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Aprendizagem contínua: o desafio do trabalhador contemporâneo Maria José Lara de Bretas Pereira RESUMO A sociedade contemporânea é centrada no trabalho. Nela, o trabalho é visto como forma de realização, chance de aprendizado e geração de desafios, que faz a pessoa responsável e admirada. O século XX marca uma era de culto ao trabalho. E o trabalho, até os anos 90, foi consubstanciado no emprego. A sociedade industrial que o patrocinou gerou mais conforto pessoal e desenvol- vimento social do que em qualquer outra época da história humana. O pleno emprego foi considerado um grande fator de realização pessoal e de paz social. No mundo atual, o emprego passou a ser um produto escasso. Daí o espanto e a perplexidade com o medo do fim do emprego e da perda de seu significado. PAlAvRAS-chAvE Aprendizagem; Trabalho. ABSTRAcT Today’s society is focused on the job. In it, the work is seen as a form of accom- plishment, a chance for learning and generation of challenges, what makes the person responsible and admired. The twentieth century was a mark of devotion to work. And the work, until the year 1990, was encapsulated in employment. Industrial society that sponsored it generated more personal comfort and social development than at any other time in human history. Full employment was considered a major factor for personal accomplishment and social peace. In today’s world employment has become a scarce product. Hence the surprise and amazement with the fear of the end of employment and loss of its meaning. KEy wORdS Learning; Work. 1 TRABAlhO E EMPREgO nO MUndO cOnTEMPORânEO A sociedade contemporânea é centrada no trabalho. Nela, o trabalho é visto como forma de realização, chance de aprendizado e geração de Aprendizagem contínua: o desafio do trabalhador contemporâneo 76 Negócios e Talentos • número 7 • 2010 desafios, que faz a pessoa responsável e admirada. O século XX marca uma era de culto ao trabalho. E o trabalho, até os anos 90, foi consubs- tanciado no emprego. A sociedade industrial que o patrocinou gerou mais conforto pessoal e desenvolvimento social do que em qualquer outra época da história humana. O pleno emprego foi considerado um grande fator de realização pessoal e de paz social. No mundo atual, o emprego passou a ser um produto escasso. Daí o espanto e a perplexi- dade com o medo do fim do emprego e da perda de seu significado. A literatura e a história reforçam esses sentimentos: Germinal, As Vinhas da Ira, Tempos Modernos, são obras clássicas que evidenciam as agruras vividas nas épocas de recessão e desemprego. Entretanto, o trabalhador contemporâneo adota uma posição ambígua em relação ao emprego. Embora as relações entre o capital e o trabalho continuem mescladas de dependência e conflito – ora vistas como uma conquista do trabalhador, ora como símbolo de escravidão ou uso do ser humano como um custo ou um recurso de produção – a disponibilidade de emprego ainda é a mais importante fonte de sobrevivência, marco de tranquilidade e alvo de conquista. O desemprego é considerado como uma chaga social, e os governos são cada vez mais instados a estimular a geração e a proteção do emprego. Curiosamente, as políticas vigentes, assim como a ciência e a tecnologia – neutras por definição, mas teoricamente a serviço da melhoria das condi- ções de vida – colaboraram juntas para o fim do emprego e o acirramento das crises sociais do nosso tempo. A tecnologia, a automação, a globali- zação econômica, a busca da qualidade e dos índices de produtividade, o aumento do nível de exigência dos consumidores motivados pela elevação dos padrões de vida e de educação, revolucionaram as bases da estrutura empresarial. No Brasil, a busca de competitividade aliada aos elevados encargos dos vínculos empregatícios exigiu o progressivo enxugamento das estruturas organizacionais. A transformação é radical e parece não ter volta. O sonho de muitos trabalhadores de ser patrão, símbolo de liberda- de e riqueza, de não ter hora para trabalhar, de ser dono do próprio Maria José lara de Bretas Pereira 77Negócios e Talentos • número 7 • 2010 destino parece próximo de se tornar realidade. Mas esta nova situação se apresenta com um sabor amargo. Ser empresário é muito diferente de ser empregado. A maioria dos trabalhadores foi preparada para o emprego, não para o trabalho autônomo. O trabalhador Formou-se como um especialista e sabe desempenhar bem uma determinada função. Mesmo quando trabalha em equipe ou partilha as visões da liderança, é avaliado por seu desempenho numa função específica e responsável apenas pelos resultados pertinentes a ela. Relacionamentos com o mer- cado, com fornecedores, com órgãos financiadores; aspectos tributários, legais e burocráticos que regem o funcionamento empresarial e, sobre- tudo, a capacidade de decidir em ambientes turbulentos, nem sempre são considerados como parte da bagagem de conhecimentos exigida do trabalhador comum. No entanto, para iniciar um negócio próprio, este saber é essencial e pode se tornar decisivo para a sobrevivência e sucesso do empreendimento. Para fazer face a esses novos desafios, o trabalhador, na sociedade contemporânea, precisa cultivar competências inéditas: a empregabilidade (capacidade de conseguir ou de se manter no emprego) e a trabalhabilidade (capacidade de preparar-se para o trabalho autônomo, seja no setor de produção ou de serviços). 2 O NOvO TrabalhadOr emergeNTe O trabalhador que emerge neste século – autônomo ou empregado – necessita de um conjunto de habilidades e conhecimentos básicos diferentes de tudo o que foi prescrito no passado. Os requisitos de competência técnica e experiência comprovada, conceitos ou instru- mentos que lhe garantiam a eficiência no desempenho, continuam importantes, mas necessitam ser atualizados constantemente, porque não são suficientes para conquistar o almejado lugar no mercado de trabalho. Precisam ser acrescidos da competência interpessoal, visto que o trabalho humano é uma atividade relacional, envolvendo clientes, acionistas, hierarquias, equipes e comunidades, em interação constante. O exercício da competência interpessoal não é estanque nem limitado, carece ser sempre aprimorado e desenvolvido. Há ainda um outro tipo de competência cada vez mais necessária no mundo atual: a capacidade de tomar decisões e de mudar, o que exige do trabalhador moderno a aquisição de habilidades específicas, relacionadas com a percepção acurada do contexto, a visão sistêmica, o pensamento crítico, o uso adequado das informações e a postura ética. Este conjunto de habilidades não vem pronto em um pacote, precisa ser aprendido e reaprendido de maneira dinâmica. A habilidade essencial do trabalhador contemporâneo pode ser sintetizada nesta capacidade de estar em permanente processo de busca e desenvolvimento, ou seja, de aprender a aprender. Quadro 1 - O trabalhador emergente 3 cARAcTERíSTicAS dOS MOMEnTOS dE TRAnSiçãO Diz um antigo provérbio chinês que “quando Deus quer por um homem à prova, fá-lo nascer em uma época de transição”. Vivemos um Aprendizagem contínua: o desafio do trabalhador contemporâneo 78 Negócios e Talentos • número 7 • 2010 desses períodos, rico tanto em dificuldades quanto em possibilidades. Os momentos de transição costumam ser dramáticos: tempos de crise, de confusões, de desequilíbrios e de incertezas. Geram perplexidade e também muitas opções. Quanto mais céleres as mudanças, maior o seu impacto sobre as pessoas, porque elas têm que se adaptar rapidamente à nova situação. É este processo de adaptação contínua que garante a sobrevivência e o desenvolvimento humano. Decerta forma, todos os sistemas adaptam-se às novas circunstâncias, mas o ser humano o faz de maneira consciente e criativa, é capaz de intervir no curso das mudanças, de influir sobre elas e de optar entre alternativas múltiplas. Esta capacidade do homem de conduzir o seu próprio destino e de modificar o ambiente que o cerca deve-se à sua capacidade de decidir, de mudar e de aprender. A vida nos sistemas sociais, nas organizações e nas pessoas transcorre por meio de ciclos de ascensão e decadência. A passagem de um ciclo para outro caracteriza um momento de transição. Quadro 2 - momento de transição “Passagem”, aqui, é a palavra-chave. Para iniciar um novo ciclo é necessário tomar decisões em um contexto instável, no qual os velhos paradigmas ainda estão em vigor e os novos ainda não desabrocharam Maria José lara de Bretas Pereira 79Negócios e Talentos • número 7 • 2010 Aprendizagem contínua: o desafio do trabalhador contemporâneo 80 Negócios e Talentos • número 7 • 2010 totalmente. Por isso, a passagem de um estado para outro costuma apresentar contradições entre os valores emergentes e a busca de pre- servação dos antigos. As coisas ficam muito confusas porque realidades distintas se interpõem e se misturam. Nestas horas, é indispensável o desenvolvimento de uma mente crítica, capaz de responder às pro- fundas indagações decorrentes da necessidade de certezas que o ser humano precisa para balizar suas decisões (diga-se de passagem, um artigo cada vez mais raro na complexidade do mundo contemporâ- neo). Antigamente o homem encontrou essas certezas na fé. Quando a espiritualidade não foi mais capaz de aliviar suas dúvidas, buscou refúgio na ciência. No presente momento, sente que também a ciência lhe falha. Nesta busca incansável, o ser humano anseia por: • uma espécie de radar para informá-lo dos acontecimentos e das mu- danças que estão ocorrendo no mundo – o que a tecnologia moderna lhe oferece; • avaliar o impacto que esses eventos irão exercer sobre ele – o que depende de sua acuidade perceptiva e de seu nível de consciência; • saber responder a diferentes contextos de maneira produtiva – o que depende de um processo contínuo de aprendizagem. Paradoxalmente, aprender a aprender implica não se deixar aprisionar por certezas preconcebidas, considerar de antemão como duvidosas as próprias crenças e os próprios conceitos e navegar em teses e hipóteses inusitadas. É habituar-se à flexibilidade, estar sempre pronto a construir realidades diferentes, a partir de conhecimentos novos e experiências diferentes. Etimologicamente, “aprender” vem do latim ad prendere, que significa dar forma às coisas, dominar o caos. A capacidade de controlar a desor- dem frente a um universo caótico, de usar o conhecimento disponível e aplicá-lo de maneira produtiva naquilo que se faz tem tudo a ver com os desafios do trabalhador contemporâneo. 81Negócios e Talentos • número 7 • 2010 4 A cAPAcidAdE dE USAR O cOnhEciMEnTO A aprendizagem pode ser conceituada como: [...] um processo de aquisição da capacidade de usar o conhecimento. Este processo ocorre como resultado da prática, da experiência e da reflexão crítica, capaz de produzir mudanças significativas no comportamento das pessoas. (Caravantes e Bretas Pereira, 1981). Segundo Peter Drucker, as características fundamentais do nosso tempo podem ser sintetizadas em dois pontos: a globalização da eco- nomia e a “sociedade do conhecimento”. A explosão tecnológica, que possibilitou a revolução da produtividade no mundo todo, é fruto de uma mudança radical no significado do conhecimento. Na sociedade ocidental capitalista essa mudança é bem visível. Ela vem se processando em ciclos de 200 a 500 anos, desde o século V a.C. Até então, o saber localizava-se nas comunidades naturais: clãs, famílias ou feudos. Na Grécia Antiga concentrou-se nas cidades, dando forma aos princípios da democracia grega (paideia), baseados principalmente na cidadania, na cultura, na educação e na obrigação ética de promover melhorias na sociedade. Atualmente, vivemos uma enorme mudança nessas relações. Pela primeira vez, a informação está efetivamente coletivizada, a partir da Internet. Ao contrário de todos os períodos históricos anteriores, nos quais a informação – desde a imprensa até a televisão – seguiu o trajeto “de um ou de poucos para muitos”, a Internet fez com que a informação pudesse fluir “de muitos para muitos”. O saber trafe- gando pelo caminho virtual está, ao mesmo tempo, em todo lugar e em lugar nenhum. Não podemos ainda projetar as consequências desta mudança radi- cal. Maria José lara de Bretas Pereira Aprendizagem contínua: o desafio do trabalhador contemporâneo 82 Negócios e Talentos • número 7 • 2010 Quadro 3 -– O trajeto do saber Fonte: Bretas Pereira, Maria José Lara & Fonseca, João Gabriel Marques – Faces da Decisão – as mudanças de paradigmas e o poder da decisão – São Paulo, Ed. Makron Books, 1997 Até o século passado, o conhecimento foi usado para o “ser”, como base para o autoconhecimento, o crescimento moral e espiritual da pessoa. Mais recentemente, o conhecimento passou a ser aplicado ao “fazer”, transformando-se em recursos e utilidades (ferramentas, pro- cessos e produtos). O conceito de utilidade é empregado integralmente ao conhecimento do século XXI. Ele é fluido, funcional, aplicável, traz benefícios e confere poder – o poder da competência que garante a empregabilidade, o respeito e a sobrevivência, a qual depende cada vez mais de nossa capacidade de fazer bem aquilo que sabemos. Por outro lado, o conhecimento que sempre havia sido um bem pri- vado, transformou-se em bem público, pertencendo, hoje, a toda a so- ciedade. Provavelmente o conhecimento jamais voltará a ser monopólio das escolas, dos mosteiros, dos palácios e, muito menos, das empresas. Taylor foi pioneiro a aplicar o conhecimento ao estudo do trabalho, e os japoneses foram os que melhor compreenderam as suas ideias, bus- cando parceria entre o capital e o trabalho, enfatizando o treinamento e a aquisição de habilidades como forma de obter maior produtividade e Maria José lara de Bretas Pereira 83Negócios e Talentos • número 7 • 2010 REVERTER O CONHECIMENTO em melhores salários para o trabalhador. Hoje o conhecimento é o principal recurso do indivíduo e das empresas. De Taylor para cá, a produtividade aumentou centenas de vezes, con- quistou vantagens competitivas para as empresas e melhorou a quali- dade de vida das pessoas. Foi a aplicação do conhecimento ao trabalho que elevou a produtividade. Por isso, conhecimento é considerado a verdadeira vantagem competitiva no mundo atual. Uma das tendências mais previsíveis no mundo contemporâneo é o emergir do “trabalhador do conhecimento” (knowledge worker), cada vez mais referenciado pela sua capacidade de conferir mobilidade aos recursos e de levar o saber consigo, por onde for. O trabalhador do futuro não poderá ser geren- ciado no sentido tradicional porque será educado para a autonomia e a liberdade de efetuar escolhas e de arcar responsavelmente com as suas consequências. Por isso, a educação no mundo contemporâneo tem que ser permanente, requer a habilidade de aprender a aprender. 5 APREndER, dESAPREndER E REAPREndER A aprendizagem é um processo: o conhecimento começa com a prá- tica, é adquirido por meio dela e, de uma maneira ou de outra, a ela se reverte. O conhecimento se dá a partir da evolução conjunta da teoria e da prática. Ambas estão intrinsecamente entrelaçadas e interligadas. Tal simbiose está sempre presente onde quer que ocorra o conhecimento.A aprendizagem é uma aquisição. Uma vez adquirida tende a se perpetuar. Quanto mais usado o conteúdo da aprendizagem ou a ha- bilidade adquirida, mais ela se amplia; quanto mais se repete, mais se institucionaliza; quanto mais institucionalizada, mais tende para a permanência. Por isso, desaprender é muito mais difícil do que aprender. O desaprender contraria a motivação natural do homem, coloca-o na contramão da história, significa uma frustração profunda, um enorme desperdício de energia. Implica jogar fora a experiência adquirida, abrir Aprendizagem contínua: o desafio do trabalhador contemporâneo 84 Negócios e Talentos • número 7 • 2010 mão de crenças, valores, conhecimentos e práticas costumeiras. Gera uma tremenda sensação de perda, a qual vem sempre acompanhada de insegurança e ambiguidade. Desaprender significa abandonar a rotina, modificar hábitos, os maiores geradores de apego ao status quo. Paradoxalmente, “a sociedade do conhecimento” é também caracte- rizada como “a era da desaprendizagem”, porque, para receber o novo de que a nossa realidade está prenhe, temos que abandonar o velho que a nossa história construiu. Desaprender é ser capaz de despojar-se do velho, de não se sentir ameaçado com o novo, de ter esperança na capacidade humana de construir algo melhor, de usar a liberdade de ser e de fazer acontecer aquilo que desejamos. Nesse sentido, o desa- prender é condição para reaprender, para mudar, para transformar a nós e ao mundo. O reaprender é a única forma de compensar a dor da mudança. Rea- prender é iniciar um novo processo de aprendizagem. Envolve transição, transformação, mudança de patamar... Mas a dificuldade de lidar com as mudanças nos reporta aos diferentes níveis de aprendizagem, per- ceptíveis no comportamento humano, que influenciam profundamente as relações no trabalho, a saber: 1- Conservadorismo dinâmico - quando há uma mudança mínima na resposta a um estímulo repetitivo, por exemplo: reações estereoti- padas decorrentes de um contexto único. Essas mudanças não são susceptíveis de correção por ensaio e erro e nem têm apenas uma resposta correta. É um tipo de aprendizagem que segundo Schon (1971) não gera mudanças significativas, apenas reforça o status quo. Neste caso, não há uma resolução definitiva do problema, mas apenas soluções incrementais, que aliviam as pressões no curto prazo. Para preservar a estabilidade do sistema, mascaram-se as transformações substantivas usando-se mudanças acidentais e pequeninas como uma forma de evitar ou de escamotear a mudança essencial ou substantiva. 2- Aprendizagem instrumental - que embora produza melhorias rápidas no desempenho – aprender a agir ou a fazer – na maioria das vezes Maria José lara de Bretas Pereira 85Negócios e Talentos • número 7 • 2010 não consegue mantê-las quando cessam o estímulo ou o desconforto. Está relacionada aos processos de aquisição ou de conservação do aprendido, dentro de um modelo mecânico. 3- O aprender a aprender - implica a aquisição da capacidade de acrescen- tar algo novo àquilo que já é sabido ou é recorrente, permitindo uma reorganização do sistema, que o transporta para um outro estado ou patamar. É um tipo de aprendizagem orgânica que comporta correções, modificações, adaptações dinâmicas, sendo a base do processo de autorrenovação contínua. Produz mudanças profundas e definitivas. Nos seres vivos deu origem aos processos evolutivos, os quais podem ser considerados processos de aprendizagem cumulativa, incorporados através da história. A concepção do aprender a aprender como um processo evolutivo coloca nas decisões do homem contemporâneo a capacidade e a responsabilidade de ser um. coconstrutor de um projeto de futuro desejado. A convivência com o excesso de informações e sensações, impostas pelo mundo atual, não lhe deixa outra alternativa, senão a de desenvolver a habilidade de “aprender a aprender”. 6 APREndiZAgEM E inOvAçãO O ser humano está em permanente processo de desenvolvimento e tem consciência disso. O homem aprende porque é capaz de usar as informações disponíveis para transformar a si próprio e ao mundo em que vive. Quando a informação é usada de maneira positiva, o homem se forma, se educa, transforma a realidade e gera inovação. A inovação traz sempre uma ideia de melhoria, nascida de um ato de criatividade e de um desejo que algo melhor venha a acontecer. A inovação tem sido um dos fatores essenciais no desenvolvimento da nossa sociedade. Como a mente humana não é passiva, a geração de inovação é um processo permanente que nunca cessa. O mundo progrediu por meio de ciclos de inovação. Quando um ciclo de ino- Aprendizagem contínua: o desafio do trabalhador contemporâneo 86 Negócios e Talentos • número 7 • 2010 vação se esgota, a sociedade entra em estagnação, até que um líder empreendedor dê início a um novo ciclo. Shumpeter chamou este ciclo de “destruição criadora”, os japoneses o denominam kaizen (melhoria contínua). Ambos os conceitos se assemelham ao aprender a aprender. O inovador é alguém que desestabiliza e perturba, porque não existe mudança sem um estado de tensão ou de desconforto. A inovação é um recurso fundamental para os indivíduos e para as organizações no mundo atual. O conhecimento por si só não produz nada, mas todos os outros fatores de produção perdem seu valor se não lhes for agregada a inovação. Por isso o fator crítico de sucesso das organizações con- temporâneas é a capacidade de criar e recriar conhecimento, ou seja, desaprender, reaprender e aprender a aprender. O conhecimento sempre começa no indivíduo; por isso, cada vez mais as organizações buscam o concurso de pessoas qualificadas e capazes de autorrenovação e de desenvolvimento continuado. O trabalhador contemporâneo sabe que é necessário engajar-se em um processo per- pétuo, sistemático e intencional de aprendizagem. Seu grande dilema é como fazê-lo. 7 O dESAFiO dA APREndiZAgEM cOnTínUA A aprendizagem é um processo, um movimento contínuo e dinâmico em que o aprendiz enfrenta a realidade pessoal de maneira critica. As- sim sendo, a aprendizagem exige um esforço em direção a um objetivo específico, no qual, em decorrência da reflexão sobre a própria experi- ência, são geradas novas formas de se perceber a realidade e lidar com ela. O trabalho humano envolve ciclos de natureza distinta, períodos marcados por conquistas e problemas específicos, que devem ser alvos de conteúdos de aprendizagem diferenciada. O início da carreira é caracterizado como um período de formação, no qual conceitos e práticas começam a se integrar de maneira concreta, Maria José lara de Bretas Pereira 87Negócios e Talentos • número 7 • 2010 dando forma à experiência nascente. A natureza dos relacionamentos humanos no trabalho desponta com suas nuances positivas ou negati- vas, ensejando novas habilidades interpessoais e formas de convívio, tais como o defrontamento do indivíduo com as estruturas de poder, as formas de comunicação e os mecanismos de integração grupal ou organizacional peculiares. É um tempo de direcionamento e estruturação da carreira, de teste das preferências e habilidades, de descobertas ou de decepções, de busca ou, até mesmo, de desistências. É um período caracterizado pela aquisição do “saber fazer”, de aprender a solucionar problemas existentes, de treinamentos específicos e formação da base de conhecimentos necessários à manutenção do emprego ou à sobre- vivência do negócio. O segundo estágio marca o desenvolvimento da carreira, no qual o trabalhador, vencida a insegurança e os conflitos característicos do estágioanterior, consolida as competências adquiridas, aperfeiçoando e dando feições próprias ao seu modo de trabalhar, criando um estilo próprio, valorizando seus pontos fortes e investindo em seu próprio desenvolvimento. Caracteriza-se pelo uso adequado da informação e do conhecimento adquirido ou potencial. A maturidade profissional dá segurança ao trabalhador para criar e inovar. É um dos momentos mais ricos da vida profissional, quando a experiência ampliada permite o pensamento crítico e a visão sistêmica; a percepção acurada e o senso de responsabilidade possibilitam a tomada de decisões adequadas, com a agilidade e a flexibilidade necessárias ao nosso mundo mutante. Nesta fase, geralmente o profissional exibe alto grau de proficiência, assume posições executivas ou de relevância na empresa e se torna conhecido e respeitado entre seus pares. Finalmente, o período de transformação, no qual se encaixa o momento da aposentadoria, mudanças de ramo ou, até mesmo, o abandono do emprego pela busca de novas oportunidades como empreendedor. Aprendizagem contínua: o desafio do trabalhador contemporâneo 88 Negócios e Talentos • número 7 • 2010 Quadro 4 - Fases da vida profissional Fonte: Bretas Pereira, Maria José Lara – Na Cova dos Leões – o consultor como faci- litador do processo decisório empresarial. Belo Horizonte, Oficina Arte e Prosa, 2002 8 A inFRAESTRUTURA PARA A APREndiZAgEM cOnTínUA nAS ORgAniZAçÕES MOdERnAS A necessidade do desenvolvimento contínuo proporcionou o surgi- mento de modelos de gestão mais coerentes com esta nova realidade. De maneira resumida, (cada uma delas comporta vasta bibliografia) evidenciamos três tipos de esforços presentes nas empresas de van- guarda que facilitam o aprender a aprender. 1- Organizações de aprendizagem - O modelo sistematizado por Peter Senge tem suas origens na década de 70, nos trabalhos de Chris Argyris e Donald Schon. Parte do pressuposto de que é possível construir uma cultura organizacional contínua e otimizada para aprender, adaptar e mudar. Nessas organizações as pessoas buscam aprimorar continuamente suas capacidades para construir o futuro que conscientemente desejam, por meio do domínio de cinco com- Maria José lara de Bretas Pereira 89Negócios e Talentos • número 7 • 2010 petências ou disciplinas fundamentais que envolvem: • a visão compartilhada dos objetivos e a conexão do aprendizado às estratégias da empresa; • o estímulo à consideração de paradigmas, modelos mentais ou pontos de vista diferentes; • o sentido de compromisso autogerido dos empregados para compar- tilhar livremente informações, conhecimentos e experiências, sem permitir que hierarquias ou políticas rígidas obstruam o trabalho de uma equipe eficaz; • a capacidade de gerar continuamente, novas formas de obter resul- tados da aprendizagem; • o pensamento sistêmico ou a capacidade de perceber a interrelação de todas as forças que afetam o funcionamento da organização e vê-las como parte de um processo comum. Esta concepção das organizações como sistemas de aprendizagem tem sido o baluarte de vários projetos de mudança e desenvolvimento organizacional. 2- Universidades corporativas - São laboratórios de aprendizagem permanente que abrigam empregados, clientes, fornecedores e até os membros da comunidade onde a empresa está inserida. De modo geral são mais virtuais do que físicas, não se baseiam em estruturas hierárquicas e não comportam unidades funcionais como os centros de treinamento tradicionais. Partem do pressuposto de que o trabalho e a aprendizagem não podem ser separados e estão cada vez mais próximos. Desenvolvem forte laço cultural de com- partilhamento de objetivos, por isso, todos os atores envolvidos no processo educacional: executivos que atuam como instrutores e consultores internos e externos formados para não perder de vista, em nenhum momento, o alinhamento com a estratégia da empresa. As universidades corporativas constituem um dos modelos mais interessantes de aprendizagem organizacional no mundo contem- porâneo. Aprendizagem contínua: o desafio do trabalhador contemporâneo 90 Negócios e Talentos • número 7 • 2010 3 - As comunidades de aprendizagem - São constituídas por grupos de pessoas que se reúnem deliberadamente para aprender a aprender. Partem do pressuposto de que o aprendizado só ocorre quando as pessoas estão às voltas com questões essenciais ou se veem diante de desafios ou algo que tenha significado pessoal para elas. Na maioria das vezes funcionam como equipes informais, que procuram criar valores e significados próprios, por meio da criação de redes de co- municação, nas quais o conhecimento flui livremente. REFERênciAS BiBliOgRáFicAS ARGYRIS, Chris & SCHON, Donald. Theory and practice: increasing professional effectiveness. São Francisco, Josey Bass, 1974. BRETAS PEREIRA, Maria José Lara; FONSECA, João Gabriel Marques. Faces da Decisão: as mudanças de paradigmas e o poder da decisão. São Paulo: Ed. Makron Books, 1997. ______. Na Cova dos Leões: o consultor como facilitador do processo decisório empresarial. Belo Horizonte: Oficina Arte e Prosa, 2002. CARAVANTES, G. R.; BRETAS PEREIRA, M.J.L. “Aprendizagem or- ganizacional x estratégia de mudança organizacional planejada: um confronto crítico”. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, 15(2):23-44, 1981. DRUCKER, Peter. Sociedade pós-capitalista. São Paulo: Pioneira, 1994. SCHON, Donald. Beyond the Stable State. Nova York: W.W. Norton, 1971. SENGE, Peter. A quinta disciplina. São Paulo, Best Seller, 1992. SHUMPETER, J. A. Capitalism, socialism and democracy. Nova York: Harper and Raw, 1942. STEINBACK, John. As vinhas da ira. Abril Cultural, 1972. ZOLA, Emile. Germinal. Abril Cultural, 1972. Maria José lara de Bretas Pereira 91Negócios e Talentos • número 7 • 2010 MARIA JOSÉ LARA DE BRETAS PEREIRA Formada em administração de empresas e em pedagogia. Mestre em administração, leciona na Fundação Dom Cabral, em Belo Horizonte. E-mail: mjbretas@uai.com.br PEREIRA, Maria José Lara de Bretas. Aprendizagem Contínua: o desa- fio do trabalhador contemporâneo. Revista Negócios e Talentos, Porto Alegre, ano 7, n. 7, p. 75-91, 2010.
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