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UNICOIMBRA CIRCULAÇÃO INTERNA PEDAGOGIA E ESCOLARIZAÇÃO NO HOSPITAL 2 “Qual escola cabe em um hospital?” Alessandra Barros 3 SUMÁRIO Introdução, 04 CAPÍTULO I – A escola da Criança- Doente, 05 Atividades de Aprendizagem/Questões para reflexão, 11 CAPÍTULO II - Uma prática pedagógica em ambiente hospitalar na rede pública do Estado do Paraná, 13 Atividades de Aprendizagem/Questões para reflexão, 19 Atividades aplicadas: prática, 20 CAPÍTULO III – Pediatria de Queimados: um diálogo entre a pedagogia e a o hospital, 22 Atividades de Aprendizagem/Questões para reflexão, 31 CAPÍTULO IV- Relato de trabalho pedagógico em uma Pediatria de Queimados, 33 Atividades de Aprendizagem/Questões para reflexão, 56 Atividades aplicadas: prática, 56 Considerações finais, 58 Bibliografia comentada, 59 Atividades Avaliativas, 60 “A realidade existe, porque primeiro existe um sonho”. Quadrelli Justi 4 INTRODUÇÃO Este material é resultado do diálogo - pautado em trabalho, sonhos e realizações na área da pedagogia aplicada ao ambiente da saúde - entre três professoras que dedicam seus estudos ao processo educativo da criança que precisa se ausentar do convívio familiar, social e escolar para tratar de sua saúde por meio da internação hospitalar. Dessa forma, pretendemos, com a produção deste material, reunir e discutir conhecimentos voltados à educação do escolar hospitalizado e contribuir para o avanço nesse campo. Assim, esperamos que você, caro leitor, sirva-se desta ferramenta como um adicional à sua instrumentalização e formação, seja na escola oferecida como instituição formal, seja na escola oferecida na informalidade do dia a dia, contexto no qual nossas aprendizagens nos cercam de alegria, dor, vida e morte. Com a frase da epígrafe, pretendemos estimular, orientar e expandir o pensamento do educador, no sentido de incitá-lo a estudar, investigar e criar caminhos, técnicas, métodos, teorias e práticas que venham a responder às inúmeras perguntas que hoje caracterizam a escola no ambiente hospitalar. Muito já se fez. Muito mais há de se fazer nessa caminhada para garantir um desenvolvimento pleno, sadio e coeso, visto que aos poucos nos tornamos atores e autores deste novo saber que se constrói em função do desejo e do trabalho de educar crianças hospitalizadas simultaneamente ao tratamento da sua saúde, num eterno mover de sonhos e realizações. Nessa perspectiva, no primeiro capítulo são apresentados os apontamentos acerca da legislação vigente em nosso país relativa ao atendimento escolar hospitalar, bem como da terminologia utilizada no que diz respeito ao acompanhamento dos processos de desenvolvimento e de aprendizagem do escolar hospitalizado durante seu tratamento médico. Defende-se o emprego do termo escola hospitalar por se tratar dos mesmos processos que devem ser observados e trabalhados em qualquer escola. São abordados ainda as- pectos referentes à dinâmica dessa espécie de atendimento educacional e algumas importantes reflexões que devem ser consideradas no âmbito da temática. No segundo capítulo é trazida uma amostra do desenvolvimento do trabalho escolar no âmbito da saúde no cenário paranaense, precisamente em relação ao Serviço de Atendimento à Rede de Escolarização Hospitalar (Sareh) - ligado à Secretaria de Educação do Paraná - na unidade da Associação Paranaense de Apoio à Criança com Neoplasia (APACN). Por fim, no terceiro e quarto capítulos, é apresentado um relato produzido com base no trabalho pedagógico desenvolvido na Pediatria de Queimados de um importante hospital na cidade de Curitiba, referência em atendimento à pessoa queimada. A experiência relatada, obtida por meio um “mergulho pedagógico” nas necessidades educacionais da criança acometida por grave queimadura. Busca-se apontar, por um lado, algumas implicações do trabalho pedagógico no campo da saúde, relacionadas às especificidades da prática pedagógica, e, por outro, as condições e as particularidades do ambiente hospitalar. Assim, espera-se que as linhas que desenham este material possibilitem que você, leitor, alcance maior plenitude em sua condição humana, na busca do saber para além do científico, adquirindo aprendizagens que apontem para a educação e a reflexão sobre os desafios que norteiam o trabalho pedagógico no campo da saúde. 5 CAPÍTULO I A ESCOLA DA CRIANÇA - DOENTE Introdução Você sabia que a atenção à escolaridade da criança doente, esteja ela hospitalizada ou não, não se constitui em uma área nova entre as áreas do conhecimento nem na prática profissional? Mesmo assim, as questões referentes ao acompanhamento do ensino de crianças nessa condição são ainda muitíssimo desconhecidas pela sociedade em geral e chegam até mesmo a ser negligenciadas pelos setores educacionais e de saúde. No Brasil, de acordo com estudos sobre a história da educação (Jannuzzi, 1985), há relatos de que, já no período colonial, crianças hospitalizadas recebiam atendimento escolar. Mais recentemente, no início do século XX, por conta do fortalecimento de estudos voltados especificamente ao entendimento da infância em áreas como pediatria e psicologia, a criança passou a ser vista e tratada de acordo com características, interesses e necessidades próprios, ou seja, como um indivíduo com peculiaridades. Hoje podemos afirmar: a criança é um cidadão de direito (Brasil, 1995). O número de escolas hospitalares ainda é pequeno, mas vem aumentando ano após ano, principalmente desde a segunda metade da década de 1990 (Fonseca, 1999, 2009). Naquela época, nosso país exercitava-se numa perspectiva democrática, o que gerou esse e outros avanços educacionais, assim como ganhos também no âmbito social, político etc. Em outras palavras, vencemos um longo período sob ditadura militar, fizemos e promulgamos uma nova Constituição (Brasil, 1988), reconhecemos como cidadãos de direito tanto a criança quanto o adolescente (Brasil, 1995) e revisamos nossa legislação no âmbito educacional e de assistência social, entre outras, com vistas a garantir o novo processo político estabelecido no território brasileiro. Respaldo legal para a escola no hospital É importante que você saiba que o direito à educação de qualidade é garantido pela nossa Constituição a todos os cidadãos brasileiros, independente de cor, situação socioeconômica, credo, sexo etc. (Brasil, 1988). Veja que, no âmbito da legislação educacional, a Lei n° 9.394/1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional (Brasil, 1996), ratifica o que foi promulgado na Constituição, determinando que a criança, mesmo doente ou hospitalizada, tem o direito à escolaridade. Além disso, podemos contar com o respaldo da Resolução CNE(Conselho Nacional de Educação)/CEB (Câmara de Educação Básica) n° 02/2001, que institui as diretrizes nacionais para a educação especial na educação básica (Brasil, 2001) e trata, no art. 13, da escolaridade das crianças doentes - hospitalizadas ou em seus domicílios - impossibilitadas de frequentar aulas na escola regular. Para atender a esse público, são organizadas as escolas hospitalares, decorrentes da ação integrada entre os sistemas de educação e de saúde. Especificamente voltado ao atendimento escolar no hospital, podemos contar com o documento Classe hospitalar e atendimento pedagógico domiciliar: estratégias e orientações (Brasil, 2002), o qual divulga as regras gerais que orientam a escola no ambiente hospitalar no cumprimento de seu papel educacional. 6 Terminologia relacionada ao atendimento ao escolar hospitalizado O atendimento escolar hospitalar diz respeito ao acompanhamento dos processos de desenvolvimento e de aprendizagem do escolar hospitalizado durante seu tratamento médico. O MEC (Ministério da Educação) denomina essamodalidade de atendimento como classe hospitalar (Brasil, 2002). Por seu lado Fonseca (2003) defende o conceito de escola hospitalar, por se tratar dos mesmos processos de desenvolvimento e de aprendizagem que devem ser observados e trabalhados em qualquer escola. Como as instituições regulares de ensino, a escola no hospital conta com a presença efetiva e sistemática de professores concursados ou contratados pela Secretaria de Educação para o acompanhamento da escolaridade das crianças em tratamento médico. Cabe ao hospital viabilizar o espaço físico para que os professores organizem o ambiente escolar e as atividades pedagógico-educacionais sejam desenvolvidas com os alunos adequadamente. Para não confundirmos a atuação profissional dos interessados nas práticas educacionais no hospital ou nelas engajados com as práticas desenvolvidas pelos demais profissionais do ambiente hospitalar, temos de ter clareza quanto ao significado das terminologias que defendemos. Há ainda outros termos ou expressões utilizados como legítimas referências ao trabalho realizado pelo professor no ambiente hospitalar. O termo mais comumente observado tanto em publicações quanto em apresentações em eventos científicos é pedagogia hospitalar. No caso particular dessa nomenclatura, vincula- e a atuação do pedagogo a uma série de atividades que não necessariamente seriam atribuições dele. Observe que, nesse caso, existem distorções na prática profissional do pedagogo. Mas isso, sabemos, não acontece apenas no ambiente hospitalar, ocorre também em outros espaços educacionais (Libâneo, 1998). A pedagogia é uma área bastante complexa e por isso existe grande dificuldade na manutenção tanto de um foco central de atuação profissional quanto da qualidade mínima nos cursos de formação nessa área específica. Os desdobramentos da pedagogia, como empresarial, lúdica, hospitalar, das emoções, da fé, entre outras, não parecem fortalecê-la nem melhor qualificá-la como ciência ou área do conhecimento. Para não confundirmos a atuação profissional dos interessados nas práticas educacionais no hospital ou nelas engajados com as práticas desenvolvidas pelos demais profissionais do ambiente hospitalar, temos de ter clareza quanto ao significado das terminologias que defendemos. É muito importante que você tenha o respaldo teórico-metodológico adequado para saber como agir no ambiente escolar hospitalar. Reforçamos que, segundo o MEC (Brasil, 2002), a atuação de professores em hospitais se presta ao acompanhamento dos processos de desenvolvimento e de aprendizagem das crianças e jovens hospitalizados e deve acontecer numa classe hospitalar, sendo esta entendida como escola. Perceba que parte desses professores (aqueles que lecionam matemática, geografia, ciências e demais disciplinas) não têm formação em pedagogia, o que não os impede de atuar em tal modalidade educacional. Dinâmica do atendimento escolar no ambiente hospitalar Quando temos oportunidade de vivenciar as rotinas da escola no hospital, constatamos que elas não são, de fato, tão diferentes assim do que observamos em qualquer outra escola. A escola no hospital não se sustenta se não estiver alicerçada nos interesses e nas necessidades de seu alunado, princípio que deve (ou pelo menos deveria) valer para todas as escolas. Infelizmente, sabemos que a escola regular de que dispomos hoje perdeu seu papel social e tem, em muito, contribuído para as mazelas que duramente vemos, vivenciamos e, por não poucas vezes, enfrentamos em nosso cotidiano. É necessário entendermos que, no espaço escolar hospitalar, é possível refletir e aprender sobre uma série de questões pertinentes não apenas à escolaridade da criança doente, mas também à qualificação profissional do docente, à organização do espaço físico e da dinâmica de funcionamento, ao planejamento e 7 ao registro do trabalho desenvolvido nessa modalidade de ensino, que se mostra rica de possibilidades para que os processos de desenvolvimento e de aprendizagem se aperfeiçoem e o conhecimento se construa. Ensinar e aprender só se efetiva se o professor estiver, de fato, atento ao aluno, não é mesmo? Essa atenção é essencial para que a aprendizagem tenha significado para a criança, esteja ela hospitalizada ou não. E isso quer dizer, em linhas gerais, que não há necessidade de currículos diferenciados para as crianças hospitalizadas. Perceba que, mesmo em um ambiente incomum, a escola hospitalar deve seguir o que preconiza a legislação educacional brasileira, fazendo as adequações necessárias ao nível de ensino do aluno hospitalizado, para que ele seja atendido, repetimos, em suas necessidades e interesses. E pelo não cumprimento desses critérios que observamos tanta defasagem entre a grade curricular é as competências e as habilidades demonstradas pelo aluno, hospitalizado ou não, qualquer que seja o ano de escolaridade ou nível de ensino a que pertença. Ler, escrever e contar são domínios essenciais a qualquer cidadão, independentemente de sua condição social, econômica (Freire, 1983) ou mesmo de saúde. Libâneo (1998, p. 5) bem apresenta a atmosfera que deveria envolver qualquer sala de aula, mas que presenciamos em maior proporção quando do encontro do professor e do aluno na escola hospitalar: Ao compartilharmos, no dia a dia do ensinar e do aprender; ideias e percepções, sentimentos, gestos, atitudes e modos de ação, sempre ressignificados e reelaborados em cada um, vamos internalizando conhecimentos, habilidades, experiências, valores, rumo a um agir crítico-reflexivo, autônomo, criativo e eficaz,, solidário. Tudo em nome do direito à vida e à dignidade de todo o ser humano, do reconhecimento das subjetividades, das identidades culturais, de riqueza de uma vida em comum, da justiça e da igualdade social. Você pode estar se perguntando quanto à formação desse profissional da educação. As competências e as habilidades do professor no ambiente hospitalar, considerando-se que essa escola não é essencialmente tão diferente assim de qualquer outra escola, não são tão diversas daquelas necessárias a um professor de qualquer outro grupamento escolar. Conhecimentos sobre observação e registro do comportamento e do desempenho do aluno, planejamento e avaliação dos objetivos a alcançar por meio das atividades propostas são saberes essenciais para a prática pedagógica no ambiente hospitalar. Nesse sentido, o professor aprimora seu jeito de documentar o trabalho realizado, respaldando, assim, entre outros aspectos, a validade dessa modalidade de atendimento. Essa sistematização gera outras possibilidades de divulgação do trabalho realizado, uma vez que propicia ao professor significativas oportunidades de participação em eventos, trocas de experiências e publicações, enriquecendo com sua prática a área de atendimento escolar hospitalar. O exercício diário de planejamento, observação, registro e reflexão sobre o trabalho realizado com o aluno é aquilo de que o professor precisa quando busca aperfeiçoamento em sua atuação profissional. Um bom planejamento é como um projeto de pesquisa para uma pós-graduação: ele melhor se estrutura quando, concomitantemente à bagagem teórica, o pesquisador tem acesso à realidade de seu campo de pesquisa por meio da observação e atuação direta. Como bem disse Freire (1997), o professor é também um pesquisador. Tais competências profissionais podem garantir à área de atendimento escolar hospitalar a ocorrência de mais e novos estudos e pesquisas (Fonseca, 2001) que ratifiquem a validade do atendimento no que diz respeito não apenas à melhoria das condições de saúde da criança, mas, sobretudo, à continuidade de seus estudos após a alta hospitalar. Quanto mais você tiver consciência e conhecimento das metodologias de ensino e de aprendizagem necessárias na sala de aula, melhor você se qualifica em sua atuação profissional, principalmente se estiver focado em uma parceria com os alunos (Vygotsky,1978). Em uma escola assim, não haverá conteúdo enfadonho, descolado da realidade, inútil. Quando você ensina com prazer, não há utopia e aprender torna-se sempre instigante. Sabemos que tudo cabe na escola, não é mesmo? A escola é um espaço social importante, para o qual o aluno traz suas experiências e no qual convive com os dos demais colegas de turma. Particularmente no 8 ambiente hospitalar, e com o advento da humanização da assistência, muitas propostas de entretenimento, lazer, cultura e até mesmo de qualificação para o trabalho se fazem presentes. Atente para o fato de que essas iniciativas são importantes para o paciente e seu acompanhante. Entretanto, é preciso que se tenha consciência de que a escola é essencial até mesmo para a criança hospitalizada. Não se trata de estabelecer prioridades, mas frisamos que todas essas atividades devem ser organizadas considerando-se as necessidades educacionais da criança. Não são poucas as vezes em que os professores da escola hospitalar aproveitam situações ocorridas em eventos de música, teatro (realizados por voluntários ou visitantes que frequentam o hospital) e cinema como mote para suas aulas, fazendo com que as crianças associem as oportunidades de distração com o conhecimento formal. Aqui, você precisa entender que o professor que atua na escola do hospital não é, de fato, funcionário do hospital onde a escola funciona; nem mesmo é um voluntário. No ambiente hospitalar o professor é funcionário efetivo da Secretaria de Educação (estadual ou municipal) cedido ao hospital para exercer na escola hospitalar as mesmas funções profissionais que exerceria se estivesse atuando em uma escola regular. Outra questão importante diz respeito ao fato de que a escola hospitalar não é projeto de humanização, apesar de sabermos que a presença de professores no hospital junto às crianças, seus acompanhantes e demais profissionais em muito contribui para a humanização tanto do ambiente quanto da assistência hospitalar. A escola hospitalar é fato. Isso quer dizer que todo hospital com internação pediátrica deveria contar com uma escola no sentido de garantir o direito de continuidade da escolaridade da criança hospitalizada. A escola no hospital deveria ser implantada como se implanta qualquer outra escola: considerando-se as demandas locais ou regionais. Projetos e estudos podem ser desenvolvidos no ambiente hospitalar para verificar a melhor maneira de atuação dessa escola a fim de que ela atenda ao que preconiza a legislação pertinente. Tanto para a estrutura quanto para o funcionamento da escola hospitalar é essencial que lhe seja garantida a autonomia. Assim, a criança hospitalizada teria, administrativamente, uma escola como qualquer outra criança, inclusive no nome. O que conhecemos hoje como classe hospitalar ganharia autonomia e estrutura administrativa própria e também o nome de escola - escola hospitalar. E, assim, a escola no hospital teria condições de competir de igual para igual com as demais escolas da rede de ensino no que se refere à disponibilidade de professores e de recursos necessários ao adequado funcionamento do serviço. A grande maioria das escolas em hospitais funcionam como anexos de escolas regulares e, nesse sentido, dependem destas para solicitar o que precisam para um adequado funcionamento no ambiente hospitalar. Como muitas das escolas regulares nem mesmo têm suas necessidades atendidas pelo poder público responsável, a atuação da escola hospitalizar tende a ser mais e mais precária. É por isso que podemos dizer que, mesmo no século XXI, muitas escolas em hospitais existem por conta da exaustiva luta de alguns professores que tentam garantir o direito à escola também à criança hospitalizada. Mas é preciso mais que isso, você não concorda? É necessário que toda ação da escola tenha respaldo legal a fim de que possa suprir suas necessidades de acordo com a lei e não apenas com o apoio de simpatizantes da questão. Veja que a legislação pertinente (Brasil, 2002, 2001) é compatível com o que falamos até aqui, ou seja, defende uma estrutura mínima de autonomia (gestão e recursos) para a implantação e a implementação de escolas no ambiente hospitalar. Na publicação Classe hospitalar e atendimento pedagógico domiciliar: estratégias e orientações (Brasil, 2002), são apresentadas as diretrizes para que a escola no hospital funcione adequadamente e atenda a seu propósito básico de garantia do direito da criança doente à educação. São detalhados aspectos essenciais da escola hospitalar, como a logística de funcionamento, os profissionais necessários e a alocação destes, a formação das turmas para as aulas etc. 9 Reflexões sobre a temática de atendimento escolar hospitalar Você deve ter observado que todos os aspectos que levantamos até agora são essenciais para que a escola no hospital cumpra seu papel e garanta à criança doente o direito de, como qualquer cidadão, ser escolarizada. Pois bem, no ambiente hospitalar, o contato com a escola é, por assim dizer, o “lado saudável” do estar doente, considerando que essa interferência gera uma energia positiva no corpo da criança, o que colabora para uma recuperação mais rápida, como demonstrado no estudo de Fonseca e Ceccim (1999), que apresentou relação estatística significante entre a frequência às aulas no hospital e a redução em 30% dos dias de internação. Destacamos ainda que os processos de desenvolvimento e de aprendizagem abrangem também as crianças na faixa etária para a educação infantil, embora a realidade que vivenciamos no mundo educacional não seja assim. E no ambiente hospitalar essa realidade não é muito diferente. Existem ainda poucas escolas hospitalares que dispõem de atendimento de educação infantil. É difícil receber professores para esse nível de ensino e, quando há necessidade de substituição, as complicações se intensificam. Frisamos que a educação infantil no ambiente hospitalar é muito importante, pois cerca de 60% das crianças que se hospitalizam em idade escolar já experimentaram períodos anteriores de internação (Fonseca, 2000). Veja que, por isso, a educação infantil não deve e não pode ser negligenciada. Isso vale não apenas para os hospitais exclusivamente infantis, mas também para os hospitais gerais que são referência pediátrica em alguma patologia. Você deve ter bem claro que a função do professor na escola hospitalar é trabalhar os processos de desenvolvimento e de aprendizagem da criança hospitalizada. Esse deveria ser o interesse maior desse profissional, independentemente de o ambiente em que ele trabalha suscitar curiosidade nas pessoas que desconhecem essa modalidade de ensino, colocando-o em destaque para prestar esclarecimentos sobre o assunto. Sabemos que, com o avanço das tecnologias, que muito têm contribuído para a área de saúde, ainda mais leitos hospitalares serão ocupados por crianças com idade inferior a três anos. Porém, restabelecer a saúde da criança não é garantia de desenvolvimento e aprendizagem futuros. A criança pequena está em formação e, mais do que qualquer outro indivíduo, ela precisa de atenção em todas as áreas de seu desenvolvimento, e não apenas no âmbito da patologia, concorda? Ocorre que, se você circular pelas enfermarias de qualquer hospital que interne crianças, observará que em geral estas têm pouca idade e muitas vezes nem chegam a ser beneficiadas pelas propostas de humanização desenvolvidas pelo hospital, porque o familiar/acompanhante não se vê em condições de proporcionar à criança situações e atividades de acordo com as possibilidades dela nem estimulado a fazer isso. Entenda que o atendimento escolar hospitalar para a faixa etária de zero até seis anos incompletos é necessário porque contribui para os processos de desenvolvimento e de aprendizagem da criança pequena que, por causa de sua condição clínica, não convive normalmente com seus familiares e amigos (Fonseca, 2000, 2003). Uma questãobastante peculiar ao atendimento escolar hospitalar é certo tipo de glamour que essa modalidade educacional parece ter. Você deve ter bem claro que a função do professor na escola hospitalar é trabalhar os processos de desenvolvimento e de aprendizagem da criança hospitalizada. Esse deveria ser o interesse maior desse profissional, independentemente de o ambiente em que ele trabalha suscitar curiosidade nas pessoas que desconhecem essa modalidade de ensino, colocando-o em destaque para prestar esclarecimentos sobre o assunto. Quanto mais seriamente envolvido com o trabalho que realiza com os alunos na escola hospitalar, melhor falará o professor sobre seu trabalho no hospital. Não há, você deve concordar, melhor maneira de divulgar e validar esse tipo de atendimento escolar. Com a adequação da atitude profissional citada no parágrafo anterior, a escola hospitalar se configu- 10 ra como veículo para que a criança hospitalizada, cidadã de direito, dê continuidade aos seus processos de desenvolvimento e de aprendizagem.É preciso garantir que a escola no hospital esteja focada nesses pro- cessos. Com esse olhar, essa modalidade de ensino parece promissora, apesar das imensas dificuldades observadas no sistema de educação brasileiro. Perceba que criar, de antemão, metodologias ou termos não parece, de fato, contribuir para a validação dessa modalidade de ensino, certo? Precisamos, por meio da atividade de documentação do trabalho cotidiano, mostrar como ele pode alterar positivamente o interesse da criança em seus processos de desenvolvimento e de aprendizagem e como contribui para um retorno bem- sucedido do aluno à sua escola de origem. Um olhar crítico sobre a prática de sala de aula à luz da fundamentação teórica que a respalda ou norteia, pode nos indicar o caminho mais adequado para eficientemente implementarmos essa modalidade de ensino para todas as crianças que dela necessitem. Quem sabe não será o atendimento escolar hospitalar um bom e concreto exemplo de como fazer valer o direito a uma escola de qualidade para todos os cidadãos brasileiros em formação, estejam eles hos- pitalizados ou não, não é mesmo? Síntese Tratamos aqui das questões consideradas mais relevantes para que a escola hospitalar possa cumprir seu papel educacional. Diversas publicações pertinentes ao tema têm surgido e o número de escolas em hospitais está se ampliando, uma vez que os sistemas de educação e de saúde perceberam a necessidade de acatar e implantar essa modalidade escolar, ou dar continuidade às atividades já desenvolvidas nesse âmbito, entendendo que professor e aluno podem construir conhecimento de modo efetivo e eficiente em qualquer lugar. Aprendemos ainda que a escola no hospital precisa ter autonomia administrativa e financeira, dar grande atenção à formação de seus professores e ter consciência das necessidades e dos interesses dos alunos, bem como ter clareza quanto à função dessa modalidade escolar, a qual se desdobra em benefícios à cidadania e que, certamente, vão além dos ganhos diretamente pertinentes aos processos de desenvolvimento e de aprendizagem do aluno hospitalizado. Particularmente em relação à área de saúde, entendemos que a ausência de doença é apenas um dos aspectos necessários para haver cidadãos críticos e participativos em nossa sociedade. Indicações culturais Filmes Para que você aprofunde seus conhecimentos, sugerimos alguns filmes que abordam de alguma maneira o conteúdo que vimos até aqui: ENTRE OS MUROS da escola. Direção: Laurent Cantet. Produção: Caroline Benjo, Carole Scotta, Barbara Letellier e Simon Arnal. França: Imovision, 2008. 128 min. O ESCAFANDRO e a borboleta. Direção: Julian Schnabel. Produção: Kathleen Kennedy e John Kilik. EUA/França: Miramax Films/Europa filmes, 2007. 112 min. SER e ter. Direção: Nicolas Philibert. Produção: Gillez Sandoz. França, 2002. 104 min. 11 01- Você tinha conhecimento anterior sobre a modalidade de atendimento escolar de que trata este capítulo? Pense sobre quais seriam os motivos que contribuem para que essa modalidade de ensino não tenha a visibilidade devida na sociedade brasileira. ___________________________________________________ ________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________ 02- Anote as principais ideias encontradas neste capítulo por meio de um resumo. ______________________ ________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________________ 03- Atividades aplicadas: prática Visite uma escola hospitalar e faça um relatório do que foi observado e vivenciado no referido espaço escolar.________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________ 12 Referências do capítulo BRASIL. Constituição (1988). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 05 out. 1988. BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 23 dez. 1996. BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Básica. Resolução n. 02, de 11 de setembro de 2001. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 14 set. 2001. p. 39-40. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial.Classe hospitalar e atendimento pedagógico domiciliar, estratégias e orientações. Brasília, 2002. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. Resolução n. 41, de 13 de outubro de 1995. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 17 out. 1995. p. 16319-16320. FONSECA, E. S. Atendimento escolar hospitalar. In: ENCONTRO NACIONAL DE ATENDIMENTO ESCOLAR HOSPITALAR, 1., 2000, Rio de Janeiro .Anais. Rio de Janeiro: Ed. da UERJ, 2001. 147 p. __________ . Atendimento escolar no ambiente hospitalar. São Paulo: Memnon, 2003. __________ . Atendimento pedagógico-educacional de bebês especiais no ambiente hospitalar. Temas sobre Desenvolvimento, São Paulo, v. 9, n. 49. p. 9-15, 2000. __________ . Atendimento pedagógico-educacional para crianças e jovens hospitalizados, realidade nacional. Brasília: Inep, 1999. 25 p. (Série Documental. Textos para Discussão). __________ . Mapeamento de escolas em hospitais no Brasil. Disponível em: <http://www.escolahospitalar.uerj.br/estudos.htm>. Acesso em: 14 dez. 2009. FONSECA, E. S.; CECCIM, R. B. Atendimento pedagógico-educacional hospitalar: promoção do desenvolvimento psíquico e cognitivo da criança hospitalizada. Temas sobre Desenvolvimento, São Paulo, v. 7, n. 42, p. 24-36, 1999. FREIRE, P. A importância do ato de ler. em três artigos que se completam. 3. ed. São Paulo: Cortez, 1983. (Coleção Questões da Nossa Época, v. 13). __________. Pedagogia da autonomia, saberes necessários à prática educativa. 2. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1997. JANNUZZI, G. A luta pela educação do deficiente mental no Brasil. São Paulo: Cortez, 1985. (Coleção Educação Contemporânea). LIBANEO, J. C. Pedagogia e pedagogos, para quê? São Paulo: Cortez, 1998. VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: M. Fontes, 1978. http://www/ 13 CAPÍTULO II UMA PRÁTICA PEDAGÓGICA EM AMBIENTE HOSPITALAR NA REDE PÚBLICA DO ESTADO DO PARANÁ Com este capítulo, pretendemos colocar você a par dos caminhos trilhados no âmbito da educação hospitalar por meio do relato referente à práxis pedagógica diária desenvolvida em uma das unidades conveniadas ao Sareh (Serviço de Atendimento à rede de Escolarização Hospitalar), programa implementado pela Seed-PR (Secretaria de Estado da Educação do Paraná). Trata-se da unidade de APACN, (Associação Paranaense de Apoio à Criança com Neoplasia), cuja experiência nesse contexto pode propiciar importantes reflexões sobre o trabalho intenso e comprometido da equipe desse programa, que conseguiu definir um plano pedagógico hospitalar, pautado na legislação vigente e nas inúmeras possibilidades e limites encontrados durante o processo. Assim, o principal objetivo deste capítulo consiste em demonstrar a você a importância do atendimento educacional hospitalar por meio da realidade que caracteriza o Programa Sareh, em uma de suas unidades conveniadas. Procuramos transcrever aqui a nossa experiência satisfatoriamente vivenciada no contexto desse projeto, para que você possa compreender a importância de o Estado investir na educação hospitalar e desenvolver um novo olhar sobre essa questão, tão importante para a autoestima e a melhoria da saúde dos escolares hospitalizados. Uma política pública de atendimento hospitalar - o Programa Sareh Você já ouviu falar no Sareh?Trata-se de um programa que visa ao atendimento educacional público aos educandos em idade escolar, matriculados ou não na educação básica, impossibilitados de frequentar a escola em virtude de internamento hospitalar ou de outras formas de tratamento de saúde, de modo a permitir a continuidade no processo de escolarização, a inserção ou a reinserção em seu ambiente escolar, tendo como documento-base as Diretrizes Curriculares da Educação Básica do Paraná (Paraná, 2008). O Sareh se define como uma política pública do Governo do estado do Paraná, por meio da Seed-PR, em parceria com a Sesa-PR e da Seti (Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Paraná), e, ainda, em cooperação técnica com unidades conveniadas. Sob a coordenação da DPPE/Seed-PR, dos Núcleos Regionais de Educação e das equipes pedagógicas de cada unidade conveniada, o Sarah possui convênio com as seguintes instituições: · Associação Hospitalar de Proteção à Infância Doutor Raul Carneiro/Hospital Pequeno Príncipe - Curitiba; § APACN - Curitiba; · Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná - Curitiba; 14 § Hospital do Trabalhador - Curitiba; § Hospital Erasto Gaertner - Curitiba; § Hospital Universitário Evangélico - Curitiba; § Hospital Universitário de Maringá; · Hospital Universitário Regional do Norte do Paraná - Londrina. A meta do programa consiste em atender crianças, jovens e adultos em situação hospitalar, primando pela qualidade da educação e da promoção dos alunos. Além da vontade política do governo estadual, destaca-se a grande participação dos interlocutores das unidades conveniadas, dos dirigentes da Seed-PR e, principalmente, dos professores, que, totalmente comprometidos nesse processo de escolarização, procuram diversas formas de promover a aprendizagem. As equipes que atendem no âmbito do programa são compostas por uma pedagoga (40 horas; manhã/tarde) e três professores, sendo: um para matemática, química, física, ciências e biologia; um para filo- sofia, sociologia, geografia, história e ensino religioso; e um para língua portuguesa, língua estrangeira moderna, artes e educação física. Esses profissionais pertencem ao quadro próprio do magistério da Seed-PR, tendo sido aprovados em concurso público e submetidos a um processo seletivo interno por meio de edital próprio. E importante que você saiba que as equipes que compõem esse serviço de escolarização hospitalar estão em uma constante busca pela formação continuada, no intuito de ampliar suas condições pessoais e profissionais de atender as crianças, os jovens e os adultos envolvidos no programa. Existe a certeza de que vale a pena investir no potencial de cada um dos escolares hospitalizados e de que perseverança e persistência são “armas” poderosas contra o desânimo que se abate diariamente sobre esses indivíduos. Com a implantação de uma política pública voltada para a educação hospitalar, o Governo do Estado do Paraná abre novas perspectivas para a redução das desigualdades sociais, garantindo o atendimento ao princípio instituído na Constituição Federal de 1988 em seus arts. 205,206 e 208, que garantem o acesso à educação pública gratuita e de qualidade na condição de direito de todo cidadão brasileiro. Tendo como ponto de partida a defesa desse princípio fundamental, por meio da implantação do Sareh, a Seed-PR buscou atender ao disposto nas legislações vigentes que amparam e legitimam o direito à educação da criança hospitalizada e impossibilitada de frequentar a escola (Paraná, 2009). Veja a seguir quais são esses textos legais: Lei n° 6.202/1975, que atribui a estudantes em estado de gestação o regime de exercícios domiciliares (Brasil, 1975); Lei n° 8.069/1990, que institui o Estatuto da Criança e do Adolescente (Brasil, 1990); Lei n° 9.394/1996 - LDBEN (Brasil, 1996); Decreto-Lei n° 1.044/1969, que dispõe sobre tratamento excepcional para alunos portadores de afecções (Brasil, 1969); Resolução n° 41/1995 do Conanda (Brasil, 1995); Resolução n° 02/2001 do CNE/CEB, que institui as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (Brasil, 2001); Deliberação n° 02/2003 do CEE-PR, que institui as normas para a educação especial (Paraná, 2003). É importante destacarmos, entre esses textos da legislação, que o Sareh se constitui em uma ação no âmbito da educação escolar prevista na LDBEN (Brasil, 1996), que prevê o atendimento às necessidades e 15 expectativas da sociedade em transformação pela implementação de políticas educacionais que têm como meta a educação inclusiva,isto é, a promoção da integração e do desenvolvimento das potencialidades dos estudantes com necessidades educacionais especiais, em todas as etapas e modalidades da educação básica (educação infantil, ensino fundamental e educação de jovens e adultos). Durante o processo de implantação do Programa Sareh, várias dificuldades surgiram e estão em constante análise, tais como: · perceber o escolar hospitalizado em situação diferenciada com uma nova forma de “enxergá-lo”; · saber como trabalhar os conteúdos em situação de internamento; · identificar qual a metodologia mais adequada; · encontrar estratégias para o escolar hospitalizado que não possui alta para voltar para a escola, mas que também não frequenta a classe hospitalar, dando origem a situações que são pensadas em conjunto com a escola de origem. Classe hospitalar é definida como “o atendimento pedagógico-educacional que ocorre em ambientes de tratamento de saúde, seja na circunstância de internação, como tradicionalmente conhecida, seja na circunstância do atendimento em hospital-dia e hospital-semana ou em serviços de atenção integral à saúde mental” (Brasil, 2002). Mas a principal preocupação dos integrantes do programa ainda se refere ao atendimento domiciliar e à reinserção social do aluno liberado pelos médicos e autorizado a regressar à sua escola de origem. Sabe por quê? E nesse momento que há a evasão do aluno. Por várias questões, tanto emocionais como culturais, ele deixa a escola, perdendo o vínculo com a instituição e, por consequência, o ano letivo. Atendimento pedagógico domiciliar é definido como “o atendimento educacional que ocorre em ambiente domiciliar, decorrente de problema de saúde que impossibilite o educando de frequentar a escola ou esteja ele em casas de passagem, casas de apoio, casas-lar e/ou outras estruturas de apoio da sociedade” (Brasil, 2002). Pensar em inclusão requer compromisso com a reorganização da práxis escolar e da própria sociedade, impregnada de concepções discriminatórias que dificultam a inserção desses escolares hospitalizados no contexto regular. A inclusão é um processo essencial à vida em sociedade, não é mesmo? Assim, esse pressuposto implica fazer determinadas considerações sobre um dos segmentos da população que têm sido alvo de me- canismos e procedimentos de segregação e, até mesmo, de exclusão da escola. Tal contexto é composto pelos educandos que permanecem hospitalizados por longo período e necessitam de atendimento educacional ade- quado a eles. Pensar em inclusão requer compromisso com a reorganização da práxis escolar e da própria sociedade, impregnada de concepções discriminatórias que dificultam a inserção desses escolares hospitalizados no contexto regular. É necessário, assim, que haja uma flexibilização das propostas curriculares, dos recursos humanos, físicos, materiais e financeiros, adaptando-os aos escolares hospitalizados, a fim de lhes garantir uma educação de qualidade, com o respeito aos ritmos de cada um, de modo a permitir-lhes o desenvolvimento pleno, a integração e a participação ativa na sociedade. Nesse sentido, devemos considerar que a educação hospitalar tem como metas básicas a garantia dos direitos educacionais e a inclusão. Você sabe que a igualdade de direitos em todas as diversidades promove as condições necessárias para o desenvolvimento de todos os cidadãos. Para o cumprimento dessa conquista, é preciso que ocorram mudanças educacionais que têm por base um olhar respeitoso em relação às diferenças. Isso não implica ignorar que estas não existam, mas sim compreendê-las e aceitá-las com dinâmica própria, percebe a di- ferença? Dessa forma, a situação de enfermidade de um estudante não pode prejudicar sua aprendizagem. No que diz respeito especificamente à ação do Sareh, podemos afirmar que se constitui em um processo que implica o ensino ativo, dialógico e interativo entre a escola, a família, os profissionais do 16 programa e o estudante, processo no qual o aluno é compreendido com base em sua relação e integração em diferentes grupos sociais, educacionais e culturais. As experiências do escolar hospitalizado devem ser convertidas em aprendizagens, rompendo-se os preconceitos e valorizando-se os diferentes modos de aprender, os atributos pessoais, as metas, os ritmos e as necessidades comuns ou específicas de cada um. Na práxis das classes hospitalares que compõem o Sareh, procura-se aproximar o aluno o máximo possível dos aspectos e especificidades da escola. Por isso, trabalha-se com os planejamentos dos professores da escola de origem do escolar hospitalizado, realizando-se adaptações curriculares na busca de possibilidades e alternativas de reinserção do aluno no ambiente escolar. O trabalho pedagógico na unidade da APACN conveniada ao Programa Sareh Situada no bairro do Tarumã em Curitiba, capital do Paraná, com uma área de 12.500 m2 em terreno doado pelo Governo do Paraná, a Casa de Apoio APACN possui 120 leitos e propicia aos hóspedes gratuita- mente toda a assistência necessária enquanto estão realizando tratamento de saúde, com direito a alimentação, vestuário, tratamento médico e dentário, além de acompanhamento pedagógico e psicossocial. A APACN se constitui em “uma entidade filantrópica, sem fins econômicos, considerar a humanização do tratamento do câncer infantil, dando direito ao tratamento a qualquer criança, independentemente de sua posição socioeconômica, cultural ou religiosa” (APACN, 2009). Recebe crianças e jovens de todo o Brasil, que ficam hospedados na Casa de Apoio em Curitiba, com os acompanhantes da família, e fazem tratamento nos hospitais da capital paranaense. Em virtude de o tratamento das neoplasias ser demorado, os pacientes tornam-se hóspedes fixos do hospital, necessitando, por isso, um novo olhar no que tange ao acesso, à permanência e à evolução escolar. Você deve perceber, nesse ponto, que desenvolver uma adaptação curricular e a flexibilidade do plano de trabalho docente é fundamental para atender aos alunos acometidos de diferentes patologias, pois, ge- ralmente, os tratamentos neoplásicos são muito agressivos ao paciente e acabam por comprometer o desenvolvimento de sua aprendizagem. A classe hospitalar na unidade da APACN A classe hospitalar da APACN atende a todas as crianças em fase escolar que tiveram de deixar os estudos por motivo de tratamento médico-hospitalar. O trabalho começa depois de se hospedarem na Casa de Apoio e quando estão em condições físicas e emocionais para frequentar a classe hospitalar. Todos os pacientes em idade e fase de escolarização são convidados pela pedagoga do programa a frequentar o atendimento assim que ingressam na instituição. Outro aspecto importante no que se refere à unidade da APACN são as parcerias com os colégios da rede pública de ensino do Estado do Paraná, com a realização de matrículas nas escolas/colégios de Curitiba para os alunos que permanecem por tempo indeterminado nessa cidade em razão do tratamento médico. Caso contrário, esses alunos ficariam sem matrícula, ficando excluídos do processo de escolarização. Desenvolver um planejamento pedagógico em ambiente hospitalar requer que se avance em relação à práxis docente do espaço escolar formal, pois as situações vivenciadas no hospital vão além do pedagógico. 17 Confira a seguir os passos que o trabalho pedagógico na unidade da APACN contempla: 18 1. Primeiro contato da pedagoga responsável pelo Sareh na unidade com o escolar hospitalizado e a família deste; 2. Atendimento do escolar hospitalizado pelo professor com a realização da avaliação diagnóstica, 3. conforme a série e o período escolar em que o aluno se encontra, a fim de possibilitar a elaboração do plano de trabalho docente; 4. Contato com a escola de origem, via telefone, e aquisição dos dados de e-mail ou fax dessa instituição; 5. Envio à escola de origem do relatório sobre o início do atendimentodo escolar hospitalizado, via e-mail ou fax, com solicitação do planejamento, bem como de orientações sobre o preenchimento do livro de registro de classe; 6. Elaboração da grade de horários dedicados ao atendimento disciplinar, em que constam as disciplinas a serem ministradas ao escolar hospitalizado; 7. Realização de adaptações e flexibilizações curriculares, conforme planejamento enviado pela escola de origem ou plano curricular proposto pelo Sareh, fundamentado nas Diretrizes Curriculares da Educação Básica do Paraná (2008), da Seed-PR; 8. Elaboração de pareceres pedagógicos, enviados às escolas de origem com a ficha individual do aluno - em que constam as datas de inicio e término do atendimento de acordo com a hospedagem na Casa de Apoio - e as atividades e avaliações realizadas pelo escolar hospitalizado. O encaminhamento desses pareceres é feito por malote, via Núcleo Regional de Educação, ou, quando liberado, pelos parentes do escolar hospitalizado. Salientamos aqui a necessidade do envio de um comunicado por e-mail sobre o andamento dos atendimentos. O aluno que frequenta a classe da APACN demora a retornar para sua cidade natal, mas sua escola de origem necessita receber informações sobre ele, para avaliação em conselho de classe de sua situação escolar a cada fechamento de bimestre, trimestre ou semestre; 9. Registro de todas as atividades na unidade da APACN, onde cada aluno possui uma pasta individual com as devidas documentações e atendimentos; 10. Envio de relatórios ao Núcleo Regional de Educação de Curitiba-PR ao final de cada se- mestre letivo, devendo constar nesses documentos informações relativas ao número de alunos atendidos e ao número de atendimentos a cada final de semestre. De acordo com o que vimos até aqui, você já deve ter percebido que a equipe do Sareh das unidades conveniadas, tanto o pedagogo como o professor das áreas de conhecimento, realiza uma série de procedimentos em ambiente hospitalar que acabam sendo incorporados à sua rotina de trabalho, sendo que suas ações se refletem em um bom atendimento no processo de escolarização das crianças, jovens e adultos envolvidos. Ainda sobre o trabalho pedagógico desenvolvido no âmbito de um programa como o Sareh, é importante que consideremos algumas especificidades. Assim, devemos ressaltar que desenvolver um plane- jamento pedagógico em ambiente hospitalar requer que se avance em relação à práxis docente do espaço escolar formal, pois as situações vivenciadas no hospital vão além do pedagógico. Os alunos que compõem uma classe hospitalar multisseriada representam uma diversidade cultural, social, curricular e, principalmente, emocional. Com frequência, em função da neoplasia, ocorrem a doença familiar, a desmotivação, o desespero e o abandono dos estudos pelo escolar hospitalizado. Portanto, é imprescindível que o professor tenha atenção e sensibilidade às demandas afetivas, cognitivas, físicas e sociais do aluno, criança, jovem ou adolescente, possibilitando a consolidação da subjetividade do indivíduo como um dos mecanismos de escuta à vida. Acrescentemos, ainda, que, ao elaborar um planejamento crítico, o profissional envolvido na educação 19 hospitalar deve ter o pleno domínio do conteúdo, conhecer e aplicar, na sua prática pedagógica, diferentes metodologias/estratégias de ensino que possam colaborar para a formação de um aluno reflexivo e crítico. Assim, esse profissional deve se preocupar com a elaboração de um planejamento adequado à proposta da educação hospitalar, respeitando a diversidade dos escolares hospitalizados e utilizando-se de diversos recursos didáticos que propiciem a criação de diferentes formas de se ensinar e de se avaliar. É preciso lembrarmos que nem sempre o professor conseguirá atingir os objetivos propostos, por vezes havendo necessidade de reformular sua abordagem por meio de uma flexibilização do planejamento. Os escolares hospitalizados mostram que são capazes de continuar ampliando seus conhecimentos e desenvolvendo todas as suas potencialidades, mesmo com os sintomas provocados pela quimioterapia, pela radioterapia, por um transplante de medula ou outro tipo de tratamento de saúde. Em função disso, é preciso buscar caminhos para a aprendizagem por meio da escuta pedagógica e da observação. A observação tem um papel bastante importante na elaboração do planejamento e é o primeiro estágio nesse processo. E observando que se aprende, não é mesmo? É observando que se vivência o ambiente, se participa das atividades e se registra o conhecimento adquirido. O professor precisa usar o seu senso de observação e empregar as conclusões que resultarem disso para subsidiar sua reflexão sobre o que ouve, vê e ocorre no espaço hospitalar, percebendo as contradições envolvidas na escolarização no hospital. O professor deve identificar e trabalhar as dificuldades que os alunos apresentam, mediando o conhecimento que eles já detêm com o conhecimento escolar. Dessa forma, assume-se uma postura que per- mite aos alunos a investigação, a reflexão, o questionamento e a organização de seus conhecimentos, de acordo com suas vivências, atendendo às reais necessidades de aprendizagem em uma relação recíproca de valorização humana. No processo de avaliação, devem ser respeitados os princípios propostos na LDBEN (Brasil, 1996) e na Deliberação 07/1999 (Paraná, 1999), sempre trabalhando com a questão da situação de saúde do escolar hospitalizado e considerando o período em que ficará hospitalizado, pois são características importantes no contexto da educação hospitalar. Além disso, o professor deve se utilizar de diferentes instrumentos de avaliação, os quais devem contribuir para que os alunos sejam estimulados a expor suas opiniões e a participar em debates, tornando-se mais autônomos e críticos na busca pelo conhecimento. É importante destacarmos, por fim, que esse processo de inserção da educação nas unidades hospitalares é muito recente. Até pouco tempo atrás esses dois ambientes não interagiam, o que se deve, primeiramente, às restrições necessariamente adotadas nas unidades hospitalares e também à inexistência de políticas públicas que dessem condições ao atendimento educacional dos escolares hospitalizados. Perceba que, nesse sentido, as políticas de humanização surgem nos hospitais em atendimento ao princípio constitucional de que deve ser assegurada a integração entre saúde e educação, em um atendimento educacional de qualidade ao escolar hospitalizado. Síntese Neste capítulo, você foi colocado a par dos caminhos da educação hospitalar por meio da apresentação da uma política pública adotada pelo Governo do Estado do Paraná - o Programa Sareh, enfocando a sua implantação e organização pedagógica diária em uma das unidades conveniadas - a unidade da APACN. Com as reflexões apresentadas, buscamos ressaltar a necessidade da pesquisa no campo hospitalar, pautando-se no princípio de que educar só tem sentido como preparação para o desafio, como elemento gerador da autonomia do pensar. 20 1. Analise a citação a seguir e discuta o papel da escuta pedagógica e se ela deve ocorrer em outros ambientes de aprendizagem. A escuta se refere à apreensão/compreensão de expectativas e sentidos, ouvindo através das palavras, as lacunas do que é dito e os silêncios, ouvindo expressões e gestos, condutas e posturas. [...] Numa perspectiva de atenção integral\ como escuta à vida, o desenvolvimento da escuta se dirige à promoção da saúde (promoção de vida e de sentidos) e não só ao tratamento, por isso, se volta tanto aos processos interativos de percepção e sensibilidade às condutas infantis e sintomas somáticos, quanto ao acompanhamento dos processos assistenciais. (Ceccim, 1997, p. 31) ________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________________ 2. Pesquise na internet a Resolução n° 41/1995 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente Hospitalizados. Selecione e comente cinco dos direitos mencionados nesse documento. ________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________ 21 01- Veja o que afirma Beyer (2006, p. 76) sobre flexibilização curricular: O desafio é construir e pôr em prática no ambiente escolar uma pedagogia que consiga ser comum e válida para todos os alunos da classes escolar; porém capaz de atender os alunos cujas situações pessoais e características de aprendizagem requeiram uma pedagogia diferenciada. Tudo isto sem demarcações, preconceitos ou atitudes nutridoras dos indesejados estigmas. Disciplina Série Período de Trabalho Conteúdos Objetivos Metodologia Critérios de Avaliação Instrumentos de Avaliação 22 P a r t indo dessa informação, imagine-se professor(a) de uma classe multisseriada e elabore um plano de aula contendo no mínimo os seguintes tópicos: Referências do capítulo APACN - Associação Paranaense de Apoio à Criança com Neoplasia.Acesso em: 17 dez. 2009. BEYER, O. H. Da integração escolar à educação inclusiva: implicações pedagógicas. In: BAPTISTA, C. R. (Org.). Inclusão e escolarização'. múltiplas perspectivas. Porto Alegre: Mediação, 2006. p. 73-81. BRASIL. Constituição (1988). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 05 out. 1988. ____ ; Decreto-Lei n. 1.044, de 21 de outubro de 1969. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 22 out. 1969. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ CCIVIL/Decreto-Lei/Dell044.htm>. Acesso em: 11 jan. 2010. Referências http://www.planalto.gov.br/%e2%80%a8CCIVIL/Decreto-Lei/Dell044.htm 23 ____ . Lei n. 6.202, de 17 de abril de 1975. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 17 abr. 1975. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ Leis/1970-1979/L6202.htm>. Acesso em: 16 dez. 2009. ____ . Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 16 jul. 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/ LEIS/L8069.htm>. Acesso em: 16 dez. 2009. ____ . Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 23 dez. 1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/LEIS/19394.htm>. Acesso em: 16 dez. 2009. BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Básica. Resolução n. 02, de 11 de setembro de 2001. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 14 set. 2001. p. 39-40. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Classe hospitalar e atendimento pedagógico domiciliar, estratégias e orientações. Brasília, 2002. BRASIL. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. Resolução n. 41, de 13 de outubro de 1995.Diário Oficial da União, Brasília-DF, 13/10/1995. CECCIM, R. B. Criança hospitalizada: a atenção integral como uma escuta à vida. In: CECCIM, R. B.; CARVALHO, P. R. A. (Org.). Criança hospitalizada', atenção integral como escuta à vida. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 1997. p. 27-41. PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Conselho Estadual de Educação. Deliberação n. 07, de 09 de abril de 1999. Diário Oficial do Estado do Paraná, 9 abr. 1999. Disponível em: <http://celepar7cta.pr.gov.br/seed/deliberacoes.nsf/bb7cccb67074826503256f4800653a4b/bl5be00846f01£20 032569fl004972fb/$FI LE/_88himoqb2clp631u6dsg30dpd64sjie8_.pdf>. Acesso em: 11 jan. 2010. PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Conselho Estadual de Educação. Deliberação n. 02, de 02 de junho de 2003. Diário Oficial do Estado do Paraná, 2 jun. 2003. Disponível em: <http://celepar7cta.pr.gov.br/seed/deliberacoes.nsf/7ba997ca37239c3032569ed005fb978/93946370948cd8290 3256d5700606b9e/$FI LE/_p8himoqb2clp631u6dsg30chd68o30co_.pdf>. Acesso em: 16 dez. 2009. PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Departamento de Educação Básica. Diretrizes Curriculares da Educação Básica do Paraná. Paraná, 2008. Disponível em: <http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/diaadia/diadia/modules/conteúdo/ conteudo.php?conteudo=98>. Acesso em: 16 dez. 2009. PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Departamento de Educação Especial. Dia a Dia Educação - Portal Educacional do Estado do Paraná. Sareh — Serviço de Atendimento à Rede de Escolarização Hospitalar. Curitiba, 2007. Disponível em: <http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/portal/educacaohospitalar/index. php>. Acesso em: 17 dez. 2009. ____ . Sareh — Serviço de Atendimento à Rede de Escolarização Hospitalar. Legislação. Disponível em: <http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/portal/educacao hospitalar/legislacao.php>. Acesso em: 17 dez. 2009. CAPÍTULO III PEDIATRIA DE QUEIMADOS: UM DIÁLOGO ENTRE A http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/%e2%80%a8Leis/1970-1979/L6202.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil/%e2%80%a8LEIS/L8069.htm http://celepar7cta.pr.gov.br/seed/deliberacoes.nsf/bb7cccb67074826503256f4800653a4b/bl5be00846f01%C2%A320032569fl004972fb/$FI%20LE/_88himoqb2clp631u6dsg30dpd64sjie8_.pdf http://celepar7cta.pr.gov.br/seed/deliberacoes.nsf/bb7cccb67074826503256f4800653a4b/bl5be00846f01%C2%A320032569fl004972fb/$FI%20LE/_88himoqb2clp631u6dsg30dpd64sjie8_.pdf http://celepar7cta.pr.gov.br/seed/deliberacoes.nsf/7ba997ca37239c3032569ed005fb978/93946370948cd82903256d5700606b9e/$FI%20LE/_p8himoqb2clp631u6dsg30chd68o30co_.pdf http://celepar7cta.pr.gov.br/seed/deliberacoes.nsf/7ba997ca37239c3032569ed005fb978/93946370948cd82903256d5700606b9e/$FI%20LE/_p8himoqb2clp631u6dsg30chd68o30co_.pdf http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/diaadia/diadia/modules/conte%c3%bado/%e2%80%a8conteudo.php?conteudo=98 http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/portal/educacaohospitalar/index.%e2%80%a8php http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/portal/educacao%e2%80%a8hospitalar/legislacao.php 24 PEDAGOGIA E O HOSPITAL Os principais conteúdos a serem trabalhados neste capítulo referem-se ao agir pedagógico realizado no ambiente da saúde. Com o termo agir pedagógico, buscamos enfatizar a reflexão na ação profissional voltada à atenção do processo educativo do escolar hospitalizado, numa troca constante de diálogos entre as áreas da saúde e da educação. É fato o desenvolvimento do saber educativo para além dos muros escolares.Assim, neste capítulo, pretendemos apontar detalhadamente os importantes momentos vividos e sentidos ao longo do agir pedagógico desenvolvido na Pediatria de Queimados de um hospital de Curitiba em atenção a um escolar hospitalizado, bom como refletir sobre a complexidade que envolve a prática educativa no contexto da hospitalização. Perceba que pensar no escolar hospitalizado nos dias atuais tendo como referência a vida como critério para a saúde amplia e redimensiona a responsabilidade das áreas da educação e da saúde em atenção às necessidades de educar os escolares internados em hospitais. Na busca de maior qualidade de vida em todas as esferas sociais, pessoais e espirituais, há de se transcorrer com dignidade o acesso à vida e à morte. Para Conceição (1994, p. 4), “é no contato direto, permanente e pessoal com o ambiente, da fecundação até a morte, que transcorre a vida”. Assim, entendemos por ambiente um espaço físico e social constituído para favorecer o desenvolvimento da vida em toda a sua diversidade. Portanto, ao lançarmos um olhar sobre a ação pedagógica desenvolvida no ambiente hospitalar, observamos que não há um ambiente para educar e outro ambiente para tratar a saúde: há um ambiente em respeito à vida. Assim, nasce um novo olhar, um olhar que busca ver o invisível, ouvir o inaudível e tocar o intangível, isto é, no agir pedagógico em ambiente hospitalar, faz-se necessária a presença da sensibilidade do professor para além da sua formação acadêmica. Dessa forma, compreendemos que a ação pedagógica voltada ao âmbito hospitalar implica desenvolver ações para além dos desafios educativos, ou seja, implica desafiar os sentidos da raça essencialmente humana em comunhão com o processo educativo. Por dois meses, procuramos estudar se a prática das aulas para o escolar hospitalizado, planejadas de acordo com o currículo escolar, auxilia na prevenção da ruptura no seu processo de escolarização, causada pelo extenso tempo de hospitalização, e, ainda, se essa prática facilita a inclusão escolar após a alta hospitalar. A experiência vivenciada na Pediatria de Queimados junto ao leito do escolar hospitalizado mostrou que a resposta procurada está condicionada a uma série de implicações, relacionadas, de um lado, à especificidade da prática pedagógica e, de outro, às condições e particularidades do ambiente hospitalar. Ou seja, em alguns dias, não era possível a prática da aula; em outros, a aula acontecia de acordo com a demanda do escolar hospitalizado; e houve ainda dias em que a aula se desenvolveu conforme o esperado. As aulas na Pediatria de Queimados O trabalho pedagógico enfocado neste relato foi realizado com uma criança hospitalizada na Pediatria de Queimados do hospital anteriormente mencionado. Por ocasião do estudo, o escolar hospitalizado tinha dez anos de idade e estava matriculado no quarto ano da escola regular. Estava internado em decorrência de grave acidente por queimadura, totalizando lesões em 70% de seu corpo. O atendimento pedagógico ocorreu no período de outubro a dezembro de 2003. No tocante à prática das aulas propriamente ditas, a pesquisadora observou que no ambiente hospitalar o escolar hospitalizado manteve as mesmas dificuldades de aprendizagem que enfrentava na escola. Uma delas foi a resistência à prática de leitura e produção de textos. Por outro lado, nas disciplinas em que tinha maior facilidade, como a matemática, o escolar hospitalizado realizou as atividades com maior envolvimento e 25 empolgação; eram os momentos em que com maior frequência ele alargava seu sorriso e as aulas se prolongavam. Ainda que o relacionamento entre a pesquisadora e o escolar hospitalizado tenha se desenvolvido com liberdade de ação e de expressão, em vários momentos, o processo educativo mostrou-se cansativo para ambos. Isso porque o ambiente hospitalar tem limitações específicas que restringem a utilização de determinados recursos didáticos (de difícil higienização), bem como a mobilidade física do escolar hospitalizado, que apresentava graves queimaduras. Também a pesquisadora, por ser muitas vezes obrigada a ficar em posições desconfortáveis para melhor ministrar suas aulas junto ao leito do hospital, fato que limitava seu desempenho profissional, após o horário da aula sentia fortes dores na coluna, nas pernas e no pescoço. Como não era possível prever com "exatidão o tempo de duração das aulas na Pediatria de Queimados junto ao leito do escolar hospitalizado, verificou-se que, com a utilização do computador portátil, completavam-se as quatro horas/aula com tranquilidade, salvo algum imprevisto específico do ambiente hospitalar, como a realização de alguma atividade extra com o intuito de entreter os pacientes da Pediatria, ou ainda, um eventual mal-estar do escolar hospitalizado. Quando essa ferramenta era utilizada, as aulas iniciavam com estudos sobre o conteúdo escolar e eram concluídas com jogos ou tempo livre para “brincar” no computador. Destacamos aqui o interesse das outras crianças pelas aulas realizadas na Pediatria de Queimados. Assim, por várias vezes e de forma espontânea, as aulas deixaram de ser aplicadas individualmente para A. e tomaram caráter de aulas em grupo. As outras crianças ali hospitalizadas, com os olhos brilhando, pediam para ter aula e trabalhar no computador portátil. Em alguns momentos não havia como negar esse pedido e formava-se então um grande grupo. A pesquisadora sentia muito quando era chegado o momento de desligar o computador. Sua vontade era que esse recurso pudesse ser utilizado em tempo integral na Pediatria, tal era o benefício educativo observado. Como esclarecem Torres, Matos e Bortolozzi, citados por Matos (2009, p. 205), “as renovações e metodologias do processo ensino-aprendizagem podem ocorrer por meio de uma comunicação mediada por computador”. Nesse sentido, a pesquisadora notou que na falta desse equipamento como instrumento didático, o tempo de aula diminuía consideravelmente para duas horas e meia. Ou seja, reduzia em cinquenta por cento o tempo destinado à realização das atividades educativas. Outra situação em que foi observado o diminuto aproveitamento do tempo de aula refere-se aos momentos em que A. e a pesquisadora, embora soubessem que o estado de saúde de A. comprometia o momento de aprendizagem, seguiam numa tentativa de driblar os sinais daquele corpo que lentamente buscava o reequilíbrio na saúde. Contudo, ainda que as dificuldades acenassem com força, havia alguma forma de aprendizagem, apenas eles não sabiam denominar o que e como aprendiam. O tempo passava, e isso era bom. Era evidente a luta travada por A. entre febres, vômitos e a recorrente contenção física devida aos inúmeros enxertos realizados. Nesses casos, não se demorou na Pediatria mais de uma hora em aula. Para além das horas destinadas às aulas, havia a atenção ao conteúdo de vida experienciado naquele momento, considerando-se que os aprendizados de vida precisam ser respeitados e valorizados durante o tratamento de saúde. Estes devem ser percebidos na prática pedagógica hospitalar para que seja oferecido amplo espaço ao desenvolvimento global do escolar hospitalizado, em benefício ao pleno restabelecimento da sua saúde física, social e espiritual. Eram incluídos minuto a minuto novos conceitos nessa realidade da vida escolar vivida na hospitalização, em que a aquisição dos conteúdos na produção de novos conhecimentos foi decisiva na promoção do escolar hospitalizado ao ano seguinte. Percebeu-se que a prática das aulas na Pediatria evitou a ruptura do vínculo com o processo educativo; logo, não se tratou de levar a escola para dentro do hospital, mas apenas o que há de melhor nela: a produção de conhecimentos sobre si mesmo e sobre o mundo. Assim, a ação pedagógica hospitalar aponta para o importante alerta de educadores a respeito do risco de a prática de aula no hospital adotar caráter “conteudista”. Abre-se uma reflexãoacerca da necessidade de se discutir a concepção segundo a qual a produção de conhecimento se dá apenas com base nos conteúdos historicamente 26 acumulados, transmitidos nas instituições escolares. Nesse sentido, Barros (1999, p. 87) alerta para “que seja tomado o cuidado de não se transporem para o contexto pedagógico hospitalar as práticas que na escola regular estão ultrapassadas e decadentes”. Assim, considerando-se as especificidades do ambiente hospitalar, foram verificados três tipos de intercorrências que interferiram no desenvolvimento da prática das aulas. São elas: as físicas, as psicológicas e as ambientais. As primeiras, as intercorrências físicas, dizem respeito às limitações impostas pelo estado de enfermidade do escolar hospitalizado. As posições em que seu corpo era obrigado a ficar em determinados dias inviabilizavam ou prejudicavam de forma significativa o andamento de algumas das aulas previstas. Os procedimentos médicos e a fragilidade do seu estado geral de saúde também interferiram no seu processo educativo. No tocante às intercorrências psicológicas, destaca-se o afastamento da mãe do escolar hospitalizado. Grávida de três meses e cansada pelo desgaste decorrente do longo período de hospitalização de seu filho, ela começou a ficar alguns dias sem ir ao hospital, o que provocou sentimento de abandono e ciúmes no escolar hospitalizado. Outro momento difícil foram as altas das outras crianças - “amigas de vida e de morte”. Finalmente, ressalte-se o difícil momento em que o escolar hospitalizado viu pela primeira vez o desenho fino e repuxado de sua perna afetada pela queimadura quando lhe foram retiradas as ataduras pela equipe médica. É necessário estabelecer uma ação conjunta de atenção integral entre a família do escolar hospitalizado, a escola do hospital e a escola de origem. Nos momentos em que essa inter-relação é rompida, o processo educativo é automaticamente prejudicado. No conjunto das intercorrências ambientais, evidenciam-se os ruídos característicos do ambiente hospitalar, como o choro das outras crianças; as conversas dos acompanhantes; os aparelhos diversos, como a televisão; entradas e saídas de pessoas da Pediatria. O cheiro forte, característico da Pediatria de Queimados, também causava desconforto, assim como os farelos de alimentos que se demoravam,entre os lençóis no leito hospitalar até que fosse trocada a roupa de cama ou a mãe, quando presente na Pediatria, tivesse a iniciativa de removê-los. Contudo, os resultados obtidos na ação pedagógica no ambiente hospitalar estimulam a efetivação da prática educativa em Pediatria. Valendo-nos de uma observação metafórica, comparamos a força do trabalho pedagógico à força de uma alavanca, cuja função está em fazer emergir forças para a retomada da vida na hospitalização infantil. Entretanto, perceba que, para que isso ocorra, é necessário estabelecer uma ação conjunta de atenção integral entre a família do escolar hospitalizado, a escola do hospital e a escola de ori- gem. Nos momentos em que essa inter-relação é rompida, o processo educativo é automaticamente prejudicado. Nessa perspectiva inter-relacional em atenção à saúde na hospitalização, sentimos a importância da ação interdisciplinar. Conforme afirma Barros (1999, p. 87), “a tônica do trabalho desenvolvido no hospital está pautada na atuação interdisciplinar de uma equipe de profissionais que, conjuntamente ou em momentos individualizados, atende o paciente”. É importante que você tenha bem claro que o trabalho desenvolvido na instituição hospitalar é multiprofissional; portanto, o agir interdisciplinar nesse ambiente propicia com maior facilidade os canais de acesso necessários para o efetivo diálogo entre os profissionais envolvidos no tratamento da saúde humana. “Ver-ouvir-sentir” na Pediatria de Queimados: escuta pedagógica Geralmente, quando se fala em criança queimada, imediatamente a outra pessoa expressa na face um semblante de dor, de compaixão, de preocupação com as marcas deixadas pelo acidente térmico, não é isso? Com efeito, a queimadura está entre as mais dolorosas lesões que o organismo humano pode suportar, 27 afirmam Serra e Santos (1999). Para esses autores, a dor intolerável contribui para uma resposta emocional que envolve ansiedade, depressão, medo, angústia,J irritação, frustração, agressão e regressão, complicando, e muitas vezes impedindo, a recuperação física da criança queimada. Os autores afirmam ainda que a desagradável experiência da dor durante a terapia (curativos diários) pode levar a um trauma emocional prolongado, o qual poderá interferir negativamente no período de fisioterapia das sequelas deixadas pela queimadura. Acompanhe o relato que eles fazem: Para uma criança queimada, os dias e as semanas ou os meses de recuperação são preenchidos com experiências estressantes e dolorosas, principalmente em razão da necessidade da troca de curativo ser diária. A contenção física durante os curativos provoca uma sensação de impotência, aumentando em muito o medo e a antecipação da dor nessas crianças. Muitas vezes elas exibem total falta de compreensão acerca do propósito e da necessidade de procedimentos terapêuticos dolorosos; acreditam que essas medidas, ao invés de beneficiar a cicatrização, poderiam interferir negativamente com a mesma [sic]. Não é de surpreender que esse ponto de vista leve à resistência e luta entre a criança e a equipe. O uso dos analgésicos é o principal elemento no controle da dor, porém, além disso, cada vez mais se admite que essas abordagens podem não apenas reduzir o desconforto dos procedimentos dolorosos como permitir que a criança enfrente melhor a internação. (Serra; Santos, 1999, p. 151) Entendemos que a queimadura deixa marcas importantes na pele e na alma. Preparar a família e o escolar hospitalizado para a alta hospitalar inclui prepará-los para o retorno escolar, o que pode trazer, segundo Silva (1999, p. 201), certa ansiedade relacionada à reintegração desse indivíduo na sociedade, principalmente na escola, onde certamente irá enfrentar o desconforto provocado pelas deformidades. E comum ouvir pais cujo filho sofreu uma queimadura afirmarem que o retorno escolar pode esperar. No entanto, é fundamental que compreendam a importância da continuidade dos estudos do filho, não apenas no momento da alta hospitalar, mas de modo paralelo ao tratamento da enfermidade, segundo o que apontam Gonçalves e Valle (1999). As autoras esclarecem ainda que: É importante para a criança doente perceber-se produtiva e em desenvolvimento, e a participação em atividades escolares pode significar igualdade em relação às demais crianças da sua idade... E preciso alertar os pais e toda a equipe profissional que, embora ela esteja enferma, seu processo de desenvolvimento continua e deve ser constantemente incentivado, numa tentativa de suprir o efeito negativo do “stress” e da hospitalização. (Gonçalves; Valle, 1999, p. 274) Você sabia que a queimadura apresenta causas variadas e características bem definidas nas crianças conforme a sua faixa etária? Crianças de zero a seis anos, por exemplo, são as grandes vítimas de acidentes por líquidos superaquecidos, pois elas costumam brincar perto de suas mães na cozinha, o local de maior incidência de acidentes, sendo que, muitas vezes, estas não têm consciência de tal perigo. No caso das crianças com mais de seis anos, as queimaduras ocorrem pela curiosidade que elas têm, sem temer ou prever os perigos que correm, ao realizarem diferentes “experiências” com líquidos inflamáveis, como álcool, gaso- lina e outros agentes de fácil combustão. Também é nessa fase que se iniciam as pesquisas escolares, o que aguça ainda mais a curiosidade dos “pequenos cientistas”, conforme observação de Silva (1999, p. 197). Serra e Phebo (1999, p. 259) chamam a atenção para as crianças vítimas de maus-tratos por queimaduras intencionais, que, na maioria das vezes,
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