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CAPITALISMO E MARXISMO As relações sociais entre os homens no capitalismo são reguladas pelo valor de troca antes do que pelo valor de uso das mercadorias e serviços que eles produzem. Em síntese, as necessidades humanas encontram-se na dependência direta do poder de compra das pessoas no mercado. A satisfação das necessidades humanas apresenta-se como resultado secundário da produção e do lucro mediado pelo sistema de trocas. É o capital e os bens, não o homem e a vida, que se encontram no centro da atividade econômica no sistema capitalista. O processo de desenvolvimento do capitalismo acirra a dupla contradição presente na sua base de reprodução. Primeiramente, a contradição estabelecida entre a crescente produtividade do trabalho social, por um lado, e seu o uso repressivo e destrutivo, por outro. Em segundo lugar, a contradição estabelecida entre o caráter social da produção e a apropriação privada dos excedentes. O capitalismo somente pode resolver essa contradição temporariamente, de forma a aumentar o seu caráter repressivo e destrutivo por meio do desperdício, do luxo e da destruição das forças produtivas. A corrida competitiva pelo armamento, pela produção e pelo lucro proporcionam um elevado grau de concentração do poder econômico - via centralização/concentração oligopolista e financeira do capital. A expansão econômica agressiva para o exterior, os conflitos regionais criados e/ou incentivados e as disputas por Organização de trabalhadores alemães emigrados e sediada em Londres. Influência continental entre os países de capitalismo central, tendem a formar ciclos recorrentes de dependência, de guerras e de depressões. Segundo Marx, o ciclo de reprodução do capital carrega a possibilidade histórica de ser interrompido pelo mundo do trabalho em aliança com outros setores populares. Isto porque as classes do mundo do trabalho suportam o peso da exploração econômica, o que as tende de levar à perspectiva da transformação social, de forma a assumir o controle do aparato produtivo e a desencadear a superação das contradições básicas do sistema capitalista de produção. Por um lado, liquidando com o sistema social de produção, mas de controle e apropriação privados e, por outro, libertar o desenvolvimento das forças produtivas e estabelecer a integração entre o desenvolvimento das forças produtivas e as necessidades humanas. Capitalismo e Crise Marx e os intelectuais críticos do capitalismo que se referenciam no marxismo clássico concebem o ‘fenômeno’ crise em função do capital, tema fundamental para a reflexão social e econômica no âmbito do capitalismo. Portanto, em termos do marxismo clássico, a abordagem do fenômeno crise deve partir, necessariamente, da negatividade constitutiva do capital. O capital constitui o fundamento do processo da reiteração e expansão das suas próprias condições de existência. Cumprida a etapa da acumulação primitiva de capital, o capital se materializa nos meios de produção que se coloca à frente da força de trabalho como algo estranho e com poder de obrigá- lo a produzir; e na própria força de trabalho, adquirida pelo capitalista no mercado e integrada ao capital como capital variável. Enquanto materialização da riqueza social e enquanto proprietário das faculdades do produtor, o capital constitui-se, em um determinado sentido, no ‘sujeito’ que transforma a produção e a circulação das mercadorias em meios para a sua reprodução expansiva. Assim, todas as formas econômicas, das atividades econômicas em sentido restrito às formas de organização (tecnológica e organizacional) do trabalho, são simples mediadoras da referida expansão (Coggiola (Coord.), 1996, p. 291-302). O movimento do capital engendra uma contradição. Para recriar o fundamento da sua valorização o capital necessita, concomitantemente, de criar e subordinar a força de trabalho e encontrá-la como seu oposto no mercado e no processo de produção. Dessa forma, reduzindo o trabalho à condição de mercadoria poderá absorvê-lo como capital variável. Por outro lado, a partir desta transformação o capital busca valorizar-se crescentemente, o que leva ao progressivo predomínio do capital constante em relação ao capital variável. Dito de outra forma, o domínio do trabalho vivo pelo morto (capital), com o progressivo predomínio do capital constante em relação ao capital variável (como uma tendência à negação do trabalho vivo pelo morto), constitui-se na manifestação da contradição, visto que é o trabalho a fonte do valor e, portanto, do próprio capital. No plano das relações econômicas este ‘sujeito’ se expressa por meio dos capitalistas individualmente e enquanto grupo social. Cada capitalista em particular deve se confrontar com o trabalhador para que possa obter a mais- valia (fundamento oculto do capitalismo, ao mesmo tempo sua força propulsora e fonte da sua reprodução expansiva). Neste sentido, aumentar a duração e a intensidade do trabalho e, acima de tudo, a sua produtividade é a garantia da sua extração (e, possivelmente, expansão). O capitalista deve se confrontar também com os demais capitalistas para preservar suas taxas de lucratividade e assegurar mercados. Para tanto, ele deve necessariamente baixar os seus custos de produção. Como ‘sujeito’ da autovalorização, que confronta consigo mesmo e com a sua negação, o capital subordina a produção e a circulação de mercadorias como fases do processo pelo qual ele se acumula e reproduz. Fases estas que, se reproduzindo sob uma relativa autonomização e sob o impulso desmedido de autovalorização, não se determinam pelo consumo e necessidades sociais. A economia capitalista, apoiada na sua intrínseca anarquia em termos da produção, da circulação e da produção/circulação, concorre para crises recorrentes (Marx, 1984, v. I, p. 26). O fato da determinação do que, como e quando produzir residir no âmbito de cada unidade de produção e destas competirem entre si, inviabiliza processos de crescimento equilibrado entre e inter departamentos e setores econômicos. Indicadores de mercado como preços, custos e juros, que sob certas condições estimulam a expansão mais ou menos rápida da acumulação, não podem revelar barreiras como os limites de demanda ou de insumos básicos no mercado. Dessa forma, normalmente a uma fase de expansão sucede uma fase de desaceleração da expansão, que pode ser um decréscimo de ritmo da expansão, uma recessão, ou ainda uma depressão, condicionada pelo grau da intensidade da fase expansiva precedente, pelos desequilíbrios estruturais, pela mobilidade do Estado enquanto agente produtivo, pelas formas assumidas pela luta de classes, entre outras variantes. Na esfera da circulação do capital, a crise aparece de modo privilegiado como paralisia Do movimento de compras e vendas entre os departamentos econômicos. Os departamentos econômicos, que idealmente precisam produzir conforme as necessidades um do outro, de fato determinam sua produção de acordo com o impulso de valorização dos seus próprios capitais; visam seus lucros, sem considerar ex ante que o mesmo tem que se realizar por meio da venda do seu produto aos outros departamentos econômicos (Singer, 1989, p. 17-20). Na fase de expansão, o sistema dispõe de reservas da fase precedente de desaceleração como excedente de mão-de-obra, capacidade produtiva ociosa, matéria-prima estocada, terra improdutiva, às quais se agrega a ‘poupança’ pública e privada como pedra de toque da retomada da expansão. A nova expansão pode ter início a partir de setores produtivos que possuem grande repercussão na estrutura de reprodução material da sociedade. A indústria da construçãocivil, por exemplo, capaz de provocar, por meio da sua rápida expansão, uma demanda importante para o Departamento I, como canos, máquinas, cimento, vidros, azulejos etc; para o Departamento II, como tecidos e alimentos, decorrentes do maior volume de emprego e, possivelmente, de salários dos trabalhadores empregados neste setor; e para o Departamento III, como eletrodomésticos, carros etc, consumidos por capitalistas, gestores intermediários da produção e trabalhadores em geral. Uma onda de expansão iniciada em alguns setores tende, por um efeito cascata, a estender-se sobre todos os demais setores e departamentos econômicos. Quando as reservas precedentes à fase de expansão esgotam-se, quando uma expansão reiterativa da produção dá lugar à acumulação real, os problemas começam a ser gerados. Os capitais, procurando os investimentos de retorno maior, mais rápido e mais seguro, tendem a se concentrar em determinados setores e ramos de atividades, em detrimento de outros. ‘Gargalos’ gerados em setores e ramos de atividades que exigem investimentos de grande monta e de retorno a longo prazo (como as atividades do Departamento I) podem não mobilizar os capitais necessários para a sua expansão. A mobilização dos capitais pode não ser o bastante para conter a interrupção precoce de uma fase de expansão real, visto que o tempo de ampliação e/ou montagem de novas unidades produtivas, especialmente em se tratando do Departamento I, é sempre de médio a longo prazo. A escassez e elevação de preços decorrentes podem transformar seus produtos em mercadorias proibitivas a diversas empresas, desencadear falências, elevar custos gerais de toda a estrutura produtiva, provocar ciclos de inflação e retomar as grandes taxas de desemprego. A mobilização e adequado investimento da poupança social em atividades do Departamento I, materializada em uma satisfatória ampliação da sua produção, pode acarretar uma carência de recursos nos Departamentos II e III, formadores da sua demanda. Além disso, a sua própria acumulação e dos seus agentes financeiros pode ser comprimida pela pressão de custos que exerce sobre os demais. De uma forma, ou de outra, a crise e os seus sintomas tendem a reaparecer. Em outras palavras, em uma economia de mercado a cada ‘gargalo’ superado em um dado período outros se formam. Na esfera da produção mais ampla (que engloba como etapas a da circulação e a da produção imediata de mercadorias pelo capital), a crise econômica capitalista se expressa de forma mais completa e complexa. É nesta esfera que a negação do trabalho vivo pelo morto (capital) se manifesta na tendência ao crescimento proporcional do valor do capital constante em relação ao capital variável, levando à queda da taxa média de lucro mesmo com um possível aumento da taxa de mais-valia. Para conservar/ampliar a taxa de mais-valia extraída e conservar/baixar custos de produção, o capitalista recorre ao aumento de capital fixo. O crescimento do capital fixo em relação ao trabalho - tecnologização da produção - é o principal meio para aumentar a produtividade do trabalho, e o crescimento do capital fixo em relação ao produto - a capitalização da produção - é o principal meio para reduzir os custos unitários de produção. O crescimento do capital fixo por produto unitário é o elemento mais importante para se obter economias de escala. As empresas sob economias de escala viabilizam o crescimento do volume de matérias-primas processadas por trabalhador. Como resultado, tanto as matérias-primas como a produção de mercadorias tendem a aumentar por unidade de trabalho. Concomitantemente, o maior volume de capital fixo por produto unitário implica maior despesa de depreciação do referido capital e maiores custos de materiais auxiliares (eletricidade, combustível, instalações prediais etc) por produto unitário. Conforme indicou Bottomore, (...) para métodos mais avançados, a maior capitalização (capital adiantado por produto unitário) implica maiores custos unitários não relativos a trabalho (capital constante unitário C), enquanto a maior produtividade implica menores custos unitários com o trabalho (capital variável unitário V). No salto, o custo unitário de produção C+V deve declinar, de modo que o último deve mais do que compensar o primeiro. Sob condições Trabalhado por Marx) em Departamento II, produtor de bens de consumo corrente e Departamento III, produtor de bens de consumo duráveis. Adotaremos o esquema desenvolvido por Kalecki. Técnicas determinadas, no momento em que os limites do conhecimento e da tecnologia existentes forem alcançados, o aumento subsequente no investimento por produto unitário provocaria reduções cada vez menores nos custos unitários de produção (Bottomore, 1988, p. 372). A consequência principal desta dinâmica é que os métodos mais avançados tendem a proporcionar menor custo unitário de produção em detrimento da taxa de lucro (que tende a cair). Ainda que os salários e a intensidade e duração da jornada de trabalho se conserve, o aumento da composição orgânica do capital (capital constante suplantando crescentemente o capital variável na composição do capital) tende a elevar-se mais rapidamente do que a taxa de mais-valia, determinando a queda da taxa geral de lucro. Em que pese todo este quadro, a concorrência capitalista empurra os capitalistas a adotarem a capitalização (ou tecnologização) da produção. Aqueles que primeiramente adotam os ‘novos’ métodos de capital mais intensivo, ao reduzir custos podem reduzir também seus preços abocanhando parte do mercado junto aos seus concorrentes. Podem também manter por um determinado período uma acumulação relativamente elevada para os padrões gerais da ‘nova’ realidade da acumulação. Aqueles capitalistas que lhes seguem na aplicação dos referidos métodos não dispõe desta acumulação relativamente elevada, visto que se recoloca uma nova guerra de preços, reduzindo a acumulação. Aqueles capitalistas que não conseguem aplicar os novos métodos vão à falência ou restringem-se a um papel econômico periférico e quase tão-somente reiterativo. Para o capitalista individual que primeiramente adota estes métodos de capital intensivo, o menor custo unitário obtido permite reduzir preços e expandir-se a expensas de seus concorrentes, compensando sua menor taxa de lucro (por unidade produzida), por meio de uma fatia maior do mercado. Aqueles que adotam os referidos métodos tardiamente e/ou estão sujeitos a pressões financeiras, estão sujeitos, ao mesmo tampouco, a uma taxa de lucro ainda menor e a uma acumulação igualmente menor no conjunto do ciclo econômico. No sistema como um todo, o resultado é a queda da taxa média de lucro. Este resultado determina um desestímulo crescente à acumulação, ou seja, da realização de novos investimentos, tendo em vista a manutenção/ampliação da massa de lucros. A estagnação da massa total de lucro, enquanto uma ‘onda longa’ no sistema, tende a conduzir, em um certo momento, a uma crise geral do sistema. Conforma-se, portanto, a tendência secular de queda da taxa média de lucro (processo ao longo do qual ‘ondas longas’ de crise e de acumulação necessariamente ocorrem). A tendência de queda da taxa média de lucro convive com contra tendências neutralizadoras (Coggiola (Coord.), 1996, p. 194-195; Bottomore, 1988, p. 371-373; Sweezy, 1976, p. 125-128). A contenção salarial; a intensificação do processo de exploração da força de trabalho; a eliminação de conquistas trabalhistas; a recriação de formas de exploração e dominação extra econômica (escravidão, servidão, etc); a geração de capital constante maisbarato por meio de uma determinada tecnologia disponível; a migração de empresas para espaços socioeconômicos e territoriais com força de trabalho e recursos naturais mais baratos; o desenvolvimento de novos métodos de gestão da produção que alcançam maior racionalização da produção e intensidade do trabalho; a terceirização de fases da atividade produtiva barateando custos de serviços e produtos; a importação de bens de consumo para assalariados e meios de produção mais baratos; o desenvolvimento de indústrias complementares nas quais a composição orgânica de capital fosse relativamente baixa, entre outros processos, podem contribuir para a elevação da taxa de lucro, aumentando a taxa de exploração e/ou baixando a composição orgânica do capital. Tais processos são tão importantes para o capitalista individual como para o sistema como um todo. Os referidos processos (entre outros) podem compor um processo mais amplo, qual seja, a reestruturação produtiva. Enquanto tal será, necessariamente, um mecanismo voltado para assegurar, de um lado, o avanço das forças produtivas, e, de outro, a re-subordinação do trabalho ao capital com novos métodos organizativos/administrativos que esvaziem o potencial de resistência dos trabalhadores. A reconstituição e/ou ampliação do exército industrial de reserva nos quadros da crise possui uma importância particular enquanto uma contra tendência à tendência de queda da taxa média de lucro. A perda de estímulo para novos investimentos e a destruição de forças produtivas (falências, concordatas, desvalorização e/ou destruição dos excedentes etc) provocados pela crise, proporciona um ambiente extremamente favorável para a diminuição dos salários e para a queda das condições de trabalho graças à super-oferta da força de trabalho. Tal processo diminui o custo do trabalho no âmbito dos custos da produção e é um importante fator de ampliação das taxas de extração de mais-valia. Destacamos também enquanto contra-tendência à tendência de queda da taxa média de lucro o papel que o Estado passa a cumprir a partir da crise de 1929. A conversão do fundo público em fundo de financiamento da acumulação, a possibilidade de mobilizar capitais especulativos e canalizá-los para a produção, por meio da emissão de títulos, a transformação do Estado em agente produtivo que pode determinar sob certas conjunturas o perfil da conjuntura ou período econômico e/ou abrir mão dos seus ganhos em benefício da iniciativa privada, o desenvolvimento de pesquisas tecnológicas e científicas para o capital, a condição de grande comprador e impulsionador/contratador de obras públicas, entre outras condições e atribuições, edifica o Estado como uma instituição anti-crise e de contra tendência à queda da taxa média de lucro. É necessário reconhecermos, ainda, que a crise, enquanto realidade do sistema capitalista e independentemente de ser mais ou menos destrutiva, será parte constitutiva do processo de concentração e centralização de capitais (Coggiola (Coord.), 1996, p. 303-315). O referido processo, em termos econômicos globais de cada país (não de cada empresa enquanto unidade produtiva), apresenta uma fase em que predomina a concentração e outra em que predomina a centralização de capitais. Na fase da concentração de capitais - precedida por uma fase de centralização de capitais e desencadeada por uma nova etapa de competição oligopolista e monopolista e/ou pela atuação de governos por meio da manipulação de políticas econômicas - as reservas de capitais acumulados por parte das empresas e presentes na órbita financeira são aplicados na ampliação quantitativa e/ou qualitativa das empresas, verticalizando e/ou horizontalizando os espaços de atuação dos seus capitais. Nesta fase, o crescimento das despesas ocorre passo a passo com o aumento das receitas. A rigidez relativa entre a estrutura de custos e o nível das receitas determina uma instabilidade para as empresas que necessitam contar com provisão financeira - com exceção dos oligopólios e uma parte dos monopólios, a maioria das empresas necessitam da referida provisão, obtida junto ao sistema financeiro. As empresas não monopolistas ou monopolistas sem suporte de autofinanciamento somente dispõem de duas alternativas: ingressar na fase da concentração de capitais (sob pena de reduzir suas receitas em relação às demais empresas) ou amargar uma gradual marginalização no mercado. Desencadeado o processo, conforma-se a tendência à homogeneização das taxas de retorno imposto pelos oligopólios e monopólios, com grandes consequências econômicas. As empresas que não efetuam despesas, embora com taxas de retorno superiores à taxas de retorno média imposto pelos oligopólios e monopólios possuem receitas infinitamente inferiores. Aquelas empresas monopolistas ou não que recorreram intensamente aos empréstimos junto ao sistema financeiro também apresentam uma receita inferior aos oligopólios e monopólios que se autofinanciaram. No curso do processo da concentração de capital - no qual ocorre a reprodução ampliada do capital, ou seja, expansão que ultrapassa a pura e simples reiteração econômica - o impacto desencadeado pela nova taxa de retorno e os custos financeiros de muitas empresas será a falência e consequente incorporação daquelas despreparadas para a competição nos termos ditados pelas maiores e mais capitalizadas. Em consequência, diminui o número de empresas e intensifica o controle dos oligopólios e monopólios sobre o mercado. Consumado o processo tem início novamente a fase de centralização de capitais, ou Seja, de capital líquido na forma de lucros das empresas diretamente produtivas que ampliam suas receitas - oligopólios e monopólios - ou empresas financeiras que partilham dos lucros das empresas que recorrem a financiamentos - bancos, bolsas de valores etc. A nova massa de capitais não diretamente aplicado, ou reserva de poupança, começa a ser recomposto preparando as condições para uma nova fase de concentração de capitais. A crise, independentemente da sua extensão e natureza, cumpre sempre um importante papel na reprodução ampliada do capital, qual seja, o de destruir para construir em novas bases. A crise (incompatibilidade entre produção e consumo; interrupção do fluxo de compras e vendas ou de pagamentos; desproporcionalidade e desequilíbrio entre os departamentos econômicos em que se divide o capital social; queda da taxa média de lucro; sobre-a cumulação; desvalorização do capital existente e contradições inerentes à dinâmica de concentração e centralização de capitais) será, portanto, fruto da contradição constitutiva do capital. As crises não levam a um colapso econômico final capaz de destruir completamente e de uma só vez o sistema. Para Marx, o fim das crises somente pode advir do trabalhador, que tomando consciência de si mesmo e das relações sociais que o envolvem, edifica-se como o sujeito real e verdadeiro da produção (dominando o sujeito abstrato, representado pelo capital). O capitalismo, cuja essência é a (relação de) contradição inscrita na sua própria origem, desaparece com a eliminação da referida contradição; o que equivale reconhecer que a crise no capitalismo somente seria superada por meio da superação do próprio sistema. A concepção de crise em Marx, conforme identificamos, não pode ser separada da dinâmica do capital e, nem tampouco, a superação definitiva da crise no capitalismo fora da superação do próprio capitalismo. Neste ponto reside a unidade dialética da concepção marxista acerca do capital e da crise. As teorias que se encontram foram desta concepção (incluindo aquelas que se reivindicam da teoria econômica de Marx), de forma explícita ou não, conformam-se enquanto teorias (ou metodologias) para o capital. Em nossa perspectiva, cadaprocesso de crise no capitalismo compõe uma teia específica de articulação destes elementos `estruturais´ identificados por Marx. A crise, portanto, deve ser compreendida enquanto crise das relações capitalistas de produção e que, como tal, pode encontrar, como obstáculos conjunturais à sua reprodução, realidades econômico-sociais e/ou institucionais. Os obstáculos à reprodução capitalista poderão inviabilizar ou imprimir um curso particular ao desenvolvimento capitalista. A forma e o sentido da superação destes obstáculos serão, necessariamente, uma consequência da interferência das classes, movimentos, grupos sociais e partidos políticos, em uma dada conjuntura nacional e internacional e sob uma determinada correlação de forças, em nível das superestruturas sociais. Postas estas considerações gerais, é necessário que superemos alguns equívocos quanto ao entendimento do conceito crise no sistema capitalista. Primeiramente, é necessário que se compreenda que a crise não é algo anormal ao sistema capitalista. Ela compõe a essência do referido sistema e é necessária à sua própria reprodução. Em segundo lugar, compreender que cada crise possui a sua especificidade. Uma crise poderá ser induzida ou não pelo poder público, como também ser mais ou menos duradoura. Em terceiro lugar, devemos distinguir as crises em função do grau e profundidade da sua repercussão. Neste sentido, as crises podem ser de repercussões mais imediatas e de curto prazo, que decorrem de flutuação dos indicadores econômicos e da reacomodarão produtiva das atividades econômicas; de repercussão mais ampla, que podem findar/criar novos ciclos expansivos no âmbito de um padrão de acumulação e financiamento; e, finalmente, de repercussão muito ampla, que caracterizam o esgotamento de um padrão de acumulação e financiamento capitalista. Em quarto lugar, devemos reconhecer que a crise no capitalismo não possui causalidades puramente econômicas e que estas podem não se encontrar entre os fatores mais importantes na deflagração de uma crise econômica. O que implica orientarmo-nos por uma perspectiva de totalidade, ou seja, localizar fatores sociais, políticos, econômicos e ideológicos que concorram para uma crise, bem como hierarquizá-los segundo a sua importância na conjuntura. Em quinto lugar, a crise provoca, inexoravelmente, uma estagnação ou acumulação restrita de capital em termos econômicos globais. Comumente ocorre, paralelamente a este processo, a transferência de mais-valia e rendas para os grupos monopolísticos e oligopolísticos assegurando-lhes elevadíssima acumulação. Em sexto lugar, uma crise econômica pode estar criando condições sociais, políticas, econômicas e ideológicas para uma nova fase de acumulação do capital. Neste sentido, a destruição desencadeada pela crise pode ser um pressuposto para uma nova construção (ou expansão das relações capitalistas de produção). Capitalismo e Experiências ‘Pós-Revolucionárias As contradições emergidas do capitalismo e indicadas por Marx dão conta de evoluir Para processos revolucionários no século XIX e, principalmente, no século XX. Alguns destes processos são derrotados, a exemplo da Comuna de Paris de 1871, outros nos legam as experiências ‘pós-revolucionárias’, a exemplo do leste da Europa e da China. As experiências ‘pós-revolucionários’ denominadas ‘socialismos reais’ não logram realizar a utopia socialista. O burocratismo, as relações autoritárias de poder, a corrida armamentista, o desequilíbrio do desenvolvimento do processo produtivo, o atraso técnico científico comparado aos centros dominantes do capitalismo, são demonstrações inequívocas da deturpação e desvirtuamento das sociedades ‘pós-revolucionárias’. E trivial - senão conservador - fixarmos apenas nas condições objetivas para explicar os ‘desvios’ e ‘insuficiências’ dos processos de construção do socialismo nas sociedades ‘pós revolucionárias’. É necessário salientarmos a distância estabelecida entre essas experiências históricas e a utopia socialista, especialmente a violentarão das práxis da transformação social pela ação das vanguardas políticas. Em outra palavra, é menos importante compreender a superioridade Tecnos-científica dos centros imperialistas quando comparado com a identificação dos obstáculos que as estruturas de poder construídas nas experiências ‘pós revolucionárias’ acarretam no sentido da incompetência, acomodamento, desilusão e desperdícios, tendo em vista a compreensão da crise das referidas experiências. A transição do capitalismo para o socialismo somente poderá assegurar a superação da propriedade e do controle privado dos meios de produção se tal processo encontrar-se integrados coerentemente com o caráter social da produção e basear-se em uma hegemonia do mundo do trabalho. A contradição dialética entre a intervenção direta do mundo do trabalho (expresso no conceito ‘controle social da produção’) e os centros de poder externo ao mundo do trabalho (expresso na nova estrutura de poder construída) deve ser superado pela gestão direta da produção já nos primeiros ‘momentos’ da transição para o socialismo. Dessa forma, poderá ser possível libertar e harmonizar o desenvolvimento das forças produtivas com as necessidades da sociedade humana. Nada disto ocorre nas sociedades ‘pós-revolucionárias’ do século XX. A práxis política de transformação social deve superar qualquer prática política sectária e golpista, de forma a orientar-se pela ética e pela autonomia do movimento. O sentido estratégico das práxis pode significar a realização da utopia socialista ou a sua negação, a transição para o socialismo ou a crise de definição e de perspectivas em sociedades ‘pós revolucionárias’. Capitalismo e Conflito social O papel transformador do mundo do trabalho e a transição para o socialismo sofrem uma crise para algumas análises marxistas sobre sociedades capitalistas de intermediário e de elevado grau de desenvolvimento das forças produtivas. Para situarmos o debate necessitamos identificar alguns aspectos da sociedade capitalista do final do século XIX e do século XX. Marx previa um conteúdo revolucionário e permanente do capitalismo no plano do desenvolvimento das suas forças produtivas. Para Marx, o capitalismo removeria a camisa-de-força sob a qual as forças produtivas encontraram-se submetidas nas sociedades pré-capitalistas e as conduziria de tal forma que as contradições, no que concerne às relações capitalistas de produção, estabeleceriam um período revolucionário de transição para o socialismo. A tendência de proletarização crescente de amplas camadas da sociedade e a internacionalização do espaço e política revolucionária haveriam de se constituir em uma consequência dialética do processo. Essas previsões de Marx não se confirmam plenamente. No seu processo de desenvolvimento o capitalismo mundaniza-se definitivamente, estende os seus tentáculos sobre todas as esferas da vida social e alcança o estágio de capitalismo monopolista de Estado. Mas nesse processo (e como reação a estratégia socialista) produz-se um conjunto de iniciativas e instrumentos no sentido de garrotear a contradição fundamental capital versus trabalho, de forma a buscar a subordinação do desenvolvimento das forças produtivas às relações capitalistas de produção. No plano técnico e científico o desenvolvimento das forças produtivas encontra-se deprimidas por que estão vinculadas necessariamente ao desperdício e ao luxo elevado e irrestrito. Grandes somas de excedentes são transferidas para financiar e manter a indústria da guerra; indústrias locomotivas do sistema, como a de automotores, produtoras de veículos de luxo e de decrescente duração, secundarizam a produção de meios de trabalho produtivo e de transporte de massa; informáticae eletrônica, sob os limites das relações capitalistas de produção, canalizam-se muito mais para área de distribuição, serviços e pesquisas, do que para os processos de produção propriamente ditos, e assim por diante. A sociedade norte-americana, locomotiva do capitalismo e paraíso do ‘modus vivendi’ burguês ocidental é paradigmática. Os elevados graus de desenvolvimento das suas forças produtivas expressam esse conteúdo repressivo e destrutivo, por meio do luxo e desperdício nacionais, financiados graças a um sucateamento do sistema produtivo e pauperização social da periferia do mundo capitalista (América latina, África, etc) e pela ‘justificação’ social de parcelas da população da própria sociedade norte-americana. O ‘irracionalismo econômico’ atinge o seu clímax e dramaticidade no próprio déficit público anual dos Estados Unidos, no momento superior a um terço da dívida externa fixa do chamado ‘terceiro mundo’. No plano político o desenvolvimento das forças produtivas encontra-se deprimido, primeiramente, pela institucionalização das lutas sociais. As reformas eleitorais e trabalhistas conduzidas na Alemanha no final do século XIX por Otto von Bismarck e posteriormente exportadas para outros países são capazes, respectivamente, de integrar/subordinar a ação política da esquerda ao campo institucional e de lançar as bases das progressivas reformas sociais e de seguridade social que redundaria mais tarde no Estado do bem-estar social. A carência de uma política econômica coerente com estas reformas e a necessidade de controlar a instabilidade depressiva e as crises termina por proporcionar a teoria keynesiana de regulação econômica. A revolução produtivista proporcionada pelos métodos fordista e taylorista de gestão produtiva integra estas mudanças institucionais. A divisão técnica do trabalho realizado por estes métodos assegura a ampliação da produção sem que para tanto tenha que assegurar um trabalhador com ampla consistência intelectual e motivado pelo trabalho coletivo. Combinadamente, o fordismo, o taylorismo e, a partir das últimas décadas, o toyotismo advoga nos países de capitalismo central a produção em massa e consumo em massa, nela incluído os trabalhadores. Amplia-se progressivamente a partir do final do século XIX as reservas sociais e políticas da hegemonia burguesa. O capitalismo encontra um meio de integrar, sob determinados limites, as expectativas individuais de consumo e conforto das pessoas em geral e dos trabalhadores em particular com a necessidade de reprodução material dele mesmo. Este processo, consolidado nas décadas de 50 e de 60 na forma dos chamados anos dourados do capitalismo, provavelmente teria ocorrido antes não fosse as duas grandes guerras mundiais. No plano da formação da consciência o desenvolvimento das forças produtivas encontra-se reprimido devido a manipulação científica das necessidades, dos desejos, das satisfações, dos prazeres. Esta manipulação representa um reforço complementar à unificação e integração da sociedade. Surgida da combinação entre a mídia eletrônica e a psicologia comportamental - manipuladas cientificamente - ela opera em nível da publicidade, da indústria da diversão, etc, de forma a gerar o nó górdio entre a superestrutura político ideológica e a base do processo produtivo. Esse padrão ‘americanista’ da sociedade de trocas, emergido da concepção liberal do trabalho e da reificação do mercado, tem funcionado como um importante para-choque das contradições e conflitos sociais. A razão crítica transformadora, que se apresenta como algo irresistível para os marxistas do final século XIX e início do século XX, dá lugar à uma razão crítica instrumental, fruto da coisificação humana na sociedade de trocas. A perspectiva do desenvolvimento da consciência ‘em si’ para a consciência ‘para si’ - transformadora e internacionalista - não se realiza na sociedade da Revolução de Outubro. Na Europa Ocidental, após as tentativas revolucionárias das primeiras décadas, podemos mesmo concluir ter ocorrido um refluxo da consciência ‘em si’ para a consciência ‘corporativa’. O capitalismo monopolista de Estado - proveniente da fusão das instituições e órgãos públicos com os núcleos dirigentes dos monopólios e oligopólios - consegue reprimir o desenvolvimento da contradição estabelecida entre as forças produtivas e a relação de produção capitalistas por meio da combinação entre a planificação econômica e aparelhos públicos e privados de hegemonia. A concepção marxista da passagem do capitalismo para o socialismo passa a conviver, a partir de então, com abalos emergidos da nova configuração do capitalismo. Ao construir novas reservas políticas e ideológicas a classe dominante não perde de vista o terreno nacional como a base fundamental para a realização do seu domínio. Os países de economia central buscam garantir índices de bem-estar para parcelas substanciais das suas populações, visando promover altos níveis de estabilidade política e o tempo e espaço necessário para fortalecer sua hegemonia ideológica. O capital oligopolista e financeiro internacional compreende que a coesão interna dos países de capitalismo central é fundamental para manutenção do domínio do capital em plano mundial. Nos países de capitalismo periférico a ‘pauperização progressiva’ é real para amplos setores. Contudo, os aparelhos de hegemonia, a militarização do Estado, os recursos da política tradicional, as constituições de segmentos sociais médios privilegiados, entre outros elementos, constituem-se em amortecedores das contradições sociais, isto é, convertem em mecanismos de contenção do desenvolvimento da luta de classes na perspectiva da transformação social. O capitalismo não pode conter ad eterno a contradição fundamental estabelecida entre as forças produtivas e as relações de produção. A subordinação das forças produtivas às relações de produção pode estar sendo abalada por meio da globalização da economia, do acirramento da competitividade, da reestruturação produtiva, da desregulamentação econômica, da demolição e/ou minimização do Estado do bem-estar social em diversos países, da desregulamentação do mercado de trabalho, entre outros processos, em curso a partir dos anos 70 na Europa Ocidental e Japão e anos 80 e 90 do século XX no restante do mundo. As crises econômicas periódicas, o acirramento da disputa de hegemonia entre os blocos imperialista, a elevação do movimento operário internacional, a luta pela garantia das conquistas conduzidas pelo ‘socialismo real’ no leste da Europa, são exemplos de processos que expressam luta de classe e que são capazes de proporcionar acirramentos da contradição fundamental. Em que pese o contexto histórico favorável para o desenvolvimento do capitalismo no início do século XXI, não há como não reconhecer que ele sofre derrotas importantes. O movimento antiglobalização, a internacionalização da luta pelo socialismo, os limites da ação imperialista no mundo muçulmano, etc, evidenciam, por um lado, processos históricos que não podem simplesmente ser removidos pelo capitalismo e, por outro, as condições básicas e fundamentais destes conflitos não possuem solução no seu interior. O Marxismo Reprimido A dinâmica de reprodução ampliada do capital e as novas configurações sociais, políticas, econômicas e ideológicas do desenvolvimento capitalista proporciona um ambiente que pode desencadear a superação de alguns conceitos e categorias do marxismo. Na verdade, uma previsão feita pelo próprio marxismo. Todavia, a crítica a conceitos e categorias marxistas está dando lugar a crítica ao método e a própria práxis política da transformação social. Os maiores adversários do marxismo emergem, não raramente, por dentro dele próprio. O revisionismo de Bernstein,Kautsky ou Mach, que buscam criticar o núcleo central das estruturas de análise que compõem o método e filosofia, são exemplos desta realidade. Os ideólogos da Teologia da Libertação reivindicam o ‘método marxista’ destituído da sua filosofia. Na verdade, propõem um retorno à um paraíso perdido: o hegelianismo de esquerda. Para os magos da ‘nova esquerda’, o marxismo é superado enquanto doutrina e filosofia revolucionária, restando um referencial - junto a outros - para interpretação e crítica do capitalismo. O marxismo - como momento das práxis revolucionárias -, é dispensado, em função de um ecletismo metodológico e humanista neo-idealista. A ala esquerda da socialdemocracia (e aliados), questionam para além do método. Conceitos universais como: luta de classes, ruptura, revolução, entre outros, para esses setores fazem parte do grande sistema mitológico representado pelo ‘marxismo revolucionário’. Conforme Lukács, A função do marxismo ortodoxo - superar o revisionismo e o utopismo - não é a liquidação, de uma vez por todas, de falsas tendências, mas sim uma luta incessantemente renovada contra a influência corruptora de formas do pensamento burguês sobre o pensamento do proletariado. Manter o ‘alvo final’ ou a ‘essência’ do proletariado isentos das distorções do materialismo vulgar, significa a compreensão da realidade, a atividade crítica prática, a superação da dualidade utópica do sujeito e do objeto, da teoria e das práxis Esse quadro emerge de um duplo processo. De um lado, a crise das experiências ‘pós-revolucionárias’ expressa, principalmente, por meio das burocracias autoritárias, das contradições nacionais e do atraso técnico e científico dessas sociedades. De outro lado, pela enorme capacidade repressiva desenvolvida pelo capitalismo junto às suas contradições básicas e fundamentais. A crise das sociedades ‘pós-revolucionárias’ e os novos obstáculos à luta pelo socialismo nos países periféricos e, principalmente, centrais do capitalismo, gera uma perplexidade no movimento socialista, de forma a expressar concepções revisionistas. Recriadas tendo como referência a socialdemocracia européia e desenvolvidas em novas e diversas formas, estas concepções estão quase sempre preocupadas com as ‘antinomias do marxismo’. Os críticos do marxismo ‘ortodoxo’ ampliam a sua influência, principalmente por meio da academia. O marxismo universitário desloca o centro de reflexão do movimento social e da luta de classes, como determina a melhor tradição marxista, para a academia. E como tal reivindica a separação da dialética do materialismo; da interpretação da realidade da articulação à perspectiva do mundo do trabalho; e do mundo do trabalho da transformação social. Esta é sempre o centro da ação política, teórica e filosófica de inspiração pequeno-burguesa contra o marxismo clássico. Não mais se estabelece uma relação dialética entre sujeito e objeto; quem conhece, conhece para si e para a academia e não para a classe. O conhecimento reflui para o plano da especulação e da ‘objetividade’ científica. Em certa medida, o marxismo universitário expressa o próprio processo de cooptação ideológica desenvolvido pela hegemonia burguesa, de forma a reduzir o marxismo a um método, concepção e teoria especulativa O marxismo ortodoxo refere-se ao seu método. Implica na convicção científica de que com o marxismo dialético encontrou-se o método correto de investigação e de que este só pode ser desenvolvido, aperfeiçoado e aprofundado no sentido indicado por seus fundadores; mais ainda: implica na convicção de que todas as tentativas de ‘superar’ ou ‘melhorar’ este método conduziram e necessariamente deveriam fazê-lo – a sua trivializarão, transformando-o num ecletismo A denominada crise do ‘marxismo’ surge da incompreensão, em uma perspectiva histórica, da contradição formada entre o desenvolvimento crescente das forças produtivas e os obstáculos representados pelas relações de produção. Contradição esta relegada pelos novos revisionistas de sempre. Marx indica na obra Para a Crítica da Economia Política (1858) as tendências econômico-tecnológicas internas ao desenvolvimento capitalista e que proporcionariam a sua tendencial dissolução: (Marx, 19.., p...). A medida que a grande indústria se desenvolve, a criação de riqueza real depende menos do tempo de trabalho e da quantidade de trabalho empregado e mais da potência dos instrumentos colocados em operação durante o tempo de trabalho. Esses instrumentos e a sua poderosa eficácia não são proporcionais ao tempo de trabalho imediato requerido pela produção; sua eficácia depende antes do nível científico adquirido e do progresso tecnológico, ou seja, da aplicação da ciência a produção. – O trabalho humano não mais aparece então encerrado no processo de produção; é antes o homem que é ligado a esse processo apenas como supervisor e regulador. Ele está fora do processo de produção, ao invés de ser o seu agente principal... nessa transformação, a base da produção e da riqueza não é mais o trabalho imediato realizado pelo homem, nem o seu tempo de trabalho, mas a apropriação de sua produtividade universal (poder criador), isto é, de seu conhecimento e de seu domínio da natureza através de sua existência social; em suma, do desenvolvimento do indivíduo social (das muitas capacidades). O furto do tempo de trabalho de um outro homem, sobre o qual se funda ainda hoje a riqueza social, aparece então como uma base bastante miserável, em comparação com a nova base criada pela grande indústria. Tão logo o trabalho humano, em sua forma imediata, deixe de ser a grande fonte de riqueza, o tempo de trabalho deixará de ser e de um modo necessário – a medida da riqueza; e o valor de troca deixará de ser a medida do valor de uso. O sobre trabalho da Massa (da população) cessará de ser a condição para o desenvolvimento da riqueza social, e a situação privilegiada de alguns deixará de ser a condição para o desenvolvimento das faculdades intelectuais universais do homem. Então, cai o modo de produção baseado sobre o valor de troca O colapso do capitalismo em Marx está ligado a tendência de crescente automação fruto da enorme centralização/concentração do capital, no qual o produtor estaria cada vez mais livre do processo de produção. O produtor poderia, desta forma, desenvolver a crítica radical da sociedade capitalista e burguesa e construir a consciência de classe ‘em si’ e a consciência de classe ‘para si’, de forma a compreender o sentido ‘pré-histórico’ da apropriação privada dos frutos do trabalho e apreender a necessidade de remover a contradição em favor do desenvolvimento humanizado das forças produtivas. A modernidade do capitalismo tem evidenciado a tendência, mas contraditoriamente, tem desenvolvido instrumentos para reprimi-la. Objetivamente, o revisionismo enfraquece o marxismo como teoria da crítica radical e priva o próprio método das práxis da perspectiva da transformação social. Por não compreender esta dinâmica do processo histórico, o resultado tem sido um retorno ao tipo de orientação política que majoritariamente grassa no Partido Socialdemocrata Alemão, sob a direção de Kautsky e Bernstein. A estratégia gradualista para o socialismo no plano da tática política é orientada por uma política institucional-parlamentar, respaldado por um movimento sindical reivindicativo-imediatista. Em nível da ciência priva o trabalho científico do seu sentido de classe e transformador, de forma a reduzir-se a um conhecimento ‘objetivo’. Em outras palavras, reduz o marxismo a uma manifestação ‘positivista’ de esquerda. Libertar o marxismo do revisionismo ocupa grande importância nas práxis voltadas para a transformação social. A exemplo de Lukács e da Escola de Frankfurt é necessário quesejamos ‘ortodoxos’ na defesa da sua essência, o método. Combinadamente, é necessário desenvolver uma estratégia político- cultural mediada por uma camada de intelectuais orgânicos de classe, capazes de proporcionar a construção de um movimento social amplo e radical o bastante para efetuar a crítica ao capitalismo e dirigir a construção da consciência de classe ‘em si’ e ‘para si’. Enfim, articular uma intervenção ao nível da infra e superestrutura social, informado por uma nova concepção de mundo, social-revolucionária, que permita a conformação de um novo bloco histórico capaz de remover os obstáculos criados pelo capitalismo para o avanço do processo histórico. Construir a Autonomia do Marxismo Até a década de 30 do século XX partidos comunistas, a exemplo do italiano, exercem uma influência criativa no desenvolvimento do marxismo. O marxismo se articula à prática social e deste processo resultam transformações que o enriquecem. Posteriormente, sob a influência dos conflitos estabelecidos entre a II e a III Internacionais e, principalmente, por causa da relação burocrática, autoritária e acrítica estabelecida entre a III Internacional e os partidos comunistas e destes para com seus militantes, grande parte da atividade teórica marxista acaba por se transferir para as universidades e se desvincular da prática política. Como consequência emergem novas concepções acerca do marxismo e que não raramente divergia do pensamento original de Marx e Engels. O desvirtuamento do marxismo encontra a partir de então um campo fértil. Isto porque o acadêmico não leva muitas vezes em conta as consequências práticas do seu pensamento, de forma a desautorizar um aspecto central do marxismo, qual seja, articular criativamente a teoria e a prática. O marxismo universitário haveria de enriquecer e, ao mesmo tempo, desviar o curso do marxismo. Superar o marxismo universitário é um passo importante no sentido do resgate das práxis transformadoras. Outra iniciativa importante é libertar o marxismo da camisa de força representado pelo leninismo. O conceito ‘leninismo’ não possui um sentido de ‘universalidade’ na perspectiva de umas práxis transformadoras. Formado no período da III Internacional a partir da necessidade de desenvolver uma organização partidária para a luta da transformação social em um contexto caracterizado por uma profunda repressão política, tal conceito prolonga-se para uma determinada concepção da internacional, do Estado soviético e de direções partidárias, cujas únicas interpretações válidas passam a ser aquelas emergidas da estrutura partidária. O ‘marxismo’ enquanto teoria leninista da revolução e amalgamado na política do partido perde a sua flexibilidade e autonomia como método de análise perante as práticas de partido. Não é casual a crise de elaboração ao nível da teoria e filosofia marxista ao longo do período, na medida em que um aspecto essencial à teoria crítica, qual seja, a liberdade de interrogação, encontra-se condicionado a estrutura orgânica do partido, a sua prática social, a sua concepção e o seu programa. Libertar o marxismo do leninismo não significa o retorno a um marxismo contemplativo. A superação do leninismo poderá proporcionar espaços para a reafirmação do método de análise marxista, condição necessária para a construção de uma teoria critica superior do capitalismo, para a construção de novos instrumentos de luta do mundo do trabalho e para a derrota estratégica do social-reformismo. A articulação destas diversas frentes de intervenção política do marxismo deve partir da sua própria crítica e convergir no reconhecimento da realidade nacional, de forma a identificar o novo estágio do capitalismo e suas contradições básicas; apreender a superestrutura vigente, em especial os modernos aparelhos privados e públicos de hegemonia; e compreender a estrutura de classes e a diversidade de expressões políticas e ideológicas que dela emergem. O marxismo há de ser ‘militante’. Deve contribuir para o aprofundamento da crítica das experiências ‘pós-revolucionárias’ e para a compreensão dos processos sociais que reprime o desenvolvimento das forças produtivas, em especial a formação da consciência de classe, tendo em vista supera-los. Combinadamente, deve buscar contribuir para a construção de referenciais gerais para o enfrentamento com capital em sua dimensão global. DIALÉTICA E HISTÓRIA Marx, por meio do diálogo crítico com os pensadores que o precedem e do compromisso com o mundo do trabalho, confecciona um novo método de análise. Método este que proporciona uma nova concepção de homem e de sociedade, uma interpretação dialética da história e uma crítica da economia política. Sociedade e Totalidade em Marx Identificar o método de análise de Marx nos impõe, de início, expor o seu conceito de “sociedade”. Para Marx, a sociedade, articulada por meio de uma formação social concreta e específica, seria produto do desenvolvimento individual e da ação recíproca dos homens, tenham eles consciência disso ou não. Entretanto, não poderiam eleger a formação social em que se encontram nem tampouco arbitrar livremente sobre suas forças produtivas. A formação social e as forças produtivas seriam o resultado, respectivamente, das lutas sociais e da ação sobre a natureza conduzidos por parte dos homens que os precederam. A sociedade se conformaria em um todo complexo e interdependente, sujeita a múltiplas determinações. A um determinado nível do desenvolvimento das forças produtivas, corresponderia um determinado desenvolvimento da produção, do comércio e do consumo. Um determinado nível do desenvolvimento da produção, do comércio e do consumo, corresponderia a um determinado desenvolvimento das formas de organização social – organização da família, das classes sociais etc. Um determinado nível de desenvolvimento das formas de organização social, corresponderia a um determinado Estado. Um determinado desenvolvimento das forças produtivas e das relações de produção, corresponderia a determinadas expressões ideológico-culturais (Marx e Engels, 1952, p. 414-424). A sociedade, articulada por meio de uma formação social concreta e específica, encontrar-se-ia em constante movimento. Portanto, qualquer formação social seria sempre transitória e histórica. Este conceito de “sociedade” é uma construção proporcionada pelo método dialético e compõe a concepção materialista da história. A compreensão das sociedades de classes, por exemplo, não pode ocorrer, portanto, abstraindo a gênese da sociedade, o modo como ela é produzida e o modo como ela opera em função da sua própria gênese. O Método Dialético Marx busca, em diversas oportunidades, distinguir o método dialético de Hegel do seu próprio método dialético. Uma destas oportunidades surge por meio do posfácio da segunda edição de O Capital para o alemão (Marx, 1988, p. 21-27). Para Hegel, segundo Marx, o processo do pensamento, identificado com a Ideia (ou Razão Absoluta), transformar-se-ia no sujeito, no demiurgo do real, do material; todo o real seria apenas uma materialização externa da Ideia. O movimento do real, do material seria, por assim dizer, uma realidade derivada, visto que seu fundamento e determinação se daria na Ideia. O homem histórico, portanto, seria apenas um instrumento do qual se valeria a Ideia para se desenvolver. Para Marx, a ideia não pré-existiria ao real, ao material. A ideia seria o próprio real transposto e traduzido no pensamento do homem. Marx excluía o sublime do existente, do real, contrapondo a dialética mistificada de Hegel à dialética calcada no real. Essa leitura dialética e materialista da relação entre ideia e real determinaria o método de análise de Marx, de modo que este partiria sempreda investigação preliminar do real e do concreto. Não do real e do concreto idealizado, como poderia sugerir o termo “população”, quando abstraído das suas classes sociais, das relações de produção sobre as quais se apoia etc, que, segundo Marx, somente poderia permitir atingir abstrações frágeis e progressivamente mais simples. Mas do real e do concreto enquanto uma rica totalidade de determinações e diversas relações. (Marx, 1982, p. 14). (...) o concreto aparece no pensamento como o processo da síntese, como resultado, não como ponto de partida, ainda que seja o ponto de partida efetivo e, portanto, o ponto de partida também da intuição e da representação. No primeiro método, a representação plena volatiliza-se em determinações abstratas, no segundo, as determinações abstratas conduzem à reprodução do concreto por meio do pensamento. Por isso é que Hegel caiu na ilusão de conceber o real como resultado do pensamento que se sintetiza em si, se aprofunda em si, e se move por si mesmo; enquanto que o método que consiste em elevar-se do abstrato ao concreto não é senão a maneira de proceder do pensamento para se apropriar do concreto, para reproduzi-lo como concreto pensado. Mas este não é de modo nenhum o processo da gênese do próprio concreto Partir do real e do concreto permitiria, segundo Marx, apreender dinâmicas e formular conceitos, enquanto expressão de múltiplas determinações do real captado e (re) construído no pensamento. Para Marx, expressaria “o curso do pensamento abstrato que se eleva do mais simples ao complexo” – e que corresponderia, efetivamente, ao próprio processo histórico (Marx, 1982, p. 15). Encerrado esse momento retornar-se-ia ao real, mas agora enquanto real reconstruído e conhecido. O real se apresentaria enquanto um fluxo permanente de movimento e de contradição. Movimento e contradição seriam dados objetivos do real, visto que emergiriam das próprias bases sobre as quais historicamente se configuraria o real. Portanto, independentemente da própria compreensão da ideia de movimento e de contradição (ou das representações construídas no âmbito do pensamento, tendo em vista expressá-las), elas percorreriam o pensamento e a prática do homem. Movimento e contradição expressar-se-iam em um período ou etapa histórica dominado por um modo de produção. Esse, por sua vez, se manifestaria por de formações sociais concretas e específicas. O modo de produção, bem como as formações sociais concretas e específicas, seriam estruturas sociais historicamente determinadas. Marx concebe o real (a sociedade concreta em seu movimento e sob contradições) como um processo histórico. Esse real estaria regido por dinâmicas históricas. Não dinâmicas gerais, a-históricas que, emergidas de leis naturais, regeriam para todo o sempre o real, mas dinâmicas específicas a cada período ou etapa histórica e que se expressariam por meio de modos de produção e de formações sociais concretas e específicas. Essas dinâmicas regeriam o movimento social, por um lado, como um processo, em grande medida, independente da vontade, consciência e intenção dos homens; mas, por outro, capazes, ao mesmo tempo, de determinar concretamente à vontade, a consciência e as intenções dos homens como agentes sociais diferenciados. Esgotado historicamente um modo de produção, novas dinâmicas se conformariam ao longo do processo de surgimento de um novo modo de produção. Assim, por exemplo, as dinâmicas que regulamentariam o comércio, a população, as moedas, no mundo medieval ocidental, não poderiam ser transpostas para compreender o comércio, a população e a moeda, no mundo capitalista ocidental. Categorias que encerram sentidos genéricos, como comércio, por exemplo, deveriam, por sua vez, ser investigadas dentro da especificidade que assumiriam em cada modo de produção. O positivismo, as leis naturais e sociais seriam idênticas. Já para Marx, as “leis” ou dinâmicas sociais seriam históricas e transitórias, expressando movimentos passíveis de transformação pela ação humana, não possuindo um sentido de exatidão matemática, mas de coerência geral determinada pelo todo interdependente dos elementos que compõe a sociedade. Para Marx, o fundamental na pesquisa científica seria, portanto, descobrir as dinâmicas que regeriam e modificariam os fenômenos estudados. Dinâmicas que atuariam nas condições e interesses materiais, inclusive no âmbito do próprio pensamento. Assim, a crítica do próprio pensamento, ideia, cultura, da sociedade moderna, somente poderia surgir do real, do material que o determina e não do pensamento refletindo diretamente sobre si mesmo. É da sua base material, o real, desvendado pela pesquisa, que o pensamento poderia autocriticar-se e desalinhar-se. Assim, o pensamento, a ideia, a cultura, em princípio fora de ‘lugar’, poderiam ser colocadas em seus devidos ‘lugares’. Marx cuida de distinguir, ainda, o método da pesquisa do método de exposição. Para Marx, “a pesquisa tem de captar detalhadamente a matéria, analisar as suas várias formas de evolução e rastrear sua conexão íntima. Só depois de concluído esse trabalho é que se pode expor adequadamente o movimento real” (Marx, 1988, p. 26). Marx dá exemplo concreto desta prática científica no estudo da economia política. Anteriormente à confecção da obra O Capital, Marx conduz estudos amplos e profundos sobre a mercadoria, o valor, a mais-valia, a reprodução (simples e ampliada) do capital, o dinheiro, entre outros temas, como podemos confirmar nos esquemas de estudo pessoal que tomam a forma das obras Para a Crítica da Economia Política e Teorias da Mais-Valia. Elas culminam, por meio do método dialético, na apreensão das dinâmicas que regem o capitalismo e que podem proporcionar condições sociais capazes de modificá-lo. A conquista do conhecimento do real e a sua exposição ordenada no plano do pensamento, podem criar a ilusão de uma construção a priori, de esquemas dedutivos. Mera ilusão, se pensarmos que uma obra, quando finalizada, nada mais é do que fruto de intensa pesquisa e exposição articulada por meio de uma coerência discursiva interna. Marx, conforme observamos, apresenta o seu método dialético dentro de uma configuração racional, empírica e materialista. Movimenta suas pesquisas do particular para o geral e vice-versa, busca apreender dinâmicas e formular conceitos por meio de estudos comparados dos fenômenos sociais, esforça para demonstrar a coesão entre o que anda nas ‘cabeças’ e as bases materiais sobre as quais se localizam os ‘pés’ e coloca a temporalidade dos fenômenos sociais no centro do seu pensamento. A Concepção Materialista da História Os debates sobre a destruição furtiva e o parcelamento da propriedade do solo, em curso na Província Renana, desperta em Marx uma preocupação com os chamados “interesses materiais” (Marx e Engels, 1983, Volume 1, p. 300 e 301). O recolhimento de lenha por parte de um camponês em uma propriedade, considerada furto pela Dieta Renana, conduz Marx à tomada de consciência de que o direito protegia a propriedade. Esse processo ocorre na sua experiência como redator da Gazeta Renana, entre os anos de 1842-43. Em 1844, por meio dos Anais Franco-Alemães, as investigações desembocam na conclusão “(...) de que tanto as relações jurídicas como as formas de Estado não podem ser compreendidas por si mesmas nem pela chamada evolução geral do espírito humano (...)”. Segundo Marx, elas “(...) se baseiam, pelo contrário, nas condições materiais de vida (...)”. Ainda segundo Marx, “(...) a anatomia da sociedade civil precisa ser procurada na economia política” (Marx e Engels, 1983, Volume 1, p. 301). A continuidadedos seus estudos permite a Marx concluir que “(...) na produção social da sua vida, os homens contraem determinadas relações necessárias e independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a uma determinada fase de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais” (Marx e Engels, 1983, Volume 1, p. 301). As relações de produção seriam as relações concretas que os homens estabeleceriam em uma determinada sociedade, tendo em vista a produção e reprodução dos indivíduos, das classes sociais e da sociedade. As relações de produção se expressariam na forma de propriedade, na forma de produção e distribuição dos excedentes sociais e na forma de organização das relações de trabalho entre as classes sociais. As relações de produção condicionariam profundamente as relações sociais em geral. As relações de produção encontrar-se-iam correlacionadas no seu desenvolvimento com as forças produtivas, que seriam os recursos tecnológicos, o conhecimento científico, as estruturas de produção rural e urbana, o nível de consciência social etc. Para Marx, não seria possível forças produtivas desenvolvidas, a exemplo do nível conquistado no capitalismo, coexistindo com relações de produção ‘atrasadas’ historicamente se comparadas a estas, a exemplo das relações de produção feudais. Portanto, relações de produção e forças produtivas determinar-se-iam no desenvolvimento da sociedade humana. As relações de produção e as forças produtivas, em suas relações concretas e socialmente estabelecidas, formariam a estrutura (ou base) econômica da sociedade. Sobre a estrutura “(...) se levanta a superestrutura jurídica e política e à qual correspondem determinadas formas de consciência social” (Marx, 1983, Volume 1, p. 301). Marx concebe uma interação e uma interdependência profunda entre a estrutura, responsável pela produção e reprodução da vida material, e a superestrutura, responsável pela produção e reprodução da vida política e espiritual. A relação dialética que Marx estabelece entre estrutura e superestrutura não exclui a ontologia. Neste ponto, Marx é categórico quando afirma que “(...) não é a consciência do homem que determina o seu ser, mas, pelo contrário, o seu ser social é que determina a sua consciência” (Marx, 1983, Volume 1, p. 301). Dito de outra forma, Marx não reconhece nas leis, nas formas do Estado, nas expressões subjetivas dos indivíduos, segmentos e classes sociais uma autonomia e independência da estrutura, ou seja, das condições materiais de existência da sociedade. Para Marx, a compreensão das superestruturas exige, necessariamente, um movimento de investigação que parta da estrutura.
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