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1 MÓDULO I: FEBRE, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO ANA LUIZA A. PAIVA - TXXV OBJETIVOS 1. Analisar a Artrite Reumatoide considerando conceito, fatores de risco, epidemiologia, etiologia, fisiopatologia, quadro clínico, diagnóstico, tratamento, prognóstico e evolução. 2. Discutir sobre as provas inflamatórias e interpreta-las. 3. Discutir sobre os mecanismos de ação das medicações e os efeitos adversos a longo prazo. 4. Discutir os impactos psicossociais acusados pela doença. REFERÊNCIAS • Artigo: O uso de provas de atividade inflamatória em reumatologia (Nilton Salles Rosa Neto, Jozélio Freire de Carvalho) • Jameson, JL. Medicina Interna de Harrison - 2 Volumes, 2019. • Clínica Médica da USP; volume 5: Doenças Endócrinas e Metabólicas, Doenças Osteometabólicas; Doenças Reumatológicas, 2016. • Ministério da Saúde. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Artrite Reumatoide,2020 • Artrite reumatóide: um estudo sobre a importância na artrite reumatóide da depressão e do ajustamento psicossocial à doença (Margarida Figueiredo, Vera Soares, Rui Mota Cardoso, Maria João Alves, Sandra Dias) 2004 DEFINIÇÃO A artrite reumatoide (AR) é uma doença crônica, com fenômenos inflamatórios persistentes (duração maior do que seis semanas), na qual o alvo primário são as articulações (padrão simétrico, aditivo e periférico), sendo uma doença debilitante e com acentuado caráter sistêmico, pois sinais e sintomas gerais como febre, mal-estar, emagrecimento, adinamia, além do comprometimento de outros órgãos ou sistemas, podem estar presentes. EPIDEMIOLOGIA A Artrite Reumatoide acomete cerca de 1% da população mundial. Qualquer pessoa, desde crianças até idosos, pode desenvolver a doença. No entanto, a AR é mais frequente em mulheres na proporção de 3:1 e na faixa etária de 30 a 50 anos, com pico de incidência na quinta década de vida. Portanto, acomete uma população ainda em fase produtiva, comprometendo a qualidade de vida do paciente e acarretando importantes consequências socioeconômicas (gastos com medicações, perda de produtividade pessoal e pagamento de aposentadoria por invalidez). Estudos no Brasil e da América Latina demonstraram uma frequência de 1 homem para cada 6 a 7 mulheres. Aproximadamente 50% dos indivíduos com AR ficam impossibilitados de trabalhar em 10 anos a partir do início da doença, o que representa significativo impacto econômico e social. FATORES DE RISCO Embora sua etiologia permaneça desconhecida, o envolvimento do sistema imunológico, de processos autoimunes, está bem definido, caracterizado pela presença de auto-anticorpos como o fator reumatóide, que é um auto- anticorpo padrão, um anticorpo dirigido contra um outro anticorpo, ou seja, uma imunoglobulina, geralmente IgM dirigida contra a porção constante de uma IgG. Componente hormonal: é indicada pela maior incidência da doença em mulheres (proporção de pelo menos três mulheres para cada homem com artrite reumatóide), no período da pré- menopausa ou pós-parto, e melhora dos sintomas MANHÃ DOLOROSA Problema 07: 2 MÓDULO I: FEBRE, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO ANA LUIZA A. PAIVA - TXXV durante a gestação. Considera-se como fator protetor o uso de pílulas anticoncepcionais, sugerindo-se que as oscilações hormonais das mulheres têm implicação na doença. Fatores ambientais: estudos já estabeleceram a relação entre o uso de tabaco e a maior suscetibilidade ao desenvolvimento da AR. Em pacientes portadores do HLA-SE, o cigarro acelera as reações de citrulinização em proteínas pulmonares, o que dispara a produção de autoanticorpos. O cigarro também afeta o curso da AR, elevando o aparecimento de nódulos reumatoides, bem como pode alterar o limiar da dor percebida pelo paciente O tabagismo confere risco relativo de 1,5 a 3,5 de desenvolvimento da AR. Mulheres que fumam apresentam um risco de AR 2,5 vezes mair Fatores como o estresse e a dieta também já foram estudados e parecem contribuir mais para a gravidade da doença. Agentes Infecciosos: algumas infecções, particularmente aquelas causadas por EBV (Epstein-Barr), parvovírus B-19 e três bactérias: M. tuberculosis, Escherichia coli e Proteus mirabilis, estão envolvidos no desenvolvimento da AR como agentes desencadeadores da doença. É importante ressaltar que nenhum destes ou de outros agentes foi considerado agente causal. Alguns estudos clínicos e epidemiológicos evidenciam prevalência elevada de periodontite e perda dentária em pacientes com AR. Sugere- se ainda a periodontite como um possível fator desencadeador e mantenedor da resposta inflamatória autoimune na AR. Componente genético: a taxa de concordância da doença em gêmeos idênticos é estimada em 12 a 30%, e há aumento da incidência da AR em parentes de primeiro grau dos doentes (especialmente se estes forem fator reumatóide positivo). O antígeno do CMH de classe II, HLA-DR4 foi identificado em 60 a 70% dos pacientes caucasianos afetados, considerando-se a artrite reumatóide como uma doença poligênica, não se observando uma herança tipicamente mendeliana FISIOPATOLOGIA O desequilíbrio entre as citocinas pró- - inflamatórias e as anti-inflamatórias desempenham um papel importante na doença: interleucinas e fatores de crescimento promovem a diferenciação de células Th17, suprimindo a diferenciação de células T reguladoras. Isso promove um status pró-inflamatório que contribui para a manutenção da autoimunidade e destruição articular. O alvo-primário da doença é a membrana sinovial, formada por tecido conjuntivo frouxo + camadas de células internas. Esse ataque às células sinoviais as torna mais espessas por proliferação celular de sinoviócitos e pela invasão de células do sistema linfo- hematopoiético. Há ainda hiperplasia e proliferação vascular, neoangiogênese e infiltrado inflamatório intenso. Ainda na região da membrana sinovial, forma-se um tecido granulomatoso com células gigantes, fibroblastos e macrófagos denominado pannus. Esse tecido pode invadir e induzir degradação do tecido conjuntivo, perda de condrócitos e erosões ósseas, por meio da estimualação da sobrevida de osteoclastos sobre a matriz óssea Há abundância de células TCD4+ nos folículos linfoides sinoviais, enquanto TCD8+ são mais numerosos nos neovasos. Há ainda menos células B nas camadas sinoviais profundas. Essas células, em sua maioria, estão ativadas expressando o MHC II e receptores de TNF-alfa, bem como secretando citocinas pró-inflamatórias. Estas, especialmente o TNF-alfa (que, aliás, inibe as células T regulatórias) e as IL- -1-beta e IL-6, são as principais responsáveis pela inflamação crônica. O líquido sinovial tem aumento de volume e celularidade, com abundância de polimorfonucleares – raramente encontradas no tecido sinovial normal, bem como células T, macrófagos, células dendríticas e células B. Células do sistema imune inato também exercem papel na inflamação. Macrófagos, mastócitos e células NK são encontradas na membrana sinovial; enquanto neutrófilos são encontrados principalmente no fluido sinovial. RECRUTAMENTO CELULAR 3 MÓDULO I: FEBRE, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO ANA LUIZA A. PAIVA - TXXV A grande quantidade de células que invade a membrana sinovial na AR é originária do sistema linfo-hematopoiético, o que implica a existência de um processo aumentado de recrutamento celular e retenção local dessas células. A membrana sinovial sofre intensa neovascularização por meio da ação de citocinas angiogênicas, como o fator de crescimento endotelial vascular (VEGF), facilitando assim o aporte celular. Além disso, aumenta a expressão de moléculas de adesão nos linfócitos, polimorfonucleares, monócitos e nas células endoteliais, o que facilita a adesão e amigração celular local. RESPOSTA IMUNE LOCAL Há dois tipos de linfócitos envolvidos na patogênese da AR: o linfócito T e o linfócito B. A maior parte é do subtipo Th1. Ou seja, são dependentes do estímulo das citocinas IL-12 e IFN- gama e causarão uma resposta mediada por células, e não por anticorpos. Entretanto, no microambiente articular, as principais citocinas – IL-1 (interleucina 1) e TNF-alfa (fator de necrose tumoral) envolvidas no processo de destruição/lesão da articulação e perpetuação da inflamação não são produzidas pelos linfócitos, mas por macrófagos ativados. Na membrana sinovial da AR, os linfócitos T CD4+ (helper) estão normalmente ativados, isto é, chegam à sinóvia já expressando grande quantidade de antígenos de superfície do CMH II (HLA-DR) e outros marcadores de superfície, indicadores de que, em sua maioria, são células de memória, e que portanto já foram expostas a antígenos que deflagraram sua ativação, provavelmente em outros sítios distantes da articulação. Estes linfócitos desempenhariam um papel fundamental no desencadear da doença e na migração articular das células, porém teriam papel patogênico secundário como efetores de lesão Os linfócitos B são responsáveis pela produção do fator reumatóide, um auto-anticorpo que pode formar imunocomplexos, ativar complemento, atraindo polimorfonucleares para a articulação. PAPEL DAS CITOCINAS Normalmente, são de expressão temporária em um microambiente, mas na AR têm expressão prolongada e contínua. O TNF-alfa e a IL-1 estão presentes na sinóvia e no líquido sinovial. IL-1: destruição articular. Obs: Na membrana sinovial, a síntese de IL1 é quase totalmente dependente do TNF-alfa, configurando um processo de retroalimentação positiva. Estas duas citocinas induzem um fenótipo pró- inflamatório nas outras células da membrana sinovial, estimulam a ativação dos linfócitos B e T, quimiotaxia, angiogênese e produção de metaloproteinases. QUADRO CLÍNICO Com freqüência, o quadro articular característico da artrite reumatóide é precedido de manifestações gerais como fadiga, mialgia e febre. MANIFESTAÇÕES ARTICULARES O quadro clínico, desde o seu início caracterizado por dor e edema das articulações, é frequentemente poli articular, envolvendo, em 4 MÓDULO I: FEBRE, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO ANA LUIZA A. PAIVA - TXXV especial, as pequenas articulações de mãos e pés (70% dos casos). Na maioria dos pacientes, o acometimento articular é simétrico e aditivo. A rigidez articular (enrijecimento ou sensação de inchaço) é observada principalmente pela manhã, após o período de inatividade noturna (rigidez matinal) e melhora com a movimentação. A presença da rigidez matinal prolongada (maior ou igual a uma hora) também é um dos critérios de classificação da artrite reumatóide. As articulações mais acometidas nos membros superiores são as do punho, metacarpofalangianas e interfalangianas proximais. Ao conjunto de punho alargado pela sinovite, atrofia dos músculos interósseos das mãos e aumento de volume das metacarpofalangianas e/ou interfalangianas proximais, com um aspecto característico, chamamos de mão reumatóide. Deformidades típicas, são observadas na evolução da doença como desvio ulnar dos dedos, dedo em “pescoço de cisne” (hiperextensão da articulação interfalangiana proximal e flexão da interfalangiana distal) e boutonniere (flexão da interfalangiana proximal e hiperextensão da interfalangiana distal). Compressões neurológicas periféricas também podem ocorrer. São decorrentes, por exemplo, do processo inflamatório nos punhos e tendões, particularmente nos tendões flexores, podendo causar compressão do nervo mediano com desenvolvimento da síndrome do túnel do carpo Em relação ao cotovelo, artrite é freqüente, verificando-se quadro doloroso pouco expressivo e significativa limitação funcional. Os membros inferiores, joelhos e pés também são freqüentemente acometidos, inclusive nas fases iniciais da doença. Observa-se artrite nos tornozelos, metatarso- falangianas e interfalangianas dos artelhos, evoluindo com deformidades como desabamento do arco transverso e longitudinal dos pés, desvio e desalinhamento dos artelhos com valgo do primeiro artelho, sobreposição de interfalangianas e dedos em martelo (hiperflexão da articulação distal do artelho). Quanto ao envolvimento do joelho, caracteriza-se pela formação de grandes derrames e de cistos sinoviais – particularmente o chamado cisto de Baker, que pode se estender para a fossa poplítea, panturrilha e face posterior da coxa. A artrite reumatóide também acomete o esqueleto axial. Quadros de compressão medular e mesmo morte súbita são observados como conseqüência principalmente da subluxação atlanto-axial. O envolvimento da coluna lombar e sacroilíaca é raro. A articulação temporomandibular é comprometida em mais de 50% dos pacientes, tornando difícil a mastigação, e pode ser causa de dor referida no ouvido médio e garganta. Artrite da articulação cricoaritenóidea pode levar à rouquidão e mesmo à obstrução grave das vias áreas superiores. A artrite esternoclavicular ocorre em 30% dos pacientes, com radiografia normal, e só a tomografia irá mostrar anormalidades. MANIFESTAÇÕES EXTRA-ARTICULARES Podem ocorrer em até 20% dos pacientes. Pele: nódulos subcutâneos (20% dos pacientes), quase exclusivamente naqueles com FR positivo. Apresentam consistência firme à palpação e são geralmente indolores. Acredita-se que se devam a vasculite de pequenos vasos. Coração: apesar do envolvimento cardíaco ser pouco comum, pacientes com AR possuem risco cardiovascular aumentado – o que se acredita ser devido a inflamação crônica. (derrames pericárdicos, pericardite, doença valvar e nódulos nos anéis valvares) Pulmão: derrames pleurais, nódulos reumatoides e doença parenquimatosa pulmonar. Os nódulos em geral são sólidos mas podem se calcificar, gerando infecções ou cavitações. Olhos: a manifestação mais comum é a ceratoconjutivite seca (olho seco), devido a síndrome de Sjögren secundária. Episclerite, escleromalacia perforans e ceratopatia ulcerativa periférica são outras manifestações oftalmológicas da AR 5 MÓDULO I: FEBRE, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO ANA LUIZA A. PAIVA - TXXV Neurológico: as síndromes compressivas dos nervos periféricos, como a síndrome do túnel do carpo ou do tarso são comuns. Vasculites podem causar neuropatia em bota ou em luva, ou mononeurite lúpica. Baço e fígado: síndrome de Felty: esplenomegalia, febre, neutropenia e úlcera de membros inferiores podem ocorrer durante a evolução da artrite reumatóide. DIAGNÓSTICO O diagnóstico da artrite reumatóide é clínico. Exames laboratoriais e radiografias complementam uma história clínica bem feita e o exame físico articular. Existem atualmente dois sistemas de classificação da AR. Os critérios do ACR de 1987 podem orientar o diagnóstico de AR na prática médica. Ele é composto por sete critérios. Os 5 primeiros critérios são clínicos, sendo os 2 últimos laboratoriais ou radiológicos. Critérios do ACR de 1987 Rigidez matinal Artrite de três ou mais áreas articulares Artrite de mãos Artrites simétricas Nódulos reumatoides; Fator reumatoide positivo Alterações radiográficas A presença de 4 ou mais critérios por um período maior ou igual a 6 semanas é sugestivo de AR – já que várias síndromes virais podem cursar com poliartrite. Obs: Em pacientes com menos de 1 ano de evolução, estes critérios apresentam baixa sensibilidade, dificultando o diagnóstico precoce da doença. Os critérios do ACR/EULAR de 2010 se baseiam em um sistema de pontuação a partir um escore de soma direta. As manifestações são divididas em quatro grupos: 1) acometimentoarticular; 2) sorologia; 3) provas de atividade inflamatória 4) duração dos sintomas. Uma pontuação maior ou igual a 6 classifica um paciente como tendo AR. Essa classificação aumenta a sensibilidade do diagnóstico e permite identificar os casos mais precocemente. Pacientes com doença erosiva típica de AR e história compatível com preenchimento prévio dos critérios de 2010 devem ser classificados como tendo AR. Obs: Cabe ressaltar que os novos critérios de 2010 não são diagnósticos, mas, sim, classificatórios. EXAMES COMPEMENTARES SOROLOGIA Fator reumatoide (FR): possui elevada sensibilidade na AR uma vez que está presente em 70% a 80% dos acometidos. No entanto, o FR é pouco específico, estando presente em outras patologias. Anticorpo antipeptídeo citrulinado (ACPA) é de grande valor, já que apesar de ter sensibilidade menor (75%), possui elevada especificidade para artrite reumatoide (93% a 98%). São detectados atualmente por ELISA, com a utilização de peptídeos sintéticos cíclicos como antígenos (anti-CCP). Quando o anti-CCP é positivo, contribui para estabelecer o diagnóstico de AR, mas se negativo, não afasta a doença Obs: Além do valor diagnóstico, esses anticorpos têm valores prognósticos: sua presença está associada a doença mais grave, particularmente o ACPA, que indica doença erosiva grave. EXAMES DE IMAGEM: Radiografias simples: têm baixo custo e são acessíveis, porém, existem desvantagens quanto a radiação ionizante e a falta de sensibilidade para identificar inflamação de partes moles e alterações ósseas iniciais da AR. 6 MÓDULO I: FEBRE, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO ANA LUIZA A. PAIVA - TXXV As principais alterações radiográficas na AR incluem aumento das partes moles periarticulares, osteopenia periarticular, redução dos espaços articulares, erosões marginais, subluxações e anquilose óssea, com distribuição simétrica. Inicialmente, faz a radiografia inicial e repete-se 6 meses depois, para avaliar evolução e possível necessidade de tratamento mais grave. A partir daí, recomendam-se exames anuais. Ressonância magnética: é mais sensível para detectar alterações inflamatórias e destruição articular nas fases iniciais da AR. Ela contribui para a avaliação de todas as estruturas acometidas na AR (membrana e líquido sinovial, cartilagem, osso, ligamentos, tendões e suas bainhas). No entanto, seu custo é alto, envolve grande quantidade de tempo e, algumas vezes, não é tolerada pelos pacientes. PROVAS INFLAMATÓRIAS São exames utilizados para monitorar a reação inflamatória (ou seja, a resposta do organismo frente à lesão tecidual). A reação inflamatória é definida pela mudança da concentração sérica de determinadas proteínas após qualquer estímulo que ocasione injúria (infecções, isquemia, neoplasia, doenças reumáticas, entre outros). Portanto, as provas inflamatórias são indicadores inespecíficos de inflamação. Porém caso seus valores estejam baixos, a hipótese de uma doença reumatológica é praticamente excluída. Esses exames também têm grande valia para a monitorização da atividade da doença e de sua resposta terapêutica. As principais provas inflamatórias seriam a proteína C reativa (PCR) e a velocidade de hemossedimentação (VHS), que são reagentes de fase aguda que acompanham a atividade da doença, e sua elevação persistente indica pior prognóstico – em dano articular e em mortalidade. A PCR é produzida no fígado sob o estímulo de citocinas, e sua principal função é favorecer a eliminação de patógenos e células lesadas por meio da ativação da via clássica do sistema complemento e de fagócitos. Em paralelo, a VHS é uma medida indireta de concentração de proteínas de fase aguda, em especial a do fibrinogênio (proteína abundante no plasma que desempenha papel fundamental na hemostasia), que nas reações inflamatórias, tem provável papel no reparo tecidual e na cicatrização. Enquanto as concentrações da PCR aumentam e diminuem rapidamente, os valores da VHS alteram lentamente e permanecem elevados mesmo após a resolução da causa da lesão. A PCR é detectada a partir de quatro horas do insulto e têm pico de 24 a 72 horas, podendo chegar a mil vezes o valor normal. O fibrinogênio tem pico em 7 a 10 dias e eleva-se duas a três vezes o normal. É importante ressaltar que os níveis da VHS são fisiologicamente mais altos em mulheres e também aumentam com o avançar da idade e durante a gravidez. Já os níveis da PCR são mais altos em pacientes obesos, tabagistas e mais baixos em pacientes que recebem tratamento imunossupressor (mesmo na vigência de uma infecção). DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL A poliartrite é um sintoma inespecífico que pode acompanhar diversas patologias 7 MÓDULO I: FEBRE, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO ANA LUIZA A. PAIVA - TXXV ASTEOARTROSE -Ocorre mais frequentemente em idosos -Acomete as interfalangianas distais -Rigidez matinal menor que 60 minutos. -FR pode ser positivo, mas as provas inflamatórias são normais. ARTRITE PSORIÁSICA -Assimetria nas artrites -Acometimento das interfalangianas distais mais frequentes -Envolvimento das unhas (alteração ulgueal) -Ausência de FR -Mais erosões precocemente ARTROPATIA DE JACCOUD -Comum no LPS -Disfunção ligamentar (dedo em martelo e dedo em botoeira) -Reversíveis (redutível ao exame) -Não é erosiva TRATAMENTO O tratamento medicamentoso de AR inclui o uso de anti-inflamatórios não esteroidais (AINE), glicocorticoides, imunossupressores e medicamentos modificadores do curso da doença (MMCD) – sintéticos e biológicos. GLICOCORTICOIDES OU ANTI-INFLAMATÓRIOS NÃO ESTEROIDAIS (AINE) Em pacientes com AR de início recente de moderada ou alta atividade, podem ser empregados AINE e glicocorticoide em baixas doses (≤ 10 mg/dia) por curtos períodos (< 3 meses) para controle sintomático, funcionando como “ponte” para o início do efeito do(s) MMCDs durante o tratamento - Os AINE recomendados são o ibuprofeno e naproxeno (meia-vida mais longa) -Efeitos adversos: sintomas do trato gastrointestinal, incluindo náusea, gastrite e dispepsia, podendo-se também observar hemorragia digestiva com seu uso prolongado -Os glicorticoide recomendados são a prednisona ou prednisolona (preferível em caso de pacientes com disfunção hepática, uma vez que não é metabolizada no fígado). -A osteoporose é uma importante complicação do uso crônico de predinisona. - Efeitos adversos: aumento do apetite, úlcera gástrica, cansaço, insônia, catarata, olhos inchados, aumento da ocorrência de infecção dos olhos por fungos e vírus. Pode surgir também diabetes e aumento dos valores de colesterol. IMUNOSSUPRESSORES são usados no tratamento de manutenção da artrite reumatoide, já que, reduzem a resposta celular e possui propriedades anti-inflamatórias (interferência sobre a migração e a ação de neutrófilos, linfócitos e monócitos). Esses medicamentos são efetivos na modificação do curso natural da doença, mas estão associados a significante incidência de eventos adversos, em especial devido à imunossupressão. MEDICAMENTOS MODIFICADORES DO CURSO DA DOENÇA SINTÉTICOS E BIOLÓGICOS PRIMEIRA ETAPA - Medicamentos modificadores do curso da doença sintéticos. 1ª LINHA -O metotrexato (MTX) em monoterapia deve ser a primeira escolha terapêutica -Estimula a liberação de adenosina nas células, produzindo efeito anti-inflamatório Obs: O MTX está associado a alta taxa de toxicidade hepática , gastrointestinal e renal. Para diminuir o risco de toxicidade, deve-se fazer uso de ácido fólico (5 mg) / 1x por semana, 36h após o tratamento com MTX. 8 MÓDULO I: FEBRE, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO ANA LUIZA A. PAIVA - TXXV - Na impossibilidade de uso do MTX por toxicidade, deve-se usar, preferencialmenteem monoterapia, a leflunomida (LEF) - inibe a enzima diidroorotato desidrogenase, envolvida na síntese da pirimidina- ou sulfassalazina (SSZ) -inibição da produção de prostaglandinas, de diversas funções neutrofílicas e linfocitárias e da quimiotaxia. A terapia isolada com hidroxicloroquina (HCQ)/cloroquina é pouco efetiva. Obs: Em gestantes não é recomendado o uso de metotrexato e leflunomida devido a teratogenicidade 2ª LINHA Em caso de persistência da atividade da doença após 3 meses com a monoterapia inicial (MTX, LEF, SSZ, HCQ/cloroquina), passa-se para a terapia com a combinação dupla ou tripla de MMCDs. -MTX ou LEF com HCQ/cloroquina -MTX ou LEF com SSZ. -HCQ/cloroquina e sulfassalazina. SEGUNDA ETAPA - Medicamentos modificadores do curso da doença biológicos (MMCDbio) e sintéticos alvos específicos (MMCDsae) -Após o uso de pelo menos dois esquemas terapêuticos na primeira etapa por no mínimo 3 meses cada um e havendo persistência da atividade da doença, utiliza-se um MMCDbio, ou um MMCDsae -O MMCDbio deve ser usado em associação com o MTX, -Os MMCDbio que podem ser usados são os antifatores de necrose tumoral - anti-TNF (certolizumabepegol, golimumabe, infliximabe, etanercepte e adalimumabe) e os não anti-TNF (abatacepte e tocilizumabe) TERCEIRA ETAPA- Medicamentos modificadores do curso da doença biológicos (MMCDbio) e sintéticos alvos específico ((MMCDsae) -Após pelo menos 3 meses da segunda etapa terapêutica, e havendo persistência da atividade da doença, pode-se prescrever outro MMCDbio (anti-TNF ou não anti-TNF) ou MMCDsae (baricitinibe ou tofacitinibe), desde que o medicamento selecionado não tenha sido usado anteriormente. -Se possível, o medicamento selecionado deve ser associado a um MMCDs (preferencialmente o MTX). TERAPIA FÍSICA E REABILITAÇÃO Durante as fases de atividade da doença, o repouso contribui para a redução do processo inflamatório. Porém, todos os pacientes com AR devem ter prescrição para exercícios físicos. Atividades aeróbicas como bicicleta, caminhada, corrida, hidroginástica e natação podem auxiliar na prevenção da limitação relacionada à AR. Órteses tem como finalidade suportar, alinhar, posicionar, imobilizar, prevenir ou corrigir deformidades, auxiliar na força muscular ou melhorar a função articular. A órtese reduz a dor e a inflamação locais pelo alívio da tensão e da carga sobre determinada articulação. As talas funcionais de punho devem ser usadas intermitentemente durante as atividades para restrição de movimento, objetivando proteção articular. TRATAMENTO CIRÚRGICO Sinovectomia: É um procedimento que resseca toda ou parcialmente a parte articular da membrana que recobre a articulação do joelho. Liberação de neuropatias compressivas (p. ex., túnel do carpo), Artroplastia total: substituição total da articulação por implantes metálicos ou sintéticos EVOLUÇÃO E PROGNÓSTICO Em termos de evolução, entre 15 e 25% dos pacientes com diagnóstico recente requerem artroplastia por destruição articular em um prazo de 5 anos. Após 10 anos de doença, mais de 50% dos pacientes sofrem incapacidade significativa 9 MÓDULO I: FEBRE, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO ANA LUIZA A. PAIVA - TXXV Em decorridos 15 anos apenas 40% são considerados aptos para o trabalho. Fatores de risco determinantes de pior prognóstico ■ Fator reumatóide: é o mais consistente preditor de mau prognóstico. A positividade do fator reumatóide tem sido associada tanto ao aparecimento de erosões ósseas no primeiro ano de doença quanto a uma piora funcional maior, comparando-se aos pacientes com fator reumatóide negativo. ■ Proteína C-reativa: a PCR é geralmente aceita como a melhor prova de fase aguda para indicar inflamação na AR. Valores persistentemente altos estão associados com uma taxa maior de progressão radiológica, desenvolvimento de osteoporose e piora funcional. . ■ Anti-CCP: dano articular e perda funcional FATORES PSICOSSOCIAIS A AR tem um efeito que pode ser devastador na vida diária, quer pelo impacto direto nas atividades quotidianas, profissionais, familiares e sociais, quer pelo impacto psicológico gerado pela incapacidade, frustração e depressão A limitação funcional que acarreta, com dificuldade na utilização das várias articulações envolvidas, a dor inflamatória que de tão intensa impede o repouso, ou mesmo se agrava durante a noite, podem tornar muito difícil o dia a dia dos doentes. As atividades diárias ficam comprometidas pela incapacidade de utilização das mãos e pelas dificuldades da marcha, repercutindo-se na qualidade de vida do doente e na diminuição da esperança de vida Como é uma doença que acomete principalmente pessoas em fase produtiva, entre 30 e 50 anos, Portanto, acomete uma população ainda em fase produtiva, acarreta importantes consequências socioeconômicas (gastos com medicações, perda de produtividade pessoal e pagamento de aposentadoria por invalidez). Doentes com artrite reumatoide, atingidos durante a sua vida ativa, são obrigados a afastar- se frequentemente do seu trabalho. Aproximadamente 50% dos indivíduos com AR ficam impossibilitados de trabalhar em 10 anos a partir do início da doença, o que representa significativo impacto econômico e social
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