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O projeto de nação do Brasil

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1
A CONSTRUÇÃO DA NAÇÃO BRASILEIRA: O PROJETO DE NAÇÃO ATRAVÉS DA LITERATURA COMO DIFUSÃO NACIONAL E A MISCIGENAÇÃO 
Esther Silva de Sousa[footnoteRef:2] [2: Discente do segundo semestre do curso de Licenciatura em Letras Vernáculas da Universidade do Estado da Bahia (UNEB)- Campus- XVI Irecê.] 
Sabe-se que os processos de identificação se dão unicamente pela história, e este não vem a ser um processo natural, dessa maneira, vão sendo construídos à medida que os discursos passam a se internalizar nos indivíduos. Nesse sentido, falamos aqui do projeto de nação, especificamente a brasileira, em que esse processo de construção se dá primeiramente pela idealização de uma literatura sobre Brasil, imaginando uma nação, termo que começa a surgir no período da modernidade, em que essa nação está ligada a idéia de modernidade, que opera através de binarismos, excluindo o diferente e que perpetua o pensamento de homogeneidade e de camaradagem entre os povos que constitui essa nação, como diz Benedict Anderson em Comunidades imaginadas:
Nações são imaginadas, mas não é fácil imaginar. Não se imagina no vazio e com base em nada. Os símbolos são eficientes quando se afirmam no interior de uma lógica comunitária afetiva de sentidos e quando fazem da língua e da historia dados “naturais e essenciais”; pouco passiveis de duvida e de questionamento. (2008. Pág. 16)
Nesse intuito, tem-se a nacionalidade, fundamental para a construção de uma nação verdadeira; ligada diretamente a ela, convoca o povo ao sentimento de pertença e a amar está nação, ou seja, fazer a comunidade acreditar que pertencem a uma única história, passível de dúvida, imortalizando ideias que vão servir de produtos históricos, culturais e sociais que interpretam o mundo, por isso, a literatura como símbolo de difusão nacional, foi usada para expressar a alma de um povo, o povo nacional, como diz José de Alencar no seu prólogo Benção paterna: “A literatura nacional que outra coisa é se não a alma da pátria [...]” (1972, pág. 4). Essa necessidade de uma criação literária como um mito fundador, era a precisão de criar um caráter histórico para representar o Brasil, para separar o povo brasileiro e firmar uma identidade nesse povo singular.
Neste prólogo ele aborda exatamente três fases da literatura nacional, pegamos aqui a fase primitiva, que se dá pelas obras nativas, como Iracema, o mito fundador brasileiro, que dela nasce Moacir, como resultado da junção romântica de duas raças, a indígena e a lusitana, percebendo aí o primeiro passo para criação de uma nação.
A primitiva, que se pode chamar aborígene, são as lendas e mitos da terra selvagem e conquistada; são as tradições que embalaram a infância do povo, e ele escutava como o filho a quem a mãe acalenta no berço com as canções da pátria, que abandonou. Iracema pertence a essa literatura primitiva, cheia de santidade e enlevo, para aqueles que veneram na terra da pátria a mãe fecunda — alma mater, e não enxergam nela apenas o chão onde pisam. (ALENCAR, 1972, Pág. 5)
Assim, Iracema é a mulher que faz parte da segunda matriz que constitui o povo brasileiro, e que dá origem a primeira mesclagem da lógica da miscigenação brasileira; mito fundador homogeneizante. Matrizes essas que são: os europeus, indígenas e africanos, que regem o discurso que a população brasileira se deu pala mescla dessas três matrizes, provocando certos apagamentos na história, e colocando a falsa idéia de um Brasil em que esses três povos viveram e vivem em “harmonia” e “igualdade”. Essa lógica homogeneizante ao mesmo tempo em que tenta imaginar uma camaradagem entre os povos, ela opera principalmente com o intuito de separar as condições de superioridade e inferioridade na nação. 
As três matrizes colocadas por Von Martius (1982. Pág. 442) como a raça “cor de cobre” (índios), “os brancos” (portugueses) e a “raça etiópica” (negros), onde este, o português, o colonizador, era responsável pelo progresso da nação, a evolução que possuía uma superioridade, e que as demais raças eram consideradas inferiores ou simplesmente “ruína de povos” que significava decadência ou degeneração.
Disso necessariamente se segue que o Português, que como descobridor, conquistador e senhor, poderosamente influiu naquele desenvolvimento; o português, que deu as condições e garantias morais e físicas para um reino independente, que o português se apresenta como o mais poderoso e essencial motor. (MARTIUS, 1982. Pág. 442)
Percebe-se então que o português, motor do progresso, possui uma soberania sobre os povos considerados inferiores, e que somente o colonizador, o qual impôs seus modos de produção de sentido sobre o colonizado, era a raça modelo para uma nação soberana e limitada, com essa ideia de criar um Brasil oficial, que opera através das relações de poder da matriz soberana. A criação desse Brasil oficial foi pensada após a “abolição” da escravatura a qual foi emancipacionista e se deu paulatinamente, em que, as três matrizes, ao se fundirem originou os mestiços, os quais eram considerados como degenerados e formavam o Brasil das diferenças.
[...] no Brasil, onde sobre eles, puros ou mestiçados, se levantou a nossa nacionalidade, cumpre julgá-los separadamente, discriminando as suas capacidades relativas de civilização e progresso. Entende esta questão com o cerne mesmo da constituição da nossa nacionalidade, em que intimamente se fundiram como Negro Americano em parte, mas sobretudo o Branco. (RODRIGUES, 2010. Pág. 20)
Nesse sentido, os negros e mestiços que constituíram o Brasil miscigenado, foram vitimas e ainda são, de discriminação e apagamentos sociais, bem como de processos de civilização, em que a superioridade dos brancos era destacada. A propósito, essa superioridade foi sendo prioridade para ser provada, bem como a inferioridade dos povos negros, para isso veio às teorias raciais, que entram no Brasil para reorganizar a hierarquia social colocada na escravidão, para acabar com o Brasil das diferenças e supostamente com o objetivo de comprovar cientificamente a inferioridade dos negros e a superioridade dos brancos. Em adição, as teorias raciais no Brasil, deram status cientifico para a divisão da humanidade em raças, que a partir delas foram criadas “memórias” geradoras de significado para alcançar as teorias de branqueamento apagando os negros da sociedade para reger o projeto de salvação nacional colocado pelo Estado, que usava de artifícios para impedir que os mestiços conseguissem viver no país. 
Analisa-se os discursos dessa ideia de degenerescência no conto de Lima Barreto, “As teorias do Dr. Caruru” o qual, dito na narrativa, publicou várias obras, dentre essas se destacava: “Os caracteres somáticos da degenerescência — livro que fora muito gabado pelo estilo saborosamente clássico.” (1915, pág. 1), nesse sentindo, temos no conto de Lima Barreto um personagem doutor que tem influencias em instituições de poder, como a “escola de medicina”, “gabinete medico da polícia”, instituições essas que ao ser instaladas no Brasil se apropriou de discursos da Europa e se encarregou de estudar os mestiços levantando hipóteses discriminatórias em relação a moral e existência destes, alegando que os mesmos eram o motivo da criminalidade e da violência do país e que essa condição de criminalidade era inata aos povos miscigenados.
Temos ainda na narrativa a questão da antropologia criminal, exercida pelo próprio doutor Caruru, este usava instrumentos antropométricos para analisar o cadáver encontrado e fazia uma série de julgamentos e afirmações sobre a moral do homem, com isso, é perceptível a predominância das teorias raciais no conto, estas que foram elaboradas para explicar a questão dos mestiços no Brasil.
Chegado que foi ao necrotério, o dr. Caruru armou-se de uma bateria de compassos graduados, de uma porção de réguas, de todo um arsenal de instrumentos de antropométrica e começou a preleção diante do cadáver: — Meus senhores. Estamos certamente diante de um caso típico de degenerado... (1915, pág. 2)
Com isso, odoutor Caruru considerava o individuo um degenerado, bêbado e vagabundo, por apresentar um pé maior que o outro, afirmações feitas sem consideração nenhuma pela história do individuo, baseada apenas em teorias e pelo fenótipo. Dessa maneira, as teorias raciais de degeneração afirmavam que os indivíduos miscigenados trariam consigo “vícios” das duas raças que o formavam. 
Assim sendo, tem-se grandes marcas discriminatórias e provedoras de desigualdades que perpetuam até o Brasil atual, mesmo com esses processos tidos como “missões civilizatórias", a nação brasileira enraizou o discurso de que o Brasil é um país que “respeita as diferenças”, que “não” há preconceito por ser um país miscigenado. Pode-se observar esse discurso no poema “Carta de Pedro II a Gobineau” de Cassiano Ricardo, no trecho: 
Aqui, democracia quer dizer: sem preconceito 
de origem, credo e cor: é flor social que aconteceu. 
(Mélange, melting pot, um tinga piranga). 
Se nasce aqui, outra vez, como no Pentateuco. (1975, pág. 2)
Tal discurso é dotado de grande contradição, pois no decorrer da história do país o Estado esteve encarregado de apagar essas diferenças da história da nação, o fato do Brasil ser um país miscigenado não muda, e nem apaga o que esses povos enfrentaram, e não muda as desigualdades e discursos racistas que estão enraizados na sociedade e que são dispersos o tempo inteiro de diversas maneiras. Marilena Chauí, em seu livro “Brasil mito fundador e sociedade autoritária” vai colocar justamente a questão da miscigenação como uma ideologia do “caráter nacional”:
[...] a nação é formada pela mistura de três raças - índios, negros e brancos - e a sociedade mestiça desconhece o preconceito racial. Nessa perspectiva, o negro é visto pelo olhar do paternalismo branco, que vê a afeição natural e o carinho com que brancos e negros se relacionam, completando-se uns aos outros, num trânsito contínuo entre a casa-grande e a senzala. (2013, pág. 21)
Outro escritor que faz crítica a esse discurso de “não preconceito e violência” é Affonso Romano de Sant’Anna, em seu poema “Que país é este?”, ele diz: “Há 500 anos somos pretos de alma branca, não somos nada violentos” (1980, pág. 2), neste verso ele usa de forma sarcástica a expressão “nada violentos” para da ênfase a muitas violências e dominações ocorridas no país. 
Há 500 anos caçamos índios e operários
Há 500 anos queimamos arvores e hereges
Há 500 anos estupramos livros e mulheres
Há 500 anos sugamos negras e alugueis. (1980, pág. 2)
O poema faz uma crítica à construção da nação brasileira e faz uma pergunta “que país é este?”, indagação que vem sendo feita desde as primeiras literaturas de “descobertas” do Brasil. A propósito, que país esse que acredita em uma “democracia racial” com tantas falhas em seu projeto nacional? Falhas estas que são as próprias teorias raciais, vista no conto de Lima Barreto aqui apresentado, as quais gestavam na Europa e Estados Unidos importadas para o Brasil e empregadas nas Instituições de poder para reafirmar a dominação da raça superior (brancos) sobre a raça inferior (negros).
Em Lima Barreto, vemos uma das teorias raciais do século XIX, o poligenismo, que partiam do pressuposto da existência de várias origens de criação do povo, as quais comprovariam as diferenças entre as raças, diferenças essas que interpretavam as capacidades humanas através da proporção do crânio. 
É isso que uma nação propõe, que a sociedade internalize a ideia de unidade, de comunidade unificada, por ser constituída de três matrizes, e mesmo que a nação esteja ciente dos acontecimentos desastrosos da história do Brasil, ela nega e justifica a realidade através de símbolos e valores imaginados, que reafirmam práticas de repetição para naturalizar os processos repressores e desumanos que aconteceram na história do país, pois “A nação constrói tempos vazios e homogêneos, e amnésias coletivas fazem parte desse jogo político, também por aqui, muito bem disputado” (ANDERSON, 2008. Pag.17)
Em suma, esses apagamentos são mecanismos que o Estado e nação propagam por meio das relações de poder, político, econômico e ideológico, para dominar a sociedade e fazê-las entrarem em um conformismo onde encontram meios para justificar o racismo e a violência que predominam no Brasil, e que faz a nação brasileira entrar em uma zona de confraternização comemorando datas históricas, as quais são mais símbolos de poder do que orgulhos nacionais.
REFERÊNCIAS
ALENCAR, José de. “Benção Paterna”. In Obra Completa Rio de Janeiro: Editora José Aguilar, 1972.
ANDERSON, Benedict. Comunidades Imaginadas: Reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo. Tradução de Denise Bottman. São Paulo: companhia das letras, 2008.
BARRETO, Lima. As teorias do dr. Caruru. Rio de janeiro: Revista Careta, 1915.
CHAUÍ, Marilena. Brasil: mito fundador e sociedade autoritária. Belo Horizonte: Autêntica; São Paulo: Perseu Abramo, 2013. p. 147-238. (Escritos de Marilena Chauí, v. 2).
MARTIUS, Karl Friedrich Von. Como se deve escrever a história do Brasil. Tradução de Alberto Löfgren. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Editora USP, 1982.
RICARDO, Cassiano. Carta de Pedro II a Gobineau. São Paulo: José Olympio, 1975.
RODRIGUES, Raimundo Nina. Os africanos no Brasil. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas sociais, 2010.
SANT’ ANNA, Afonso Romano de. Que pais é este?. A poesia possível. Rio de Janeiro: Rocco, 1980.

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