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1 May Freitas (Saúde da Mulher) MORTALIDADE MATERNA INTRODUÇÃO Ref: Guia da Vig Epidemiológica A redução da mortalidade materna no Brasil é ainda um desafio para os serviços de saúde e a sociedade como um todo. As altas taxas encontradas se configuram um grave problema de saúde pública, atingindo desigualmente as regiões brasileiras, com maior prevalência entre mulheres das classes sociais com menor ingresso e acesso aos bens sociais e aos serviços de saúde. A mortalidade materna é uma das mais graves violações dos direitos humanos das mulheres, por ser uma tragédia evitável em 92% dos casos e por ocorrer principalmente nos países em desenvolvimento. Os índices de mortalidade materna nos países em desenvolvimento são alarmantes. No Brasil, dois fatores dificultam o real monitoramento do nível e da tendência da mortalidade materna: a subinformação das causas dos óbitos e o sub-registro das declarações de óbito. 1. A subinformação resulta do preenchimento incorreto das declarações de óbito, e ocorre quando se omite que a morte teve causa relacionada à gestação, ao parto ou ao puerpério. Isto ocorre pelo desconhecimento dos médicos quanto ao correto preenchimento da Declaração de Óbito e quanto à relevância desse documento como fonte de dados de saúde. 2. Já o sub-registro é a omissão do registro do óbito em cartório, frequente nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, seja pela dificuldade de acesso aos cartórios pela existência de cemitérios irregulares ou à falta de informação da população quanto à importância da declaração de óbito como instrumento de cidadania. VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA DO ÓBITO MATERNO A Vigilância Epidemiológica é parte do campo de atuação do Sistema Único de Saúde – SUS. Entende-se por vigilância epidemiológica um conjunto de ações que proporcionam o conhecimento, a detecção ou prevenção de qualquer mudança nos fatores determinantes e condicionantes de saúde individual ou coletiva, com a finalidade de recomendar e adotar as medidas de prevenção e controle das doenças ou agravos. A Portaria GM nº 1172 de 15 de junho de 2004 (Anexo IX) preconiza que é atribuição do componente municipal do Sistema Nacional de Vigilância em Saúde a “vigilância epidemiológica e o monitoramento da mortalidade infantil e materna”, e dos Estados, “de forma complementar à atuação dos municípios”. Portanto, as secretarias de saúde devem designar uma equipe de vigilância de óbitos de referência do município e do estado. NOTIFICAÇÃO DO ÓBITO MATERNO A notificação do óbito se faz pelo preenchimento e encaminhamento da Declaração de Óbito gerada na fonte notificadora para a Secretaria Municipal de Saúde. DECLARAÇÃO DE ÓBITO (DO) É o documento padrão do Sistema de Informações sobre Mortalidade, que tem como finalidade cumprir as exigências legais de registro de óbitos, atender aos princípios de cidadania e servir como fonte de dados para as estatísticas de saúde. O médico é o responsável por todas as informações contidas na DO, conforme a Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 1779/2005 Artigo 1º “O preenchimento dos dados constantes na Declaração de Óbito é da responsabilidade do médico que atestou a morte”. A DO, em três vias autocopiativas, deve ser preenchida pelo médico, com letra legível e sem abreviações ou rasuras. AH!! As causas de morte são “todas as doenças, afecções mórbidas ou lesões que produziram a morte, ou contribuíram para ela, e as circunstâncias do acidente ou violência que produziram quaisquer de tais lesões”. A causa básica é “a doença ou lesão que iniciou a cadeia de acontecimentos patológicos que conduziram diretamente à morte ou as circunstâncias do acidente ou violência que produziram a lesão fatal”. 2 May Freitas (Saúde da Mulher) CONCEITOS A mortalidade materna é considerada um indicador de acesso da mulher aos cuidados de saúde e da capacidade do sistema de saúde responder às suas necessidades. Constitui uma severa violação dos direitos reprodutivos das mulheres, visto que a maioria pode ser evitada com atenção à saúde precoce e de qualidade. A razão de mortalidade materna é o indicador utilizado para mensurar esse dado. Mas antes, vamos conhecer alguns conceitos importantes: → MORTE MATERNA (ÓBITO MATERNO) Morte Materna é a morte de uma mulher durante a gestação ou até 42 dias após o término da gestação, independentemente da duração ou da localização da gravidez. É causada por qualquer fator relacionado ou agravado pela gravidez ou por medidas tomadas em relação a ela. Não é considerada Morte Materna a que é provocada por fatores acidentais ou incidentais. → MORTES POR CAUSAS MATERNAS Causas Maternas são aquelas descritas no Capítulo XV e Mortes Maternas são aquelas, por essas causas, ocorridas até 42 dias após o término da gestação. Essas mortes por causas maternas e que não são mortes maternas recebem o código 096 (de 42 dias a 1 ano após o término da gestação) e o código 097 (1 ano ou mais após o término da gestação). → MORTE MATERNA OBSTÉTRICA As mortes maternas por causas obstétricas podem ser de dois tipos: as obstétricas diretas e as obstétricas indiretas. • Morte Materna Obstétrica Direta é aquela que ocorre por complicações obstétricas durante gravidez, parto ou puerpério devido a intervenções, omissões, tratamento incorreto ou a uma cadeia de eventos resultantes de qualquer dessas causas. • Morte Materna Obstétrica Indireta é aquela resultante de doenças que existiam antes da gestação ou que se desenvolveram durante esse período, não provocadas por causas obstétricas diretas, mas agravadas pelos efeitos fisiológicos da gravidez. → MORTE MATERNA NÃO OBSTÉTRICA Morte Materna Não Obstétrica é a resultante de causas incidentais ou acidentais não relacionadas à gravidez e seu manejo. Também chamada por alguns autores como Morte Não Relacionada. Esses óbitos não são incluídos no cálculo da razão de mortalidade materna. → MORTE MATERNA TARDIA Morte Materna Tardia é a morte de uma mulher, devido a causas obstétricas diretas ou indiretas, que ocorre num período superior a 42 dias e inferior a um ano após o fim da gravidez. → MORTE MATERNA DECLARADA A Morte Materna é considerada Declarada quando as informações registradas na Declaração de Óbito (DO) permitem classificar o óbito como materno. → MORTE MATERNA NÃO DECLARADA A Morte Materna é considerada como Não Declarada quando as informações registradas na DO não permitem classificar o óbito como materno. Apenas com os dados obtidos na investigação é que se descobre tratar-se de morte materna. 3 May Freitas (Saúde da Mulher) → MORTE MATERNA PRESUMÍVEL OU MASCARADA É considerada Morte Materna Mascarada aquela cuja causa básica, relacionada ao estado gravídico- puerperal, não consta na DO por falhas no preenchimento. Ocorre quando se declara como fato ocasionador do óbito apenas a causa terminal das afecções ou a lesão que sobreveio por último na sucessão de eventos que culminou com a morte. Desta forma, oculta-se a causa básica e impede-se a identificação do óbito materno. Um exemplo comum refere-se à ocorrência do óbito da mulher internada na UTI, em cuja DO só há registro de uma causa terminal e não há registro da causa básica. Isso poderia ser evitado se quando do preenchimento dessa declaração fosse consultada a equipe que fez o acompanhamento obstétrico. → MORTE OCORRIDA DURANTE A GRAVIDEZ Morte Relacionada à Gravidez é a morte de uma mulher durante o período gestacional ou até 42 dias após o término da gravidez, qualquer que tenha sido a causa do óbito. Corresponde, portanto, à soma das Mortes Obstétricas com as Não Obstétricas. → MORTALIDADE DE MULHERES EM IDADE FÉRTIL Internacionalmente, corresponde aos óbitos de mulheres na faixa de 15 a 49 anos de idade. No Brasil, a faixa etária analisada é de 10 a 49 anos. A definição brasileira de idade fértil teve como base a experiênciados Comitês de Morte Materna, as estatísticas de registros vitais e de procedimentos médicos realizados, que revelam a ocorrência de gravidez em mulheres com menos de 15 anos. → NATIVIVO OU NASCIDO VIVO Nascimento vivo é a expulsão ou extração completa do corpo da mãe, independentemente da duração da gravidez, de um produto de concepção que, depois da separação, respire ou apresente quaisquer outros sinais de vida, tais como batimentos do coração, pulsações do cordão umbilical ou movimentos efetivos dos músculos de contração voluntária, estando ou não cortado o cordão umbilical e desprendida a placenta. → RAZÃO DE MORTALIDADE MATERNA Relaciona as Mortes Maternas Obstétricas Diretas e Indiretas com o número de Nascidos Vivos, e é expresso por 100.000 Nascidos Vivos. ESTUDO DO ÓBITO MATERNO Análise dos Óbitos: análise de evitabilidade do óbito e análise dos problemas identificados. Após o término da investigação, a equipe de vigilância de óbitos deve fazer o resumo do caso e promover reunião do Comitê de Morte Materna para análise ampla e detalhada de cada caso, conclusão sobre a evitabilidade do óbito e definição de medidas para evitar novos óbitos. Nesse momento, é fundamental a participação dos membros do Comitê médicos e’/ou especialistas em obstetrícia para avaliar os diagnósticos e tratamentos dispensados à mulher. O propósito da investigação de óbito materno não é culpabilizar pessoas ou serviços, mas tão-somente evitar novas mortes por causas similares. 4 May Freitas (Saúde da Mulher) BOLETIM EPIDEMIOLÓGICO 2020 Ref: BRASIL. Boletim Epidemiológico CAUSAS DE MORTE MATERNA No Brasil, de 1996 a 2018, foram registrados 38.919 óbitos maternos no SIM (Sistema de Informação de Mortalidade), sendo que aproximadamente 67% foram de causas obstétricas diretas, ou seja, complicações obstétricas durante a gravidez, parto ou puerpério devido à intervenção, omissões, tratamento incorreto ou a uma cadeia de eventos resultantes de qualquer dessas causas. Durante o mesmo período, as causas obstétricas indiretas foram responsáveis por 29% das mortes maternas e o restante foi classificado como causa obstétrica inespecífica. → Entre os óbitos ocorridos no Brasil de 1996 a 2018, as causas obstétricas diretas que se destacam: • Hipertensão • Hemorragia • Infecção puerperal • Aborto → Entre as causas indiretas: • Doenças do Aparelho circulatório • Doenças do Aparelho respiratório • AIDS • Doenças infecciosas e parasitárias maternas o Em média, por ano, ocorreram 1.176 óbitos maternos diretos e 465 óbitos maternos indiretos. Chama a atenção, em 2009, o surto de influenza A (H1N1) que contribuiu para o aumento de óbitos maternos por causas obstétricas indiretas. → Características das mulheres que faleceram por causa materna em 2018: • Foram registrados 13 óbitos maternos de meninas entre 10 e 13 anos e 17 óbitos entre mulheres de 45 e 49 anos, faixas etárias consideradas extremas para fecundidade; • Mulheres de raça/cor preta e parda totalizaram 65% dos óbitos maternos; • Mulheres que não vivem em união conjugal representaram 50% das mortes daquele ano; • Apesar da escolaridade ter sido ignorada em 13% dos registros de óbitos maternos, mulheres de baixa escolaridade (menos de 8 anos de estudo) correspondem a 33% dos casos. → Investigação de óbitos de Mulheres em Idade Fértil • Em todas as unidades da Federação, além das ações de enfrentamento da mortalidade materna e de fortalecimento da atenção materno-infantil, há também investimento na qualificação e monitoramento das informações sobre óbito materno e infantil, com acompanhamento contínuo dessas ocorrências por meio da vigilância do óbito. • No Brasil, em 2009, apenas 55% dos óbitos de MIF foram investigados, já em 2018, esse percentual subiu para 91%, o que demonstra melhora da cobertura de investigação. AH!! O Brasil conseguiu reduzir em 8,4% entre 2017 e 2018 a Razão de Mortalidade Materna (RMM), um dos principais indicadores de qualidade de atenção à saúde das mulheres no período reprodutivo. Em 2018, a RMM no país foi de 59,1 óbitos para cada 100 mil nascidos vivos, enquanto no ano anterior era de 64,5. 5 May Freitas (Saúde da Mulher) Ref: BRASIL. Site do Ministério da Saúde ACESSO E QUALIDADE À ATENÇÃO INTEGRAL À SAÚDE DA MULHER De acordo com a OMS, cerca de 830 mulheres morrem todos os dias no mundo por conta de complicações na gravidez e no parto. Em uma iniciativa global das Nações Unidas, conhecida como Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), o Brasil foi convocado para um esforço de eliminação da mortalidade materna evitável entre os anos de 2016 e 2030. Uma das metas é reduzir a razão de mortalidade materna global para menos de 70 mortes maternas por 100 mil nascidos vivos. Dessa forma, todos os estados têm investido em ações de enfrentamento da mortalidade materna e de fortalecimento da atenção à saúde materno-infantil. O Ministério da Saúde tem implementado políticas para fortalecer e qualificar as ações no atendimento às gestantes, na melhoria da atenção ao pré-natal, ao parto, ao nascimento e ao puerpério. Entre as estratégicas adotadas destacam-se: a Rede Cegonha, a implantação e implementação do PREMMICE (Plano de Redução da Mortalidade Materna e na Infância por Causas Evitáveis) e a Estratégia Zero Morte Materna por Hemorragia, desenvolvida em parceria com a Opas (Organização Pan-Americana da Saúde). Todas essas ações visam instituir medidas de orientação e qualificação dos profissionais de saúde que atuam na rede de atenção às gestantes e puérperas. DURANTE A PANDEMIA Os profissionais de saúde que atuam na assistência à saúde das mulheres, bem como gestantes puérperas e recém-nascidos, na atenção ao pré-natal, parto, parto e puerpério, recebem orientações do Ministério da Saúde para os cuidados a essa população diante da pandemia COVID-19 causada pelo novo coronavírus o SARS-Cov-2. O Ministério da Saúde orienta que a assistência à saúde deve ser organizada de modo a garantir os atendimentos à mulheres e recém-nascidos durante este período, levando-se em consideração a adoção de protocolos, normas e rotinas para o acolhimento inicial e manejo adequado, nos casos suspeitos de COVID- 19 nas gestantes e puérperas . Com relação aos atendimentos de rotina durante o período de risco de transmissibilidade, a pasta orienta que os serviços de saúde devem oferecer triagem diferenciada para pacientes com sintomas da doença, conforme sintomas e sinais de gravidade, além de recomendar isolamento domiciliar por 14 dias aos pacientes com quadros leves da infecção e seus familiares. Nesses casos, quando possível, é recomendado reagendar consultas para período posterior ao isolamento domiciliar e investir nas medidas de controle e redução da disseminação do vírus. Os serviços também devem adotar medidas para que não ocorra descontinuidade do tratamento ou da investigação de condições clínicas como neoplasias, Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), sangramento uterino aumentado, entre outras condições cuja interrupção possa repercutir negativamente na saúde da mulher, bem como, garantir o fornecimento de métodos contraceptivos. A pasta realiza a compra centralizada e distribuição dos métodos contraceptivos, estimulando a oferta de opções para as mulheres. Contudo é de responsabilidade dos estados e municípios a disponibilização destes insumos e a realização de ações informativas para apoiar a escolha das mulheres pelo método mais adequado às suas necessidades. AH!! Cresceu o número de grávidas e puérperas mortas pelo novo coronavírus no Brasil. De acordo com dados divulgados pelo Ministério da Saúde nesta sexta-feira (28), o país registra 6 mil gestantes com síndrome respiratória aguda grave (SRAG), sendo 2,7 mil comprovadamente com covid-19. São 221 mortes de grávidas por SRAG, 155 delas, com covid-19.https://revistacrescer.globo.com/Gravidez/noticia/2020/07/77-das-mortes-de-gravidas-e-puerperas-por-covid-19-sao-registradas-no-brasil-gestantes-precisam-ter-prioridade-nos-testes-diz-autora-do-estudo-em-entrevista-exclusiva.html 6 May Freitas (Saúde da Mulher) REFLEXÕES CRÍTICAS ARTIGO: MORTALIDADE MATERNA NO BRASIL: PROPOSTAS E ESTRATÉGIAS PARA SUA REDUÇÃO E PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DE MORTALIDADE MATERNA. (2018) Todo o sistema de saúde precisa estar pronto para atender às demandas das gestantes e puérperas. Mesmo com a realização de um pré-natal adequado, não é possível prever, como seria o ideal, quais mulheres necessitarão de atendimento médico de urgência durante o trabalho de parto. Embora contribua para uma gravidez e parto mais seguros, a triagem pré-natal não pode fazer muito para impactar diretamente a mortalidade materna, porque uma grande proporção de complicações graves ocorrem em mulheres que não apresentam fatores de risco identificados durante a gravidez. Assim, embora a assistência pré-natal adequada seja essencial para oferecer uma assistência de qualidade, gerenciar as condições de risco e reduzir a morbidade materna e perinatal, ela por si só não é capaz de reduzir a mortalidade materna. Além disso, as taxas de mortalidade materna são extremamente sensíveis a instituições de assistência obstétrica quando surgem complicações. Não basta investir na atenção primária ao pré-natal; Ações sistêmicas também são necessárias para qualificar o atendimento de emergência e garantir o acesso a esses serviços. Isso requer equipes bem treinadas e serviços prontos para realizar as ações clínicas necessárias sempre que se manifestarem doenças ou complicações. O intervalo entre o início das complicações obstétricas graves e o óbito é estimado em 2 a 6 horas para hemorragias pós-parto e em até 6 dias no caso de infecções. As mortes de mulheres grávidas ocorrem devido à demora na obtenção de atendimento adequado. Atrasos entre o início de uma complicação e seu desfecho podem ocorrer em uma das três fases: 1. Demora na decisão de buscar atendimento por parte de indivíduos e / ou familiares; 2. Atraso na chegada a uma unidade de saúde que possa fornecer cuidados adequados; e 3. Demora na prestação dos cuidados necessários no momento necessário na instituição de referência. Todos os atrasos estão inter-relacionados e a maioria das mortes maternas é causada por uma combinação desses fatores. No Brasil, a morte materna está associada principalmente às fases II e III, ou seja, demora no transporte para unidades de maior complexidade e demora na oferta de tratamento adequado nas instituições de saúde. Associado ao não reconhecimento dos sinais de complicações graves e o atraso no acesso à atenção adequada, parte considerável dos óbitos maternos que ocorrem ainda no nível terciário, poderiam ser evitados por meio do pronto atendimento em unidades de terapia intensiva obstétrica (UTI) ou mesmo em unidades intermediárias. A Rede de atenção à maternidade do Brasil apresenta significativas lacunas estruturais que podem resultar em atrasos e cuidados inadequados. Por exemplo, apenas 15% das maternidades públicas possuem UTIs maternas. Além disso, a literatura mostra que os serviços de referência não devem estar a mais de 20 km de distância e que maternidades menores e com poucos pacientes devem ser evitadas na composição do sistema de saúde, por apresentarem piores resultados perinatais. Um estudo populacional sobre nascimentos no Brasil 14 mostraram que 10% a 24% das maternidades de baixo risco eram consideradas inadequadas em termos de estrutura física, serviços de apoio e recursos humanos para uma assistência de qualidade. Outro exemplo dessa inadequação foi apresentado em estudo que observou que os obstetras não sabiam usar o sulfato de magnésio, medicamento essencial. Porém, reduzir a mortalidade materna exige que seja entendida como uma forma de negligência. É importante reconhecer as desigualdades na prestação de cuidados adequados à maternidade. Na obstetrícia, a relação de cuidado se inverte: quem mais precisa de cuidado recebe menos e quem não precisa de muito mais recebe. Isso cria um paradoxo, porque cuidados e exames excessivos às vezes podem ser inadequados e até incorrer em riscos inesperados. O maior desafio talvez seja o de estabelecer o princípio da eqüidade associado à assistência obstétrica adequada. Isso requer cuidados pré-natais qualificados e 7 May Freitas (Saúde da Mulher) baseados em evidências. A implementação universal de algumas medidas durante o pré-natal o cuidado pode prevenir várias complicações maternas e eventuais mortes. Essas ações incluem: 1) Identificar os fatores de risco no início do pré-natal e encaminhar as mulheres aos serviços especializados no prazo adequado e garantir a continuidade do cuidado. 2) Triagem com testes de cultura de urina e antibiogramas e fornecimento de tratamentos adequados que não prolongam as infecções do trato urinário. 3) Identificar anemia e fornecer tratamento adequado, garantindo que os níveis de hemoglobina sejam> 11 g / dL ao nascimento. 4) Prevenir a hipertensão com ácido acetilsalicílico e cálcio durante a gravidez para mulheres com risco de pré-eclâmpsia. 5) Identificar os primeiros sinais e sintomas de hipertensão, como ganho de peso excessivo e súbito, edema (especialmente no rosto e nas mãos) e presença de proteinúria em exames de urina no consultório / ambulatório e precocemente e encaminhamento imediato de mulheres com início de hipertensão na segunda metade da gravidez, especialmente quando associada à proteinúria. 6) Triagem para sífilis e HIV no início do pré-natal e no 3º trimestre e tratamento imediato quando a infecção materna for confirmada. 7) Avaliar e tratar o corrimento vaginal nas primeiras fases da gravidez, antes das 20 semanas. 8) Identificar e planejar previamente o parto para casos de maior risco, como placenta prévia, ou para mulheres com história de hemorragia pós-parto. 9) Oferecer educação pré-natal sobre partos vaginais de baixo risco. 10) Prestar atenção especial à localização da placenta em mulheres com cicatrizes uterinas de partos cesáreos anteriores e encaminhamento a um serviço especializado em casos suspeitos de placenta acreta. O potencial preventivo das medidas elencadas acima é facilmente observado nas estatísticas brasileiras. Pré-eclâmpsia e eclâmpsia, hemorragia pós-parto, infecções e complicações de aborto inseguro representam quase 75% de todas as mortes maternas. Outras causas envolvem complicações de doenças pré- existentes (como doenças cardíacas) que pioram durante a gravidez, especialmente se não forem tratadas como parte do cuidado pré-natal. Nestes casos, o acesso ao pré-natal especializado e a um sistema de referência adequado é fundamental para reduzir o risco de morte. Além disso, a avaliação pré-concepção e o aconselhamento reprodutivo por meio do planejamento familiar minimizam muito os riscos de gravidez e parto. A interrupção insegura da gravidez (que geralmente é realizada por indivíduos destreinados, com instrumentos perigosos ou em instituições anti-higiênicas) é outro aspecto relevante no planejamento familiar e com forte impacto na saúde pública. O aborto inseguro é uma das principais causas diretas de morte materna no Brasil. As complicações causadas por esse tipo de procedimento representam a terceira causa de ocupação de leitos obstétricos no Brasil. Apesar dos inúmeros avanços na redução da incidência de óbitos materno-infantis nos últimos 30 anos, com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), o Brasil ainda não atingiu a Meta de Desenvolvimento do Milênio de reduzir sua taxa de mortalidade materna para 35 mortes por 100.000 nascidos vivos até 2015. Entre 1990 e 2015, a taxa de mortalidade materna diminuiu 56%, caindo de 143 para 62 mortes por 100.000 nascidos vivos. No entanto, desde2000, essa tendência de queda vem desacelerando, apesar do aumento da cobertura materna. O Ministério da Saúde reconhece o grande desafio que deve superar e recentemente avaliou se está em condições de atingir a taxa de mortalidade materna de 30 por 100.000 nascidos vivos até 2030. Por isso, em 31 de maio de 2018, o Ministério da Saúde do Brasil instituiu a I Semana Nacional de Mobilização da Saúde da Mulher no SUS, que teve como tema de abertura a redução da mortalidade materna. O Ministério da Saúde propôs o fortalecimento das ações já em andamento e elencou diversas ações desenvolvidas que podem ser revistas para atender a esse objetivo, como a Rede Cegonha, centros de parto, 8 May Freitas (Saúde da Mulher) parteiras na assistência obstétrica, ampliação da oferta de anticoncepcionais e, principalmente, a implementação de programas de inserção pós-parto e pós-aborto de dispositivos intrauterinos (DIU), bem como atenção às populações vulneráveis e projetos para melhorar a qualidade da atenção obstétrica. REFERÊNCIAS BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise de Situação em Saúde. Guia de vigilância epidemiológica do óbito materno / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Análise de Situação em Saúde. – Brasília : Ministério da Saúde, 2009. 84 p. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico da Mortalidade Materna no Brasil. Nº 20/MS (Maio 2020). Disponível em: https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/atencao-mulher/mortalidade-materna-no-brasil-boletim- epidemiologico-n-o-20-ms-maio-2020/ Acesso em: 29/08/2020. BRASIL. Ministério da Saúde. Brasil reduziu 8,4% a razão de mortalidade materna e investe em ações com foco na saúde da mulher. Disponível em: https://www.saude.gov.br/noticias/agencia-saude/46970- brasil-reduziu-8-4-a-razao-de-mortalidade-materna-e-investe-em-acoes-com-foco-na-saude-da-mulher. Acesso em: 29/08/2020. MARTINS, A. C. S.;SILVA, L. S. Perfil epidemiológico de mortalidade materna. Revista Brasileira Enfermagem. v. 71, supl 1, p. 725-31, 2018. PACAGNELLA, R. C.; et al. Maternal Mortality in Brazil: Proposals and Strategies for its Reduction. Revista Brasileira de Ginecologia Obstetrícia. V. 40, n. 9, 2018. https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/atencao-mulher/mortalidade-materna-no-brasil-boletim-epidemiologico-n-o-20-ms-maio-2020/ https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/atencao-mulher/mortalidade-materna-no-brasil-boletim-epidemiologico-n-o-20-ms-maio-2020/ https://www.saude.gov.br/noticias/agencia-saude/46970-brasil-reduziu-8-4-a-razao-de-mortalidade-materna-e-investe-em-acoes-com-foco-na-saude-da-mulher#:~:text=O%20Brasil%20conseguiu%20reduzir%20em,anterior%20era%20de%2064%2C5. https://www.saude.gov.br/noticias/agencia-saude/46970-brasil-reduziu-8-4-a-razao-de-mortalidade-materna-e-investe-em-acoes-com-foco-na-saude-da-mulher#:~:text=O%20Brasil%20conseguiu%20reduzir%20em,anterior%20era%20de%2064%2C5.
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