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INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS GEOGRÁFICOS Anna Paula Lombardi A institucionalização da geografia no Brasil Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Analisar a história da geografia no Brasil e os seus principais referenciais teóricos. Explicar o processo de institucionalização do IBGE no Brasil e a sua importância para a geografia brasileira. Descrever o processo de reconhecimento da geografia como disciplina obrigatória no ensino fundamental e no ensino médio. Introdução Neste capítulo, você vai estudar a institucionalização da geografia no Brasil. Essa história começa com a chegada dos portugueses, em 1500. Nesse período inicial, foram produzidas obras de descrição do território da colônia. Contudo, apesar desse início longínquo, a geografia brasileira obteve caráter científico somente após 1930, com a criação das universi- dades no País. Também foi nesse momento que surgiram a Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB) e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Ainda nos anos 1930, o ensino gratuito se tornou obrigatório; posterior- mente, a própria geografia se consolidou como uma disciplina indispensá- vel. Porém, em 2016, o Governo Federal apresentou a Lei nº 13.415, ainda em tramitação, que determina que a geografia não seja mais obrigatória no ensino médio, tornando-se optativa. A história da geografia no Brasil A geografi a entra em cena no Brasil logo com a chegada dos portugueses, em 1500. Afi nal, os europeus precisavam descrever a terra descoberta: era essencial mapear o território para poder explorá-lo. Alguns séculos depois, a geografi a se introduz no Brasil como disciplina da educação básica. Segundo Araújo (2012), a história da educação brasileira se inicia com a chegada dos jesuítas, por volta de 1550. Como você sabe, a cultura europeia trazida pelos jesuítas e o encontro com os nativos que já habitavam o Brasil resultou em um choque de culturas. De um lado, estavam os jesuítas com o catolicismo; de outro, os nativos com as suas peculiaridades culturais, que incluíam língua, rituais e alimentos. A Companhia de Jesus foi a primeira organização a realizar ações de cunho educacional no Brasil, em meados do século XVI. Para isso, os jesuítas criaram instituições com um sistema escolar nas principais cidades da colônia. Os jesuítas, contudo, não se limitaram ao ensino religioso, com os prin- cípios de evangelização. A partir do momento em que a elite local foi ad- quirindo costumes aristocráticos de caráter europeu, a educação passou a incluir outros conhecimentos. Assim, os colégios foram criados para atender a uma pequena parcela da população. Ou seja, apenas os filhos da população pertencente às camadas sociais mais altas frequentavam as escolas. O primeiro plano de estudo criado pelos jesuítas foi elaborado pelo padre Manuel da Nóbrega (1517–1570) e teve o ensino de português como precursor. Aos poucos, outros saberes foram ganhando espaço, como a aula de gramática e os estudos voltados para as viagens à Europa. Na época, a geografia era considerada um saber pouco importante. Ela aparecia principalmente em textos literários que tinham as diferentes paisagens como enfoque (ARAÚJO, 2012). Segundo Oliveira (2011), em meados do século XVIII, no Brasil, a geo- grafia foi inserida no currículo escolar oficial, influenciado pelos princípios iluministas vigentes na Europa, que valorizavam a nacionalidade. Assim, em 1837, com a criação do Colégio Pedro II, a geografia foi realmente reconhe- cida como uma disciplina autônoma. No Colégio Pedro II, os estudos foram divididos em dois ciclos. O primeiro tinha a duração de quatro anos e todos os alunos eram obrigados a frequentá-lo. Já o segundo ciclo tinha duração de três anos, era opcional e dava o direito de ingressar em cursos técnicos. Nesse contexto, a geografia surge como disciplina com o intuito de dar suporte para os alunos em relação à identidade nacional, reforçando a ideia do nacionalismo patriótico e incentivando o amor pela pátria. Assim, a geografia se estabelece como um campo rico do saber para a formação do cidadão e para a construção da identidade nacional. Na época, A institucionalização da geografia no Brasil2 não eram precisamente professores formados em geografia que lecionavam a disciplina. Além disso, grandeza do território brasileiro tinha importância fundamental, daí o destaque dado às descrições desse território. A gran- deza representava a qualidade da nação, que futuramente iria prosperar, perspectiva que levava em conta o modelo europeu de economia e política (OLIVEIRA, 2011). Segundo Saviani (2005), os estudos eram fundamentados em um ensino tradicional. Tal ensino ganhou força no Brasil a partir de 1759, quando co- meçaram a ser implementadas as reformas pombalinas da instrução pública. Essas reformas se contrapõem ao predomínio das doutrinas religiosas e, com base nas ideias laicas inspiradas no Iluminismo, instituem o privilégio do Estado em matéria de instrução. Em 1808, começou a divulgação do método de ensino tradicional como oficial; a pedagogia tradicional predominou no Brasil até meados de 1940. Em 1759, o Marquês de Pombal desenvolveu um currículo que enfatizava as ciências naturais e matemáticas. Mesmo assim, manteve-se o ensino religioso nos colégios. Nessa época, o sistema educacional do Brasil foi influenciado pelas ideias iluministas e transferiu-se o monopólio da educação para o Estado. No Brasil, no final do século XIX, a base econômica era a monocultura, com o café em São Paulo e o leite em Minas Gerais. Logo, a economia do Brasil se mantinha concentrada na região Sudeste. Além disso, havia uma elite agrária detentora do poder econômico e político que também influenciava as tomadas de decisão, inclusive as relacionadas aos conteúdos que a população poderia aprender. A disciplina de geografia no Colégio Pedro II foi organi- zada com base nessa configuração social e econômica. Assim, as principais caraterísticas da pedagogia tradicional influenciaram as diversas áreas de conhecimento que já estavam instituídas como disciplinas oficiais, inclusive a geografia. No Quadro 1, a seguir, você pode ver as principais características da pedagogia tradicional. 3A institucionalização da geografia no Brasil Fonte: Adaptado de Mizukami (1986). Alunos São receptores passivos das informações que lhes são forneci- das, ou seja, não têm o direito de se expressar. Mundo A realidade é algo transmitido ao indivíduo principalmente pelo processo de educação formal, pela família e pela Igreja. O mundo, nessa abordagem, é considerado externo ao indivíduo, que vai se apossando gradativamente de uma compreensão, à medida que se defronta com modelos. Sociedade e cultura Os tipos de sociedade e de cultura podem ser os mais variados. O objetivo de ensino geralmente está relacionado aos valores culturais da sociedade na qual o sujeito está inserido. Educação A abordagem tradicional é caracterizada pela concepção de educação como um produto, já que os modelos a serem alcan- çados são preestabelecidos. Trata-se da transmissão de ideias selecionadas e organizadas logicamente. Escola A ênfase é dada às situações em sala de aula. Os alunos são “instruídos” e “ensinados” pelo professor. Professor e aluno O papel do professor é basicamente o de transmitir certos conteúdos que são predefinidos e constituem o próprio fim da existência escolar. Pede-se ao aluno a repetição automática dos dados que a escola forneceu ou a exploração intelectual desses dados. O professor exerce o papel mediador entre o aluno e os modelos culturais. Simplificando, pode-se dizer que o professor é o agente, e o aluno, o ouvinte. Metodologia O professor já traz o conteúdo pronto e o aluno se limita a escutá-lo passivamente. A didática tradicional quase poderia ser resumida em: “dar a lição” e “tomar a lição”. Avaliação A avaliação é realizada predominantementevisando à exatidão da reprodução do conteúdo comunicado em sala de aula. Pode ser feita por meio de chamadas, exames, provas orais, exercícios, etc. Quadro 1. Principais aspectos da teoria pedagógica tradicional A institucionalização da geografia científica se consolidou após a criação das universidades brasileiras como a Universidade de São Paulo (USP), em 1920, e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, em 1938. Pierre Deffontaines (1894–1978) e Pierre Monbeig (1935–1946) foram os geógrafos franceses que praticamente institucionalizaram a geografia no Brasil. Em 1934, Pierre Deffontaines criou a Associação dos Geógrafos Brasileiros em A institucionalização da geografia no Brasil4 São Paulo (AGB–SP). Essa associação promoveu um dos mais avançados desenvolvimentos de pesquisa geográfica do País (DANTAS, 2008). A partir da criação da Universidade de São Paulo, com a sua Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ, antiga Universidade do Brasil) e da Associação dos Geógrafos Brasileiros, idealizada por Pierre Deffontaines, a geografia começou a se institucionalizar por aqui (DANTAS, 2008). O ensino de geografia implementado em São Paulo e no Rio de Janeiro foi influenciado pela tradição francesa, portanto se fundamentou na história e na sociologia. Pierre Monbeig e Pierre Deffontaines foram convidados pelo também fran- cês Emmanuel de Martonne para ajudar no processo de institucionalização da geografia no Brasil. Ambos davam maior enfoque à geografia regional e à área humana. Monbeig ensinou por cerca de 15 anos na Universidade de São Paulo e foi substituído por Deffontaines, que atuou por cinco anos. O geógrafo francês Francis Ruellan (1894–1974) e o geógrafo Josué de Castro (1908–1973), da área da geografia humana, também faziam parte do corpo docente. A influência francesa na geografia do Brasil se estenderia por mais de 20 anos, até cerca de 1950, sendo mais acentuada aqui do que na própria França. Segundo Andrade (1991), o geógrafo francês Delgado de Carvalho, autor do livro O Brasil Meridional, é considerado outro dos grandes precursores dos estudos da geografia científica no País. Ele também é considerado um dos primeiros geógrafos que contribuíram para a história do pensamento geográfico e para a institucionalização dessa disciplina, que passou a ser estudada em nível superior e a ser aplicada à problemática nacional. Confira o artigo de Rocha (2000) “Delgado de Carvalho e a orientação moderna no ensino da geografia escolar brasileira”, disponível no link a seguir. https://qrgo.page.link/G1RxH A institucionalização do IBGE e a geografia brasileira O Instituto Brasileiro de Geografi a e Estatística é um dos mais importantes órgãos de planejamento territorial do Estado brasileiro. O IBGE foi criado 5A institucionalização da geografia no Brasil pelo Decreto-Lei nº 218, de 1938, porém esse órgão já existia desde 1934 sob a denominação Instituto Nacional de Estatística, com o apoio do Conselho Brasileiro de Geografi a (CBG). Com a nova denominação, o IBGE foi estrutu- rado pelas seguintes áreas de conhecimento: geografi a, geodésia e cartografi a (IBGE, 2017). Almeida (2001) explica que a criação do IBGE no Brasil teve a parti- cipação da União Geográfica Internacional (UGI) e do geógrafo francês Emmanuel de Martonne. O contato entre a geografia brasileira e a UGI aconteceu em meados de 1931, na França, durante o Congresso da União. O delegado responsável por representar a Academia Brasileira de Ciências (ABC) foi o professor Alberto José de Sampaio (1881–1946), naturalista especializado em fitogeografia, pesquisador do Museu Nacional e autor de várias obras sobre a vegetação brasileira. O professor contribuiu de forma muito atuante, chamando a atenção de Martonne, diretor do Instituto de Geografia da Universidade de Paris e presidente do Congresso Geral da União de Geografia Internacional. As articulações feitas no Congresso entre Sampaio e Martonne trouxeram o francês ao Brasil em 1933. Martonne se deu conta da oportunidade de or- ganizar dois campos de estudos e de criar os institutos e as universidades no País. O primeiro campo era a geografia física; Martonne percebeu o grande potencial da geografia tropical brasileira. E o segundo estava relacionado com os aspectos políticos e culturais. Com essas duas perspectivas, havia a necessidade de criar as principais associações e institutos (Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Sociedade Brasileira de Geografia e Academia Brasileira de Ciências), que deveriam juntar esforços para a adesão do Brasil à UGI. O IBGE surgiu nesse contexto, como um órgão nacional que pertenceria ao governo central. Assim, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística foi criado com sede no Rio de Janeiro, em 1938. Ele foi idealizado sob a égide do presidente Getúlio Vargas (1882–1954), durante a ditadura do Estado Novo e a partir do Instituto Nacional Estatístico. Em meados de 1939, o IBGE começou a campanha de levantamento intensivo da divisão territorial do País, que tinha como finalidade a definição dos mapas dos municípios (IBGE, 2017). Em relação às atividades geodésicas realizadas pelo IBGE em 1939, o Brasil tinha de atualizar a sua carta geográfica. Na época, foram emitidas em torno de 602 coordenadas levantadas em cidades e vilas de todo o País, por exemplo. De 1944 até 1970, o IBGE estruturou o sistema geodésico brasileiro fundamentado no método de posicionamento clássico (triangulação, métodos astronômicos e poligonação geodésica), aplicado até meados dos anos 1990 com o recurso a equipamentos como teodolitos. Outro ponto importante foi a A institucionalização da geografia no Brasil6 divisão regional do Brasil em Norte, Nordeste, Sudeste, Centro-Oeste e Sul, proposta por Fábio Macedo Soares Guimarães em 1970 (IBGE, 2017). Portanto, com o objetivo de promover e desenvolver o conhecimento ter- ritorial por meio de uma política de coleta de dados estatísticos, o IBGE foi o suporte da administração pública relacionada ao ordenamento territorial. Esse órgão formulou e criou políticas públicas para a organização das cidades e do meio ambiente, promovendo o desenvolvimento urbano e a sustentabilidade. A Universidade Federal do Rio de Janeiro formou muitos geógrafos que traba- lharam no Instituto. Nesse sentido, o IBGE também recorria aos professores da UFRJ com o objetivo de lecionar cursos de férias para os professores de outros estados. Os mestres estrangeiros que por um bom período permaneceram no Brasil trabalhavam na Universidade e no IBGE (DANTAS, 2008). O IBGE foi estruturado pelas seguintes áreas de conhecimento: geografia, geodésia e cartografia. O Decreto nº 327, de 1938, estabeleceu as ações de normatização da área de geodésia do IBGE para suprir o mapeamento do recenseamento geral de 1940 (IBGE, 2017). Nesse período, foram iniciados os trabalhos de levantamento das coordenadas geográficas das cidades bra- sileiras, prosseguindo com a estruturação das redes planimétrica, altimétrica e gravimétrica, que estabeleceram as bases para o mapeamento sistemático do País, realizado e organizado pela área de cartografia. Essa área, além de coordenar o sistema cartográfico brasileiro, imprime continuamente cartas e é também responsável pela elaboração cartográfica dos altas do IBGE. Outro aspecto importante é a atuação dos técnicos que definem as políticas cartográficas, os seus parâmetros metodológicos e as escalas de representação dos trabalhos cartográficos. Além disso, o IBGE, junto às forças armadas, determinou os tipos de cartas especiais de trabalho que servem de base para as organizações militares. A área cartográfica também define com precisão os limites entre as principais unidades territoriais legalmente vigentes no País, tanto na escala municipal quanto na estadual. Em caso de litígios entre essas unidades, cabe aos cartógrafos do IBGE a determinação dos novos limites, quenormalmente são arbitrados pelo Poder Judiciário. É também atribuição da área dar apoio técnico às operações de mapeamento das bases opera- cionais geográficas dos censos, principalmente oferecendo suporte técnico às prefeituras que não possuem pessoal qualificado para a confecção dos mapas (ALMEIDA, 2001). Em síntese, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, criado em 1938 com sede no Rio de Janeiro, é um dos órgãos mais importantes do Brasil até hoje. No começo, o IBGE teve um papel importante tanto para a formação de professores 7A institucionalização da geografia no Brasil e profissionais da geografia quanto para o levantamento estatístico do território do País. Atualmente, ele é um dos órgãos estatísticos nacionais mais importantes, realizando recenseamentos em todo o território brasileiro a cada 10 anos. Em meados de 1950, a ciência geográfica ganhou visibilidade nacional graças à As- sociação dos Geógrafos Brasileiros, ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e às universidades já instituídas no Brasil. Em 1961, foi criado o Instituto de Geografia pelo geógrafo Aroldo de Azevedo (1910–1974), com o auxílio do Departamento de Geografia da USP. Ainda hoje, os laboratórios de pesquisa da Universidade atraem diversos jovens para essa formação. Os laboratórios de aerofotogeografia, de estudos regionais em geografia, de geografia agrária e de geografia urbana são exemplos dos laboratórios de geografia da USP (SCARIM, 2008). A geografia como disciplina obrigatória no ensino fundamental e no ensino médio O projeto de educação do Brasil tem uma base que remete aos diferentes contextos históricos do País, caracterizados pelas distintas situações políticas e econômicas pelas quais a sociedade nacional passou. Além disso, as tendências da educação brasileira sempre estiveram articuladas com o momento histórico e econômico mundial. No período anterior a 1930, não existia no Brasil um sistema formal e regular de ensino garantido pelo poder público para toda a população no território brasileiro. Entretanto, a geografia era considerada uma disciplina oficial desde 1837, quando foi implantada no Colégio Pedro II, um colégio muito tradicional e modelo de ensino, frequentado apenas pela elite da época. O currículo escolar já era estabelecido no Brasil para algumas áreas de conhecimento antes de 1930, desde a formação do sistema escolar de ordem religiosa. Tal sistema foi criado pelo padre Manuel da Nóbrega em meados de 1500 e se estendeu até o final do século XVII. Contudo, com a revolução pom- balina, foi constituído um ensino de caráter laico, com os conteúdos baseados nas cartas régias. Nesse contexto, o currículo aparece para garantir o ensino e a aprendizagem do conteúdo que o sujeito deveria conhecer. Essa é a base principal para que todos numa sociedade consigam ter um desenvolvimento social, cultural, político e econômico pleno. A institucionalização da geografia no Brasil8 Segundo Rangel e Gouvea (2016), a geografia como disciplina escolar foi constituída em 1837 no Colégio Pedro II, como você já viu. A principal finalidade de instituir a disciplina era garantir a identidade da população, que deveria nutrir o amor à pátria, adquirindo certo nacionalismo. Além disso, o objetivo era capacitar politicamente a elite, para que ocupasse os principais e melhores cargos públicos do País. Outro fator importante para a inclusão da geografia no Colégio Pedro II foi o fato de que ela já era uma disciplina obrigatória no programa escolar francês. De acordo com Araújo (2012), no século XIX, a obra precursora da geografia brasileira foi Corografia Brasílica, do padre português Manuel Aires de Casal (1754–1821). Essa obra apresentava as principais descrições da colônia com base no interesse da Corte Portuguesa. Ela não tinha cunho didático escolar; logo, é considerada um dos textos fundamentais da geografia do Brasil. Falar sobre o currículo no ensino de geografia requer entender o que signi- fica currículo. Na verdade, a ideia de currículo é trabalhada por várias correntes do pensamento educacional, como você pode ver no Quadro 2, que apresenta três correntes importantes. A primeira é a que predominou no Brasil até me- ados de 1950 e as outras duas fazem parte do pensamento educacional atual. Fonte: Adaptado de Rangel e Gouvea (2016). Teoria tradicional Teoria crítica Teoria pós-crítica Questões técnicas, neutras Questionamento constante Questionamento constante Questão central: o que é? (preocupação com ques- tões de organização) Questão central: por quê? (preocupada com cone- xões entre saber, identidade e poder) Questão central: por quê? (preocupada com cone- xões entre saber, identidade e poder) Aceita o status quo Permite ver a educação de uma nova perspectiva Permite ver a educação de uma nova perspectiva. Quadro 2. Correntes do pensamento educacional No Brasil, a geografia se disseminou por meio das reformas educacionais. Essa disciplina foi inserida no currículo escolar como disciplina obrigatória no ensino fundamental e no ensino médio. No Brasil Império (1822–1899), ocorreu a primeira tentativa de regulamentar o ensino básico; a Carta Constitucional de 1823 declara a instrução gratuita para todas as cidades. 9A institucionalização da geografia no Brasil Em 1834, a primeira constituição brasileira foi reformulada. No campo educacional, a principal medida de impacto foi o direito adquirido pelas unidades políticas de legislar sobre o seu próprio sistema educacional. Os governos das províncias adquiriram a responsabilidade total pelo ensino elementar e médio. Assim, surgiram os primeiros liceus provinciais, si- tuados nas capitais, como Rio Grande do Norte, Bahia, Paraíba e Rio de Janeiro. Contudo, foi apenas o Rio de Janeiro, cidade que abrigava a Corte, que apresentou a divisão entre os níveis de estudo. Tal divisão foi feita no Colégio Pedro II (ARAÚJO, 2012). Segundo Araújo (2012, p. 94), por mais de 300 anos de colônia, “[...] não tivemos uma estrutura escolar para ser utilizada pelo povo: os jesu- ítas, durante esse tempo, mantiveram 17 seminários de formação de clé- rigos. Com a expulsão dos jesuítas, ficou a Colônia sem qualquer tipo de escola [...]”. Além disso, o Brasil criou cursos superiores sem curso elementar e médio, dificultando a consolidação da geografia como disciplina. Entre 1840 e 1889, “[...] as províncias criaram os liceus (rapazes) e as escolas normais (moças) e iniciaram a criação do curso elementar nas cidades e vi- larejos (omissão total do poder central) somente por iniciativa particular [...]” (ARAÚJO, 2012, p. 94). Foi apenas em 1930, com a criação do Ministério da Educação (MEC), que foi possível inserir a geografia como disciplina obrigatória no ensino seriado, ou seja, no ensino fundamental e no ensino médio, para todos os sujeitos com idade de adquirir conhecimento. O MEC passa a agir intensamente de 1930 a 1962 (reformas Campos e Capanema), quando “[...] perde suas funções com a aprovação, pelo Congresso Nacional, da Lei de Diretrizes e Bases. Os estados começam [então] a ampliar a rede oficial de ensino Fundamental e Médio [...]” (ARAÚJO, 2012, p. 95). Como você pode notar, a institucionalização da geografia é recente, apesar de a necessidade de descrever e mapear o território nacional existir desde o Brasil colonial. Inicialmente colocada em pauta pelos jesuítas, pois a educação era sua incumbência, a geografia foi agregando aspectos mais generalistas. Com a criação do Colégio Pedro II, essa disciplina adquiriu um caráter elitista. Com as sucessivas reformas do ensino, a geografia foi paulatinamente inserida nos currículos, especialmente devido à necessidade de patriotismo e nacionalismo. Ela era vinculada à localização física e restrita de locais de conhecimento e cidades. Posteriormente, a disciplina passou a agregar a política humana e social. Isso ocorreu com a criação de órgãos estatísticos como o IBGE, que passaram a consideraros aspectos sociais e humanos e A institucionalização da geografia no Brasil10 instituíram a geografia como ciência. Assim, ela foi incluída efetivamente nas academias. Como você viu, a Universidade do Brasil, atual UFRJ, e a Universidade de São Paulo foram essenciais no processo de institucionali- zação da geografia. ALMEIDA, R. D. de. Do desenho ao mapa – Iniciação Cartográfica na Escola. São Paulo: Contexto, 2001. ANDRADE, M. C. A AGB e o pensamento geográfico no Brasil. Terra Livre, São Paulo, n. 9, p. 143–152, jul./dez. 1991. 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A institucionalização da geografia escolar e a sua espacialidade nos oitocentos (1843–1889) na província Capixaba. 2011. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa- ção de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de Espírito Santo, Vitória, 2011. RANGEL, E. S.; GOUVEA, L. M. C. A geografia e o currículo: diálogos ao longo da história da geografia escolar. [S. l.: s. n.], 2016. ROCHA, G. O. R. Delgado de Carvalho e a orientação moderna no ensino da Geografia escolar brasileira. Terra Brasilis, v. 1, 2000. Disponível em: https://journals.openedition. org/terrabrasilis/293. Acesso em: 13 jun. 2019. SCARIM, P. C. A construção da geografia acadêmica no Brasil. Boletim Paulista de Geogra- fia, São Paulo, n. 88, p. 41–71, 2008. Disponível em: https://www.agb.org.br/publicacoes/ index.php/boletim-paulista/article/view/781/665. Acesso em: 13 jun. 2019. SAVIANI, D. As concepções pedagógicas na história da educação brasileira. 2005. 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