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I VOLUNTEER AS TRIBUTE! 
ANÁLISE SOBRE A ADAPTAÇÃO CINEMATOGRÁFICA DA OBRA 
LITERÁRIA HUNGER GAMES 
Daniel Combas Soares – UFRRJ 
Debora Santos da Paz – UFRRJ 
1 INTRODUÇÃO 
Suzanne Collins é a autora, estadunidense, de toda a trama Hunger Games (Jogos 
Vorazes) e com 48 anos publica o primeiro livro de sua trilogia. Com mais de 85 milhões de 
exemplares vendidos, no mundo, a saga que toma conta das prateleiras de jovens e adultos 
apaixonados por livro de aventura, ficção científica e fantasia, tornando-se um dos clássicos 
da literatura contemporânea. A obra literária foi lançada em 2008 e trazida ao Brasil, em 
2010, pela editora Rocco, com a tradução de Alexandre D'Elia. 
Em 2012, a obra literária de Collins é adaptada para a indústria cinematográfica. Em 
cartaz, o primeiro filme de toda trilogia faz tanto sucesso quanto na literatura, as bilheterias 
alcançaram um número tão grande que o filme tornou-se o 3º (terceiro) maior sucesso, nos 
Estados Unidos e o 9º (nono) em todo o globo. Além de ter “dominado” a 21ª edição do 
premio de cinema da rede americana MTV, o MTV Movie Awards, levando 4 dos 8 prêmios 
indicados. O filme foi dirigido por Gary Ross e produzido por Jon Kilik e Nina Jacobson, 
tendo Ross, Collins e Billy Ray como responsáveis pelo roteiro. 
Neste ensaio, serão apresentados alguns pontos principais desta adaptação da literatura 
para o cinema, abordando a caracterização da personagem Katniss Everdeen (Jennifer 
Lawrence) assim como a perspectiva da sua narrativa tendo como enfoque seus espaços, 
tempos e efeitos. 
 
2 A CARACTERIZAÇÃO DE KATNISS: A GAROTA EM CHAMAS 
Hunger Games (Jogos Vorazes) é ambientado na nação futurística de Panem, 
possuindo como polo principal a cidade de Capital, a qual é rodeado por doze Distritos. Em 
um tempo não especificado, criou-se na Capital o evento televisivo de sobrevivência 
denominado: Jogos Vorazes. Assim como todo evento televisionado, é necessário que os 
competidores possuam patrocinadores. Esses patrocinadores – a elite de Capital – ajudam os 
competidores durante os Jogos, enviando-lhes recursos que possam auxiliar a sobrevivência 
dos vinte e quatro candidatos a título de tributo vencedor dos Jogos Vorazes. Dito isso, a 
caracterização está intrinsecamente ligada como fator essencial para chamar à atenção da elite 
patrocinadora dos Jogos Vorazes, que é excêntrica e muito ligada a moda que dita toda a 
cidade de Capital. Na fase de preparação dos jogos, cada participante ganha um estilista que 
tem por função destacar o seu competidor, como caracteriza-lo de acordo com o Distrito a 
qual pertence. Como o Distrito 12 é o responsável pela mineração de toda Panem, Katniss e 
Peeta – o competidor masculino do Distrito 12 – devem se vestir de algo que remeta a 
minérios. Lembrando que há somente um vencedor dos Jogos, mesmo que, participem dois 
competidores de cada Distrito – um do sexo feminino e outro do masculino. O estilista 
escolhido para encaminhar Katniss rumo a um possível patrocínio – e vitória – é Cinna, que 
encara então o seu primeiro Jogos Vorazes. 
 
2.1 Adaptações de figurino 
A caracterização da personagem entre o livro e o filme é similar. A obra 
cinematográfica, entretanto, opta por algumas mudanças. Como podemos ver a seguir, entre a 
transcrição da vestimenta do livro e sua respetiva cena no filme: 
Algumas horas depois, estou vestida em algo que ou vai ser a mais 
sensacional ou a mais horrenda roupa da cerimônia de abertura. Estou 
usando uma peça única preta que me cobre do tornozelo ao pescoço. Botas 
de couro bem engraxadas com cadarços até o joelho. Mas são a pelerine 
esvoaçante – com matizes de laranja, amarelo e vermelho – e o chapéu que 
definem a roupa. Cinna planeja ilumminá-los com fogo pouco antes de nossa 
carruagem entrar nas ruas. (COLLINS, p.75, 2010). 
E a cena do filme: 
 
 
Jennifer Lawrence e Josh Hutcherson em seus respectivos personagens na apresentação dos 
tributos aos Jogos Vorazes (00:32:33min). 
 
Observa-se que a pelerine esvoaçante transcrita no livro não existe no filme, no lugar 
desta já há diretamente o fogo, com as matizes de laranja, amarelo e vermelho. Entretanto, 
todo o resto da caracterização é bem equivalente – exceto o chapéu que não há no filme. 
Dessa forma, é possível perceber como a adaptação cinematográfica tenta ser fiel a sua obra 
original, quando mesmo que não haja um acessório ao outro, há todo um conjunto de 
elementos e imagens que fazem referências às descritas no livro, no caso a pelerine em 
chamas. Sobre isso, podemos dizer que: 
O termo para adaptação enquanto “leitura” da fonte do romance, sugere que 
assim como qualquer texto pode gerar uma infinidade de leituras, qualquer 
romance pode gerar um número infinito de leituras para adaptação, que serão 
inevitavelmente parciais, pessoais, conjunturais, com interesses específicos. 
(STAM, p.27 2006). 
 
Dessa forma, se percebe que o filme enquanto leitura do romance opta por não seguir a 
risca milimetricamente cada detalhe composto no livro, mas se preocupa em transmitir 
configurações que ao menos lembrem os descritos na obra. Isso acontece, pois são dois tipos 
de obras distintas, uma literária e outra cinematográfica, sendo assim a adaptação pode variar 
no sentido de leitura da obra literária, julgando como melhor seria uma transmissão de 
sentidos em tela cinematográfica. 
Seguimos o exemplo, na cena em que Katniss está em uma pré-entrevista para os 
jogos: 
A criatura que está em pé diante de mim no enorme espelho veio de outro 
planeta. De um planeta onde a pele brilha e os olhos faíscam e, 
aparentemente, onde fazem suas roupas a partir de joias. Porque meu 
vestido, ah, meu vestido é inteiramente coberto de preciosas gemas que 
refletem luminosidade: vermelho, amarelo e branco com um pouquinho de 
azul que acentua as pontas dos desenhos das chamas. O mínimo de 
movimento dá a impressão de que sou engolida por línguas de fogo. 
(COLLINS, p. 133, 2010). 
 
E a cena visual: 
 
Aqui Katniss (Jennifer L.) já apresenta seu vestido à plateia na entrevista, com seus 
movimentos de girar, o vestido antes comum, começa a pegar fogos em suas pontas (00:55:30min). 
 
Observa-se que a autora Collins descreve o vestido de forma que suas pontas sugerem 
serem como chamas, enquanto o filme acentua essa ideia na própria chama. Aqui há dois 
recursos distintos em jogo: O primeiro literário, na obra Katniss é a narradora de sua própria 
história, ela se sente nessa cena tão radiante quanto o sol, por conta do seu vestido cintilante; 
E o segundo cinematográfico, Katniss é a personagem principal da obra, mas os seus 
pensamentos não são ouvidos, o público não conhece a forma como ela se sente. O filme 
escolhe por meio do seu recurso visual demostrar que Katniss está radiante, seu vestido flama 
por ser tão deslumbrante. 
 
2.2 Por trás das câmeras 
A autora do livro Suzanne Collins está ligada diretamente a produção e roteirização do 
filme, credenciada no mesmo. Por isso as cenas da “garota em chamas” são tão parecidas 
entre si, não de forma literal, mas de forma transmissível: Katniss se sente em chamas e o 
público a enxerga assim. Assim, a Katniss do livro e de sua respectiva adaptação não sofre 
descaracterização. São implantados recursos audiovisuais para que o público conhecedor – ou 
não – da obra identifique a caracterização da mesma. Stam ao fazer um paralelo sobre 
hierarquia entre crítica literária e literatura de Roland Barthes, diz que: 
 [...] do mesmo modo, funciona analogamente para resgatar a adaptação ao 
cinema como uma forma de crítica ou “leitura” do romance, que não está 
necessariamente subordinada a ele ou atuando como um parasita de sua 
fonte. (STAM, p.22, 2008). 
 
Ou seja, o filme não atua simplesmente como mera xerox do livro, como tem 
características próprias. São obras distintas que traçam caminhos próprios da melhor maneira 
que caiba em sua respetivaprodução, seja literária, cinematográfica ou teatral. 
 
3 ASPECTOS DAS NARRATIVAS 
 A construção da narrativa em qualquer meio artístico é o ponto focal para a obra 
alcançar um sucesso e reconhecimento do público. Hunger Games (Jogos Vorazes) é 
construído através de uma distopia, um futuro marcado por um governo ditador e opressivo. A 
narrativa construída tanto na obra literária quanto na cinematográfica, pode ser caracterizada 
pelo termo voz-off, uma vez que, reconhecemos a narradora como a personagem principal 
(Katniss), narrando os acontecimentos inicias e pensamentos explicativos durante toda a 
trama. 
 Stam (2006) em Teoria e pratica da adaptação: da fidelidade à intertextualidade, 
assume que “O texto original é uma densa rede informacional, uma série de pistas verbais que 
o filme que vai adaptá-lo pode escolher, amplificar, ignorar, subverter ou transformar.”. 
Contudo, na adaptação de Hunger Games para o modelo cinematográfico a atmosfera, ou o 
climax da narrativa ainda é representado, transmitindo a tensão e reflexão criados pela obra 
literária e, sobretudo, dando espaço para inúmeras discussões abordadas na trama. A 
abordagem psicológica adotada nas duas obras leva o público a ser envolver e sofrer com a 
história. 
3.1 Tempo e espaço 
As estruturas narrativas, assim como os diálogos e até mesmo a cronologia, 
geralmente, são alterados durante a adaptação de uma obra literária para a cinematografia. 
Entretanto, Hunger Games pode ser considerado uma das obras que possuem o maior eixo de 
similaridade entre as duas formas de apresentação. 
Bakthin por Stam (2006), cria uma conceito de construção de adaptação, assim como a 
construção da própria obra escrita: 
“construção híbrida”, a expressão artística sempre mistura as palavras do 
próprio artista com as palavras de outrem. A adaptação, também, deste ponto 
de vista, pode ser vista como uma orquestração de discursos, talentos e 
trajetos, uma construção “híbrida”, mesclando mídia e discursos. (STAM, 
p.05, 2006) 
Dito isso, compreendemos a construção das obras como conjunto de ideias produzidas 
em determinados aspectos. Fato que é reconhecido na abordagem destas duas obras, sendo 
retratados de formas iguais, no mesmo período de tempo e espaço. 
A história é construída através dos cenários da capital, dos distritos e da arena, onde 
acontecem os jogos. Possuem os mesmos, emblemáticos, espaços com uma cronologia de 
começo, meio e fim – e continuação com obras posteriores – sendo harmoniosamente 
dividida. O livro quanto o filme respeitam o tempo necessário para a produção das cenas, 
assim como seus respectivos diálogos, não são diminuídos a ponto de mudarem os recortes. 
Há equivalências para a produção de sentido e transformação em uma obra voltada a área 
audiovisual. 
 Stam faz referência a essa alteração quando aborda “A teoria performativa, por sua 
vez, oferece uma linguagem alternativa para tratar da adaptação, pela qual tanto o romance 
quanto a adaptação viram performances, um verbal, e o outro visual, verbal e acústico.”. Essa 
alteração é necessária para que o leitor e/ou espectador seja introduzido de forma eficaz tanto 
meio externo quanto ao interno da obra, ou seja, ao ambiente, ao funcionamento daquela 
sociedade e à cultura e ao psicológico dos personagens. Stam também aborda a adaptação sob 
a perspectiva cultural: 
Sob uma perspectiva cultural, a adaptação faz parte de um espectro de 
produções culturais niveladas e, de forma inédita, igualitárias. Dentro 
de um mundo extenso e inclusivo de imagens e simulações, a 
adaptação se torna apenas um outro texto, fazendo parte de um amplo 
contínuo discursivo'' (SATAM, p.06, 2006). 
 
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS 
A partir dos aspectos levantados nesse ensaio, podemos dizer, em linhas gerais, que 
Hunger Games é uma adaptação fiel a sua obra literária. Vemos que, a coparticipação da 
própria escritora contribuiu para que a adaptação possuísse elementos em que, em nenhum 
momento, fossem fora de contexto da obra principal. Até pequenas nuances, como no livro 
Cinna ter sugerido que Katniss e Peeta segurassem as mãos na apresentação da carruagem 
(COLLINS, p.78, 2010), e no filme o próprio Peeta ter sugerido isso, podem ser observados 
como recursos estritamente cinematográficos, visto que, um filme tem muito menos tempo de 
desenvolvimento para abordar a construção do romance entre os dois. Dessa forma, não se 
espera que uma obra seja superior a outra, ou que, uma adaptação seja considera melhor por 
seguir a risca a sua obra, afinal, são formas artísticas distintas, e é nesse ponto que queremos 
chegar. Hunger Games, enquanto adaptação respeita sua obra original, modifica aspectos – 
mesmo que pequenos – quando necessários para que seu público cinematográfico possa 
apreciar a obra. Enfim, Jogos Vorazes (2010) e Hunger Games (2012) foi um grande sucesso 
teen, tanto como obra literária quanto obra cinematográfica; a história envolvente de uma 
protagonista mulher que luta contra todo o sistema ditatorial em que vive, em tempos pós 
modernos, sua história é mais do que necessária, e suas respectivas continuações também, 
como se comprovaram com o estrondoso sucesso de bilheteria. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
REFERÊNCIAS 
COLLINS, Suzanne. Jogos Vorazes. Trad. Alexandre D’Elia. 1ªed. Rio de Janeiro: Rocco 
Jovens Leitores, 2010. 
STAM, Robert. Teoria e pratica da adaptação: da fidelidade à intertextualidade. Florianópolis: 
Ilha do Desterro. nº 51, p. 019- 053, 2006.

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