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Concentração Fundiária e MST

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A CONCENTRAÇÃO FUNDIÁRIA NO BRASIL E O SURGIMENTO DO MOVIMENTO DOS TRABALHADORES SEM TERRA (MST): A QUESTÃO AGRÁRIA
Thierry Almeida 86533
Resumo
	A história agrária brasileira sempre esteve ligada a concentração de terras, se iniciando com a concessão de sesmarias no período colonial. Após séculos de concentração fundiária, diversos movimentos de trabalhadores rurais surgiram, lutando pela terra, dentre eles o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST.
Palavras-chave: Reforma agrária, concentração fundiária, MST.
Introdução / A questão fundiária
	No ranking dos países com uma das estruturas fundiárias mais antigas do mundo, o Brasil expressa altíssimos níveis de concentração de terras na mão de poucos desde os tempos mais antigos, sendo essas localizadas principalmente nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do país.
	Historicamente sempre ligado à concentração fundiária, teve seu início com a primeira forma de acesso jurídico à terra – as sesmarias –, em 1530, sendo um tipo de concessão e doação de terras a sesmeiros com a condição do cumprimento de determinadas exigências. Tais exigências seriam: o cultivo da terra, pois, somente com a utilização econômica da mesma, o sesmeiro poderia ser dono de fato, e consequentemente a moradia habitual. Contudo, problemas inviabilizaram a exploração econômica de muitas terras. A grande dimensão espacial das parcelas de terras era uma delas, e também a falta de mão de obra. 
Mas isso não significou o fim das concessões – até porque senão esse resumo provavelmente não estaria sendo escrito –. Mesmo sem as exigências cumpridas, sem comprovação de produção, ou de habitação, no fim, não houve perda de concessões, iniciando o começo da concentração de terras não produtivas no Brasil.
Tal modelo continuou sendo a base do latifúndio até meados da década de 20 do século XIX, quando chega seu fim. Após sem fim, o país ficou quase três décadas sem nenhum tipo de legislação de acesso à terra, beneficiando uma elite em minoria que ansiava pelo monopólio da terra. Em 1850 surge a então a Lei de Terras, tornando somente possível o acesso à mesma pelo intermédio da compra. Tal estratégia, segundo Strazzacappa (2006) elaborada pelos grandes latifundiárias da época, tinha o objetivo de dificultar o acesso à terra por negros libertos e imigrantes, uma vez que o preço estipulado por essas era extremamente alto, sendo se tornando uma aquisição impossível à essa camada mais pobre e marginalizada da sociedade, assim como incluiu dispositivos sobre as condições para a revalidação das doações passadas, bem como as normas para a legitimação das posses mansas e pacíficas. 
	Desta forma, o latifundiário brasileiro foi progressivamente se solidificando com o tempo, através de medidas adotadas pela elite agrária dominante, e diferentemente dos outros lugares do planeta, onde as políticas de reforma agrária eram pautadas na função social da terra (ibid., 2006).
	
A reforma agrária no Brasil e o surgimento do MST 
	Segundo Fernandes (1999), a reforma agrária no país tem sua história marcada por diversos organismos desenvolvidos pelo poder federal, objetivando o controle sobre as lutas camponesas existentes, opositoras à concentração fundiária. Garantida pela constituição brasileira de 1988, o documento estabelece uma política de formas definidas com o objetivo de promover melhor distribuição de terras, mediante modificações no regime de posse e uso, com justiça social e maior produtividade. Com essa política, seria esperado o fim do latifúndio, paralisação do êxodo rural e o combate a miséria rural, porém, como sabemos, não foi esse o fim.
	Dos diversos movimentos de trabalhadores rurais que lutam contra a concentração fundiária do país e elaboram propostas para organizar e viabilizar economicamente e socialmente os assentamentos rurais, se destaca o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, conhecido popularmente como MST. Um movimento de caráter nacional.
	Sendo “gestado” a partir das primeiras lutas e das primeiras reuniões que aconteceram entre os anos de 1978 a 1983, foi criado em janeiro de 1984, na cidade de Cascavel, PR, por ocasião do Primeiro Encontro Nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o movimento, de inspiração marxista, que luta pela aplicação da reforma agrária garantida pela constituinte, e contra a elite fundiária dominante, ocupando suas terras improdutivas através de acampamentos, e lutando para a criação de assentamento nesses espaços, para fazer o uso produtivo dessas terras inertes. 
	Todavia (Fernandes, 2008b), a expressão “trabalhadores rurais” não sobreviveu na própria sigla, e principalmente por causa da fundação da Via Campesina, a expressão “camponês” apareceu cada vez mais nas falas e nos documentos do movimento. Ainda (Ibidem, 2008b), esta definição fortaleceu a identidade do MST como movimento camponês, e tal fortalecimento acentuou a questão territorial da luta. Sendo assim, um movimento camponês não existe sem os territórios do campesinato.
Por essa razão, um movimento camponês também é um movimento socioterritorial (Ibid, 2005). É da terra e de todos os bens produzidos desde a terra que o campesinato promove a sua existência. Portanto, sendo o território um elemento fundamental na questão agrária. 
Sendo condição essencial para todos os tipos de organização, o MST vai disputar territórios com seu principal oponente: o agrobusiness. Essa disputa é uma das principais marcas da questão agrária desde o passado até a atualidade e foi ampliada e intensificada pela modernização e mundialização da produção agrícola (Ibid, 2008b). Contraditoriamente, esta nova realidade liberta a reforma agrária da simples compreensão distribucionista e amplia seu conteúdo para uma luta multidimensional. Lutar pela reforma agrária significa lutar por todas as dimensões do território, entre elas a tecnologia, o mercado, a educação, saúde e, principalmente, contra o capital que procura tomar o controle dos territórios do campesinato (Ibid, 2008b).
	Segundo Fernandes (2001), a questão agrária é compreendida como um problema estrutural do capitalismo, sendo parte de sua própria lógica de desenvolvimento, gerando processos de diferenciações e desigualdades, expulsões e expropriações, excluindo ou subalternizando, destruindo e recriando o campesinato. Por essa razão, as relações entre campesinato e capital são de conflitualidades permanentes e explicitadas, de um lado, pela subalternidade do campesinato ao capital e pelo poder que o capital tem, de acordo com os seus interesses, de destruir e recriar o campesinato e, de outro lado, pela resistência do campesinato em determinar sua própria recriação por meio das ocupações de terra (2008a).
No centro dessas conflitualidades há a disputa territorial que se manifesta no controle do processo de criação e destruição do campesinato. A questão agrária é então uma questão territorial e a reforma agrária é a face dessa dimensão. As conflitualidades expressam os embates dos processos estruturais e suas características conjunturais. Nas últimas quatro décadas, a questão agrária teve diferentes conjunturas. Na década de 1970, a intensificação da expansão das monoculturas e a ampliação da agroindústria, acompanhada da quase extinção dos movimentos camponeses pela repressão da ditadura militar, marcou uma das maiores crises da resistência do campesinato. Com a redemocratização do país na década de 1980, ocorreu a consolidação do modelo agroexportador e agroindustrial simultaneamente ao processo de territorialização da luta pela terra, com o aumento das ocupações de terras e da luta pela reforma agrária (2008b).
As políticas de reforma agrária nas eras FHC e Lula
	
Segundo Fernandes (2008b) a luta pela terra, por meio das ocupações, cresceu mais intensamente a partir da primeira gestão do governo FHC. As duas gestões deste governo são marcadas por diferentes políticas de reforma agrária. Na primeira gestão, o governo FHC apostou que eliminaria a questão agrária com a realização de uma ampla política de assentamentos,sendo o período em que mais se assentou famílias. Todavia, a questão agrária se manteve, por causa de seu caráter estrutural previamente explicado. 
Fracassada a estratégia, o oposto foi realizado. Uma política de criminalização de ocupações foi investida, criando medidas provisórias para não assentar famílias ocupantes de terra e não desapropriar terras ocupadas. Tais políticas atingiram parcialmente as ações dos movimentos camponeses, diminuindo o número de ocupantes na segunda gestão do governo. Como a ocupação determina a criação do assentamento, a diminuição do número de famílias ocupantes representou a diminuição de famílias assentadas (ibidem, 2008b).
No primeiro governo Lula (2003-2006), o MST demonstrou seu apoio à gestão. Havia a perspectiva de um governo agressivo na implantação da reforma agrária, uma vez que essa era uma das promessas do então presidente, sendo até mesmo elaborado, em 2003, com participação de membros do movimento, o Plano Nacional de Reforma Agrária (II PNRA) (um primeiro foi elaborado nos anos 80, no governo Sarney, mas barrado pelos ruralistas da União Democrática Ruralista (UDR). 
Os movimentos camponeses realizaram o maior número de ocupações de terras e de família da história da luta pela terra no Brasil. Ao contrário da segunda gestão do governo FHC, que criminalizou as ocupações, o governo Lula sempre dialogou com os movimentos camponeses (Ibidem, 2008b), contudo, também criou uma nova política agrária que, paradoxalmente, fez avançar e refluir a luta da terra e a reforma agrária no Brasil, uma vez que o agronegócio também é uma das forças do arco de alianças que apoiaram esse governo (Ibidem, 2008b).
De forma velada (Ibidem, 2008b), o governo Lula não desapropriou terras nas regiões de interesses das corporações para garantir o apoio político do agronegócio, mesmo em regiões de terras declaradamente griladas. Esta postura resultou numa reforma agrária paradoxal. Aproveitando-se do acúmulo das experiências de implantação de assentamentos, o governo Lula investiu muito mais na regularização fundiária de terras de camponeses na Amazônia do que na desapropriação de novas terras para a criação de novos assentamentos de reforma agrária.
No geral, em nenhum dos dois governos, apesar de períodos em que o número de criação de assentamentos se elevou consideravelmente, as políticas de reformas foi eficientemente e devidamente implantadas, devido ao principal opositor, o agronegócio. Não obstante, refinanciamento de dívidas e aumento de novos créditos de investimentos e custeio possibilitaram ao agronegócio a territorialização sobre as terras da Amazônia, desmatando áreas recordes nos estados do Mato Grosso, Rondônia e Pará.
Conclusão
	A luta pela terra continuará enquanto a reforma agrária não for feita de forma efetiva e justa para eliminar a concentração fundiária tão profunda que marca historicamente nosso país. Com os novos desenvolvimentos tecnológicos e a expansão do capital nos processos produtivos, a tendência é que o agronegócio se amplie cada vez mais no território brasileiro, mas, enquanto o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra existir, resistência poderá ser esperada. “Lutar! Construir Reforma Agrária Popular!” 
Referências Bibliográficas
· ALMEIDA, Ana Claudia Silva. SERRA, Elpídio. CONCENTRAÇÃO DE TERRAS O BRASIL - UM OLHAR ACADÊMICO SOBRE O PROCESSO, 2012.
· FERNANDES, Bernardo M. Contribuição ao estudo do campesinato brasileiro e formação e territorialização do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - (1979 –1999). 1999, 318 f. Tese (Doutorado em Geografia) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1999.
· FERNANDES, Bernardo Mançano 2001 Questão agrária, pesquisa e MST (São Paulo: Cortez).
· FERNANDES, Bernardo Mançano 2005 “Movimentos socioterritoriais e movimentos socioespaciais” em OSAL (Buenos Aires: CLACSO) Vol. 16, enero-abril.
· FERNANDES, Bernardo Mançano 2008a “Entrando nos territórios do Território” em Paulino, Eliane Tomiasi e Fabrini, João Edmilson (coords.) Campesinato e territórios em disputa (São Paulo: Expressão Popular).
· FERNANDES, Bernardo Mançano 2008b “O MST e as reformas agrárias do Brasil”
· Pereira, João Márcio Mendes, 2004 “O modelo de reforma agrária de mercado do Banco Mundial em questão: o debate internacional e o
caso brasileiro. Teoria, luta política e balanço de resultados”, Dissertação de mestrado, CPDA-UFRRJ, Rio de Janeiro.
· Ramos Filho, Eraldo da Silva, 2008 “De pobre e sem-terra a pobre com-terra e sem-sossego: territorialização e territorialidades da reforma agrária de mercado (1998-2006)” em Fernandes, Bernardo Mançano; Medeiros, Leonilde e Paulilo, Maria (coords.) Lutas camponesas contemporâneas: condições dilemas e conquistas (São Paulo: UNESP) no prelo.
· STRAZZACAPPA, Cristina. A luta pela terra no Brasil – das sesmarias ao MST. São Paulo, Moderna, 2006.

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