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Agonia ou Robustez reflexões acerca da historiografia econômica brasileira - Motta J.F..docx

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Agonia ou Robustez? Reflexões acerca da historiografia econômica brasileira. 
José Flávio Motta.
Introdução.
	Em 1997, em um artigo sobre história econômica, João Fragoso e Manolo Florentino inseriram a frase de fato contundente de que “a história econômica agoniza”. A partir desta idéia, buscavam demonstrar os problemas por que passava a historiografia brasileira sobretudo após a contestação mais ampla do paradigma pradiano. 
	 O objetivo fundamental de Motta é demonstrar que o que se deu, na verdade, foi um fortalecimento da produção histórica acerca da economia brasileira, ainda que fundamentalmente diversa, tanto em método quanto em resultados, da historiografia mais antiga. Para levar adiante seu ponto, procede inicialmente à uma análise do paradigma pradiano e dos ataques à esse, para, na seqüência, evidenciar a robustez da produção historiográfica por meio da demonstração dos avanços nas pesquisas no campo do escravismo. 
Considerações sobre o paradigma pradiano.
	Caio Prado Jr. pode ser considerado o “[...] primeiro grande exemplo de interpretação do passado em função das realidades básicas da produção, da distribuição e do consumo”. Sua obra pode ser vista como um grande “salto qualitativo” na produção historiográfica brasileira, pois foi a partir do estabelecimento de seu conceito sobre “sentido da colonização” que se pôde amalgamar os diversos episódios coloniais descritos geralmente em separado, ou seja, os ciclos econômicos bem descritos por Simonsen, mas que certamente careciam de uma inter-relação (“[...] tal concepção [a de Simonsen e dos ciclos econômicos] só tem favorecido uma visão estanque da história, como numa projeção de diapositivos: sai o pau-brasil, então o açúcar e assim por diante” [Linhares & Silva).
	Formulações de grande peso que se seguiram, como a de Celso Furtado e, de forma muito mais evidente, Novais, tiveram em Prado um substrato essencial. 
	Na década de 1970, no entanto, o paradigma pradiano começaria a enfrentar as primeiras oposições. 
	O texto de Francisco Iglésias salientava a grande importância da produção de Caio Prado, mas afirmava faltarem ali dados, constatações de caráter empírico. Isto fez com que uma linha de pesquisa surgisse e fosse amplamente explorada: a chamada “cultura de monografia” passou a empenhar-se justamente na pesquisa daquilo que estava ausente, “em suma, contribuindo para o paradigma, corroborando-o, ampliando seus tentáculos”. Nas palavras de Kuhn, isto significava fazer “ciência normal”, ou seja, passa-se a examinar um fenômeno de perto, muitas vezes na tentativa de “encaixar a natureza” aos limites ditados pelo paradigma; assim, a ciência normal busca articular os fenômenos e fatos já fornecidos pelo paradigma, ao invés de buscar a criação de outras teorias. 
	Tal “cultura de monografia” geraria um grande desconforto na historiografia. Em primeiro lugar, deixava-se de ter uma abordagem global da situação para focar-se em situações cada vez mais especificas; Cabral de Mello mencionaria que um “[...] uma das carências do Brasil era justamente a de pessoas que consigam restaurar essa visão global do país [à Prado, Furtado etc.”. Por outro lado, esta metodologia diferenciada, focada na micro-história, possuía seus caracteres de importância: o paradigma, em sua visão geral, aparece muitas vezes como uma perspectiva apenas lógica, muitas vezes afastada das realidades que determinaram sua concepção, enquanto que a visão micro-histórica, muitas vezes ao estudar a “árvore” no lugar da “floresta”, percebe que a última constitui-se da multiplicidade (e variedade) das primeiras, que observadas ao longe podem ter características muito diferentes do que as que apresentam quando próximas.
	Paralelamente, desenvolveram-se as críticas de Cardoso, Gorender e Castro, que apesar de dissonantes entre si sob muitos aspectos, envolviam um denominador comum: a alteração do foco de Caio Prado. Enquanto este observava as questões coloniais sob a luz fornecida pelo exterior, isto é, pela metrópole, aqueles não negavam a importância do setor externo, mas afirmavam a necessidade de estudar-se a colônia a partir de seu interior; nas palavras de Gorender: “as relações de produção da economia colonial precisam ser estudadas de dentro para fora, ao contrário do que se tem feito, isto é, de fora para dentro”. 
	Para estes autores, as atividades econômicas do capital mercantil resultaram na conquista e colonização das terras americanas. Mas, sendo ali estabelecidas sociedades, estas possuíam uma lógica, uma organização própria que não se limitava exclusivamente ao seu papel internacional, mesmo porque tais colônias possuíam restrições de produção próprias independentes do comércio internacional. 
Para além do paradigma pradiano: a agonia cede espaço à robustez. 
	A preocupação com o “pequeno” fez com que o historiador aproximasse-se cada vez mais de seu objeto de estudo, aumentando sua compreensão sobre ele. Apesar de isto ter gerado profundas críticas, como a que deu mote ao artigo (de que a historiografia econômica agonizava) e de muito ter-se de fato perdido com o “deixar de lado” das visões mais gerais, paradigmáticas, muito também se ganhou e o autor busca demonstrar este ponto por meio de alguns exemplos a partir de sua própria produção historiográfica, que se refere ao estudo da escravidão no Brasil.
	Estudos monográficos sobre o comportamento do negro frente à escravidão, sobre a constituição de relações familiares entre os cativos e sobre o regime de posse de negros (grande senhor escravagista, pequeno proprietário de negros etc.) fez com que se observassem realidades sob muitos aspectos diversas daquelas visões oferecidas quando se toma a perspectiva do paradigma. 
	Assim, a produção da historiografia econômica atual “decerto não é também uma história econômica ‘nos velhos moldes’, mas é uma história também econômica que se constrói com tanta riqueza como a realidade pretérita que lhe serve de objeto”. 
	Ressalte-se que, a partir destas diversas visões fragmentadas é possível traçar perspectivas mais gerais, unindo os muitos campos de estudo e construindo visões paradigmáticas mais distantes do “desconforto” gerado pela cultura de monografia. 
	
Considerações finais.
	O aspecto fundamental abordado no texto é o de que a micro-história não é, sob qualquer perspectiva, oposta à visão mais geral dos fenômenos históricos; pelo contrário, estas são duas formas de análise que se devem completar para uma visão mais correta dos fatos que dão margem à sua estruturação. 
	E isto é muito evidenciado na própria historiografia brasileira: a partir da contestação do paradigma pradiano, do surgimento de uma “cultura de monografia”, hoje, ainda que nos primeiros passos, caminha-se no sentido de uma elaboração perspectiva mais geral a partir da fragmentação gerada pela especialização nos campos de pesquisa.

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