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1 Brenda Araújo (@brendaraujo____) – Odontologia, UFPE Processos Patológicos Gerais Imunopatologia é o estudo de lesões e doenças produzidas pela resposta imunitária e podem ser agrupadas nas seguintes categorias: 1. Doenças por hipersensibilidade; 2. Doenças autoimunes; 3. Imunodeficiências; 4. Rejeição de transplantes. Os mecanismos pelos quais a reação imunitária produz lesões são absolutamente os mesmos que ela utiliza para responder a um invasor e proteger o organismo. Assim, anticorpos exercem efeitos lesivos no hospedeiro porque podem: 1. Inibir ou neutralizar a ação de moléculas importantes biologicamente (anticorpos, anti-insulina no diabetes); 2. Reconhecer epítopos em receptores, levando à sua estimulação ou inibição (anticorpos antirreceptor de TSH que estimulam a tireoide no hipertireoidismo idiopático); 3. Reconhecer epítopos em células ou no interstício, lesando-os por ativação do complemento (anticorpos antieritrócitos em anemias hemolíticas autoimunes); 4. Localizar-se sobre mastócitos e basófilos (anticorpos citotrópicos) e induzir liberação de mediadores responsáveis por alterações funcionais e morfológicas (mecanismo básico das doenças alérgicas mediadas por IgE). Por outro lado, resposta celular causa lesões por ação de linfócitos T inflamatórios e T citotóxicos; os primeiros atraem e ativam macrófagos, e os últimos matam células por reconhecerem nas suas membranas epítopos associados a moléculas MHC I. As imunopatologias são controladas a partir da diminuição da resposta imune (imunossupressão) e controle de fatores externos, como o estresse (diminui a atividade do sistema imunológico). HIPERSENSIBILIDADE Hipersensibilidade (HSB) é um exagero na indução e na efetuação da resposta imunitária, provocando dano/doença. Esse processo reflete um desequilíbrio entre os mecanismos efetores de respostas imunes e os mecanismos de controle que servem normalmente para limitar tais respostas. Quase sempre, há participação também de um componente genético do indivíduo ou de uma particularidade nas propriedades do antígeno ou interferência de adjuvantes. Os mecanismos básicos de agressão imunitária aos tecidos se dão por hipersensibilidade e podem ser classificados nos seguintes grupos: 1. HSB do tipo I, decorrente de anticorpos citotrópicos (IgE); 2. HSB tipo II, mediada por anticorpos que ativam o complemento; 3. HSB tipo III, possui envolvimento na deposição de imunocomplexos; 4. HSB tipo IV, associada à imunidade celular. HIPERSENSIBILIDADE DO TIPO I Doenças por hiperprodução de IgE São hipersensibilidades por hiperprodução de IgE, comumente conhecidas como alergias ou doenças anafiláticas, podendo ser localizadas (anafilaxia localizada) ou sistêmicas (choque anafilático). Asma brônquica, rinite alérgica, dermatite atópica (urticária) e alergia alimentar são os exemplos mais comuns de anafilaxias localizadas. Todos os estados anafiláticos dependem de: 1. Contato com um antígeno exógeno em dose e via adequadas para ativar linfócitos Th2, os quais produzem: IL-4, que induz diferenciação de linfócitos B para a produção de IgE; e IL-3 e IL-5, que promovem 1 Brenda Araújo (@brendaraujo____) – Odontologia, UFPE Processos Patológicos Gerais proliferação e ativação de eosinófilos. Uma vez sintetizada, a IgE localiza-se em receptores de mastócitos e basófilos. Nessas circunstâncias, fala-se que o organismo está sensibilizado; 2. Contato desencadeante com o antígeno sensibilizador, denominado alérgeno, que se difunde e encontra IgE na superfície de mastócitos; 3. Ativação de mastócitos e/ ou basófilos por ligação do alérgeno a duas moléculas de IgE, cruzando-as, o que provoca liberação dos produtos dos grânulos e síntese de mediadores lipídicos. Produtos dos grânulos (geralmente histamina) dessas células induzem manifestações imediatas ou agudas da doença, como a vasodilatação, aumento da permeabilidade vascular e contração da musculatura lisa. Depois há um maior influxo de linfócitos e aumento da produção de quimiocinas, com atração de maior número de eosinófilos, macrófagos e polimorfonucleares, instalando-se uma reação inflamatória tardia, responsável pela manutenção das manifestações anafiláticas e pelo estado de hipersensibilidade aos mediadores nos receptores teciduais. REAÇÃO ANAFILÁTICA LOCALIZADA Surge em locais determinados do organismo (pele, mucosas, intestinos, brônquios etc.) e tem duas fases: • Fase imediata ou aguda: depende de produtos liberados por mastócitos e basófilos: (1) histamina, que atua nos receptores H1 dos vasos sanguíneos, levando à vasodilatação e ao aumento da permeabilidade vascular (induzem hiperemia e edema); H1 do m. liso não vascular, causando contração (broncoconstrição, peristalse) ou relaxamento (esfíncteres); e H2 de glândulas exócrinas, aumentando a secreção; (2) leucotrienos, sinergistas da histamina em vasos e musculatura lisa não vascular; (3) PAF (fator ativador de plaquetas), que aumenta a permeabilidade vascular e produz contração da musculatura lisa dos brônquios e do intestino. Além disso, nervos aferentes levam estímulos ao SNC, desencadeando reflexo parassimpático que libera acetilcolina nos brônquios, elevando a broncoconstrição e a secreção de muco. As lesões teciduais que ocorrem nessa fase são representadas por hiperemia, edema e aumento da secreção de muco, com escasso exsudato inflamatório (eosinófilos e neutrófilos). Após as primeiras horas, há uma instalação progressiva de reação inflamatória, com aumento do exsudato celular (eosinófilos, neutrófilos, linfócitos e macrófagos), mas com escassos fenômenos degenerativos e necróticos. • Fase tardia: depende de (1) IL-1, produzida por mastócitos e células do órgão afetado, que atua ativando o endotélio e induz a resposta Th2 (eosinófilos, neutrófilos e linfócitos T CD4+). A localização específica de células Th2 no local da reação alérgica está ligada à expressão de moléculas de adesão na superfície de linfócitos quando estes são estimulados pelo alérgeno no linfonodo e por receptores para quimiocinas liberadas na área da reação anafilática (ex.: dermatite atópica); (2) fator eosinotático da anafilaxia, liberado por mastócitos, que atrai os primeiros eosinófilos; (3) fator quimiotático de alto peso molecular, produzido por mastócitos, que atraem neutrófilos, os quais, juntamente com eosinófilos, formam o exsudato inflamatório inicial no processo; (4) mastócitos, basófilos e células residentes do órgão (ex.: ceratinócitos), que ativados liberam IL-4, IL-5, CSF e quimiocinas, atraindo muitos linfócitos T CD4+ (Th2), monócitos e novos eosinófilos, mastócitos e basófilos. Indivíduos que não produzem grande quantidade de IgE podem apresentar reação alérgica intensa devido: 1. Mais receptores para os mediadores liberados; 2. Ocorre inibição parcial de seus antagonistas; 3. Há exaltação de receptores agonistas. REAÇÃO ANAFILÁTICA SISTÊMICA Ocorre quando o alérgeno induz sensibilização de mastócitos de forma sistêmica; o contato subsequente com dose desencadeante promove ativação e desgranulação sistêmica dessas células e liberação de grande quantidade de histamina, resultando em: 1. Queda da pressão arterial (o coração tenta manter a pressão normal e, como mecanismo de defesa, o organismo faz vasoconstricção da circulação periférica para tentar manter a circulação nos órgãos centrais); 2. Broncoconstrição (diminui a oxigenação); 3. Relaxamento dos esfíncteres; 4. Prurido generalizado; 5. Edema de glote, orelhas e lábios. Para tentar reverter esse quadro, é administrada adrenalina ou epinefrina,que agem promovendo vasodilatação e controlam a circulação e a oxigenação. O uso de anti-histamínico é ineficaz, pois a histamina já se ligou com os receptores das células endoteliais. Faz-se também a utilização de soro para a hipotensão, associado, às vezes, a vasoconstrictores. Se não for tratado rapidamente, o paciente morre por insuficiência circulatória. HIPERSENSIBILIDADE DO TIPO II Doenças pela ação citopática de anticorpos Este tipo de hipersensibilidade é causado por anticorpos que reagem com antígenos presentes nas superfícies celulares ou na matriz extracelular. Os determinantes antigênicos podem ser intrínsecos à membrana celular ou à matriz ou podem assumir a forma de um antígeno exógeno, como um metabólito de droga, que é adsorvido a uma superfície celular ou matriz. Em qualquer caso, a reação resulta da ligação de anticorpos a antígenos da superfície celular normal ou alterada. 1 Brenda Araújo (@brendaraujo____) – Odontologia, UFPE Processos Patológicos Gerais É válido ressaltar que nem sempre são doenças por hipersensibilidade, embora reatividade anormal possa estar presente em algumas delas. São mediadas por anticorpos IgG ou IgM. OPSONIZAÇÃO E FAGOCITOSE A fagocitose é amplamente responsável pela depleção de células revestidas por anticorpos. As células opsonizadas pelos anticorpos IgG são reconhecidas por receptores Fc dos fagócitos, que são específicos para as partes Fc de algumas subclasses de IgG. Além disso, quando anticorpos IgM ou IgG são depositados nas superfícies das células, podem ativar o sistema do complemento pela via clássica. A ativação do complemento gera subprodutos, principalmente C3b e C4b, que se depositam nas superfícies das células e são reconhecidos por fagócitos que expressam receptores para estas proteínas (em alguns casos, sua ativação também pode gerar o complexo de ataque à membrana). A resultante é a fagocitose das células opsonizadas e sua destruição. • Reações transfusionais: as células de um doador incompatível reagem com o anticorpo pré-formado do hospedeiro e são opsonizadas por ele. Anemia hemolítica, trombocitopenia e agranulocitose: indivíduos produzem anticorpos contra suas próprias hemácias, que são então destruída. • Doença hemolítica do recém-nascida: diferença antigênica entre a mãe e o feto, e anticorpos (da classe IgG) da mãe atravessam a placenta e causam destruição das hemácias fetais. INFLAMAÇÃO Quando anticorpos se depositam em tecidos fixados, como as membranas basais e a matriz extracelular, a lesão resultante deve-se à inflamação. Os anticorpos depositados ativam o complemento, gerando subprodutos, inclusive agente quimiotáticos (principalmente C5a), que direcionam a migração de leucócitos polimorfonucleares e monócitos e de anafilatoxinas (C3a e C5a), que aumentam a permeabilidade vascular. Os leucócitos são ativados pelo envolvimento de seus receptores C3b e Fc. Isto resulta na liberação ou geração de várias substâncias pró-inflamatórias, incluindo as prostaglandinas, peptídeos vasodilatadores e substâncias quimiotáticas; e leva à produção de outras substâncias que lesam os tecidos, como enzimas lisossômicas, colágeno, elastina e cartilagem, além de espécies reativas de oxigênio. • Síndrome de Goodpasture: causada por anticorpos antimembrana basal glomerular (anti-GBM) circulantes e é caracterizada por glomerulonefrite e hemorragia alveolar. DISFUNÇÃO CELULAR Em alguns casos, anticorpos direcionados contra receptores da superfície celular comprometem ou desregulam a função sem causar lesão celular ou inflamação. Por exemplo, na miastenia graves, anticorpos reativos com receptores de acetilcolina nas placas motoras dos músculos esqueléticos bloqueiam a transmissão neuromuscular e, portanto, causam fraqueza muscular. O inverso (ou seja, estimulação da função celular mediada por anticorpos) é a base da doença de Graves. Neste distúrbio, anticorpos contra o receptor do hormônio tireostimulante, nas células epiteliais da tireoide, estimulam as células, resultando em hipertireoidismo. Hipertireoidismo: na tireoide, os anticorpos se ligam aos receptores celulares e funcionam como se fossem o hormônio estimulante, gerando hipertireoidismo. • Miastenia: ocorre a liberação do anticorpo na fenda sináptica, que se liga com o receptor de acetilcolina, impedindo a ligação da acetilcolina (transmissão neuromuscular), o que causa fraqueza muscular. HIPERSENSIBILIDADE TIPO III Doenças produzidas por imunocomplexos Complexos antígeno-anticorpo produzem lesão tecidual principalmente por desencadearem inflamação nos locais de deposição. A reação patológica é iniciada quando o antígeno se combina com anticorpo dentro da circulação (imunocomplexos circulantes), e estes são depositados tipicamente nas paredes dos vasos. Algumas vezes, os complexos são formados em pontos extravasculares, onde o antígeno pode ter sido “plantado” previamente. Os antígenos que formam imunocomplexos podem ser exógenos, como uma proteína estranha injetada ou produzida por um micróbio infeccioso, ou endógenos, se o indivíduo produzir anticorpo contra autocomponentes (autoimunidade). O destino natural de complexos antígeno- anticorpo (imunocomplexos) são a sua fagocitose e eliminação. Como em geral são grandes e precipitáveis, imunocomplexos que se formam na circulação são transportados margeando a corrente sanguínea, colocando-os em contato com a superfície de fagócitos do fígado e do baço, que os removem rapidamente (a remoção é facilitada por ativação de moléculas de C3 em IC ainda na circulação). IC formados com pouco excesso de antígeno são pequenos e solúveis e, por essa razão, circulam por algum tempo antes de serem fagocitados, podendo depositar-se em tecidos. As doenças mediadas por imunocomplexos podem ser sistêmicas ou localizadas em órgãos em particular, como o rim (glomerulonefrite), articulações (artrite) ou pequenos vasos da pele, sendo: 1. Sistêmicos, pequenos e solúveis, quando deixam a circulação e depositam-se na parede de vasos e tecidos perivasculares; 2. Localizados, formados e se precipitam no próprio tecido. LESÃO POR IMUNOCOMPLEXOS LOCALIZADOS Após a produção de anticorpos, como IgG ou IgM, há a formação de imunocomplexos que se depositam no interstício, ativam o sistema complemento e desencadeiam uma reação inflamatória local. A ativação do complemento libera peptídeos vasoativos responsáveis por hiperemia e 1 Brenda Araújo (@brendaraujo____) – Odontologia, UFPE Processos Patológicos Gerais aumento da permeabilidade vascular (C2a, C3a e C5a induzem liberação de histamina e quimiocinas por mastócitos) e por quimiotatismo de PMN e macrófagos (C5a, C4a, quimiocinas). Ao fagocitarem os imunocomplexos, os fagócitos liberam enzimas que digerem os componentes do interstício e a fibrina, formando o material fibrinóide. • Vasculite: inflamação dos vasos sanguíneos. • Glomerulonefrite: inflamação dos glomérulos renais. • Artrite: inflamação das articulações. LESÃO POR IMUNOCOMPLEXOS CIRCULANTES Os imunocomplexos circulam, atravessam a parede de vasos, depositam-se nos espaços perivasculares e ativam o complemento, produzindo reação inflamatória. • Reação de Arthus: é uma área localizada de necrose tecidual, decorrente de uma vasculite aguda por imunocomplexos, geralmente desencadeada na pele. À medida que o antígeno se difunde na parede vascular, liga-se ao anticorpo pré-formado e são formados localmente grandes imunocomplexos. Estes complexos se precipitam nas paredes dos vasos e causam necrose fibrinóide, e a trombose superpostapiora a lesão isquêmica. HIPERSENSIBILIDADE TIPO IV Doenças produzidas pela resposta imunitária celular Inicia-se por linfócitos T ativados por antígeno (sensibilizados), incluindo linfócitos T CD4+ e CD8+. É conhecida por ser tardia/retardada e a resposta imunitária celular sempre se faz com exsudação de células, nos tecidos em que se localiza o antígeno indutor, e eritema. O indivíduo entra em contato com antígenos exógenos inócuos e monta uma resposta celular capaz de induzir lesões nos locais em que o antígeno penetra. Essas lesões decorrentes da imunidade celular são comuns em doenças causadas por vírus, bactérias, protozoários e alguns helmintos. Nesses casos, na maioria das vezes, não se pode falar em hipersensibilidade, já que a resposta imunitária celular é normal. O macrófago reconhece uma célula (antígeno próprio) no sítio que vai ocorrer a infecção, apresenta ao linfócito TCD4 no linfonodo, que apresenta uma resposta a essas células. O TCD4 se diferencia em TH1, que através do IFN γ induz o TCD8 a atacar a célula. • Dermatite de contato: o indivíduo sensibiliza-se com haptenos que se ligam a proteínas da pele e são capturados por células dendríticas (células de Langerhans), as quais se deslocam para os linfonodos regionais, onde apresentam o haptenopeptídeo a linfócitos T CD4+ e T CD8+. • Enteropatia por glúten: o consumo de glúten provoca um infiltrado de linfócitos e macrófagos na lâmina própria da mucosa do intestino delgado, aumento do número de linfócitos intraepiteliais e hipotrofia das vilosidades. REAÇÕES DOS LINFÓCITOS T CD4+: HIPERSENSIBILIDADE TARDIA E INFLAMAÇÃO IMUNE As reações inflamatórias causadas por linfócitos T CD4+ foram inicialmente caracterizadas com base em hipersensibilidade do tipo tardio (HTT) a antígenos administrados exogenamente. Os mesmos eventos imunológicos são responsáveis por reações inflamatórias crônicas contra tecidos próprios. Em razão do papel central do sistema imune adaptativo em tal inflamação, algumas vezes é denominada inflamação imune. REAÇÕES DE LINFÓCITOS T CD8+: CITOTOXICIDADE MEDIADA POR CÉLULAS Neste tipo de reação mediada por linfócitos T, os linfócitos T citotóxicos (LTCs) CD8 + matam células- alvo portadoras de antígeno. A destruição tecidual por LTCs pode ser importante componente de muitas doenças mediadas pelos linfócitos T, como o diabetes tipo 1. Os LTCs dirigidos contra antígenos de histocompatibilidade da superfície celular desempenham importante papel na rejeição de enxertos. Eles também desempenham um papel nas reações contra vírus. DOENÇAS AUTOIMUNES Doenças autoimunes ou doenças por autoagressão surgem quando a resposta imunitária é efetuada contra alvos existentes no próprio indivíduo (falha na autotolerância), persistindo por tempo indeterminado. Como o sistema imunitário tem a capacidade de reagir a todos os possíveis epítopos, inclusive os existentes no próprio corpo, não é surpresa que possa responder também a constituintes do próprio organismo. Autoagressão imunitária pode originar-se da resposta imunitária inata ou adaptativa. Sendo estas intimamente relacionadas, há doenças autoimunes em que, além da participação de clones de linfócitos autorreatores, há também participação da resposta inata, favorecendo o efeito autoagressor desses clones. Quaisquer linfócitos autorreativos não controlados por esses mecanismos geralmente são restringidos pelos linfócitos T reguladores. Um defeito nos linfócitos T reguladores pode interferir em qualquer um desses mecanismos de defesa, resultando em autoimunidade. Exemplos famosos incluem a diabetes mellitus tipo 1, lúpus eritematoso sistêmico e artrite reumatoide. Pelo menos três requisitos devem ser cumpridos antes que um distúrbio seja categorizado como verdadeiramente causado por autoimunidade: 1. A presença de uma reação imune específica para algum autoantígeno ou autotecido; 1 Brenda Araújo (@brendaraujo____) – Odontologia, UFPE Processos Patológicos Gerais 2. Evidência de que tal reação não seja secundária a um dano tecidual, mas seja de significância patogênica primária; 3. Ausência de outra causa bem definida da doença. Também costuma ser usada a semelhança com modelos experimentais de autoimunidade comprovada para sustentar este mecanismo nas doenças humanas. ETIOPATOGÊNESE As doenças autoimunes têm etiopatogênese complexa e multifatorial. Teoricamente, admite-se que autoimunidade resulta da quebra da tolerância natural, por falha na deleção clonal, na inativação clonal, nos mecanismos de imunossupressão ou por alteração em autoantígenos que, modificados, passam a expor epítopos crípticos, antes ignorados por linfócitos. No entanto, falha primária desses mecanismos é pouco provável por causa da alta eficiência do sistema. O que se admite é que as doenças autoimunes, com autoagressão persistente, resultam de numerosos fatores que interferem desde a maturação dos linfócitos até os mecanismos imunorreguladores responsáveis pela tolerância. Entre os últimos, fatores genéticos e ambientais têm papel destacado. O desencadeamento de autoimunidade deve-se à quebra da tolerância natural, que pode ser iniciada pelo lado do estímulo antigênico (alterações de autoantígenos, endógenas ou exógenas) ou pelo lado da regulação da resposta (modificações nos mecanismos de apresentação, de produção de citocinas ou de regulação de linfócitos). DOENÇAS AUTOIMUNES HUMANAS ÓRGÃO-ESPECÍFICAS São doenças nas quais a autoagressão é dirigida a um órgão. • Tireoidite de Hashimoto: causa mais comum de hipotireoidismo primário nas regiões em que os níveis de iodo na dieta são inadequados. Clinicamente, manifesta-se por falência gradual da função tireoidiana por destruição autoimunitária da glândula, acompanhada de infiltrado linfoide e atrofia do parênquima. SISTÊMICAS Doenças em que a autoagressão faz-se contra autoantígenos ubiquitários e as lesões tendem a comprometer vários órgãos. • Lúpus Eritematoso Sistêmico: é doença inflamatória crônica, de natureza autoimune, que compromete vários órgãos. Na doença, formam-se autoanticorpos contra vários antígenos, nucleares ou não, entre os quais anti-DNA, RNA, nucleoproteínas e fosfolipídeos. Algumas doenças podem ter características dos dois grupos. As doenças por autoagressão, sistêmicas ou órgão-específicas, têm algumas características em comum: são mais frequentes em mulheres, podem ter distribuição familial e geralmente estão vinculadas a um ou mais genes, parecendo haver um padrão genético, possivelmente multigênico, que favorece a autoagressão. Embora sem comprovação, na maioria das vezes suspeita-se da participação de agentes infecciosos no desencadeamento de muitas delas. Por outro lado, na maioria das doenças autoimunes, embora sejam detectados autoanticorpos e células T sensibilizadas a diversos antígenos, com frequência não se conhece o papel patogenético dessas respostas imunitárias, se são realmente primárias e desencadeantes da doença ou se, ao contrário, são consequência das lesões existentes. IMUNODEFICIÊNCIAS Imunodeficiências são doenças caracterizadas por transtornos na montagem da resposta imunitária, resultando em síntese deficiente de anticorpos ou em imunidade celular inadequada. Indivíduos com imunodeficiência humoral têm infecções piogênicas repetidas (por hemófilos, estreptococos e, menos frequentemente, por estafilococos); na imunodeficiência celular, predominam infecções oportunistas por Pneumocystis, Candida, micobactérias etc. De acordo com suas causas, as imunodeficiências podem ser primárias (congênitas) ou secundárias (adquiridas). IMUNODEFICIÊNCIA CONGÊNITA/PRIMÁRIA A maioria das doençaspor imunodeficiência primária é determinada geneticamente e afeta os braços humoral e/ou celular da imunidade adaptativa (mediada por linfócitos B e T, respectivamente) ou os mecanismos de defesa da imunidade inata (células NK, fagócitos ou complemento). Essas alterações ocorrem no processo de diferenciação e maturação das células do sistema imunitário. As mais importantes são: • Hipogamaglobulinemia ligada ao cromossomo X • Síndrome da hipergamaglobulinemia M • Imunodeficiência comum variável • Imunodeficiência grave combinada • Imunodeficiência por defeito na expressão de MHC • Síndrome de Wiskott-Aldrich IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA/SECUNDÁRIA Podem ser encontradas em indivíduos com câncer, diabetes e outras doenças metabólicas, desnutrição, infecção crônicas e doença renal. Também ocorrem em pessoas que recebem quimioterapia ou radioterapia para câncer, ou imunossupressores para impedir a rejeição de transplantes ou para tratar doenças autoimunes. Alguns destes estados de imunodeficiência secundária podem ser causados por maturação defeituosa dos linfócitos (quando a medula óssea é lesada por radiação ou quimioterapia ou envolvida por tumores, como as leucemias e cânceres metastáticos), perda 1 Brenda Araújo (@brendaraujo____) – Odontologia, UFPE Processos Patológicos Gerais de imunoglobulinas (como nas doenças renais proteinúricas), síntese inadequada de Igs (como na desnutrição) ou depleção de linfócitos (por drogas ou infecções graves). Como grupo, as imunodeficiências secundárias são mais comuns do que os transtornos de origem genética primária. • Síndrome da imunodeficiência adquirida: causada por infecção com um retrovírus do grupo dos lentivírus, denominado vírus da imunodeficiência humana (HIV). A infecção faz-se pela penetração do vírus no organismo através de mucosas ou diretamente pela introdução de sangue ou de outros fluidos biológicos. Contato de material contaminado com a pele ou mucosas íntegras parece não causar infecção. Sangue e esperma são os produtos mais infectantes (nos quais existem vírus livres e células infectadas), mas é duvidosa a existência do vírus em secreções exócrinas, como saliva. Contato sexual, transfusões de sangue contaminado ou seus derivados e uso de drogas injetáveis são as formas mais comuns de transmissão do vírus. O elemento mais importante na doença é a redução do número e da capacidade funcional de linfócitos T CD4+. No decorrer da infecção, ocorre perda lenta e progressiva de linfócitos T CD4+, além do fato de os fagócitos e outras células apresentadoras de antígenos que expressam a molécula CD4 também poderem estar comprometidos. Desorganização e depleção do tecido linfoide induzidas pelo vírus também contribuem para a deficiência imunitária. REJEIÇÃO DE TRANSPLANTES A resposta imunitária a enxertos, que pode culminar em sua rejeição, constitui o principal obstáculo enfrentado no transplante de órgãos e tecidos. Dependendo do tipo de enxerto, o receptor monta uma resposta imunitária humoral e/ou celular contra antígenos do doador: Em transfusões sanguíneas, o organismo produz 1. uma resposta humoral contra antígenos da superfície de eritrócitos (e também de leucócitos); os anticorpos formados causam lise e fagocitose acelerada dessas células; Em transplantes de tecidos com células 2. nucleadas, a resposta celular é mais vigorosa e muito importante nos mecanismos de rejeição. Transplante de órgãos para receptores compatíveis com o doador de acordo com MHC é a melhor maneira encontrada para se contornar parcialmente a rejeição. Transplantes entre indivíduos geneticamente idênticos (transplantes isogênicos) pegam, pois doador e receptor possuem MHC idênticos; quando não existe semelhança de MHC, ou seja, quando o doador é geneticamente diferente do receptor (transplantes alogênicos), há rejeição, o mesmo ocorrendo com transplantes entre indivíduos de espécies diferentes (transplantes xenogênicos). Em humanos, o polimorfismo de MHC é muito grande, sendo difícil identificar com segurança a histocompatibilidade de cada indivíduo. Como as sequências MHC estão em locos muito próximos, com pouca possibilidade de recombinação, o indivíduo herda dos pais o conjunto ou haplótipo de genes, razão pela qual é mais fácil encontrar pessoas histocompatíveis entre irmãos (há 25% de chance de dois irmãos herdarem o mesmo haplótipo) do que entre indivíduos não aparentados. No entanto, dada a possibilidade de imprecisão na tipagem de histocompatibilidade, transplantes feitos entre indivíduos considerados histocompatíveis podem ser rejeitados, porque diferenças entre MHC nem sempre são identificadas. Enxerto com MHC idêntico ao do receptor pode ser rejeitado por causa de antígenos secundários de histocompatibilidade, que, embora menos potentes, podem levar a rejeição. Os antígenos secundários de histocompatibilidade (mHag, de minor histocompatibility antigens) são proteínas intracelulares polimórficas, processadas e apresentadas junto com MHC I das células do enxerto; são, portanto, reconhecidos por linfócitos T CD8+ (T citotóxicos), embora em menor frequência esses antígenos possam ser apresentados junto a MHC II, ativando linfócitos T CD4+. Em praticamente todos os transplantes é preciso o uso de fármacos imunossupressores ou utilizar recursos para induzir tolerância no sentido de evitar rejeição. REFERÊNCIAS BRASILEIRO FILHO, Geraldo. Bogliolo - Patologia Geral. 1998. KUMAR, V. Robbins & Cotran Patologia - Bases Patológicas das Doenças. 2010.
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