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Artigo: O JULGAMENTO DE SÓCRATES RESUMO Este trabalho ressalta a vida de Sócrates, seu envolvimento coma política, suas atitudes, ensinamentos, concepções filosóficas e seu julgamento, levantando a questão de quem foi Sócrates, o que pensou e porque realizava certas atitudes tão incompreendidas pelo seu povo. Enfatiza a herança do conhecimento filosófico deixado e passado através de escritos de seus discípulos já que ele próprio nada escreveu. Como objetivo principal tem-se como foco o julgamento de Sócrates e as razões que ele acreditava para que fosse condenado sem manifestar nenhuma defesa a seu favor ou aceitar ajuda de fuga oferecida pelos seus amigos. O método utilizado foi baseado em pesquisa bibliográfica cujo perfil se apresenta sobre uma análise reflexiva de caráter descritivo. INTRODUÇÃO Sócrates cresceu sem nenhuma educação formal, mas transformou-se em um grande filósofo que teve sua inteligência incompreendida. Contribuiu de maneira incondicional com a história da humanidade. Seus ensinamentos por prazer, sem nenhum fim lucrativo despertou inveja e desagrado entre os professores de renome da época. Muito sabia, questionou, pensou, filosofou, fez os outros pensarem, mas nada escreveu. Nunca registrou sua vida ou suas concepções, deixando essa tarefa para seus discípulos, em especial Platão, que é por quem conhecemos a vida de Sócrates. Sua capacidade de raciocínio e inteligência era tão aguçada que ele próprio entendia que nada sabia perante as descobertas que o mundo ainda escondia. Há mais de dois milênios seus ensinamentos despertaram a filosofia grega, já surgida cerca de dois séculos, influenciando até hoje toda a história. Foi através de seus métodos de pensar que a razão da filosofia foi vista como algo importante. Criou o método socrático, onde acreditava que o conhecimento surgia através do diálogo, das conversas e dos questionamentos de uma pessoa à outra, formando assim opiniões com o interlocutor. Era através do diálogo que acreditava achar a sabedoria, o conhecimento, pensado, questionando, ponderando, descobrindo. A maneira com que questionava e argumentava os acontecimentos o tornou o precursor da lógica. A defesa de seus princípios em quaisquer circunstâncias, o engrandecia como o homem mais inteligente do mundo por um lado, porém por outro o condenou a morte. Fiel os seus princípios nunca os abandonou para agradar alguém ou mesmo livrá-lo da condenação. Deixou claro que a base da sua filosofia era o conhecer a si mesmo, porém os pensamentos de Sócrates talvez nunca possam ser realmente entendidos. Hipóteses são levantadas, estudos são realizados mediante os escritos de seus discípulos, porém Sócrates é um enigma, onde a sua verdadeira essência (mente/ ser) poderá nunca ser desvendada. A VIDA DE SÓCRATES Nascido em Atenas no ano de 469 A.C., Sócrates cresceu em um pequeno vilarejo com seus pais, um escultor e uma parteira que tinham pouca condição, mas possuíam o essencial para sobreviver. Sua família não era escrava, nem possuía escravos, vivia por conta própria, o que não os fazia serem bem vistos, pois todos os cidadãos de respeito possuíam escravos para lhes fazer os trabalhos (CHAUI, 2002). Durante sua infância aprendeu o ofício do seu pai a contra gosto, pois achava difícil. Não freqüentou a escola, nem mesmo aprendeu a ler e escrever porque o dinheiro ganho por seus pais não dava para pagar os professores caríssimos na época. Não demonstrava nenhuma aptidão especial, nem mesmo para talhar o mármore o que lhe custava zombaria da parte dos outros garotos, fazendo se achar incapaz (STRATHERN, 1998). Quando adolescente, um amigo seu visitou, perto de Atenas, o Oráculo de Delfos, um local onde grandes sacerdotisas do deus Apolo adivinhavam o futuro para quem as procurassem. Ao perguntar quem era o homem mais inteligente do mundo recebeu como resposta o inesperado: seu amigo Sócrates. Logo Sócrates ficou sabendo da notícia o que lhe motivou a procurar dentre os professores locais aquele que julgava o mais inteligente. Após horas de aulas com o professor Sócrates começou a questionar o porquê de cada informação e como ele havia aprendido aquilo. Percebendo que o professor apenas repetia as informações que outros professores lhe ensinara e não havia descoberto ou aprendido nada por conta própria, foi para casa decepcionado. Pediu para que seu pai lhe emprestasse algumas economias, pois pretendia procurar outro professor ainda mais conceituado. O mesmo aconteceu, o professor apenas repetia o que lhe haviam ensinado, assim como seu avô ensinou a profissão a seu pai e este a ele (CHAUI, 2002). Percebeu assim que era mais inteligente que os professores que procurou, mas a dúvida no pensamento de que era o homem mais inteligente do mundo não lhe saia da cabeça. Resolveu então, seguir pelo mundo atrás de homens sábios que lhes pudesse provar o contrário (PAULI, 1997). Em busca da sua jornada, Sócrates conheceu e conviveu com grandes filósofos, estes, no entanto ainda não supriam suas expectativas, pois não sabiam explicar os porquês e provar a essência de cada informação. Esse comportamento despertou interesse em alguns jovens que passaram a segui-lo. A cada lugar que passava mais pessoas queriam juntar-se a ele, muitos ofereciam grandes quantias em dinheiro para que ele pudesse ensinar como ficou tão inteligente. Sócrates, no entanto, não aceitava as ofertas, dizia que não era digno de ensinar e apenas informava que tudo que aprendeu foi por conta própria (PAULI, 1997). Logo a auto-aprendizagem de aprender conversando ficou conhecida como dialética, que é o conhecimento adquirido através da conversa (diálogo) entre duas pessoas (CHAUI, 2002, p. 181). Assim, como conquistou muitos adeptos, Sócrates também contraiu muitos inimigos, na maioria professores que perdiam seus alunos para ele, que além de muito mais inteligente, nada cobrava. Alguns escritores e estudiosos cristãos o comparam com Jesus, pois “ambos foram a julgamento e não se defenderam, ambos nada deixaram escrito, ambos criaram posteridade sem limites, e tudo quanto sabemos de ambos depende de fontes diretas, escritas depois de mortos” (CAHUI, 2002, p.179). No entanto, em seu comportamento Sócrates nada teve haver com a vida de Jesus. Apesar de viver com muito pouco, vestes quase sujas, barba por fazer e sem nenhum tipo de regalia, ele gostava de comer e beber bem, ia a festas e banquetes, teve duas esposas simultaneamente de onde nasceu três filhos, perdia a paciência com facilidade, agredia, caçoava, gostava de sexo, “o sexo viril dos gregos em que um homem adulto tem amantes masculinos, jovens e belos”, gostava de dançar, tocar e fazer críticas (CHAUI, 2002, p. 180). Suas crenças e concepções filosóficas Questionador de tudo a sua volta, Sócrates tinha como concepção filosófica principal a frade “conhece-te a ti mesmo” escrita na porta do oráculo de Delfos. A partir daí tomou em sua vida o caminho que sempre o levava ao mesmo ponto, a busca pelo conhecimento de si próprio. Acreditava que o conhecimento não era um estado, mas uma busca constante que nunca tinha fim. Como missão baseava-se ainda na revelação do oráculo de que ele era o homem mais inteligente do mundo, a busca em encontrar alguém mais inteligente do que ele e provar que a revelação poderia estar errada, pois não achava ser ele o dono de tal sabedoria, proferindo aos quatro cantos do mundo a frase: “Só sei que nada sei”. Frase da qual criou para explicar que ele não era professor, mas um pensador em busca de verdades. Pergunta, não responde. Indaga, não ensina. Não faz preleções, mas introduz o diálogo como forma de busca da verdade. Essa foi a razão de não haver escrito coisa alguma. Dizia que e escrita é muda e que sua mudez cristaliza idéias como verdades acabadas e indiscutíveis (CHAUÍ, 2002, p. 188). O que Sócratesquer dizer é que os textos escritos vão se findar por si próprios. O que ficar escrito será um conhecimento inerte que não terá possibilidades de questionamento ou aprimoramento, não poderá tomar outra forma a não ser aquela que prematuramente foi colocada no papel. Um homem como Sócrates que mantém a separação entre opinião e verdade, entre aparência e realidade e entre percepção e pensamento não possui perfil de escritor com obras acabadas, prontas para que outros repassem suas idéias de forma finita. Sócrates acreditava que a dialética era a chave do conhecimento, pois exigindo o conhecimento de si próprio fazia com que outras pessoas também descobrissem a si mesmas. Essa argumentação desenvolvida como um método foi o ponto de partida para que Aristóteles, décadas depois, descobrisse a lógica (PAULI, 1997). Mesmo tendo a filosofia grega nascida duzentos anos antes de Sócrates, foi a partir dos seus questionamentos que se tornou possível aceitar a importância do uso da razão na filosofia (CHAUI, 2002). O método criado por Sócrates consistia em: [...] pedir ao seu interlocutor que apresentasse seus pensamentos sobre o assunto a ser discutido. Feita a apresentação das teorias e conceitos, ele passava a questionar os “pré- conceitos” e a descobrir falhas na argumentação do interlocutor. Esse processo levava ao desenvolvimento de novas visões sobre o assunto em discussão, avançava-se de exemplos individuais para outros de aplicação geral, tentando-se chegar a uma verdade universal (STRATHERN, 1998). Observa-se que Sócrates tentava achar a verdade através de experiências concretas entre duas pessoas, juntando as idéias, concepções e questionado o porquê dos acontecimentos. Na verdade são experimentos sem prática, onde o raciocínio e a inteligência combinados a dialética podem desvendar os segredos ainda não descobertos. O julgamento de Sócrates Ao longo de sua vida, Sócrates se envolveu em algumas situações que lhe levaram a julgamento, justamente por sempre questionar a maneira com que as leis e ordens eram aplicadas e resolver as coisas ao seu modo. Por três vezes participou de guerras, que segundo Alcibíades, um de seus discípulos, Sócrates se mostrava um soldado “infatigável, insensível ao frio, corajoso, modesto, senhor de si quando o exército era derrotado” (CHAUI, 2002, p.178). Em uma dessas guerras, onde Sócrates foi convocado para ser um dos generais pela habilidade de fazer as pessoas o seguirem, acabou indo a julgamento. Por sua maneira de pensar bem peculiar, ao perceber que estavam perdendo a guerra, ordenou que os soldados batessem em retirada, contrariando ordens superiores que o obrigava a enterrar todos os soldados mortos em batalha e se manter em combate até o último soldado vivo (CHAUI, 2010). Ao chegar a Atenas foi preso, acusado de deixar em campo de batalha os soldados mortos sem que fossem enterrados. Sócrates, porém, sábio como era, conseguiu sua soltura após questionar que, se ficassem, todos iam morrer, então quem restaria para enterrar os soldados? Na área política, Sócrates preferiu se envolver de maneira diferente, após ter sido eleito senador e não suportar as terríveis práticas contra os cidadãos tradicionais, renunciou, não disputando mais como outros, o poder na cidade (PAULI, 1997). No entanto, participou de várias Assembléias, sempre que procurado, cumprindo seus deveres de cidadão. Em duas delas, Sócrates recusou-se a cumprir a lei, atribuindo para si acusações de traição e rebeldia. Segundo Chauí (2002), uma dessas Assembléias foi o julgamento dos seis generais, que por lei, era para serem julgados individualmente. A Assembléia, no entanto exigiu que fosse feito um único julgamento de forma coletiva. Os seis foram julgados e condenados, tendo apenas o voto de Sócrates contra essa condenação. Sócrates foi acusado de traição, vindo logo em seguida a ser entendido por sua decisão, quando foi reconhecido que a Assembléia estava errada quando a maneira que agiu e não ele. Em outra Assembléia foi convocado pelo Governo dos Trinta para buscar em Salamina um condenado ao banimento, que deveria ser condenado a morte. Recusou-se a realizar tal feito por respeitar a lei de Atenas que dizia que o homem condenado ao banimento não poderia ser condenado à morte. Pela sua desobediência, mais uma vez foi a julgamento por traição, porém não chegou a ser condenado porque houve a caída do Governo dos Trinta. Logo Sócrates voltou á Assembléia, desta vez na condição de acusado, por acreditarem que ele estava pervertendo os jovens com ensinamentos ateus, fazendo acreditarem em novos deuses e estimulando-os a duvidar dos valores atenienses. A sua defesa foi concedida para que ele mesmo a fizesse, porém ao invés de se defender apenas falou em público mostrando toda sua capacidade, o seguinte dito: [...] como poderia não acreditar nos deuses e ao mesmo tempo se unir a eles? E como poderia fazer tudo isso se a vida de conhecimento começou com a previsão do Oráculo de Delfos, se o oráculo disse então quem não acreditava nos deuses eram os que o acusavam, pois falavam que ele não era inteligente como se dizia ser (STRATHERN, 1998, p. 53). Os sacerdotes, porém, que há muito procuravam um meio de prendê-lo, não aceitaram sua defesa e o condenaram a se exilar para sempre ou ter sua língua cortada para que jamais pudesse proferir palavras ou possuir discípulos para seus ensinamentos, caso se recusasse seria condenado a morte. Seus amigos ofereceram ajuda para que ele fugisse e ele recusou. Com sabedoria, apenas respondeu: "Vocês me deixam a escolha entre duas coisas, uma que eu sei ser horrível, que é viver sem poder ensinar, a outra que eu não conheço, que é a morte ... escolho pois o desconhecido" (PAULI, 1997, p.1). Dessa forma, em 399 a.C., com 70 anos de idade, morreu Sócrates ao tomar uma taça de veneno, para que na frente de todos, fosse realizada a sua escolha. Com isso acreditava provar que “ele e não os juízes conhecia as leis e as respeitava, mas não pelos motivos deles, mas sim por outros que eles não podia compreender, pois eram motivos filosóficos” (CHAUI, 2002, p.179). Sócrates morreu pelo que ele acreditava, pela filosofia que passou a vida praticando após ter ouvido uma voz interior incitando-o a entender a frase escrita na porta do oráculo: “Conhece-te a ti mesmo” (CHAUI, 2002). CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante do exposto observa-se que Sócrates contribuiu de forma impar para a filosofia e para a educação. Sua maneira de pensar bem peculiar leva a questionamentos do porque dialogar para conhecer. Em todas as etapas da sua vida seguiu o mesmo pensamento para alcançar seu objetivo, não duvidando de que estava certo em momento algum, nem mesmo quando foi sentenciado a morte. Acreditar em seus princípios e suas concepções foram umas das maiores virtudes do filósofo. O seu julgamento e sua condenação, ora injusta, pelas provas não concretas, levou Sócrates a mostrar que, a busca do conhecimento está antes de qualquer coisa. O conhecer do que ainda não lhe é entendido e claro é incessante e não pode parar nunca, nem que para isso precisasse optar pelo que para ele ainda era desconhecido, a morte. Comparando, no direito, seu julgamento com os dias atuais, não seria possível, no Brasil, ainda que tivesse pena de morte, optar pela sua própria morte, pois a eutanásia não é aceita nas leis brasileiras. Comparando, na educação, seu julgamento não teria razão de acontecer, sendo que a busca pelo conhecimento é aceito em todos os meios e a escolha religiosa tanto para conceber como para pregar é livre. Em terceiro instante, comparando, na filosofia, se houvesse um julgamento e condenação, só contribuiria para a perda de uma grande mente pensante, assim como aconteceu na antiguidade. REFERÊNCIAS CHAUI, Marilena. Introdução à história da Filosofia. Dos pré-socráticos aAristóteles. 2ª Ed, rev. ampl. São Paulo> Companhia das Letras, 2002. CHAUI, Marilena. Convite á Filosofia. 12ª Ed. São Paulo: Ática, 2002. PAULI, Eraldo. Enciclopédia Simpósio. Sócrates. 1997. Disponível em: http://www.cfh.ufsc.br/~simpozio/Megahist-filos/Socrates/8310y103.html Acesso em: STRATHERN Paul, Sócrates em 90 minutos. Rio de Janeiro: Editora Jorge Zahar, 1998. http://www.zahar.com.br/catalogo_autores_detalhe.asp?aut=Paul+Strathern&ORDEM=A
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