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Eclâmpsia A eclâmpsia caracteriza-se pelo aparecimento de convulsões tonicoclônicas generalizadas, excluindo-se aquelas de outras causas ou alterações do sistema nervoso central (SNC), em gestantes com sinais e sintomas de pré-eclâmpsia. Pode-se manifestar durante a gestação, o parto ou o puerpério. Sua incidência varia segundo a literatura, sendo mais frequente em condições socioeconômicas desfavoráveis, atendimento pré-natal deficiente e acompanhamento inadequado da pré-eclâmpsia. As complicações maternas mais frequentemente associadas à eclâmpsia são hemorragia cerebral, edema agudo dos pulmões, insuficiência respiratória ou renal e coagulopatia. Fisiopatologia: consiste em uma manifestação do comprometimento do SNC da pré-eclâmpsia e, portanto, o motivo do aparecimento das convulsões é desconhecido. Foi sugerida a participação do edema cerebral, da isquemia, da encefalopatia hipertensiva, do infarto cerebral e da hemorragia cerebral. Estudos recentes têm avaliado o papel de fatores circulantes (fatores de crescimento, citocinas, fatores pró-inflamatórios e antiangiogênicos) no endotélio dos vasos cerebrais, demonstrando aumento da permeabilidade capilar; a atividade de aquaporinas também seria reduzida em pacientes com pré-eclâmpsia, dificultando a drenagem de líquido acumulado no cérebro. Contudo, nenhuma dessas condições tem explicado de maneira satisfatória a fisiopatologia da eclâmpsia. Quadro clínico: O processo de instalação da eclâmpsia é geralmente gradual, embora em alguns casos a instalação seja rápida e devastadora, e se inicia com a elevação da pressão arterial e ganho excessivo de peso (> 1.000 g/semana), além de edema generalizado. A convulsão típica da eclâmpsia evolui clinicamente em quatro fases, as quais foram assim descritas por Briquet: Fase de invasão: pode ser silenciosa ou precedida de grito ou aura. Surgem fibrilações, principalmente em torno da boca, com o aparecimento de contrações em outras regiões faciais. A língua pode ser exteriorizada e, com o fechamento da boca, pode ser atingida e lesada. Os membros superiores ficam em pronação, com o polegar sobre a mão fechada. Esta fase dura cerca de 30 segundos. Fase de contrações tônicas: tetanização de todo o corpo com opistótono cefálico. Os masseteres se contraem com força, fechando a boca. O rosto se mostra cianótico e pletórico, com os olhos voltados para cima e as pupilas dilatadas. Fase de contrações clônicas: inspiração profunda seguida de expiração estertorosa e saída de muco sanguinolento pela lesão da língua. Pode haver incontinência de fezes e urina. Fase de coma: surge diante de convulsões repetidas ou prolongadas em que há perda de consciência e ausência de reflexos com duração de alguns minutos até horas ou dias. Há situações em que as convulsões se tornam frequentes e não ocorrem intervalos entre elas, o que caracteriza o estado de mal convulsivo. Outras manifestações clínicas de insuficiência de diversos órgãos são comuns na eclâmpsia: oligúria ou anúria, insuficiência respiratória, cianose, icterícia e sangramentos. Além disso, pode haver aumento do tônus e da frequência das contrações uterinas e diminuição da frequência dos batimentos cardíacos fetais. Essas Saúde da mulher Por: ANA CLARA MELO alterações em geral acontecem durante as convulsões ou imediatamente depois delas e desaparecem após alguns minutos desde que a hipoxemia materna seja corrigida. Tratamento O tratamento visa a manutenção da função cardiorrespiratória e da oxigenação materna, controle da pressão arterial e correção da hipoxemia e da acidose materna. Para o planejamento terapêutico, toma-se importante a realização de alguns exames complementares, como hemograma com contagem de plaquetas, coagulograma, dosagem de ureia, creatinina, sódio, potássio, enzimas hepáticas, ácido úrico, bilirrubinas totais e frações, DHL, gasometria arterial, proteinúria, exame de fundo de olho, eletrocardiograma e tomografia computadorizada (se houver persistência do quadro convulsivo). Contraindica-se o uso de benzodiazepínicos, pois a convulsão é autolimitada, além de favorecer a depressão respiratória e neurológica e promover a diminuição dos reflexos laríngeos, o que facilitaria a aspiração do conteúdo gástrico. Para a prevenção de novas convulsões, utiliza-se o sulfato de magnésio. As observações clínicas e os estudos sugerem que o sulfato de magnésio exerce sua ação anticonvulsivante ao agir diretamente no córtex cerebral. Pelo menos três mecanismos são aventados: possui efeito vasodilatador, bloqueia a excitação e promove transmissibilidade elétrica no tecido cerebral. De maneira geral, com o sulfato de magnésio se observa controle da convulsão logo após a dose de ataque e, entre 1 e 2 horas a partir da primeira administração, a paciente encontra-se consciente. A vantagem dele sobre os demais anticonvulsivantes é o fato de essa droga, em doses habituais, não produzir depressão do SNC, tanto materno como fetal, ainda que ultrapasse rapidamente a barreira placentária. Com a persistência de convulsões, apesar da utilização do sulfato de magnésio, ou nos casos confirmados de hemorragia cerebral, realiza-se a administração de fenitoína na dose de 250 mg (1 ampola diluída em soro fisiológico, 250 mL intravenosos em 10 minutos), e repete-se o esquema a cada 30 minutos até completar 750 mg. Para a manutenção, usam-se 100 mg por via intravenosa a cada 8 horas enquanto se mantiver a venoclise. E então, 100 mg por via oral a cada 8 horas, seguindo a orientação do neurologista. O tratamento hipotensor está indicado diante de pressão arterial diastólica > 110 mmHg, decorridos 20 a 30 minutos da dose venosa do esquema de ataque com sulfato de magnésio. Utiliza-se a hidralazina na dose de 5 mg por via intravenosa a cada 15 minutos até o controle da pressão arterial, ou seja, redução de 20 a 30% da pressão arterial diastólica em relação às medidas iniciais. E preciso lembrar que a hidralazina deve ser diluída em 19 mL de água destilada (1 ampola= 1 mL = 20 mg). Para cada aplicação, são utilizados 5 mL da solução. Com a estabilização materna, deve-se dar início à avaliação da idade gestacional, do peso e da vitalidade fetal. Bradicardias fetais transitórias com duração de 3 a 5 minutos são comuns após as convulsões e não indicam que a interrupção da gestação deva ser imediata. Depois do episódio convulsivo, é comum o aparecimento de taquicardia fetal compensatória com desacelerações transitórias que desaparecem em 20 a 30 minutos. 118 Apesar de a interrupção da gestação constituir o tratamento definitivo da eclâmpsia, é importante que as avaliações maternas e fetais sejam adequadas e que todas as medidas de correção sejam realizadas antes do nascimento. A estabilização clínica antes do parto melhora as condições perinatais e reduz os riscos maternos. Há autores que sustentam a interrupção da gestação após a estabilização do quadro clínico, independentemente da idade gestacional. Nos casos de fetos vivos e inviáveis na forma não complicada da eclâmpsia, opta-se pela conduta obstétrica conservadora (eclâmpsia intercorrente). O objetivo é estabilizar o curso da doença e reduzir a morbidade e a mortalidade perinatais. Nesse caso, a gestante, após receber as medidas terapêuticas, permanece internada, sob vigilância contínua até a 34 semanas. A interrupção da gestação é antecipada caso ocorra evolução materna desfavorável ou sofrimento fetal. Quando se opta pelo parto (feto vivo e viável), deve-se aguardar de 2 a 3 horas após a dose de ataque do sulfato de magnésio. E fundamental que antes do procedimento anestésico alguns parâmetros como ventilação, oxigenação, quadro convulsivo, pressão arterial, volemia, equilíbrio acidobásico e coagulação sanguínea já tenham sido corrigidos e compensados. A analgesia de parto deve ser precoce e, se bem executada, ajuda a manter a estabilidadehemodinâmica materna e do fluxo sanguíneo uteroplacenário. A anestesia peridural e a raquidiana podem ser utilizadas; entretanto, em casos graves, a peridural contínua com doses intermitentes, por determinar bloqueio simpático gradativo, causa redução menos intensa da pressão arterial e menor probabilidade de hipofluxo placentário. Caso a anestesia geral seja indicada, sobretudo nos distúrbios da hemostasia e nas complicações neurológicas, deve proporcionar proteção neurovegetativa adequada.
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