças, e oferecer suportes necessários à aprendizagem e à convivência familiar e comunitária às pessoas com deficiência. Resumidamente, apresentamos ideias principais extraídas dos estudos de Garcia (2007), uma vez que a flexibilidade curricular está presente na Coletânea Saberes e Práticas da Inclusão (2005) publicada pelo Ministério da Educação, do qual extraímos a seguinte leitura “[...] o principal objetivo da educação é o de estabelecer um modelo operacional flexível com uma estrutura aberta que dê suporte a uma educação adequada ao momento do desenvolvimento em qualquer ambiente onde a criança esteja” (BRASIL, 2005, p. 14). Quanto aos saberes e práticas referidas no documento, são elementos que se 22 encontram alicerçados nos seguintes princípios e fundamentos: identidade, onde a pessoa humana é vista nos aspectos afetivo, intelectual, moral e ético; gestão democrática e descentralizada; sensibilidade estética, ou seja, convivência com as diferenças; a diversidade; redes de apoio e construção de solidariedades, formação continuada dos professores e articulação entre estes e os professores especializados. O projeto pedagógico da escola como espaço inclusivo para a diversidade pensa na aprendizagem de forma coletiva, priorizando as relações entre as pessoas, a escola, as famílias e a comunidade. Programas de educação da criança do nascimento aos seis anos que funcionam em um contexto centrado na participação da família e da comunidade podem (BRASIL, 2005, p. 9): • Promover ganhos de desenvolvimento e educacionais. • Reduzir sentimentos de isolamento, estresse e frustração que as famílias podem vivenciar. • Ajudar a criança com alteração ou atraso no desenvolvimento a se tornar uma pessoa produtiva e independente. • Reduzir custos futuros com educação especial, reabilitação e cuidados com a saúde. Além do mais, o enfoque de que as necessidades educacionais especiais dos alunos com deficiência deverão constar como pauta de discussão da comunidade escolar e, portanto, inscritas no Projeto Político Pedagógico da escola, interpretado nos “Parâmetros Curriculares: adaptações curriculares – estratégias para alunos com necessidades educacionais especiais” como um direcionador da Educação Inclusiva na escola resguardando os seguintes aspectos (BRASIL, 1999, p. 32): • Atitude favorável da escola para diversificar e flexibilizar o processo de ensino-aprendizagem, de modo a atender às diferenças individuais dos alunos; • Identificação das necessidades educacionais especiais para justificar a priorização de recursos e meios favoráveis a sua educação; • Adoção de currículos abertos e propostas curriculares diversificadas, em lugar de uma concepção uniforme e homogeneizadora de currículos; • Flexibilidade quanto à organização e ao funcionamento da escola para atender à demanda diversificada dos alunos; 23 • Possibilidade de incluir professores especializados, serviços de apoio e outros não convencionais, para favorecer o processo educacional. Dessa forma, as escolas de Ensino Fundamental e os Centros de Educação Infantil devem integrar cuidado, educação e socialização, autonomia, desenvolvimento de competências, participação na vida cultural da comunidade, ensino e aprendizagem. Os princípios básicos que sustentam tais iniciativas, com um parêntese específico para a criança na educação infantil, alicerçam-se nos seguintes aspectos (BRASIL, 2005, p. 11): • Acreditar que o acesso a uma educação de qualidade nos primeiros anos de vida da criança é um direito universal. • Reforçar a ideia de que uma educação de qualidade nos primeiros anos de vida beneficia a criança, sua família e a sociedade. • Garantir que toda criança vivencie um ambiente enriquecido que reconhece e incorpora os seus valores culturais e linguísticos. • Garantir o direito de toda criança de ser feliz, saudável e de ter o seu potencial desenvolvido em um ambiente que a respeita e provê cuidados essenciais. Tais instituições devem saber que a sala de aula com princípios inclusivos requer diferentes dinâmicas, estratégias de ensino que contemplem a todos os alunos, sem discriminação e, ainda, complementação, adequação e suplementação curricular, quando necessários. No que diz respeito ao aspecto valorativo do referido documento oficial (BRASIL, 1999), Oliveira e Machado, o consideram como reconhecedor da diversidade na escola, à qual alguns caminhos são apontados, dentre eles: • Proposta pedagógica que privilegie a interação; • Reconhecimento das capacidades dos alunos; • Conteúdos sequenciados e adequados aos ritmos e aprendizagens; • Utilização de metodologias diversificadas e motivadoras; • Opção porum paradigma de avaliação processual e emancipadora. 24 Como condições essenciais e prioritárias, é necessário organizar o espaço, eliminando barreiras arquitetônicas (escadas, depressões, iluminação adequada), mobiliários, seleção de materiais, adaptações nos brinquedos e jogos. No que diz respeito à eliminação de barreiras conforme mencionado anteriormente, cabe lembrar o que preconiza o Decreto 5.296 de 2 de dezembro de 2004, documento pelo qual a acessibilidade é definida como o artigo 8º: Condição para utilização, com segurança e autonomia, total ou assistida, dos espaços, mobiliários e equipamentos urbanos, das edificações, dos serviços de transporte e dos dispositivos, sistemas e meios de comunicação e informação por pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida (BRASIL, 2004). Conforme nos aponta Glat et al. (2007, p. 55), podemos definir acessibilidade como: [...] a eliminação ou redução das barreiras. Essas, por sua vez, consistem em qualquer entrave ou obstáculo que limite ou impeça o acesso, a liberdade de movimento, a circulação com segurança e a possibilidade das pessoas se comunicarem e terem acesso à informação. Podem ser, portanto, urbanísticas, envolvendo as edificações, espaços de circulação e os transportes, bem como referentes aos sistemas de comunicação e informação. Cada vez mais, conforme estatística oficial, alunos com deficiência estão nas escolas comuns, dentre Centros de Educação Infantil e escolas de Ensino Fundamental. Com isso, os educadores de crianças com qualquer deficiência devem admitir que, independentemente de condições físicas, sensoriais, cognitivas ou emocionais, possuem as mesmas necessidades básicas, afeto, cuidado, proteção, desejos, sentimentos que os alunos considerados sem deficiência. E, ainda mais, podem conviver, interagir, trocar, aprender, trocar, brincar e serem felizes, não necessariamente iguais entre si e nem em relação às outras crianças, mas do seu próprio jeito. Para isso, é fundamental que, além da escuta e do olhar para os alunos como pessoas com as características, anteriormente citadas, da atenção que necessita, e, também, que seja percebido pela escola o professor com suas necessidades de apoio e da parceria dos demais colegas do corpo docente e das famílias, uma vez que isso fortalece e enriquece as ações educacionais e possibilita um planejamento focado na cooperação. Isso poderá possibilitar atenção às reais necessidades dos alunos e, sobretudo, aos desejos e sentimentos, expressos nas suas diferentes formas de ação e de manifestação, no meio real da escola, participando com os alunos sem 25 deficiência. Com isso, será possível pensar em formas alternativas de promover o acesso à aprendizagem com menores ou sem restrições. ACESSO AO CURRÍCULO – ADEQUAÇÕES Os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1999) apontam currículos abertos e flexíveis para melhor atenderem à diversidade, bem como a propostas diversificadas e flexíveis. Além disso, recomendam o mesmo currículo para todos os alunos, porém que deva ser adequado às necessidades, capacidades e diferenças individuais. Utiliza um conceito amplo de currículo que, elaborado a partir do projeto político- pedagógico escolar, se associa à identidade da instituição escolar, à sua organização e funcionamento e ao papel que exerce, a partir das aspirações e expectativas da sociedade e da cultura. Inclui as experiências postas à disposição dos alunos, planificadas no âmbito da escola, com o objetivo de propiciar o desenvolvimento pleno dos educandos. Sua ênfase não é nas peculiaridades individuais de aprendizagem de cada aluno, porém na flexibilização da prática educacional para atender a todos (OLIVEIRA e MACHADO, 2007, p. 40). Nesse contexto, identifica-se a adequação curricular que implica dinamizar a oferta da educação para todos e o redimensionamento e a flexibilização da prática pedagógica, de tal forma, que os alunos independentemente de suas necessidades educacionais especiais possam conquistar seu espaço, na escola e na sociedade, bem como progresso e sucesso na vida estudantil. A organização e a estruturação do currículo para crianças com necessidades educacionais especiais, assim como a de todos os alunos, devem pensar na formação pessoal e social (autonomia, identidade, brincar, movimento e conhecimento de si e do outro); conhecimento de mundo (diferentes formas de linguagem e expressão, artes, música, linguagem oral, escrita, matemática, conhecimento da natureza e da sociedade). Para isso, os Parâmetros apontam as adaptações curriculares, entendidas como sequência de ações sobre o currículo comum que conduzem à modificação de um ou mais elementos (MANJON, 1995 apud BRASIL, 2005). Tanto nesse documento como no documento Saberes e Práticas da Inclusão (BRASIL, 2005) constam orientações sobre duas formas de adaptações, quais sejam, 26 as pouco significativas e as significativas, sobre as quais falaremos na sequência. Mas, antes disso, acrescentamos que existem tendências contrárias às práticas das adaptações curriculares, alegando que: É impossível criar um currículo modificado para o desenvolvimento cognitivo específico de determinados grupos de alunos, devendo haver apenas recursos técnicos de acessibilidade para esses. Argumentam que é muito grande a diversidade de características, o que demandaria a criação de adaptações, mas de “múltiplos currículos”, sendo implementados concomitantemente. Afirmam, ainda, que não há qualquer diferença na estrutura mental ou na forma de aprendizagem dos membros dos referidos grupos. Por isso defendem a existência de um currículo único e a realização para todos os alunos da avaliação diagnóstica da estrutura cognitiva (nível de abstração, concentração e generalização, conceitos previamente construídos e motivações, por exemplo). Deste patamar partiria o desenho curricular adequado (OLIVEIRA E MACHADO, 2007, p. 39 e 40). Por outro lado, há os que defendem as adaptações curriculares, e, ao mesmo tempo entendem que: [...] o desenvolvimento de um currículo único, sem adaptações para atender às diversidades, pode acentuar as práticas excludentes, agora sob a forma de descaso e do abandono destes alunos ao “fundo da sala de aula” e aos perigosos rótulos das “dificuldades de aprendizagem”. Argumentam que é fundamental a criação de uma escola inclusiva, aquela que é tão flexível a ponto de acolher a todos, oferecendo as adaptações curriculares necessárias para que sejam atendidos. Complementam afirmando que as adaptações curriculares não criam “vários currículos”, este continua sendo único (OLIVEIRA E MACHADO, 2007, p. 40). Enquanto isso, dentre as adaptações discutidas, as consideradas pouco significativas compreendem pequenos ajustes ou modificações, adequações na sala de aula que poderão ser providenciadas pelo próprio professor, sem demandar definições de nível macro do sistema de ensino, e têm como objetivo favorecer o processo de ensino e aprendizagem de todos os alunos, conforme comentado na sequência: - Organização de Agrupamentos, de Didática, do Tempo e do Espaço - Nesse item, recomenda-se a organização de conteúdos e objetivos diversificados que atendam aos interesses de todos e às necessidades especiais. Compreende recursos e materiais específicos, modificação de agrupamentos, do espaço, do tempo, organização da rotina às brincadeiras e às situações de aprendizagem. O espaço, por 27 sua vez, deve favorecer a movimentação dos alunos, a escola, para tal, deve possuir mobiliários adequados e interativos, bem como brinquedos e mobiliários adaptados. É importante que tudo seja planejado na perspectiva das ajudas técnicas, cujo entendimento foi expresso no Parecer CNE/CEB n. 17/2001, p. 33: Todos os alunos, em determinado momento de sua vida escolar podem apresentarnecessidades educacionais especiais, e seus professores em geral conhecem diferentes estratégias para dar respostas a elas. No entanto, existem necessidades educacionais que requerem, da escola, uma série de recursos e apoios de caráter mais especializados que proporcionem ao aluno, meios para acesso ao currículo. Para a eficácia de tal planejamento, ainda, conforme orientações constantes do documento (BRASIL, 2006b), é necessário (2006b, p. 12-44): • Entender a situação que envolve o estudante − Escutar seus desejos. − Identificar características físicas, psicomotoras. − Observar a dinâmica do estudante no ambiente escolar. − Reconhecer o contexto social. • Gerar ideias − Conversar com usuários (estudante/família/colegas). − Buscar soluções existentes (família/catálogo). − Pesquisar materiais que podem auxiliá-los. − Pesquisar alternativas para confecção do objeto. • Escolher a alternativa viável − Considerar as necessidades a serem atendidas (questões do educador/aluno). − Considerar a disponibilidade de recursos materiais para a construção do objeto – materiais, processo para confecção, custos. • Representar a ideia (por meio de desenhos, modelos, ilustrações). − Definir materiais. 28 − Definir as dimensões do objeto – formas, medidas, peso, cor, etc. • Construir o objeto para experimentação − Experimentar na situação real de uso. • Avaliar o uso do objeto − Considerar se atendeu o desejo da pessoa no contexto determinado. − Verificar se o objeto facilitou a ação do aluno e do educador. • Acompanhar o uso − Verificar se as condições do aluno mudam com o passar do tempo e se há necessidade de fazer alguma adaptação no objeto. − Os recursos sugeridos no referido documento compreendem, dentre outros: dominó de cores, de quantidade, em relevo, de Figuras Geométricas, de Texturas, Quebra-cabeça de Cubos, e outros; Caixa de Estímulos Jogos diversos (memória, adivinhação; Tangram Imantado; Ábaco de Argolas; Multiplicação em Pizza, Suporte para Lápis, etc). - Adaptações de Objetivos e Conteúdos: evidenciam-se os jogos corporais para o movimento, atividades de comunicação e expressão, brincadeiras espontâneas, individuais ou em grupos, situações de trabalho que exercitem o ouvir o outro, atividades de contar histórias e teatro. Alguns alunos poderão necessitar de maior apoio na interação, na comunicação, na observação do meio, na concretização e formação de conceitos. É importante ressaltar que, há autores que recomendam eliminação de objetivos e conteúdos, enquanto que outros rejeitam tais sugestões. - Modificação na Temporalidade: é sabido que cada criança tem um tempo diferente para aprender, para se desenvolver. Em se tratando de crianças com deficiência, estas poderão necessitar de mais tempo para construir vínculos afetivos, para sentirem segurança em si e nos outros, para relacionar-se, para interagir com os colegas e com a professora. Dessa forma, é importante que o tempo que os alunos necessitarem, tanto nas situações de aprendizagem como nas situações relacionais, seja concedido, o que é mais recomendável do que a eliminação de objetivos e de 29 conteúdos. - Adequações nos Procedimentos Didáticos e nas Atividades: ajustes, enriquecimentos ou modificações feitas nos procedimentos didáticos, metodológicos e nas práticas pedagógicas, objetivando o ensino e a aprendizagem. Exemplo: comunicação alternativa para crianças que não falam, atividades mais dinâmicas e interativas, como: jogos, recursos de apoio visual, auditivo, gestual, gráfico e materiais manipulativos. A primeira ideia que geralmente se tem do conceito de comunicação é que nos comunicamos por palavras e pela fala. Por meio da fala manifestamos sensações, sentimentos, trocamos informações, enfim, conhecemos o outro e nos deixamos conhecer. Porém, a comunicação entre pessoas é bem mais abrangente do que podemos expressar por meio da fala, ou seja, o ser humano possui recursos verbais e não verbais que na interação interpessoal, se misturam e se completam. Assim, ao falarmos, podemos, por exemplo, sorrir, demonstrando agrado, concordar ou discordar por um simples gesto, como balançar a cabeça, utilizar gestos para complementar o que falamos ou, simplesmente, demonstrar interesse ou desinteresse por aquilo que está sendo falado (BRASIL, 2006a, p. 3) Sabemos que a comunicação entre duas pessoas é extremamente importante e que a expressão facial constitui-se numa poderosa aliada nesse processo, uma vez que tem o poder de transmitir informações, assim como estados emocionais, os quais podem ser evidenciados em diversas situações, tais como, pelo interesse, alegria, tristeza, raiva, medo, nojo e tantas outras. São constatados, entre as pessoas com deficiência, casos que apresentam problemas de fala, inclusive com prejuízos na expressão e na comunicação. Casos de alunos com paralisia cerebral, com inteligência preservada, mas com dificuldades no percurso escolar, motivado pela ausência de articulação ou produção da fala. A grande questão pode resumir-se em: como fazer com que esses alunos superem tais dificuldades e se beneficiem pelo processo ensino-aprendizagem? Vem daí, a importância do investimento na comunicação alternativa. Em educação especial, a expressão comunicação alternativa e/ou suplementar vem sendo utilizada para designar um conjunto de procedimentos técnicos metodológicos direcionados a pessoas acometidas por alguma doença, deficiência, ou alguma situação momentânea que impede a comunicação com as demais pessoas por 30 meio dos recursos usualmente utilizados, mais especificamente a fala (BRASIL, 2006a, p. 4). Sempre que necessário, deve-se selecionar as atividades, diminuindo as dificuldades, removendo barreiras, partindo-se de elementos e fatos conhecidos, oferecer apoios, modificando, sempre que necessário, a sequência das atividades. - Adaptações Avaliativas: avaliação pedagógica processual, formativa e contínua de todos os alunos com registros dos conhecimentos adquiridos, habilidades e competências, bem como das dificuldades encontradas pelos alunos no desenvolvimento das atividades. A avaliação como prática reflexiva permite ao professor repensar as qualidades de experiências oferecidas aos alunos, as atividades, a qualidade do planejamento educacional, a adequação dos objetivos, e materiais às particularidades de cada aluno. ADAPTAÇÕES CURRICULARES SIGNIFICATIVAS O currículo escolar no contexto da educação inclusiva deverá ser pensado, de tal forma, a propiciar espaços de múltiplas convivências, de conhecimentos e trocas variadas, diferentes linguagens, identidades, socialização, aprendizagens e desenvolvimento da autonomia de todos os alunos, inclusive alunos com deficiência. Um currículo na perspectiva da Educação Inclusiva considera que os conteúdos a serem trabalhados em classe não são apenas um fim em si, mas um meio para o desenvolvimento das estruturas afetivo-cognitivas dos alunos. O currículo não deverá priorizar a quantidade de conteúdo em detrimento do trabalho de qualidade, e o professor precisa levar em conta os diferentes ritmos de aprendizagem e habilidades individuais de cada aluno (OLIVEIRA e MACHADO apud GLAT, 2007, p. 36). As Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (BRASIL, 2001), recomendam suplementação ou complementação curricular, a depender das necessidades educacionais e de características de cada aluno. Aos alunos com graves comprometimentos mentais ou múltiplos essas diretrizes apontam como alternativa o currículo funcional, a fim de que sejam atendidas as necessidades práticas de vida dos alunos. Mas qual o significado do currículo funcional? Alguns programas, devido à expressividade das adaptações curriculares efetuadas, podem ser encarados como currículos especiais.Comumente envolvem atividades relacionadas ao desenvolvimento de habilidades básicas; à consciência de 31 si; aos cuidados pessoais e de vida diária; ao treinamento multissensorial; ao exercício da independência e ao relacionamento interpessoal, dentre outras habilidades adaptativas. Esses currículos são conhecidos como funcionais e ecológicos e sua organização não leva em conta as aprendizagens acadêmicas que o aluno revelar impossibilidade de alcançar, mesmo diante dos esforços persistentes empreendidos pela escola (BRASIL, 1999, p. 63). Ainda nesse documento consta que: Tanto o currículo como a avaliação devem ser funcionais, buscando meios úteis e práticos para favorecer: o desenvolvimento das competências sociais; o acesso ao conhecimento, à cultura e às formas de trabalho valorizadas pela comunidade; e a inclusão do aluno na sociedade (BRASIL, 2001, p. 58). No que se refere à proposta constante nas adaptações curriculares significativas entendemos que modificações acentuadas nos conteúdos e nos objetivos, no planejamento individual e coletivo. Indica-se, ainda, a utilização de métodos complementares e alternativos, modificações acentuadas na avaliação, no espaço, mobiliário e equipamentos, adaptações que merecem ser discutidas e avaliadas continuamente em todo o contexto da escola, com os necessários apoios e orientações ao professor, o qual deve considerar em seu planejamento que “cada necessidade é única e, portanto, cada caso deve ser estudado com muita atenção. A experimentação deve ser muito utilizada, pois permite observar como a ajuda técnica desenvolvida está contemplando as necessidades percebidas” (BRASIL, 2006a, p. 10). O conceito de ajuda técnica, de acordo com o que foi especificado no Item V do Decreto no. 5296, de 2 de dezembro de 2004, é o seguinte: [...] os produtos, instrumentos, equipamentos ou tecnologia adaptados ou especialmente projetados para melhorar a funcionalidade da pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida, favorecendo a autonomia pessoal, total ou assistida [...]. A respeito das adaptações curriculares, no entanto, essas têm sido motivo de críticas por autores, tais como, Mantoan (2007), entendidas pela autora como mais um equívoco no encaminhamento dos pressupostos da educação inclusiva e do acesso dos alunos com deficiência aos saberes escolares. Certo é que, algumas providências por parte das escolas e dos sistemas de ensino merecem ser lembradas para que a educação inclusiva aconteça com sucesso, tomando-se como exemplo as parcerias interinstitucionais, ressaltando a escola, a sociedade e as famílias. Outra questão, diz respeito à provisão e previsão dos apoios 32 pedagógicos especializados, tanto por parte dos professores itinerantes, como das salas de recursos. Qual o significado do apoio nesse contexto? [...] recursos e estratégias que promovem o interesse e as capacidades da pessoa, bem como oportunidades de acesso a bens e serviços, informações e relações no ambiente em que vive. O apoio tende a favorecer a autonomia, a produtividade, a integração e a funcionalidade no ambiente escolar e comunitário (BRASIL, 1999, p. 53). Os apoios, portanto, devem ser previstos e provisionados em todas as situações de vida e nos diferentes contextos relacionais da pessoa com deficiência, os quais, dentre outros, podemos identificar os seguintes (BRASIL, 1999, p. 54): − As pessoas: familiares, amigos, profissionais, colegas, monitores, orientadores, professores (itinerantes, de sala de recursos, de apoio); − Os recursos físicos, materiais e ambientais; − As atitudes, os valores, as crenças, os princípios; − As deliberações e decisões políticas, legais, administrativas; − Os recursos técnicos e tecnológicos; − Os programas e serviços de atendimento genérico e especializados. A concessão dos apoios demandam providências e agilizações, cujas decisões para o seu planejamento devem considerar (BRASIL, 1999, p. 54): − As áreas prioritárias a serem apoiadas; − A identificação dos tipos mais eficientes de apoio em função das áreas e aspectos definidos; − As situações em que o apoio deve ser prestado: dentro ou fora da sala de aula, em grupo ou individualmente, prévia ou posteriormente às atividades de ensino- aprendizagem regulares; − As funções e tarefas dos diferentes profissionais envolvidos na prestação do apoio, bem como os papéis de cada um nas situações de aprendizagem do aluno. E, ainda, para que a aprendizagem aconteça, fazem-se necessários, investimentos na formação continuada dos professores, a fim de alimentarem uma prática pedagógica que permita a aprendizagem de todos os alunos, conciliando ações 33 coletivas e o respeito à individualidade e às diferentes manifestações e características de aprendizagem. O valor das mudanças e das novidades introduzidas no trabalho pedagógico está dado, essencialmente, pela sua significação para a aprendizagem e desenvolvimento dos alunos: envolvimento com o processo de aprender, aprendizagem significativa, aquisição de habilidades e competências, superação de dificuldades escolares, desenvolvimento de outros importantes elementos da subjetividade como valores, autovalorização adequada, projetos, capacidade de reflexão, criatividade, etc. (MARTINEZ, 2008, p. 73). É pertinente que sejam pensadas, estimuladas e construídas redes de apoio, de trocas de informações, de experiências, de saberes e de reflexões sobre o fazer pedagógico, estudos, pesquisas e de relações dialógicas para a ocorrência da aprendizagem significativa e de forma coletiva. O trabalho coletivo e diversificado nas salas de aula é compatível com a vocação das escolas de formar as novas gerações. É nos bancos escolares que aprendemos a viver entre os nossos pares, a dividir responsabilidades e repartir tarefas. O exercício dessas ações desenvolve a cooperação, o sentido de se trabalhar e produzir em grupo, o reconhecimento da diversidade dos talentos humanos e a valorização do trabalho de cada pessoa para a obtenção de metas comuns de um mesmo grupo (BRASIL, 2007, p. 49). Quanto às redes de apoio acima mencionadas, sobretudo, não podem ser pensadas sem o envolvimento dos pais e dos recursos disponíveis na comunidade e, sobretudo, das pessoas com deficiência que devem ser ouvidas em suas necessidades, em todos os aspectos relacionados com suas necessidades vitais. 34 REFERÊNCIAS ALMEIDA, Maria Amélia. Deficiência mental: Apresentação e Análise da Definição Proposta pela AAMR em 2002. In: APAE Ciência: Revista Científica. v. 2 n. 1.Campo Grande, MS: UFMS, 2005. AMARAL, Lígia Assumpção. Conhecendo a Deficiência (em Companhia de Hércules). Série Encontros com a Psicologia. 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