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1) Introdução: Infecções no SNC: Causa mais comum de febre associada a sinais e sintomas de SNC • Inúmeros patógenos podem causar a infecção • Variantes: idades, condições imunes do hospedeiro e epidemiologia do patógeno • - Infecções virais > infecções bacterianas > infecções fúngicas e parasitárias Manifestações clínicas semelhantes (independe da etiologia) • Meningite diferente de encefalite -> Encefalite (infecção do encéfalo • 2) Diagnóstico: Feito através do exame de LCR por punção lombar • Há um aumento de leucócitos (com predomínio de PNM), hiperproteina e uma hipoglicose -> • Meningite bacteriana Poucos leucócitos, hiperproteína e glicose normal -> Meningite Viral • Meningite Bacteriana: Uma das infecções mais serias que ocorrem em lactentes e crianças • Associados a altas taxas de complicações agudas e ao risco de sequelas a longo prazo • Incidência relativamente alta para incluir no diagnóstico diferencial do quadro clínico de alteração • do estado mental e outras evidencias de disfunção neurológica 1) Etiologia: Neisseria Meningitidis ( + comum entre 1m e 12a) • S. Pneumoniae e H. Influenzae ( - comum após vacinação) • Risco aumentado: Distúrbios imunológico ou anatômicos (Ex: Crianças que fazem tratamento • para neoplasias ou crianças com fístula craniana) 2) Epidemiologia: Fator de risco: Falta de imunidade associado a pouca idade • Modo e transmissão: Secreções ou gotículas do Trato respiratório • Comunicações congênitas ou adquiridas de LCR pela barreira cutâneomucosa: Maior risco de • meningite pneumocócica S. Pneumoniae: Vacinação -> Queda drástica de casos • N. Meningitidis: Pode ocorrer de forma isolada ou ocorrer em epidemias • Sorogrupos A,B,C,Y e W-135 • Menores de 5 anos tem taxas mais altas de infecção • H. Influenzae B: Antes da vacinação correspondia a cerca de 70% dos casos no EUA • 3) Patologia e Fisiopatologia: Exsudato meníngeo purulento em torno de veias cerebrais, seios venosos, convexidade do • cérebro e do cerebelo, bem como nos sulcos, fissura silviana, cisternas de base e medula espinhal -> O normal seria líquido hialino e cristalino, como se fosse água. Vetriculite (RNs) -> Inflamação dos ventrículos, que podem causar uma sarcofibrose e podem • cursar com hidrocefalia, podendo causar déficits neurológicos na criança. Infarto cerebral -> Sequela frequente decorrente da oclusão vascular por inflamação, • vasoespasmo e trombose. Aumento da Pressão intracraniana se deve a: • -Morte celular (edema cerebral citotóxico) -Aumento da permeabilidade vascular capilar induzido por citocinas (edema cerebral vasogênico) -Edema cerebral intersticial pela obstrução da reabsorção do LCR nas granulações aracnóideas ou pela obstrução do fluxo de líquido a partir dos ventrículos. Hidrocefalia -> Complicação aguda -> Devido a dificuldade de reabsorção do LCR, devido a • fibrose do ventrículo, causando obstrução e o liquido não consegue ser drenado. Aumento dos níveis liquóricos de proteínas (hiperproteinorraquia) -> Ocorre devido a • extravasação do LCR e consequentemente há extravasamento da albumina. Hipoglicorraquia -> Devido consumo de glicose pelas bactérias e dificuldade de passar pela • barreira hematoencefálica Primeiro posso ter uma oclusão vascular (infarto, necrose, acidose lática), hipóxia, invasão • bacteriana (cerebrite), encefalopatia tóxica (toxinas bacterianas), HIC, ventriculite e transudação (coleções subdurais). Todos esses sintomas podem causar lesões do córtex cerebral • Manifestações clínicas das lesões do córtex cerebral: Comprometimento da consciência, • crises epilépticas, paralisia, NNCC, déficits motores e sensitivos. 4) Patogênese: Disseminacão hematogênica : (Através de gotículas) • -Colonização bacteriananasofaringe -> Bacteremia (na corrente sanguínea) -> Meningite As bactérias penetram no LCR através do plexo coróide dos ventrículos laterais e das meningites • e depois circulam até LCR extracerebral e o espaço subaracnóideo. Multiplicação das bactérias -> Resposta inflamtória -> Lesão cerebral • Raramente ocorre por invasão bacteriana de um foco infeccioso contíguo (a partir de outra • infecca que já está havendo no corpo, por exemplo: uma rinossinusite) 5) Manifestações Clínicas: Achados Inespecíficos: • -Febre -Anorexia -Recusa alimentar -Cefaleia -Sintomas de IVAS -Mialgias -Artralgias -Taquicardia -Hipotensão -Vários sinais cutâneos (ex: petéquias, púrpuras ou rash macular eritematoso) Achados específicos: • -Rigidez de nuca, sinal de kerning e de Brudzinski -Sinais de HIC: Cefaleia, vômitos, fontanela abaulada, paralisia do n. Oculomotor, abducente, facial e coclear. -Papiledema (incomum) -Crises epilépticas -Alteração do estado mental -Irritabilidade, letargia, estupor, obnubilação (paciente fora de si) e coma 6) Diagnóstico: Confirmado pela análise do LCR • -Presença de microrganismos na cultura e no exame bacterioscópico -Pielocitose com neutrófilo -Hiperproteinorraquia -Hipoglicoserraquia 7) Diagnóstico diferencial: Bactérias atípicas -> M. Tuberculosis: Fungos e parasitas • Infecções focais -> Abcesso cerebral e parameníngeo • Raramente: Doenças malignas, sd. Vasculares e exposição a toxinas • 8) Tratamento: Depende das manifestações iniciais da doença • Doença rapidamente progressiva -> Tratar logo a falência múltipla de órgãos • Terapia inicial com antimicrobianos • -Penicilina ou Ampicilina ou Ceftriaxona Corticosteroides • -Dexametasona EV -> Tratamento para edema cerebral Cuidados de suporte • -Sinais vitais -Avaliação neurológica -Exames laboratoriais -Tratar edema cerebral -Tratar crises epilépticas 9) Complicações: Agudas -> Crises epilépticas, HIC, paralisia dos NNCC, herniação cerebral ou cerebelar e • trombose dos seios venosos durais 10) Prognóstico: Antimicrobianos + suporte -> Redução das taxas de mortalidades • Sequelas graves para o neurodesenvolvimento: 10-20% dos pacientes • Sequelas neurológicas mais comuns: Perda auditivas, retardo mental, crises epilépticas • recorrentes, atraso na aquisição da linguagem, comprometimento visual e problemas comportamentais. 11) Prevenção: Vacinação • Antibioticoterapia dos contactantes susceptíveis • -Rifampicina -Ceftriaxona -Ciprofloxacino (>18a) Meningoencefalite Viral 1) Introdução: Envolve meninges e um grau variável do tecido cerebral • Relativamente comum • Autolimitada • LCR: Pleiocitose + Ausência de microorganismos na bacterioscopia e na cultura bacteriana • • 2) Etiologia: Enterovírus: • -Causa mais comum -Gravidade variada de autolimitada até encefalite grave resultando em morte. Arbovírus • Herpes-vírus: • -Causa importante de encefalite grave Vírus Respiratório: • -Adenovírus -Influenza -Parainfluenza Sarampo, rubéola, raiva • Após vacinações com vírus vivo contra pólio, sarampo, caxumba e rubéola -> Paciente evoluiu • com encefalite. 3) Patogênese: Lesão neurológica • -Invasão direta e destruição dos tecidos neurais por vírus em multiplicação -Reação do hospedeiro aos antígenos virais 4) Manifestações clínicas: Bastante variável: • -Inicio insidioso -> Óbito x crises epilépticas -> completa recuperação Inicio agudo: febre + sintomas inespecíficos • -Crianças maiores: Cefaleia e hiperestesia -Lactentes: Irritabilidade e letargia Outros sintomas: Naúseas, vômitos, fotofobia, dor no pescoço, costas e MMII, embotamento • mental, estupor, movimentos bizarros, crises epilépticas. 5) Complicações: Sd. Guillain-Barre • Mielite transversa • Hemiplegia • Ataxia cerebelar • 6) Diagnóstico: Pródromo inespecífico + sintomasprogressivos no SNC • Exames de apoio: • -Análise LCR -> Predominância mononuclear leve -EEG -> Atividade difusa com ondas lentas -Neuroimagem 7) Diagnóstico Diferencial: Meningite bacteriana aguda ( quadro + grave) • Neoplasias • Doencas vasculares do colágeno • HIC • Intoxicação exógena • 8) Achados laboratoriais (LCR): De poucos a vários milhares de céls/mm3 • No início, as cels costumam ser PMN, predominam mononucleares • Proteinorraquia -> Normal ou discretamente elevada • Glicorraquia normal • 9) Tratamento: Suporte: Repouso, analgésico e antitérmico • Exceção: Encefalite por HSV -> Aciclovir EV • Se nao tiver como identificar o vírus usa o Aciclovir mesmo assim • 10) Prognóstico: Quase todas as crianças tem prognóstico neurológico favorável a longo prazo • 11) Prevenção: Através da vacinação • Capítulo Heliane Brant Machado Freire Lincoln Marcelo Silveira Freire (in memoriam) 5.6 Infecções Bacterianas do Sistema Nervoso Central �Q Etioepidemiologia No período neonatal, os principais agentes etiológi- cos responsáveis pelas meningites bacterianas são: E. coli, estreptococo do grupo B e Listeria monocytogenes. Outras bactérias Gram-negativas, como Salmonella, Klebsiella, Serratia, Enterobacter, Haemophilus sp, Neis- serias, e Gram-positivas, como pneumococos e estafilo- cocos têm importância secundária. O aumento dos pa- tógenos Gram-negativos entre neonatos é confinado significativamente à meningite, ocorrendo durante os primeiros 14 dias de vida. Crianças com mais de 14 dias de vida adquirem, predominantemente, meningites cau- sadas por micro-organismos Gram-positivos. No Brasil, a Listeria monocytogenes não parece ter a importância verificada em alguns locais (França, algumas regiões dos Estados Unidos), na etiologia das meningites do perío- do neonatal. Em crianças de 2 a 3 meses a 5 a 6 anos de idade, o Haemophilus influenzae tipo b (Hib) foi, durante anos, o agente etiológico mais frequentemente encontrado em culturas de liquor de pacientes com meningite bacteria- na. Com introdução da vacina conjugada contra o Hib, em 1999, no Programa Nacional de Imunizações, houve redução superior a 50% na incidência de infecções me- níngeas por este agente, quando comparados os anos de 1998 a 2000. Os casos ainda verificados de ocorrência por esta etiologia são observados em crianças incomple- tamente imunizadas, naquelas que não receberam a va- cina ou que são imunodeprimidas, pois se sabe da indi- cação de dose adicional do imunógeno em crianças com alteração imunitária. No Brasil, a N. meningitidis persiste como o princi- pal agente etiológico das meningites bacterianas fora do período neonatal, seguida pelo pneumococo. O país teve, durante a primeira metade da década de 1990, au- mento no número de casos notificados de doença me- ningocócica, manifestando-se sob a forma de meningite ou infecção generalizada. Este aumento resultou, em parte, da ocorrência de surtos localizados em cidades densamente povoadas, como São Paulo e Rio de Janeiro. A partir de 1997, observou-se diminuição do número de casos, decorrente do emprego de medidas de controle em situação de surtos, como a vacinação de bloqueio e o uso da quimioprofilaxia, quando indicada1. O meningococo é classificado em sorogrupos com base em seu polissacarídio capsular. Outros antígenos importantes na patogênese/imunidade são as proteínas de membrana externa (as das classes 2 e 3 determinam o sorotipo e as da classe 1 estabelecem o soro subtipo). Ainda é classificado em imunotipo, dependente do li- po-oligossacarídio da membrana. Recentemente, a ti- pificação do meningococo foi baseada, também, na presença de isoformas de enzimas do citosol. Por meio de eletroforese enzimática, os tipos eletroforéticos fo- ram reunidos em grupos de clone e, depois, em sub- grupos. A importância desta organização deve-se ao fato de as cepas do meningococo poderem ser geneti- camente relacionadas, isto é, serem membros do com- plexo de cepas do mesmo tipo eletroforético, mas não compartilharem proteínas de membrana externa, o que é de importância na imunidade. Desde a década de 1980, o sorotipo B do meningo- coco passou a ser o mais prevalente no país, embora em alguns locais, como São Paulo, o sorotipo C tenha im- portância como causa da infecção meningocócica. É ex- tremamente relevante que, mesmo em regiões com me- lhor estrutura laboratorial e de atendimento, a identificação etiológica das meningites bacterianas ain- da não seja a regra no país. As mais altas taxas de ataque pelos três principais agentes ocorrem entre 3 e 12 meses de vida, permane- cendo elevada a incidência até os 2 anos. Em crianças acima de 5 a 6 anos de idade, o meningococo e o pneu- T R ATA D O D E P E D I AT R I A Q S E Ç ÃO 16 I N F E C TO LO G I A1516 mococo são os agentes etiológicos mais frequentemente encontrados; o Hib aparece com frequência bem infe- rior neste grupo etário. Nas meningites bacterianas que ocorrem em pa- cientes com shunts, diversos fatores afetam a incidên- cia das infecções nas válvulas de derivação. Os agentes mais comuns nesses casos são o Staphylococcus epider- midis e o S. aureus, sendo responsáveis por 80% dessas infecções, ficando os Gram-negativos com menor im- portância. Os bacilos Gram-negativos usualmente associam-se com procedimentos envolvendo o abdome. São encontra- dos, mais raramente, os germes habituais para a idade. �Q Diagnóstico Clínico Não existe sinal clínico patognomônico da meningi- te bacteriana. Os sinais e os sintomas são variáveis, de- pendendo da idade do paciente, da duração da enfermi- dade e da resposta da criança à infecção. Diversos autores demonstraram duas maneiras de apresentação da infecção meníngea. Um grupo de pa- cientes apresenta-se com doença insidiosa, de evolução progressiva em período de um a vários dias. São crian- ças que possuem sinais e sintomas inespecíficos, como febre, podendo estar doentes por alguns dias antes da época do estabelecimento do diagnóstico de meningite. Em outro grupo, os sinais e sintomas de infecção do sis- tema nervoso central (SNC) desenvolvem-se em horas, com padrão agudo e fulminante. Geralmente, estes pa- cientes têm maior taxa de mortalidade, e a densidade bacteriana, ou concentração antigênica, pode ser míni- ma, o que sugere ação da endotoxina bacteriana, ocasio- nando rápida progressão da doença. Esses dois modos de apresentação podem ser encontrados em todas as etiologias bacterianas, embora, classicamente, o H. in- fluenzae caracterize-se por apresentar evolução mais in- sidiosa e o S. pneumoniae, mais abrupta. As manifestações clínicas em crianças no período neonatal e em lactentes de baixa idade são inespecífi- cas. A febre ocorre em aproximadamente metade dos infectados. Podem ocorrer letargia, distúrbios respira- tórios, icterícia, desinteresse pela amamentação, vômi- tos e diarreia. Cerca de um terço das crianças apresen- tam intensa irritabilidade, frequentemente com alterações no nível de consciência e hipotonia muscu- lar. As convulsões ocorrem em 40% dos recém-nasci- dos com meningite, enquanto o abaulamento de fonta- nela é verificado em 1/3 dessas crianças. Em crianças de baixa idade, os únicos sinais neurológicos podem ser choro em alta tonalidade e depressão dos reflexos arcaicos. Os lactentes com idade entre 4 e 7 meses já podem apresentar os sinais meníngeos, e após o 7o mês de vida já há manifestação mais específica da infecção meníngea. Em pacientes de mais idade, febre, dor de cabeça, fotofobia, náuseas e vômitos, confusão mental, letargia e/ou irritabilidade são as queixas usuais. Embora sejam manifestações inespecíficas, mudança no comporta- mento ou no estado de consciência da criança são sinais importantes de ocorrência de meningite bacteriana. Ri- gidez de nuca, presença dos sinais de Brudzinski e de Kernig, aparecimento de convulsões e abaulamento da fontanela (em lactentes) são suficientemente caracterís- ticos da infecçãodo sistema nervoso central. A ataxia pode ser sinal incomum de apresentação da meningite em crianças e adultos. Avaliação cuidadosa é indicada nesses pacientes, pois alterações auditivas e vestibulares costumam ocorrer concomitantemente. A ataxia presumivelmente correlaciona-se com alterações vestibulares, em consequência da labirintite de natureza tanto infecciosa quanto inflamatória. O papiledema em paciente com suspeita de menin- gite bacteriana deve acarretar investigação de outras possibilidades diagnósticas, como abscesso cerebral, ex- tensão de abscesso extradural, empiema subdural, trom- bose de seio venoso ou outras causas de hipertensão in- tracraniana. Sinais neurológicos focais, como hemiparesia, para- paresia e alterações no campo visual indicam oclusão vascular, podendo ser manifestação de cerebrite focal ou estarem associados com processo purulento focal com trombose vascular cerebral, abscesso, coleção ou empie- ma subdural. Alterações da motilidade ocular podem estar associadas com disfunção do terceiro ou do sexto par craniano, sendo, em geral, de natureza transitória. As paralisias do sexto par associam-se, frequentemente, com aumento da pressão intracraniana, não sendo evi- dência de anormalidades focais. É possível ocorrer focos infecciosos associados com localização meníngea do agente etiológico, o que torna obrigatória a cuidadosa procura de áreas simultanea- mente acometidas, presentes em 1/4 a 1/3 dos pacientes com meningite bacteriana. Laboratorial Diante da suspeita clínica de meningite bacteriana, é fundamental o exame do liquor. Se houver presença de sinais de hipertensão intracraniana, papiledema ou si- nais neurológicos focais, há indicação da realização de tomografia antes mesmo da punção lombar para a ex- clusão de lesão expansiva ou abscesso cerebral. Com relação à bacterioscopia com coloração pelo Gram do liquor, alguns fatores podem levar a erros na identificação do agente etiológico implicado. O Hib em meios de crescimento considerados pobres pode, em vez de assumir a forma de bacilo, crescer como coco pleomórfico que pode ser semelhante ao pneu- mococo. Suas duas granulações metacromáticas no citoplasma podem simular o meningococo. O resulta- do da bacterioscopia é apenas indicativo da etiologia, I N F E CÇÕ E S B AC T E R I A N A S D O S I S T E M A N E R V O S O C E N T R A L 1517 não autorizando mudanças do esquema antibiótico, o que só deverá ser feito após a identificação da bacté- ria por cultura ou por técnicas que identifiquem antí- genos capsulares. Os achados de morfologia e química do liquor em um paciente com meningite bacteriana incluem, classi- camente, aumento do número de células, com predomí- nio de polimorfonucleares. A glicorraquia está diminuí- da, devendo sempre ser comparada com a glicemia, a qual poderá ser realizada antes ou após a punção lom- bar. Geralmente, o nível da glicose no liquor deve ser maior que 2/3 de sua concentração sanguínea. A protei- norraquia, na maior parte das vezes, está elevada, sendo o normal até 40 mg/dL. Um exame de liquor normal não elimina a possibi- lidade de infecção no sistema nervoso central, pois, em casos iniciais, é possível um exame liquórico inicial nor- mal, mas com cultura positiva. Nesses pacientes, é ne- cessário um período de observação e nova punção lom- bar 12 a 24 h depois. Em caso de punção traumática, é feito o desconto da celularidade e do teor proteico em razão do sangramento, observando-se a relação entre o número de hemácias e o de leucócitos do paciente. Em média, para a passagem de 500 hemácias ocorre a de um leucócito e, para cada 1.000 hemácias no liquor, deve-se subtrair 1 a 1,5 mg/dL de proteína. Estudos retrospectivos indicavam a existência da correlação prognóstica entre os diversos parâmetros li- quóricos e a evolução da meningite bacteriana. Investi- gações mais recentes indicam que apenas a intensidade da hipoglicorraquia no exame inicial de liquor tem se associado, significativamente, com maior presença de acometimento auditivo da infecção meníngea. O leucograma deve ser realizado em todo paciente com suspeita clínica de meningite, embora leucocitose com desvio à esquerda – resposta usual nos processos in- fecciosos bacterianos – não seja suficiente para permitir a diferenciação entre a infecção meníngea de etiologia viral e a de bacteriana. Esse dado adquire maior relevância no recém-nascido que, por apresentar leucocitose neutrofíli- ca transitória, tem no hemograma um exame laboratorial de pequeno valor para o diagnóstico de etiologia bacte- riana. Freire (1994), comparando os achados de leucogra- ma em 99 pacientes com meningite bacteriana, sendo 45, presumivelmente, viral e 30 controles, não observou dife- renças estatisticamente significativas entre meningites bacterianas e virais para o valor global de leucócitos, por- centagem de segmentados e taxa de linfócitos. Apenas a contagem de bastonetes apresentou relevância no diag- nóstico diferencial2. Além das alterações clássicas da citobioquímica li- quórica, a pesquisa de antígenos bacterianos no liquor pode ser de valor como auxílio na definição etiológica da infecção meníngea bacteriana (contraimunoeletrofo- rese e aglutinação em látex), especialmente em pacientes que fizeram uso prévio de antibióticos. Na literatura, re- gistra-se sensibilidade desses testes variando de 50 a 100%. Deve-se ressaltar que esses testes não permitem determinar o padrão de sensibilidade antibiótica da bac- téria identificada. Recente observação de Tarafdar et al.3 enfatiza que poucos estudos relataram a sensibilidade do teste de aglutinação em látex em pacientes com citobioquímica do liquor e quadro clínico altamente sugestivo de me- ningite bacteriana, mas com cultura liquórica negativa. Tais investigadores determinaram baixa sensibilidade do teste de dectecção do antígeno bacteriano no liquor de pacientes com meningite bacteriana aguda, mas com cultura do liquor negativa, não recomendando seu uso rotineiro. Por se tratar de aspecto pouco estudado na li- teratura, merece novas investigações para o esclareci- mento de seu real valor como auxílio na definição etio- lógica da meningite bacteriana. Entre as técnicas de grande sensibilidade e especifi- cidade, mas de custo elevado, destacam-se: imunoensaio enzimático (Elisa), cromatografia em gases líquidos, coaglutinação bacteriana e radioimunoensaio. Em relação aos efeitos do uso prévio de antibióticos na análise dos achados liquóricos, vários estudos supor- tam a conclusão de que em crianças com meningite bac- teriana, que fizeram uso prévio de antibióticos por via oral em doses habituais, os achados morfológicos e de composição química do liquor geralmente não são alte- rados, de modo significativo, quando comparados com resultados obtidos em pacientes com meningite que não receberam antibioticoterapia prévia. Apenas os resulta- dos de cultura do liquor sofrem maiores alterações no grupo tratado anteriormente. A hemocultura pode ser utilizada com o objetivo de ampliar a possibilidade de identificação do agente etio- lógico. Entre os diversos indicadores inespecíficos de infec- ção bacteriana utilizados no diagnóstico diferencial en- tre a meningite bacteriana e virótica, citam-se: redução do nitroazul tetrazólico (NBT) no sangue, dosagem do ácido láctico, proteína C-reativa (PCR), desidrogenase láctica (LDH) e conteúdo das frações de imunoglobuli- nas no liquor. O teste de Limulus, realizado no liquor, permite a diferenciação entre meningite causada por bactérias Gram-negativas e Gram-positivas, em conse- quência da gelificação que ocorre na presença de endo- toxinas elaboradas por germes Gram-negativos. Segun- do Freire2, a PCR liquórica mostra sensibilidade e especificidade superiores a 90% no diagnóstico diferen- cial de meningites viral e bacteriana. O aumento dos níveis de lactato é reconhecido como achado característico de lesão cerebral, refletindo ocorrência da acidosetecidual e aumento da glicólise anaeróbica, existindo evidências consistentes de que quando a glicólise cerebral está aumentada, como em casos de hipóxia, isquemia, convulsões ou meningites, a concentração e a relação de lactato e piruvato no cérebro estão caracteristicamente aumentadas. A LDH é enzima glicolítica que converte lactato em piruvato e vice-versa, na presença de difosfopiridina nucleotídeo, mediante cessão catalítica. Freire2 verificou um valor médio (mé- T R ATA D O D E P E D I AT R I A Q S E Ç ÃO 16 I N F E C TO LO G I A1518 dia geométrica) de LDH de 59,9 U/L para a meningite bacteriana, 14,8 U/L para a presumivelmente viral e controles, não se observando diferenças significativas entre os valores médios para os vários agentes etiológi- cos encontrados nas meningites bacterianas. A literatura registra que a quantidade de antígeno capsular bacteriano presente no liquor de pacientes com meningite bacteriana relaciona-se com a gravidade da en- fermidade e com o prognóstico, sendo particularmente verificada essa relação nas infecções por E. coli e Hib. �Q Tratamento Suportivo A criança com meningite bacteriana deve ser hospi- talizada para receber o tratamento. Medidas gerais A utilização de medidas não específicas é consi- derada importante para a melhor evolução dos pa- cientes com meningites bacterianas. O tratamento de suporte visa prevenir ou reverter as alterações que ocorrem no organismo, principalmente no SNC, se- cundárias ao processo infeccioso. Baseia-se na fisio- patologia das diversas alterações observadas, deven- do incluir a oxigenação adequada com manutenção da hemoglobina em níveis maiores que 12 g/dL, pre- venção de hipoglicemia e controle das convulsões e da hipertensão intracraniana. Uma das alterações que mais contribui para piora dos pacientes com meningite bacteriana é a redução do fluxo sanguíneo cerebral. Como a pressão da perfusão cerebral é calculada pela pressão arterial média menos a pressão intracraniana, conclui-se que toda diminuição da pressão arterial média (ou todo aumento da pressão intracraniana) incide desfavoravelmente na pressão de perfusão cerebral e, consequentemente, no fluxo sanguí- neo cerebral. Redução da pressão de perfusão cerebral a níveis inferiores a 40 mmHg aumenta o risco de morte ou de sequelas neurológicas graves em pacientes com meningite bacteriana. A monitoração da pressão arterial, mantendo-a em valores normais para a idade, é outra medida importan- te para uma perfusão satisfatória. Hidratação A secreção inadequada do hormônio antidiurético (SIHAD) apresenta características clínicas e laboratoriais sugestivas: hiponatremia e hiposmolaridade plasmática e do líquido extracelular, além de contínua excreção renal de sódio, responsável pela hiperosmolaridade urinária em um paciente sem evidência clínica de depleção hídri- ca, tendo preservadas as funções renal e adrenocortical. Na meningite bacteriana, sua incidência varia de 4 a 88%, decorrente de critérios não uniformes na amostragem dos trabalhos publicados. A restrição hídrica foi prática rotineira na fase ini- cial do tratamento da meningite bacteriana, com o obje- tivo de prevenir ou melhorar a SIHAD. Esta prática ba- seava-se no conceito de que a hiponatremia observada nesses pacientes decorria da secreção aumentada de va- sopressina, sendo a hiponatremia fator agravante do edema cerebral ao promover a retenção hídrica com ele- vação da pressão intracraniana, isquemia e hipóxia de áreas cerebrais. Diversos trabalhos de Singhi et al.4 questionaram o papel da restrição hídrica na prevenção da SIHAD. Es- tudos comprovam a presença de maior volume de água corporal em pacientes em fase inicial de meningite ao compará-los com crianças sem infecção, estando todo esse excesso localizado no espaço extracelular. Esses es- tudos também mostraram que o decréscimo no volume de água extracelular nas 48 h iniciais de internação au- mentou a probabilidade de evolução adversa dos casos. Concluíram, afinal, que excesso de água extracelu- lar, elevação da concentração da vasopressina e discreta hipertensão sistêmica em presença de aumento na pres- são intracraniana constituem parte de um mecanismo realizado pelo organismo para compensar a elevação da pressão intracraniana, com objetivo de manter adequa- do o fluxo sanguíneo e a perfusão cerebrais. As tentati- vas de redução do “aparente excesso” de água extracelu- lar pela restrição de fluidos pode ter efeito adverso, piorando a evolução dos pacientes com infecção menín- gea bacteriana. Portanto, não é mais utilizada rotineira- mente a restrição hídrica em fase inicial do tratamento das meningites bacterianas. Corticoterapia O advento de novos e potentes antibióticos para o tratamento de meningites bacterianas não resultou na melhora esperada de sua evolução. A compreensão da fisiopatogenia da infecção meníngea demonstrou o en- volvimento da resposta inflamatória do hospedeiro, causando grave dano ao sistema nervoso central. As perspectivas terapêuticas decorrentes desses novos con- ceitos direcionaram-se para a terapêutica adjutória não esteroide, com atuação nos componentes bacterianos ou na regulação dos mediadores inflamatórios e para o em- prego precoce da corticoterapia. A experimentação em modelo animal forneceu sólido suporte para o início dos ensaios clínicos. A modulação da resposta inflamatória em seres hu- manos vem sendo testada por meio da utilização da cor- ticoterapia em terapêutica auxiliar. A escolha da dexa- metasona baseou-se em sua capacidade de atuação tanto no edema cerebral quanto na hipertensão intracraniana, comparando-se com a metilprednisolona, eficaz apenas I N F E CÇÕ E S B AC T E R I A N A S D O S I S T E M A N E R V O S O C E N T R A L 1519 para a diminuição do edema cerebral em coelhos com meningite experimental. Os mecanismos de ação da de- xametasona são vários, desde a atuação sobre as citoci- nas até a inibição da ação enzimática sobre os fosfolipí- dios da membrana dos leucócitos em células endoteliais, impedindo a formação dos mediadores inflamatórios induzidos pela fosfolipase A2. A corticoterapia permanece assunto controverso – alguns autores admitem benefícios; outros não os con- firmam. O trabalho de Freire5 mostrou tendência de melhor evolução neurológica do grupo menor de um ano de idade que utilizou a corticoterapia, sem se ob- servar, entretanto, diferença estatística das evoluções. Embora se tenha notado grande número de crianças, não se chegou à conclusão definitiva sobre o valor da dexametasona como terapêutica adjutória nas menin- gites bacterianas. Resultados de diversos estudos e metanálises de en- saios controlados, randomizados em crianças, em países desenvolvidos, sugeriram que o uso do esteróide asso- ciado à antibioticoterapia melhorava o prognóstico na meningite bacteriana por Hib. Um grupo de especialis- tas da Organização Mundial da Saúde (OMS) reviu es- tudos realizados em países em desenvolvimento e afir- mou serem inconclusivas as evidências sobre o benefício da corticoterapia na infecção meníngea bacteriana nes- ses locais. Em 2002, Molyneux et al.6 publicaram expe- riência em Malawi, com avaliação de 598 crianças de dois meses a 13 anos de idade, com antibioticoterapia inicial constituída de penicilina e cloranfenicol. Essa in- vestigação (duplo-cega, randomizada, controlada por placebo) também não demonstrou melhor evolução no grupo submetido à corticoterapia. Específico Apesar dos recentes avanços na terapêutica auxiliar das meningites bacterianas, visando reduzir o intenso processo inflamatório que ocorre principalmente nas fa- ses iniciais dessas infecções, os antibióticos permane- cem como a única terapêutica definitiva. A antibioticoterapia inicial empírica de pacientes com meningite bacteriana deve considerar a faixa etária e os principais agentes etiológicos da doença. Atualmen- te, cresce o número de casos relatados de infecções me- níngeas causadaspor germes habituais não responsivos à terapêutica convencional. Deve-se observar o padrão de sensibilidade de cada serviço, já que a resistência bac- teriana varia grandemente em diferentes locais. Inicialmente, até que seja definida a bactéria causa- dora da infecção meníngea, o tratamento clássico inclui a associação de ampicilina e aminoglicosídio; em crian- ças de dois a três meses até cinco a seis anos, ampicilina e cloranfenicol e, nos pacientes com idade superior a esta faixa etária, ampicilina. Após a identificação etioló- gica, deve-se adequar a terapêutica antimicrobiana ao agente isolado. Dependendo da instituição, as cefalosporinas de terceira geração podem ser utilizadas, em toda a faixa etária pediátrica, até a definição da bactéria responsável. Crianças entre 30 e 60 dias de vida podem ter pató- genos tanto do período neonatal quanto de lactentes maiores. A duração média do tratamento é de cinco dias para a etiologia meningocócica, sete dias para os casos por Hib e 10 a 14 dias perante infecção meníngea pneumo- cócica, recomendando-se, ainda, a punção do liquor- -controle para critério de cura. Nos países em que há relato de maior frequência de cepas resistentes, observou-se que estas não são mais vi- rulentas do que as cepas sensíveis. A apresentação da doença também não difere, exceto em pacientes imu- nossuprimidos que apresentam quadro clínico mais gra- ve e pior evolução. Apesar do crescente relato mundial da ocorrência de casos de resistência das bactérias usualmente causadoras das infecções meníngeas à terapêutica específica conven- cional, são escassos os dados da literatura brasileira. Isso dificulta a adoção de condutas baseadas em experiências internacionais, que podem não ser adequadas para a uti- lização rotineira na instituição em que se trabalha. �Q Profilaxia Antibiótica Haemophilus influenzae B A quimioprofilaxia está indicada nos contatos domi- ciliares de local onde houver criança não vacinada menor de 48 meses de idade. A presença de criança imunocom- prometida, mesmo se vacinada, justifica a quimioprofila- xia para todos os moradores da residência. Em creches, justifica-se o emprego de quimioprofi- laxia, se houver criança menor de dois anos de idade, não vacinada, cujo contato com o caso x índice tenha excedido 20 h em uma semana. Se todas as crianças fo- rem maiores de dois anos de idade, não se recomenda tal conduta. Quando dois ou mais casos de meningite por Hib ocorrerem em um período de 60 dias, a quimio- profilaxia deve ser estendida a todos os funcionários da creche. Quando indicada, a profilaxia com rifampicina de- verá ser iniciada o mais rapidamente possível. A dose re- comendada é de 20 mg/kg/dia, por via oral, uma vez/ dia, por quatro dias, para crianças, e 600 mg, uma vez/ dia, por quatro dias, para adultos e 10 mg/kg/dia, via oral, uma vez/dia, por quatro dias, para recém-nascidos. Meningococo A quimioprofilaxia deve ser empregada em conta- tos domiciliares ou compartilhamento de alojamentos T R ATA D O D E P E D I AT R I A Q S E Ç ÃO 16 I N F E C TO LO G I A1520 (quartéis, orfanatos, internatos, creches), desde que es- tejam dentro da definição de contato íntimo, isto é, 20 horas de convivência com o caso índice nos últimos sete dias. A quimioprofilaxia para pacientes que terminam o tratamento da meningite meningocócica, em razão da possível – mas não comum – persistência da bactéria no trato respiratório superior, não apresenta consenso na li- teratura, não devendo, portanto, segundo Alvez et al.7, ser conduta rotineira. A droga empregada para a quimioprofilaxia de con- tatos é a rifampicina, capaz de reduzir o estado de por- tador por, no mínimo, cinco semanas, não devendo ser utilizada em mulheres grávidas. A dose é de 10 mg/kg a cada 12 h, durante dois dias (quatro tomadas) para crianças. Para recém-nascidos, a dose é de 5 mg/kg a cada 12 h (quatro tomadas) e, para adultos, 600 mg a cada 12 h, em quatro tomadas. Há, ainda, experiência restrita, realizada na Arábia Saudita, empregando a cef- triaxona em dose única de 250 mg, IM em pacientes maiores de 15 anos de idade e 125 mg, IM em menores que essa faixa etária, com resultados satisfatórios na er- radicação de portador. Esta experiência pode ser uma tentativa para a erradicação de estado de portador em gestantes, as quais não devem receber a rifampicina, por este medicamento ser teratogênico, conforme experiên- cias com animais de laboratório. Os derivados quinolônicos (ciprofloxacino), testa- dos em militares britânicos, também constituem drogas promissoras para a erradicação do estado de portador adulto, tendo a facilidade da administração em dose única, por via oral (500 mg). Recentemente, consenso internacional concluiu que a quimioprofilaxia com ci- profloxacino em crianças pode ser usada, quando não estiver disponível terapêutica alternativa aceitável. Pneumococo O risco de caso secundário no domicílio é seme- lhante ao da população em geral, não havendo indicação da quimioprofilaxia para contactantes após um caso-ín- dice de meningite pneumocócica. Vacinação De maneira geral, não há indicação de vacinação em contatos íntimos de um paciente com meningite causa- da por pneumococo, meningococo ou Hib, pois para a formação de imunidade humoral protetora é necessário um tempo médio superior ao período de incubação do agente bacteriano. As vacinas cujos componentes antigênicos são po- lissacarídeos capsulares de bactérias induzem baixa imunogenicidade em crianças menores de dois anos de idade, por funcionarem como antígenos timo-indepen- dentes. As respostas imunológicas a esses antígenos ca- racterizam-se por apresentar concentrações quantitati- vamente menores de anticorpos, com diferente distribuição em suas classes e subclasses: em geral, há proporção mais elevada de IgM e, portanto, menor du- ração do efeito protetor obtido após a imunização. Como as células T não participam desta resposta imune, não é induzida a memória imunológica e, consequente- mente, não se observa formação de anticorpos (reforço) na subsequente exposição antigênica. As vacinas conjugadas foram desenvolvidas com o objetivo de se obter antígenos de maior peso molecu- lar, formando-se complexos indutores de resposta imunológica T-dependente. Baseiam-se na associação entre polissacarídio capsular bacteriano e hapteno de- ficientemente imunogênico, com substâncias proteicas que funcionam como carreadoras para favorecer a imunogenicidade do hapteno. Este complexo polissa- carídeo-proteína é capaz de induzir a produção de ní- veis mais elevados de anticorpos, sendo imunogênico já no lactente jovem, produzindo resposta anamnésti- ca (efeito booster). Para imunização contra Hib, as vacinas conjuga- das oferecem boa proteção quando iniciadas já nos primeiros meses de vida da criança. Isso é importan- te, pois o primeiro ano é a faixa etária mais acometi- da por infecções invasivas causadas pelo Hib: combi- nação de oligossacarídio capsular do Hib à variante CRM 197, não tóxica, da toxina diftérica (HBOc); as- sociação do polirribosilfosfato (polissacarídio capsu- lar) do HIB seja à proteína de membrana externa do meningococo B (PRP-OMP), seja ao toxoide tetânico (PRP-T). Recomenda-se seu uso de rotina no primei- ro ano de vida. As vacinas conjugadas contendo o to- xoide ou a proteína diftérica ou o toxoide tetânico não protegem o paciente contra difteria ou tétano, as- sim como aquela ligando a proteína meningocócica ao polissacarídeo do Hib não imuniza contra o me- ningococo B. Crianças com menos de dois anos de idade que tiveram meningite ou qualquer manifesta- ção da doença invasiva causada pelo Hib devem rece- ber a vacina conjugada, pois a doença pode não con- ferir imunidade nesta faixa etária. O Programa Nacional de Imunizações, no Brasil, adotou o emprego de três doses da vacina conjugada contra o Hib durante o primeiro ano de vida da criança, sendo combinada a tríplice bacteriana, mas há ampla comprovaçãoda efetividade deste imunógeno em dife- rentes esquemas empregados. Na Europa, não houve adoção de esquema uniforme de imunização com as va- cinas conjugadas para o Hib, variando a época de início e mesmo o número de doses. Houve a experiência euro- peia em crianças, com esquema de duas doses com as vacinas HBOC e PRP-T, em lactentes de dois a seis me- ses de idade, estendendo-se àquelas vacinas a conduta adotada nos Estados Unidos para o emprego da PRP- -OMP8. Hoje, diversas investigações apontam para a ne- cessidade do reforço da vacina conjugada contra o Hib em alguns países (Reino Unido)9. I N F E CÇÕ E S B AC T E R I A N A S D O S I S T E M A N E R V O S O C E N T R A L 1521 As vacinas antipneumocócicas classicamente dispo- níveis têm polissacarídeos capsulares puros como antí- genos, protegendo contra os 23 principais sorotipos cau- sadores de doença invasiva. Por induzirem resposta escassa em crianças menores de dois anos de idade, são recomendadas para crianças mais velhas, com risco au- mentado de adquirir infecção por esse agente, com du- ração limitada na proteção obtida. Com o sucesso da utilização da vacina conjugada contra o Hib, foram conduzidos estudos para a obtenção de vacina conjugada protetora contra as infecções pneu- mocócicas. Na prática clínica diária, houve introdução da vacina antipneumocócica conjugada (VCP) heptava- lente composta por polissacarídios de sete sorotipos de pneumococos (4, 6B, 9V, 14, 18C, 19F e 23C), indivi- dualmente conjugadas a uma variante natural atóxica da proteína diftérica (CRM197). Essa vacina oferece prote- ção contra a doença invasiva e também para quadros de otite média causada por esse agente. No Brasil, a circu- lação dos sorotipos 1 e 5 pressupõe menor cobertura va- cinal ao se comparar com a proteção obtida nos Estados Unidos. A OMS realiza uma série de consultas sobre os cri- térios sorológicos para avaliação e licença de novas for- mulações/combinações ou diferentes esquemas para as vacinas antipneumocócicas conjugadas. A ausência de definitivo correlato sorológico de proteção e a multipli- cidade de antígenos envolvidos, especialmente enquan- to não se estabelece definitivamente a eficácia clínica da maioria dos sorotipos individualmente contidos na úni- ca vacina licenciada, são empecilhos à formulação de critérios para o licenciamento de novas formulações ou combinação de vacinas. A avaliação sobre o impacto da VCP nos Estados Unidos, realizada por Pelton e Klein10, registra que mais de 23 milhões de doses da VCP-7 valente foram admi- nistradas naquele país após a recomendação da Acade- mia Americana de Pediatria. Foi observado declínio na doença pneumocócica invasiva causada por sorotipos nela presentes. Os autores expõem aspectos críticos re- lacionados à proteção a longo prazo desse imunógeno: será a vacina conjugada tão efetiva nos grupos de alto risco para a doença invasiva como em crianças sadias? Haverá substituição por sorotipos não contidos na vaci- na tanto em colonização nasofaríngea quanto como cau- sa de doença? Qual o número de doses e a concentração de anticorpos necessários para a proteção? Haverá redu- ção da resistência bacteriana com o emprego da VCP em menores de dois anos? Nessa excelente revisão, é enfati- zada a necessidade de permanente vigilância, com a rea- lização de investigações que esclareçam pontos ainda obscuros nessa mais recente abordagem profilática das infecções pneumocócicas. As vacinas antimeningocócicas contra os sorogrupos A e C são constituídas de polissacarídios purificados, sen- do válidos os princípios de indução de imunidade de cur- ta duração e pouca imunogenicidade em crianças de baixa idade. Seu emprego não está indicado de forma rotineira e sua utilização deve se restringir às indicações durante surto ou epidemia de doença meningocócica causada por esses sorogrupos. A vacina conjugada contra o meningococo B, de origem cubana, apresentou resultados bastante hetero- gêneos quando utilizada no Brasil. Resultados também divergentes obtidos em diversos países foram atribuídos a diferenças na metodologia de avaliação dos resultados, ao comportamento distinto do grupo populacional imu- nizado e ao meningococo B envolvido. Recentes avalia- ções indicaram que as cepas nos diferentes países, em- bora geneticamente relacionadas (membros do mesmo complexo de cepas como tipo eletroforético 5 de isoen- zimas), não compartilhavam algumas proteínas de membrana, incluindo da classe 1, a qual se acredita ser importante na indução de imunidade. Grupos de pesquisa estudam agora vacinas que pos- sam proteger contra maior variedade de organismos do sorogrupo B, incluindo preparações multivalentes (isto é, múltiplas PME classe 1) ou novas vacinas conjugadas. Com o aumento da incidência da doença menin- gocócica causada pelo sorogrupo C em diversas re- giões da Europa e da América do Norte, ficou eviden- te a necessidade de proteger crianças de grupo etário em que as vacinas polissacarídicas disponíveis são imunógenos deficientes. Desenvolveu-se vacina conju- gada contra meningococo C. Extrapolando-se as expe- riências obtidas com a imunização contra o Hib, além de avaliações iniciais feitas nos Estados Unidos e no Reino Unido, espera-se que o uso universal da vacina conjugada antimeningococo C em lactentes e crianças jovens possa ser efetivo no controle da doença invasi- va causada por esse agente, podendo ser particular- mente útil no controle de surtos. Sua indicação deve ser baseada na situação epidemiológia local. Vale res- saltar que o meningococo tem a capacidade de troca de seu material genético responsável pela produção da cápsula e, portanto, mudar do sorogrupo B para o C e vice-versa. Este é um mecanismo potencial de virulên- cia que pode se tornar importante quando o uso das vacinas indutoras de proteção para um sorogrupo es- pecífico é generalizado11. Outro aspecto que merece ser ressaltado é a possi- bilidade de a vacina conjugada antimeningococo C su- perar a hiporresponsividade induzida pelo uso prévio da vacina polissacarídica antimeningococo C e A, tan- to em adultos como em lactantes. Estudos como o de Richmond et al.12 indicaram que a administração da vacina polissacarídica antimeningococo C pode indu- zir estado de refratariedade ao polissacarídio desse agente, com redução na resposta sérica de anticorpos a uma segunda administração da vacina. Essas observa- ções, inicialmente realizadas em pequeno número de lactantes nos primeiros seis meses de vida, foram pos- teriormente demonstradas em crianças de um a três anos de idade e em adultos. O mecanismo de hiporres- ponsividade ao polissacarídio do meningococo C e A não é conhecido. T R ATA D O D E P E D I AT R I A Q S E Ç ÃO 16 I N F E C TO LO G I A1522 Também é desconhecida a duração dessa refratarie- dade, tendo sido de pelo menos um ano após duas doses da vacina polissacarídica antimeningococo C, segundo estudo canadense com crianças de um a três anos de idade, e observada por quatro anos em adultos após a administração de uma dose da vacina polissacarídica. Nos Estados Unidos, em 2005, foi liberado o uso da vacina conjugada tetravalente contra os meningococos A, C, Y e W135, a qual atualmente, encontra-se sob ava- liação13. Deve-se ponderar o uso das vacinas polissacarídeas contra o meningococo em grupos de baixo risco para a aquisição da infecção meningocócica, fora do período de surto da doença, pois o eventual benefício obtido com essa imunização poderia ser contraposto pela hiporres- ponsividade imunológica observada ao sorogrupo C. Ao se vacinar pessoas com baixo risco, pode-se reduzir a efe- tividade de eventual revacinação diante de uma situação de alto risco, como surto por meningococo C. Alguns au- tores questionam a potencial repercussão clínica de tal conduta, por não se ter resposta para uma preocupação teórica: terão essas pessoas capacidade de responder com anticorpos protetores a posterior exposição a organis- mos dosorogrupo C ou poderão estar com risco au- mentado de desenvolver doença meningocócica pelo sorogrupo C? Essa hiporresponsividade imunológica pode ser superada com a utilização da vacina conjugada para o meningococo C. Enquanto são aguardados novos estudos sobre as vacinas antimeningocócicas, deve-se, nas discussões com as famílias sobre a indicação da imunização roti- neira das crianças com a vacina conjugada contra o me- ningococo C, considerar o perfil epidemiológico da re- gião em que a pessoa se encontra. No Brasil, em diversos locais, em períodos endêmicos, observa-se o predomí- nio do isolamento do meningococo tipo B como agente das meningites na infância. Em outros lugares, como São Paulo, onde se observa distribuição semelhante dos casos atribuídos aos meningococos tipos B e C, a indi- cação dessa vacina na rotina torna-se mais clara. �Q Resumo Meningoencefalites No período neonatal, os principais agentes etiológi- cos responsáveis pelas meningites bacterianas são: E. coli, estreptococo do grupo B e Listeria monocytogenes, tendo importância secundária outras bactérias Gram- -negativas. No Brasil, a Listeria monocytogenes não pare- ce ter a importância verificada em alguns locais. Em crianças de dois a três meses a cinco a seis anos de ida- de, o Hib foi, durante anos, o agente etiológico mais fre- quentemente encontrado em culturas de liquor de pa- cientes com meningite bacteriana. Com introdução da vacina conjugada contra ele, em 1999, no Programa Na- cional de Imunizações, houve redução superior a 50% na incidência de infecções meníngeas por este agente. No Brasil, o meningococo persiste como o principal agente das meningites bacterianas, fora do período neo- natal, seguido do pneumococo. Quanto à apresentação clínica, não existe sinal clíni- co patognomônico da meningite bacteriana. Os sinais e os sintomas são variáveis, dependendo da idade do pa- ciente, da duração da enfermidade e da resposta da criança à infecção. Há duas maneiras de apresentação da infecção meníngea: insidiosa (de evolução progressiva) ou padrão agudo e fulminante, podendo ambas ocorrer em todas as etiologias. As manifestações clínicas no pe- ríodo neonatal são inespecíficas. Lactentes entre quatro e sete meses de idade podem apresentar os sinais me- níngeos, geralmente presentes após essa idade. No diagnóstico laboratorial, enfatiza-se o exame do liquor. O resultado da bacterioscopia é apenas indicati- vo da etiologia, não autorizando mudanças do esquema antibiótico, o que só deverá ser feito após a identificação da bactéria por cultura ou técnicas que identifiquem an- tígenos capsulares. Além das alterações clássicas da citobioquímica li- quórica, a pesquisa de antígenos bacterianos no liquor pode ser de valor como auxílio na definição etiológica da infecção meníngea bacteriana (contraimunoeletrofo- rese e aglutinação em látex), especialmente em pacientes que fizeram uso prévio de antibióticos. O tratamento suportivo inclui medidas gerais e con- trole da hidratação. O envolvimento da resposta infla- matória do hospedeiro, causando grave dano ao SNC, justificou a indicação da corticoterapia, que, entretanto, permanece assunto controverso. No tratamento específico, enfatiza-se permanece- rem os antibióticos como única terapêutica definitiva. Até a definição da bactéria causadora da infecção me- níngea, tratamento clássico no período neonatal inclui a associação de ampicilina e aminoglicosídeo; em crian- ças de dois a três meses até cinco a seis anos, ampicilina e cloranfenicol e, nos maiores desta idade, ampicilina. Para todas as faixas etárias, dependendo do padrão local de sensibilidade, a terapêutica empírica inicial pode constar do uso de uma cefalosporina de terceira geração. Após a identificação etiológica, deve-se adequar a tera- pêutica antimicrobiana ao agente isolado. �Q Referências Bibliográficas 1. Brasil. Fundação Nacional de Saúde. Ministério da Saúde. Dis- ponível em: www.funasa.gov.br. Acessado em: 5/9/2005. 2. Freire LMS. Citoquímica, desidrogenase e proteína C reativa liquóri- ca: valor do diagnóstico diferencial das meningites bacterianas e pre- sumivelmente virais na faixa etária pediátrica. Dissertação (Doutora- do). Belo Horizonte, Universidade Federal de Minas Gerais, 1994. 3. Tarafdar K et al. 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