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9 III REALIZAÇÃOAPOIO POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A POPULAÇÃO IDOSA João Martins Monike Couras Del Vecchio Barros GRATUITA Esta publicação não pode ser comercializada Ilustração de Mariana Negreiros Lobo com intervenção de Carlus Campos SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 2 CONCEITO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A POPULAÇÃO IDOSA 3 A PERSPECTIVA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DO IDOSO NO BRASIL E NO MUNDO 4 APLICAÇÕES DA POLÍTICA NO CONTEXTO BRASILEIRO REFERÊNCIAS 132 133 136 141 143 Todos os direitos desta edição reservados à: Fundação Demócrito Rocha Av. Aguanambi, 282/A - Joaquim Távora CEP: 60.055-402 - Fortaleza-Ceará Tel.: (85) 3255.6037 - 3255.6148 fdr.org.br | fundacao@fdr.org.br Este curso é parte integrante do Curso de Capacitação sob o tema PROTEÇÃO SOCIAL na modalidade de Educação a Distância (EaD), em decorrência do Contrato celebrado entre a Fundação Demócrito Rocha e a Secretaria da Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos - SPS , sob o nº 143/20. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) de acordo com ISBD Elaborado por Vagner Rodolfo da Silva - CRB-8/9410 P967 Proteção Social: Programa Integrado de Educomunicação / vários autores; organizado por Ana Lourdes Maia Leitão; vários ilustradores. - Fortaleza : Fundação Demócrito Rocha, 2021. 192 p. : il.; 26cm x 30cm. – (Proteção Social: Programa Integrado de Educomunicação ; 12v.) Inclui bibliografia e apêndice/anexo. ISBN: 978-65-86094-76-3 (Coleção) ISBN: 978-65-86094-81-7 (Fascículo 9) 1. Direitos Humanos. 2. Políticas Públicas. 3. Assistência Social. 4. Drogas. 5. Igualdade Racial. 6. Segurança Alimentar e Nutricional. 7. Proteção à Vida. 8. Direito das Mulheres. 9. População LGBTQIA+. 10. Pessoas com deficiência. I. Leitão, Ana Lourdes Maia. II. Título. III. Série. 2021-1549 CDD 341.4 CDU 341.4 Índice para catálogo sistemático: Direitos Humanos 341.4 Direitos Humanos 341.4 Copyright©2021 Fundação Demócrito Rocha FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA (FDR) Presidência Luciana Dummar Direção Administrativo-Financeira André Avelino de Azevedo Gerência Geral Marcos Tardin Gerência Editorial e de Projetos Raymundo Netto Análise de Projetos Aurelino Freitas, Emanuela Fernandes e Fabrícia Góis SECRETARIA DE PROTEÇÃO SOCIAL, JUSTIÇA, CIDADANIA, MULHERES E DIREITOS HUMANOS (SPS) Secretária de Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos - SPS Socorro França Coordenação Técnica PROARES III SPS Maria de Fátima Lourenço Magalhães Gerência Técnica do PROARES III Anete Morel Gonzaga Gerência de Fortalecimento Institucional do PROARES III Selma Maria Salvino Lôbo UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE (UANE) Gerência Pedagógica Viviane Pereira Coordenação de Cursos Marisa Ferreira Design Educacional Joel Lima Front-End Isabela Marques CURSO PROTEÇÃO SOCIAL: PROGRAMA INTEGRADO DE EDUCOMUNICAÇÃO Concepção e Coordenação Geral Cliff Villar Coordenação de Conteúdo Ana Lourdes Leitão Revisão Daniela Nogueira Projeto Gráfico, Edição de Design e Coordenação de Marketing Andrea Araujo Design Mariana Araujo, Miqueias Mesquita e Kamilla Damasceno Arte-terapia Joana Barroso Ilustrações Ana Luiza Travassos de Oliveira Carvalho, Anny Rammyli Nascimento da Silva, Antônia Travassos de Oliveira Carvalho, Bárbara Vazzoler Villar, Beatriz Vazzoler Villar, Bernardo Saraiva Pinheiro, Davi Bogea Caldas, Fernanda Vitória de Almeida Matos, Francisco Mateus Braga da Silva, Guilherme Araújo Carvalho, João Vazzoler Villar, João Victor Batista Veloso, Júlia Nogueira de Holanda, Luanna Madureira Marques, Lucas Mesquita Mororó, Lucas Sobreira de Araújo, Maia Alease Lima Oliphant, Maria Clara Negreiros Lobo, Maria Júlia Sousa de Oliveira, Mariana Negreiros Lobo, Mariana Vazzoler Villar, Mateus Saldanha Félix, Maurício Rafael Cipriano Gomes, Rafaela Microni Santos, Thalita Sophia Moreira da Silva, Yasmin Microni Santos, Yasmin Monteiro Gomes Bezerra, com intervenção de Carlus Campos Análise de Marketing Digital Fábio Júnior Braga Ilustração de Thalita Sophia Moreira da Silva com intervenção de Carlus Campos 1 2 132 | Fundação Demócrito Rocha | Universidade Aberta do Nordeste Curso Proteção Social: Programa Integrado de Educomunicação | 133 O envelhecimento, antes de ser encarado como um problema que, de forma gradual, universal e irreversível, causa no indivíduo perdas funcionais no organismo. É um fenô- meno social e deve ser encarado como um direito relacionado ao modo de vida dos cidadãos. Se todos têm como direito básico a vida, a fase do envelhecimento, pela qual os humanos deverão passar, é parte desse direito e tem de se ter proteção, atenção e cuidado para aqueles que chegam à idade cronológica considerados idosos no mundo inteiro, principalmente no Brasil. O cuidado de todos, principalmente daqueles mais vulneráveis, deve ser com- preendido como o eixo da essência huma- na. Por isso, parece razoável supor que o ato de cuidar do outro seja uma conse- quência da revolução da longevidade. Tra- ta-se de um aspecto universal da condição humana e um dever do Estado, presente na vida das pessoas e nas constituições dos países ao redor do globo. Sem o cuida- do ao longo da vida, desde o nascimento até a finitude, o homem se desestrutura- rá, definhará. Sua vida perderá o sentido e ele morrerá. Portanto, em um mundo que envelhece progressivamente, o cuidado e o cuidar adquirem dimensões especiais para os sujeitos portadores de direitos (DUARTE; BERZINS; GIACOMIN, 2016). No Brasil existem atualmente mais de 14 milhões de idosos com faixa etária aci- CONCEITO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A POPULAÇÃO IDOSA 2.1 O QUE SÃO POLÍTICAS PÚBLICASINTRODUÇÃO ma de 60 anos. Em 2025, é previsto que sejam 33,4 milhões, quando o país ocupar o sexto lugar dentre os países com maior população idosa. No período entre 2040 e 2050, com base em estudos sobre demo- grafia, estima-se que o número de idosos no Brasil poderá ultrapassar o número de jovens. Pois é notório que a população idosa continua a aumentar, tornando-se necessário estabelecer modos de prote- ger, atender e cuidar com o propósito de adiar ou prevenir a morbidade no enve- lhecimento e a manutenção da qualida- de de vida. (SANTOS; VALE; MELLO; GIANI; DANTAS, 2011; SOUZA; SILVA, 2016) Desse modo, o fascículo que se inicia tem o objetivo central de apresentar, de forma exploratória e não exaustiva, as po- líticas de atenção, prevenção e cuidado com o idoso, necessariamente preconiza- das nos marcos legais brasileiros, estabe- lecendo suas conexões com os contextos de convivências sociais do país e o mundo. Sumariamente, o texto está organizado a partir desta introdução; em seguida, apre- sentamos os conceitos de políticas públi- cas e políticas públicas para os idosos; de- pois, as perspectivas das políticas públicas do idoso no Brasil e no mundo; no próximo, as abordagens de aplicações das políticas para o idoso no Brasil relacionadas a pre- vidência, assistência social, saúde e tra- balho; por último, uma síntese dos temas abordados no percurso de todo o fascículo. As políticas públicas são o que se pode dizer, no debate sobre conceitos de determinados fenômenos, um conceito não consensual. Sua abordagem dependerá das disciplinas nas quais elas são apresentadas e dos autores que delas/ se utilizam de forma operacional. Inicialmente formulado na disciplina de Ciência Política, nos anos de 1950, nos Esta- dos Unidos, o conceito de políticas públicas estava relacionado à forma como o gover- no decide o que fazer e não fazer, para pro- porcionar bem-estar público. Dito de outra forma, entender a ação do governo era seu principal contributo. No continente europeu, a partir da abordagem americana, o concei- to surgiu vinculadoàs explicações acerca do papel do Estado e uma de suas principais ins- tituições, o Governo (SOUZA, 2006). De modo amplo, os conceitos de políti- cas públicas perpassam múltiplas discipli- nas, a saber: Administração Pública, Econo- mia, Sociologia e Ciência Política. De cariz multidisciplinar, o conceito de política pú- blica, para fins de simplificar seu entendi- mento neste fascículo, pode ser entendido como sendo “a discussão e prática de ações relacionadas ao conteúdo, concreto ou simbólico, de decisões reconhecidas como políticas; isto é, o campo de construção e atuação de decisões políticas” (AGUM; RIS- CADO; MENEZES, 2015, p. 16) e “o campo do conhecimento que busca ao mesmo tempo ‘colocar o governo em ação’ e/ou anali- sar essa ação (variável independente) e, quando necessário, propor mudanças nos rumos ou cursos dessas ações (variável de- pendente)” (SOUZA, 2006, p. 26). Esses conceitos em suas essências en- focam a preocupação de traduzir a inten- ção política, quando ainda no campo elei- toral em ações de governo, com resultados concretos no mundo real (SOUZA, 2006) e que as construções sociais diante de uma problemática poderão de certa forma in- fluenciar na sua definição enquanto pro- blema e estabelecer um prioridade na agenda de solução das políticas públicas (AGUM; RISCADO; MENEZES, 2015). Como se percebe, as políticas públicas transportam um caráter político. Devemos considerar, portanto, os efeitos e a cons- trução da “política pública além de uma decisão governamental, ao passo que tam- bém pode decorrer de decisões e ações de outros atores, como a sociedade civil e o mercado” (ALMEIDA; GOMES, 2018, p. 445). Outros aspectos relevantes quando se discutem e analisam políticas públicas é entendê-las como uma unidade temporal de longo prazo, contendo impactos a cur- to e médios prazos. Pois, nos seus proces- sos após a decisão política tomada, impli- ca fases subsequentes de implementação, execução e avaliação. Ilustração de Lucas Sobreira de Araújo com intervenção de Carlus Campos 134 | Fundação Demócrito Rocha | Universidade Aberta do Nordeste Curso Proteção Social: Programa Integrado de Educomunicação | 135 ALGUMAS DEFINIÇÕES DE POLÍTICAS PÚBLICAS Laswell (1956) – decisões e análises sobre política pública implicam responder às seguintes questões: quem ganha o quê, por quê e que diferença faz. Lynn (1980) – define política pública como um conjunto de ações do governo que irão produzir efeitos específicos. Dye (1984) – sintetiza a definição de política pública como “o que o governo escolhe fazer ou não fazer”. Peters (1986) – segue o mesmo veio: política pública é a soma das atividades dos governos, que agem diretamente ou por meio de delegação, e que influenciam a vida dos cidadãos. Mead (1995) – define política pública como um campo dentro do estudo da política que analisa o governo à luz de grandes questões públicas. Fonte: elaboração própria, adaptado de Souza, C. (2006). Políticas Públicas: uma revisão de Literatura. Sociologias, 8(16), p. 24. 2.2 POLÍTICAS PÚBLICAS PARA IDOSOS Seguindo a trilha dos pressupostos con- ceituais de que a política pública implica responder às questões que possam deli- mitar e responder “de quem ganha o quê”, “por quê” e “que diferença faz” (LASWELL, 1956), nesta seção introduziremos o con- ceito de política pública para os idosos no Brasil. Ademais, com a intensidade (recur- sos, abrangência e as regras do jogo) que o governo responder as perguntas anterio- res, será definida a qualidade dos efeitos específicos das ações do governo em rela- ção às políticas públicas para os idosos no Brasil (LYNN, 1980). Dessa forma, no Brasil a política pú- blica para o idoso tem sua síntese no que define o Estatuto do Idoso (BRASIL, 2017), o qual afirma que os ganhadores com a política pública são as pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos (de quem ganha o quê), cujo objetivo é asse- gurar direito a esta população (por quê) e o fato de o idoso gozar de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana (que diferença faz). Assente a isso, pode-se observar no ex- trato do Estatuto do Idoso a seguir como a intensidade na forma de definição dos recursos, abrangência e as regras institu- cional define a qualidade desta política pública no Brasil. TÍTULO I – Disposições Preliminares Art. 1º É instituído o Estatuto do Idoso, destinado a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos. Art. 2º O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade. Art. 3º É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende: I – atendimento preferencial imediato e individualizado junto aos órgãos públicos e privados prestadores de serviços à população; II – preferência na formulação e na execução de políticas sociais públicas específicas; III – destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção ao idoso; IV – viabilização de formas alternativas de participação, ocupação e convívio do idoso com as demais gerações; V – priorização do atendimento do idoso por sua própria família, em detrimento do atendimento asilar, exceto dos que não a possuam ou careçam de condições de manutenção da própria sobrevivência; VI – capacitação e reciclagem dos recursos humanos nas áreas de geriatria e gerontologia e na prestação de serviços aos idosos; VII – estabelecimento de mecanismos que favoreçam a divulgação de informações de caráter educativo sobre os aspectos biopsicossociais de envelhecimento; VIII – garantia de acesso à rede de serviços de saúde e de assistência social locais; IX – prioridade no recebimento da restituição do Imposto de Renda. Art. 4º Nenhum idoso será objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão, e todo atentado aos seus direitos, por ação ou omissão, será punido na forma da lei. § 1º É dever de todos prevenir a ameaça ou violação aos direitos do idoso. § 2º As obrigações previstas nesta Lei não excluem da prevenção outras decorrentes dos princípios por ela adotados. Art. 5º A inobservância das normas de prevenção importará em responsabilidade à pessoa física ou jurídica nos termos da lei. Art. 6º Todo cidadão tem o dever de comunicar à autoridade competente qualquer forma de violação a esta Lei que tenha testemunhado ou de que tenha conhecimento. Art. 7º Os Conselhos Nacional, Estaduais, do Distrito Federal e Municipais do Idoso, previstos na Lei no 8.842, de 4 de janeiro de 1994, zelarão pelo cumprimento dos direitos do idoso, definidos nesta Lei. Fonte: elaboração própria, adaptado de Brasil. (2017). Lei no 10.741/2003. Estatuto do Idoso. Brasília, Brasil: Senado Federal, Coordenação de Edições Técnicas. Pp. 8-10 ESTATUTO DO IDOSO OS FUNDADORES DAS POLÍTICAS PÚBLICAS H. D. Laswell (1936) – introduziu a expressão policy analysis (análise de política pública), ainda nos anos 1930, como forma de conciliar conhecimento científico/acadêmico com a produção empírica dos governos e como forma de estabelecer o diálogo entre cientistas sociais, grupos de interesse e governo. Herbert Simon (1957) – introduziu o conceito de racionalidade limitada dos decisores públicos (policy makers), argumentando, todavia, que a limitação da racionalidade poderia serminimizada pelo conhecimento racional. Para Simon, a racionalidade dos decisores públicos é sempre limitada por problemas, como informação incompleta ou imperfeita, tempo para a tomada de decisão, autointeresse dos decisores etc., mas a racionalidade, segundo Simon, pode ser maximizada até um ponto satisfatório pela criação de estruturas (conjunto de regras e incentivos) que enquadre o comportamento dos atores e modele esse comportamento na direção de resultados desejados, impedindo, inclusive, a busca de maximização de interesses próprios. Charles E. Lindblom (1959; 1979) – questionou a ênfase no racionalismo de Laswell e Simon e propôs a incorporação de outras variáveis à formulação e à análise de políticas públicas, tais como as relações de poder e a integração entre as diferentes fases do processo decisório, o que não teria necessariamente um fim ou um princípio. Daí o motivo por que as políticas públicas precisariam incorporar outros elementos à sua formulação e à sua análise além das questões de racionalidade, como o papel das eleições, das burocracias, dos partidos e dos grupos de interesse. D. Easton (1965) – contribuiu para a área ao definir a política pública como um sistema, ou seja, como uma relação entre formulação, resultados e o ambiente. Segundo Easton, políticas públicas recebem inputs dos partidos, da mídia e dos grupos de interesse, que influenciam seus resultados e efeitos. Fonte: elaboração própria, adaptado de Souza, C. (2006). Políticas Públicas: uma revisão de Literatu- ra. Sociologias, 8(16), pp 23-24. Ilustração de João Victor Batista Veloso com intervenção de Carlus Campos 3 136 | Fundação Demócrito Rocha | Universidade Aberta do Nordeste A PERSPECTIVA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DO IDOSO NO BRASIL E NO MUNDO 3.1 NO MUNDO: OLHARES DIVERSOS SOBRE AS POLÍTICAS DE ATENÇÃO À PESSOA IDOSA A PARTIR DA CARTA DO IDOSA DA ONU E AS PROPOSTAS DESTINADAS À POPULAÇÃO IDOSA NAS AGENDAS 21 GLOBAL E BRASILEIRA Em 1882 e 2002, um marco muito importante aconteceu nas assembleias das Nações Unidas a respeito do envelhecimento. Elas foram fundamentais para influenciar as legislações de vá- rios países, inclusive o Brasil. Nessas assembleias, foram elabo- rados planos de ação internacional para incentivar o envelheci- mento com qualidade de vida, e as nações se comprometeram a tomar uma série de medidas importantes em defesa desse seg- mento populacional vulnerável (ALCÂNTARA, 2016). A Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhece que, para atender às expecta- tivas das populações, necessariamente a idosa, é essencial garantir a cobertura universal avançando na promoção, na proteção e na recuperação da saúde. Na América do Norte, nos Estados Unidos da América, especificamente, onde os gastos com saúde já alcançam 16% do Produ- to Interno Bruto (PIB), a saúde tornou-se uma das principais questões internas (LO- RENZETTI et al., 2014). A 1ª Assembleia Geral sobre o Enve- lhecimento da ONU aprovou em 1982 o 1º Plano de Ação Internacional, estruturado em 62 recomendações. Um dos principais méritos do Plano foi inserir, na agenda internacional, a temática do envelheci- mento da população e as ações que os organismos internacionais, os Estados e a sociedade deveriam pautar nessa temá- tica. Apesar de o foco do documento ser os países desenvolvidos, suas recomen- dações influenciaram a construção de um novo arcabouço jurídico, inclusive com status constitucional em diversos países em desenvolvimento, a exemplo do Brasil no texto da Carta Constitucional de 1988 (VIEIRA; VIEIRA, 2016). Nesse sentido, para a concretização dos anseios democráticos brasileiros, ao longo dos seus 33 anos de vigência da Constituição de 1988, sua opção foi pelo acesso a direitos (MACHADO, 2013). A CF/1988 – CONCESSÃO AO DIREITO A Constituição de 1988 fez clara opção de conceder ao direito, suas instituições e procedimentos um lugar central na nova democracia política comandada pelo seu texto. A partir dela, o Poder Judiciário pôde se constituir em uma nova e capilar arena indutora da participação social na vida pública, quer no exercício do controle de constitucionalidade das leis, aberta à comunidade de intérpretes com origem na sociedade civil, quer nas demais ações civis públicas em que cidadãos podem vir a questionar políticas estatais. Ao lado disso, demonstrando a intenção de que não legislava simbolicamente, inovou o papel do Ministério Público na forma de uma instituição orientada para defesa da ordem jurídica e do regime democrático, e constitucionalizou a Defensoria Pública, significando com isso que os institutos recém-criados por ela não ficariam sem patrocínio nem privados de canais de acesso, a serem garantidos pelos juizados de pequenas causas, outra criação sua (MACHADO, 2013, p. 40). Ilustração de Davi Bogea Caldas com intervenção de Carlus Campos Curso Proteção Social: Programa Integrado de Educomunicação | 137 138 | Fundação Demócrito Rocha | Universidade Aberta do Nordeste Curso Proteção Social: Programa Integrado de Educomunicação | 139 O envelhecimento tem suscitado, além de iniciativas por parte de inúmeras organizações, intensa investigação científica e elabora- ção conceitual para dar suporte à compreensão do fenômeno e à monitorização de seu perfil social e epidemiológico. Os marcos conceituais nesse campo têm buscado ampliar o escopo para além da prevenção de doenças e do cuidado aos pacientes, passando a abranger estratégias que criem oportunidades de participação dos segmentos dos idosos em atividades econômicas, sociais, cultu- rais, intelectuais, físicas, cívicas e políticas, tornando cada vez mais essa população ativa (BARROS; GOLDBAUM, 2019). A política pública de atenção ao idoso se relaciona com o desenvolvimento socioeconômico e cultural e com a ação rei- vindicatória dos movimentos sociais. Um marco importante dessa trajetória no Brasil foi a Constituição Federal de 1988, que introduziu em suas disposições o conceito de Seguridade Social, fazendo com que a rede de proteção social alterasse o seu enfoque estritamente assistencialista, passando a ter uma conotação ampliada de cidadania, dando margem à legislação brasileira adequar-se a tal orientação (BRAGA et al., 2016). política tem na sua história avanços e re- trocessos, sendo recente a percepção da necessidade de uma política universal de assistência social” (BERZINS; GIACOMIN; CAMARANO, 2016, p. 108). Constitui-se, dessa forma, como um grande avanço para a população idosa, visto que, por muito tempo, as ações nesta área da assis- tência social era prestada de forma limita- da por entidades ligadas a caridade cristã que desenvolvia ações filantrópicas. Assim, a política de assistência social, agora atualizada pelo Estado, resultado de um longo debate e conquistas da so- ciedade civil brasileira, revele-se como um importante elemento para mitigar o que, ao longo da história, foi visto pelo prisma do conformismo dos usuários. Nesse sen- tido, o assistencial presente nas políticas sociais apresenta-se, “ao mesmo tempo, como exclusão e inclusão aos bens e ser- viços prestados direta ou indiretamente O Estatuto do Idoso do Brasil tem um grande mérito – criou o sistema de ga- rantias de direitos da pessoa idosa e tem buscado efetivar os seus direitos sociais. O sistema de garantias previsto no Esta- tuto é composto pelas seguintes institui- ções/órgãos: Conselhos do Idoso; Siste- ma Único de Saúde (SUS); Sistema Único de Assistência Social (Suas); Vigilância em Saúde; Poder Judiciário; Defensoria Pública; Ministério Público; e Polícia Civil. A eficiência desse sistema de garantias é uma das possibilidades para a efetividade dos direitos. Vale ressaltar que o tema da 1ª Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa foi justamente Construindo a Rede Nacional de Proteção e Defesa da Pessoa Idosa (ALCÂNTARA, 2016). Assente a este conjunto de avanços que fortaleceram a proteção,atenção e cuidado ao idoso no Brasil, emerge a po- lítica universal da assistência social. “Essa 3.2 NO BRASIL: AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE ATENÇÃO À PESSOA IDOSA E SUA EVOLUÇÃO, TENDO COMO AMBIÊNCIA O ESTATUTO DO IDOSO pelo Estado (...). Para as classes subalter- nas, as políticas sociais se constituem um espaço que possibilita o acesso a benefí- cios e serviços que, de outra forma, lhes são negados” (SPOSATI et al., 2003, p. 30). O Estatuto do Idoso, no Art. 21, § 1°, afirma que os cursos especiais para os idosos incluem importantes conteúdos referentes às técnicas de comunicação, de computação e os demais avanços tecno- lógicos, necessários para sua integração à vida moderna, tornando para eles um de- safio alcançável. Enquanto as diretrizes do PNI, no ca- pítulo II, art. 3o, inciso I, estabelece que “a família, a sociedade e o Estado têm o dever de assegurar ao idoso todos os direitos da cidadania, garantindo sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade, bem-estar e o direito à vida”. Observa-se uma responsabilidade compartilhada, na garantia do “melhor bem-estar” dos idosos, o qual está intimamente relacionado com a preservação da dignidade e o direito à vida que deveria estar associado ao direito ao cuidado, sobretudo nas idades mais longe- vas (DUARTE; BERZINS; GIACOMIN, 2016). Em síntese, o processo sociopolítico de construção da política do idoso tem início nos anos 1970, operando mudanças dian- te do cenário do novo perfil da população (FERNANDES; SOARES, 2012). Ilustração de Maurício Rafael Cipriano Gomes com intervenção de Carlus Campos Ilustração de Maurício Rafael Cipriano Gomes com intervenção de Carlus Campos 3 140 | Fundação Demócrito Rocha | Universidade Aberta do Nordeste Curso Proteção Social: Programa Integrado de Educomunicação | 141 APLICAÇÕES DA POLÍTICA NO CONTEXTO BRASILEIRO 4.1 PREVIDÊNCIA E ASSISTÊNCIA SOCIAL Na atualidade, uma das reformas mais discutidas na sociedade brasileira é a da Previdência Social. Tal tema costuma pro- porcionar intensos debates: tanto pela dimensão econômico-fiscal, observando que sua despesa costuma comprometer parcela significativa dos orçamentos pú- blicos, como pela dimensão político-so- cial, devido aos reflexos diretos de mu- danças nas regras previdenciárias sobre um conjunto grande da população, in- cluindo contribuintes/segurados e bene- ficiários. Sabe-se que há necessidade da reforma no Brasil, decorrente não apenas da necessidade da correção de distorções como também da necessidade de garantir a sustentabilidade fiscal a médio e longo prazo em um contexto de rápido e intenso envelhecimento populacional. Dessa for- ma, observa-se que o país enfrenta níveis elevados de despesa, com uma trajetória crescente e insustentável e com um pata- mar mais elevado do que seria esperado decorrente de sua estrutura demográfica – ou seja, mesmo não possuindo parcela tão elevada de idosos em sua população em comparação aos habitantes jovens (COSTANZI et al., 2018). A previdência brasileira é o terceiro e úl- timo componente do sistema de segurida- de social, disposto no art. 201 da (CF/88), e estabelece que a previdência seja orga- nizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e filiação obrigatória, preservando o equilíbrio financeiro e atu- arial, para cobrir eventos como doença, in- validez, morte, idade avançada, proteção à maternidade, proteção ao trabalhador desempregado, assim como salário-famí- lia, auxílio-reclusão para os segurados de baixa renda e pensão por morte ao cônju- ge ou companheiro e dependentes confor- me o que está o disposto no § 2°. O Regime Geral de Previdência Social (RGPS) cobre os trabalhadores do setor privado. Os ser- vidores públicos titulares de cargos efeti- vos são cobertos pelo Regime Próprio de Previdência Social (RPPS). Cada unidade federada tem o seu próprio regime, pú- blico e de filiação compulsória. O terceiro regime é privado, de adesão facultativa, representado pela previdência comple- mentar (Castro, 2020). Com a Constituição Federal de 1988, a assistência social no Brasil configurou-se enquanto política pública por meio da re- distribuição com maior responsabilidade pública na sua produção e operação, am- pliando os direitos sociais, universaliza- ção do acesso e expansão da cobertura, esgarçamento do vínculo contributivo, concepção mais abrangente da segurida- de social e do financiamento e o princí- pio organizacional da participação e do controle social, ou seja, proporcionou garantia de mínimos sociais para idosos pobres, e deficientes, amparados na mu- nicipalização e participação popular. Na saúde, é percebido pelo acesso igualitá- rio à população: rede integrada, descen- tralizada, constituindo um sistema único em cada nível de governo (CRONEMBER- GER; TEIXEIRA, 2015). Seus serviços, ações, projetos e progra- mas são geridos pelo Sistema Único de As- sistência Social (Suas), que é organizado a partir de uma lógica estrutural de proteção em dois níveis: a Proteção Social Básica (PSB) e a Proteção Social Especial (PSE). A PSB é dita a porta de entrada da Assistên- cia Social, desenvolvendo ações de caráter preventivo, isto é, atua para que a violação de direitos constitucionais seja prevenida, com suas ações referenciadas nos Centros de Referência de Assistência Social (Cras). Já a PSE tem caráter protetivo e se destina a indivíduos e famílias que estão em situ- ação de risco pessoal ou social – aqueles que já tiveram seus direitos violados. As ações deste nível de proteção estão refe- renciadas nos Centros de Referência Es- pecializados de Assistência Social (Creas). Dessa forma, pretende-se realizar uma re- lação democrática, horizontal, participati- va e proativa, por meio das ações coorde- nadas pelo Estado que são essenciais para estruturar propostas mais abrangentes a fim de obter resultados mais efetivos (SILVA; PEGORARO, 2019). SAIBA MAIS Assista à websérie Fundo do Idoso para OSCs e saiba como elaborar um projeto para o Fundo Municipal do Idoso: https://youtube.com/ playlist?list=PLO0oKK21ha_ V6rUjyxgCRGlG-NNf6Lq_F 1974 - Criada a Renda Mensal Vitalícia (Lei nº 6.179) através do então Instituto Nacional de Previdência Social – INPS e de decretos, leis, portarias, referentes, principalmente, à aposentadoria. 1977 - Criado o Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social – SINPAS (Lei nº 6.439) integrando o Instituto Nacional de Previdência Social – INPS, Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social – INAMPS, Fundação Legião Brasileira de Assistência – LBA, Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor –FUNABEM, Empresa de Processamento de Dados da Previdência Social – DATAPREV e o Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social – IAPAS para unificar a assistência previdenciária. 1982 - Realizada a I Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento (ONU), em Viena, que traçou as diretrizes do Plano de Ação Mundial sobre o Envelhecimento, publicado em 1983. Esse Plano almejou sensibilizar os governos e sociedades do mundo todo para a necessidade de direcionar políticas públicas voltadas para os idosos, bem como alertar para o desenvolvimento de estudos futuros sobre os aspectos do envelhecimento. 1986 - Realizada a 8ª Conferência Nacional de Saúde que propôs a elaboração de uma política global de assistência à população idosa. 1988 - Promulgada a Constituição Cidadã – Constituição Federal, que destacou no texto constitucional a referência ao idoso (CF, art. 230, 1988). Essa foi, de fato, a primeira vez em que uma constituição brasileira assegurou ao idoso o direito à vida e à cidadania. 1993 - Aprovada a Lei Orgânica de Assistência Social – LOAS (Lei 8.742/93), que regulamenta o capítulo II da Seguridade Social da Constituição Federal, que garantiu à Assistência Social o status de política pública de seguridade social, direitoao cidadão e dever do Estado. 1994 - Aprovada a Lei Nº 8.842/1994 que estabelece a Política Nacional do Idoso (PNI), posteriormente regulamentada pelo Decreto Nº 1.948/96.6, e cria o Conselho Nacional do Idoso. Essa Lei tem por finalidade assegurar direitos sociais que garantam a promoção da autonomia, a integração e a participação efetiva do idoso na sociedade, de modo a exercer sua cidadania. Estipula o limite de 60 anos e mais, de idade, para uma pessoa ser considerada idosa. 1999 - Implantada a Política Nacional da Saúde do Idoso pela Portaria 1.395/1999 do Ministério da Saúde (MS) que estabelece as diretrizes essenciais que norteiam a definição ou a redefinição dos programas, planos, projetos e atividades do setor na atenção integral às pessoas em processo de envelhecimento e à população idosa. 2002 - Realizada a II Assembleia Mundial sobre Envelhecimento em Madrid – Plano Internacional do Envelhecimento – que tinha o objetivo de servir de orientação às medidas normativas sobre o envelhecimento no século XXI. Esperava- se alto impacto desse plano nas políticas e programas dirigidos aos idosos, principalmente, nos países em desenvolvimento, como o Brasil. Dessa feita, ele foi fundamentado em três princípios básicos: 1) participação ativa dos idosos na sociedade, no desenvolvimento, na força de trabalho e na erradicação da pobreza; 2) promoção da saúde e bem-estar na velhice; e 3) criação de um ambiente propício e favorável ao envelhecimento. 2003 - Realizada a Conferência Regional Intergovernamental sobre Envelhecimento da América Latina e Caribe, no Chile, na qual foram elaboradas as estratégias regionais para implantar as metas e objetivos acordados em Madrid. Foi recomendado aos países que, de acordo com suas realidades nacionais, propiciassem condições que favorecessem um envelhecimento individual e coletivo com seguridade e dignidade. Na área da saúde, a meta geral foi oferecer acesso aos serviços de saúde integrais e adequados à necessidade do idoso, de forma a garantir melhor qualidade de vida com manutenção da funcionalidade e da autonomia. 2003 - No Brasil, entra em vigor a Lei nº 10.741, que aprova o Estatuto do Idoso destinado a regular os direitos assegurados aos idosos. Esse é um dos principais instrumentos de direito do idoso. Sua aprovação representou um passo importante da legislação brasileira no contexto de sua adequação às orientações do Plano de Madri. 2006 - Realizada a I Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa, na qual foram aprovadas diversas deliberações, divididas em eixos temáticos, que visou garantir e ampliar os direitos da pessoa idosa e construir a Rede Nacional de Proteção e Defesa da Pessoa Idosa – RENADI. MARCOS HISTÓRICOS DA POLÍTICA PÚBLICA DO IDOSO Fonte: Fernandes, M. T. de O., & Soares, S. M. (2012). O desenvolvimento de políticas públicas de atenção ao idoso no Brasil. Revista Da Escola de Enfermagem Da USP, 46(6), p. 1497. 142 | Fundação Demócrito Rocha | Universidade Aberta do Nordeste Curso Proteção Social: Programa Integrado de Educomunicação | 143 Ilustração de Antônia Travassos de Oliveira Carvalho com intervenção de Carlus Campos 4.2 SAÚDE E TRABALHO Atualmente no Brasil, percebe-se cada vez mais que as pessoas idosas precisam ou querem manter-se no mundo do trabalho, anseio que parece se distanciar da realida- de para a população dessa faixa etária, por- que a sociedade, de forma geral, espera que elas se encaminhem para a aposentadoria e para o afastamento do mundo laboral. Essa perspectiva precisa de uma nova lógica, reforçando o retorno do idoso ao mercado de trabalho, uma vez que ele pode contri- buir com as suas experiências adquiridas em anos de vivência e de vida laboral. O trabalho faz com que a pessoa esteja mais integrada com o mundo globalizado, pos- sibilitando ao indivíduo obter e construir, além de tudo, conhecimentos, desenvol- vendo argumentos próprios para solução de problemas diários, usando meios que estão disponíveis ao seu redor para cumprir plenamente sua identidade pessoal, acarre- tando na maior autonomia (PAOLINI, 2016). O envelhecimento populacional pro- move transformações profundas na so- ciedade, acarretando em mudanças não só na estrutura familiar, mas também no mercado de trabalho e no perfil de demandas por políticas públicas, em es- pecial nas áreas de saúde e seguridade social. Idosos com boas condições de saúde, que apresenta autonomia física e mental, mantêm boas perspectivas de vida e podem assumir papéis relevantes na sociedade. Deve considerar-se a capa- cidade do trabalho dos idosos e garantir o direito à manutenção ou reinserção no mercado de trabalho daqueles que assim o desejarem (MADEIRA et al., 2013). Referências AGUM, R.; RISCADO, P.; MENEZES, M. Políticas Públicas: Conceitos e Análise em Revisão. Agenda Política, v. 3, n. 2, p. 12–42, 2015. ALCÂNTARA, A. DE O. Da política nacional do idoso ao estatuto do idoso: a difícil construção de um sistema de garantias de direitos da pessoa idosa. In: ALCÂNTARA, A. DE O.; CAMARANO, A. A.; GIACOMIN, K. C. (Eds.). . Política nacional do idoso : velhas e novas questões. Rio de Janeiro: Ipea, 2016. p. 359–377. ALMEIDA, L. D. A.; GOMES, R. C. Processo das políticas públicas: revisão de literatura, reflexões teóricas e apontamentos para futuras pesquisas. Cad. EBAPE.BR, v. 16, n. 3, p. 444–455, 2018. ARAÚJO, S. S. C. DE et al. Suporte social, promoção de saúde e Brasil saúde bucal na população idosa no Br asil. Interface - Comunic., Saúde, Educ., v. 10, n. 19, p. 203–216, 2006. Nas sociedades orientais, os idosos são considerados sábios e respeitados pelas gerações mais jovens. Nas socie- dades ocidentais, encontramos uma di- ferença no modo de tratamento dessa população. O aumento do número de idosos tem sido acompanhado pelo es- tigma da dependência, o que acarreta uma visão preconceituosa em relação aos indivíduos mais velhos. Eles podem ser vistos por alguns segmentos da socie- dade como um fardo social e econômico, não só pelo seu afastamento do merca- do de trabalho, mas também pela pró- pria prevalência aumentada de doenças crônico-degenerativas e pelo risco maior de incapacidades (ARAÚJO et al., 2006). Sabe-se que a principal característica do envelhecimento saudável é a aceitação das mudanças fisiológicas decorrentes da idade, levando em consideração as doen- ças e limitações deles; entretanto, isso não impossibilita a experiência pessoal (WI- CHMANN et al., 2013). Os padrões de incapacidade funcio- nal em mulheres idosas, no Brasil, são compatíveis com os padrões encon- trados em outros países. As mulheres idosas avaliam sua saúde de forma se- melhante aos homens, mas estão em desvantagem séria em incapacidade funcional. Além disso, fato importante a ser retratado é a respeito da condição socioeconômica, que é um fator essen- cial para redução de risco de declínio funcional em idosos (PARAHYBA, 2006). Ressalta-se que um importante fator para a permanência na vida ativa nas ida- des mais avançadas é a melhor condição de saúde e a preservação da autonomia e da mobilidade física. A ausência que o trabalho gera a partir da aposentadoria pode ser considerada responsável pela redução da qualidade de vida do idoso. Dessa forma, é importante estimular que as pessoas tenham várias formas de participar da sociedade – tra- balhando ou investindo na área social, dedicando-se aos trabalhos voluntários, às atividades prazerosas para si, religiosas ou culturais, ou mesmo voltadas para sua própria família (PAOLINI, 2016). Com isso, surge a necessidade de garantir aos idosos não apenas maior longevidade, mas tam- bém felicidade, qualidade de vida e satis- fação pessoal (WICHMANN et al., 2013). BARROS, M. B. D. A.; GOLDBAUM, M. Challenges of aging in the context of social inequalities. Revista de Saúde Pública, v. 52, n. Suppl 2,p. 1s-3s, 24 jan. 2019. BERZINS, M. A. V. DA S.; GIACOMIN, K. C.; CAMARANO, A. A. A Assistência Social na Política Nacional do Idoso. In: ALCÂNTARA, A. DE O.; CAMARANO, A. A.; GIACOMIN, K. C. (Eds.). . Política nacional do idoso : velhas e novas questões. Rio de Janeiro: Ipea, 2016. p. 107–133. BRAGA, S. F. M. et al. As políticas públicas para os idosos no Brasil : a cidadania no envelhecimento A partir de 1960 , com o declínio da fecundidade e da taxa de mortalidade em algumas regiões mais desenvolvidas do Brasil , iniciou-se o processo de envelhecimento da população. Revista Diálogos Interdisciplinares, v. 5, n. 3, p. 94–112, 2016. BRASIL. Lei no 10.741/2003. Estatuto do Idoso. 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III REALIZAÇÃOAPOIO Autores Monike Couras Del Vecchio Barros Tem Bacharelado em Fisioterapia pela Unichristus, é pós-graduada em Fisioterapia Cardiorrespiratória pela Faculdade UniAteneu e Mestre em Saúde Coletiva pelo Programa de Pós-Graduação pela Universidade de Fortaleza (Unifor). É doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva pela Universidade de Fortaleza (Unifor) e professora do curso de fisioterapia na Faculdade UniAteneu. Entre seus temas de pesquisa, estão coprodução de saúde coletiva, assistência social afins, e interesse principalmente nos seguintes temas: participação social, políticas públicas, saúde coletiva e Serviço Social. João Martins de Oliveira Neto É licenciado em Administração pela Universidade Estadual do Ceará (Uece), Mestre em Desenvolvimento e Gestão Social pelo CIAGS/UFBA e doutorando em Ciência Política pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa – ISCSP/UL, Portugal. Atualmente é investigador do CAPP/ISCSP-UL, do LIEGS/UFCA e do LACITE/ UFCA. Os principais temas de atuação profissional e acadêmica são: (1) desenvolvimento territorial; (2) juventudes; (3) governança territorial; (4) temas, serviços e problemas sociais; (5) gestão de conflito. Ilustradores (as) Desenhos originais das crianças Ana Luiza Travassos de Oliveira Carvalho, Anny Rammyli Nascimento da Silva, Antônia Travassos de Oliveira Carvalho, Bárbara Vazzoler Villar, Beatriz Vazzoler Villar, Bernardo Saraiva Pinheiro, Davi Bogea Caldas, Fernanda Vitória de Almeida Matos, Francisco Mateus Braga da Silva, Guilherme Araújo Carvalho, João Vazzoler Villar, João Victor Batista Veloso, Júlia Nogueira de Holanda, Luanna Madureira Marques, Lucas Mesquita Mororó, Lucas Sobreira de Araújo, Maia Alease Lima Oliphant, Maria Clara Negreiros Lobo, Maria Júlia Sousa de Oliveira, Mariana Negreiros Lobo, Mariana Vazzoler Villar, Mateus Saldanha Félix, Maurício Rafael Cipriano Gomes, Rafaela Microni Santos, Thalita Sophia Moreira da Silva, Yasmin Microni Santos, Yasmin Monteiro Gomes Bezerra, que participaram da Oficina de Ilustração com Joana Brasileiro Barroso, com intervenção artística de Carlus Campos. Ilustração de Rafaela Microni Santos com intervenção de Carlus Campos 10 III REALIZAÇÃOAPOIO GRATUITA Esta publicação não pode ser comercializada PROMOÇÃO DA CIDADANIA E DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS PARA A POPULAÇÃO LGBTQIA+ Cláudia Maria Inácio Costa Cin Falchi Ilustração de João Victor Batista Veloso com intervenção de Carlus Campos Ilustração de João Victor Batista Veloso com intervenção de Carlus Campos Todos os direitos desta edição reservados à: Fundação Demócrito Rocha Av. Aguanambi, 282/A - Joaquim Távora CEP: 60.055-402 - Fortaleza-Ceará Tel.: (85) 3255.6037 - 3255.6148 fdr.org.br | fundacao@fdr.org.br Este curso é parte integrante do Curso de Capacitação sob o tema PROTEÇÃO SOCIAL na modalidade de Educação a Distância (EaD), em decorrência do Contrato celebrado entre a Fundação Demócrito Rocha e a Secretaria da Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos - SPS , sob o nº 143/20. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) de acordo com ISBD Elaborado por Vagner Rodolfo da Silva - CRB-8/9410 P967 Proteção Social: Programa Integrado de Educomunicação / vários autores; organizado por Ana Lourdes Maia Leitão; vários ilustradores. - Fortaleza : Fundação Demócrito Rocha, 2021. 192 p. : il.; 26cm x 30cm. – (Proteção Social: Programa Integrado de Educomunicação ; 12v.) Inclui bibliografia e apêndice/anexo. ISBN: 978-65-86094-76-3 (Coleção) ISBN: 978-65-86094-84-8 (Fascículo 10) 1. Direitos Humanos. 2. Políticas Públicas. 3. Assistência Social. 4. Drogas. 5. Igualdade Racial. 6. Segurança Alimentar e Nutricional. 7. Proteção à Vida. 8. Direito das Mulheres. 9. População LGBTQIA+. 10. Pessoas com deficiência. I. Leitão, Ana Lourdes Maia. II. Título. III. Série. 2021-1549 CDD 341.4 CDU 341.4 Índice para catálogo sistemático: Direitos Humanos 341.4 Direitos Humanos341.4 Copyright©2021 Fundação Demócrito Rocha FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA (FDR) Presidência Luciana Dummar Direção Administrativo-Financeira André Avelino de Azevedo Gerência Geral Marcos Tardin Gerência Editorial e de Projetos Raymundo Netto Análise de Projetos Aurelino Freitas, Emanuela Fernandes e Fabrícia Góis SECRETARIA DE PROTEÇÃO SOCIAL, JUSTIÇA, CIDADANIA, MULHERES E DIREITOS HUMANOS (SPS) Secretária de Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos - SPS Socorro França Coordenação Técnica PROARES III SPS Maria de Fátima Lourenço Magalhães Gerência Técnica do PROARES III Anete Morel Gonzaga Gerência de Fortalecimento Institucional do PROARES III Selma Maria Salvino Lôbo UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE (UANE) Gerência Pedagógica Viviane Pereira Coordenação de Cursos Marisa Ferreira Design Educacional Joel Lima Front-End Isabela Marques CURSO PROTEÇÃO SOCIAL: PROGRAMA INTEGRADO DE EDUCOMUNICAÇÃO Concepção e Coordenação Geral Cliff Villar Coordenação de Conteúdo Ana Lourdes Leitão Revisão Daniela Nogueira Projeto Gráfico, Edição de Design e Coordenação de Marketing Andrea Araujo Design Mariana Araujo, Miqueias Mesquita e Kamilla Damasceno Arte-terapia Joana Barroso Ilustrações Ana Luiza Travassos de Oliveira Carvalho, Anny Rammyli Nascimento da Silva, Antônia Travassos de Oliveira Carvalho, Bárbara Vazzoler Villar, Beatriz Vazzoler Villar, Bernardo Saraiva Pinheiro, Davi Bogea Caldas, Fernanda Vitória de Almeida Matos, Francisco Mateus Braga da Silva, Guilherme Araújo Carvalho, João Vazzoler Villar, João Victor Batista Veloso, Júlia Nogueira de Holanda, Luanna Madureira Marques, Lucas Mesquita Mororó, Lucas Sobreira de Araújo, Maia Alease Lima Oliphant, Maria Clara Negreiros Lobo, Maria Júlia Sousa de Oliveira, Mariana Negreiros Lobo, Mariana Vazzoler Villar, Mateus Saldanha Félix, Maurício Rafael Cipriano Gomes, Rafaela Microni Santos, Thalita Sophia Moreira da Silva, Yasmin Microni Santos, Yasmin Monteiro Gomes Bezerra, com intervenção de Carlus Campos Análise de Marketing Digital Fábio Júnior Braga SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 2 PROMOÇÃO DA CIDADANIA E DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS PARA A POPULAÇÃO LGBTQIA+ 3 POPULAÇÃO LGBTQIA+ E SAÚDE NO BRASIL DIREITOS HUMANOS E A LGBTFOBIA 4 POPULAÇÃO LGBTQIA+ E MERCADO DE TRABALHO 5 DOS DOCUMENTOS OFICIAIS ÀS FRENTES DE AÇÕES REFERÊNCIAS 148 149 150 156 157 159 Ilustração de Júlia Nogueira de Holanda com intervenção de Carlus Campos 1 148 | Fundação Demócrito Rocha | Universidade Aberta do Nordeste o foco e a força motriz para a busca por garantia de direitos para tais sujeitos. Por- tanto, a sigla utilizada hoje para fins de no- menclatura é a LGBTQIA+, que representa um movimento político e social que busca fomentar a garantia dos direitos funda- mentais de cada cidadão e cidadã, respei- tando e reconhecendo a diversidade em torno das orientações sexuais, afetivas e identidades de gêneros. Este fascículo se divide, então, em pontos fundamentais e históricos para a luta LGBTQIA+, iniciando com a discussão sobre as políticas de saúde, pensando-a como um Direito Humano básico e sendo este o ponto de partida histórico da or- ganização política das populações LGB- TQIA+. Em seguida, trataremos sobre os direitos e a LGBTfobia no Brasil, elemento importante para compreendermos a vio- lência e o acesso aos direitos fundamen- tais de cidadania da população LGBTQIA+. Em consonância ao acesso aos direitos, será tratado sobre a configuração do mer- cado de trabalho para a população LGBT- QIA+ e, em seguida, os documentos legais que balizam as ações e luta por direitos. A o falarmos sobre população LGBTQIA+ no Brasil, muitas questões nos são tensionadas, especialmente no campo da ci- dadania e direitos humanos. Ao contrário do que o senso comum muitas vezes apre- goa, a luta por direitos por parte desta po- pulação é um capítulo longo e de muitos anos na nossa história, tendo seu marco nas décadas de 1960 e 1970, não por aca- so, décadas marcadas por movimentos que reivindicavam a ampliação dos direi- tos sociais e civis de populações até então excluídas do conceito de cidadania. INTRODUÇÃO É importante apresentar já aqui o porquê da várias letras e significados das siglas. Desde que os movimentos começaram a tomar forma e organizar-se, houve uma prevalência das nomenclaturas gays e lésbicas, já mais organizados politicamente. Contudo, outras represen- tações foram se formando, organizando e somando forças ao movimento. Não há de se romantizar e pensar que houve consenso desde o princípio, mas, desde a década de 1990, há um esforço para que o movimento represente toda a diversidade que existe nele, sendo essa diversidade Ilustração de Júlia Nogueira de Holanda com intervenção de Carlus Campos 2 Curso Proteção Social: Programa Integrado de Educomunicação | 149 PROMOÇÃO DA CIDADANIA E DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS PARA A POPULAÇÃO LGBTQIA+ O contexto de lutas da popula-ção LGBTQIA+ aqui no Brasil seguiu uma onda que se ar-refeceu com um marco histó- rico, necessário para se pensar as lutas e construção de movimentos dessa po- pulação, que é Stonewall ou a Revolta de Stonewall, que merece um momento para sua explicação. Stonewall Inn, era um bar de Nova Ior- que frequentado, principalmente, por tra- vestis, gays afeminados, lésbicas masculi- nas, michês, drags, negros e LGBTs pobres (QUINALHA, 2019). Representavam, dessa forma, um conjunto da população excluí- da dos direitos de cidadania nos Estados Unidos e em todo o mundo. Estamos fa- lando de 1969, período em que iniciava o arrefecimento das lutas da população ne- gra americana em busca da conquista por reconhecimento de seus direitos civis e políticos. Após uma violenta ação da polí- cia direcionada aos frequentadores deste bar, como reação, eclode-se uma revolta espontânea, protagonizada pelos sujeitos que iam àquele bar e que, sem qualquer acusação, foram presos e violentados pela polícia. Desta revolta espontânea, causada pela ação de um ente do estado que não reconhecia a cidadania daqueles sujeitos, explodiram manifestações em prol das liberdades e direitos das pessoas LGBTs1. No entanto, Stonewall não é o iní- cio do movimento LGBT; as associações e 1 Neste momento histórico, a sigla utilizada ainda era a que dava conta de gays, lésbicas e travestis; portanto, a escrita se organizará a partir dos usos históricos das siglas. movimentos já existiam, especialmente os de homens gays. As lutas feministas, luta do movimento negro, juventudes e as lutas por liberdade sexual, que se construíam desde a década de 1950, são marcos importantes para a organização de tais movimentos. Em termos de organização política, po- demos apontar como o grande momento as décadas de 1970 e 1980, por causa de um fato importante ligado à saúde pública: Ilustração de Júlia Nogueira de Holanda com intervenção de Carlus Campos 3 150 | Fundação Demócrito Rocha | Universidade Aberta do Nordeste a epidemia da aids2. Tendo esta epidemia uma marca do preconceito (pois todos a associavam a uma “doença de gays”), organizar-se politicamente era necessário para garantir acesso ao direito à saúde e à própria vida. Tal movimentação se faz em torno da negação de um direito humano básico ao ser humano: a vida. Desse modo, podemos compreender a epidemia tanto do ponto de vista biológico como “uma construção social” (MISKOLCI, 2017). A aids passa por um processo de construção cultural, em que se faz atrelada ao com- portamento sexual imprimido por certos indivíduos, pois passa a ser reconhecida como uma doença sexualmente transmis- sível (DST)3, colocando no foco grupos de indivíduos que não seguiam a ordem sexu- al historicamente vigente. Nesse sentido, as construções sobre a doença, a forma como a sociedade a encarou (encara) e mitos construídos em torno das suas vi- vências e formas de contágio acabam por nutrir uma “resposta conservadora à Re- volução Sexual”(MISKOLCI, 2017) em cur- so tanto no Brasil como em todo o mundo. Podemos afirmar, então, que a aids foi um elemento que catalisou as lutas dos movimentos gays, lésbicos e de travestis (especialmente), como forma de se con- trapor à investida conservadora contra tais grupos, que tinham na resistência política a via para denúncia contra os ataques aos seus direitos fundamentais de existência. 2 Termos referenciados a partir dos documentos da UNAIDS, 2017. 3 Atualmente a nomenclatura e sigla utilizadas são: In- fecções Sexualmente Transmissíveis – IST. Tal denomi- nação passou a ser utilizada a partir de 2016, quando da publicação do Decreto nº 8.901/2016 publicada no Diário Oficial da União em 11.11.2016, em que orienta a substituição e apresenta a justificativa de que o ‘D’ (doença) se refere a sintomas e sinais perceptíveis no indivíduo, ao passo que ‘I’ (infecções) podem ser assin- tomáticas ou manter-se por períodos assintomáticos, porém possíveis de serem transmitidas. POPULAÇÃO LGBTQIA+ E SAÚDE NO BRASIL Na análise documental da legislação brasileira sobre a área saúde e legislações do Brasil, no que diz respeito às políticas públicas para LGBTQIA+, podemos observar que o cenário legal do Sistema Único de Saúde (SUS) está mais bem ancorado em decretos, planos e políticas nortea- doras de ações que visem à promoção e às estratégias para que tal promoção possa ser implementada, do que a área do trabalho, enquanto empregabilidade, por exemplo. Por mais que haja a interconexão das áreas para que possa exis- tir o acesso integral e pleno à cidadania e defesa dos direitos hu- manos, é importante ressaltar que cada área de atuação é formada por especificidades que carecem de ações próprias para a manu- tenção e o acesso de grupos heterogênicos, o que faz com que as práticas precisem ser pensadas a partir de suas especificidades. Curso Proteção Social: Programa Integrado de Educomunicação | 151 Também é importante ressaltar esse ponto nevrálgico, pois, quando evidencia- mos as ações voltadas para a população LGBTQIA+, não estamos procurando ou gerando privilégios em detrimento a ou- tras populações. Ao contrário, quando go- vernamentalmente as especificidades são acolhidas, o que temos é um cenário de acesso e manutenção de políticas públi- cas para todos os públicos possíveis, ob- servando as distintas ofertas necessárias para que haja, efetivamente, promoção dos serviços de maneira a atender a maior promoção de serviços com ampliação quantitativa e qualitativa, privilegiando um atendimento humanizado da deman- da pública, visando a uma qualidade sem- pre maior nesses atendimentos. Pensando a partir dessa linha de racio- cínio, o SUS explana, a partir de sua Polí- tica Nacional de Saúde Integral de LGBT uma caminhada em prol de valorizar e amparar a população que se encontra in- clusa nesse grupo. Temos, portanto, uma ampla documentação que foi revisitada e reformulada durante anos para que os atendimentos e acesso possam estar em consonância com o cenário atual popu- lacional e suas demandas. No entanto, essa afirmativa documental não implica, necessariamente, acesso real e amplo. Também não significa que não haja ações ocorrendo para que o acesso e a manu- tenção das práticas da saúde sejam ofer- tados e oferecidos. Mas tais práticas per- manecem em um local de aprendizagem e desenvolvimento no Brasil. No que diz respeito a marcos legais, temos em 2006 uma primeira inserção no SUS que evidencia a busca por um aten- dimento mais humanizado. Nesse ano, a Carta dos direitos dos usuários de saúde in- troduziu o direito ao uso do nome social para travestis e transexuais, e essa movi- mentação resultou na Portaria nº 1.802 de 2009, no artigo 4 inciso I. Uma ação como essa respeita a dignidade humana e colabora para o acesso em maior escala da população trans na área da saúde. Outro documento que ampara e busca colaborar com a disseminação dos aten- dimentos para essa população é o que institui o processo transexualizador, for- mulado em 2008 e ampliado e redefinido em 2013 a partir da portaria 2803/2013. Nessa portaria procedimentos como hormonização, cirurgias de modificação corporal e genital e o acompanhamento multiprofissional tornam-se acesso per- mitido para toda a população trans, e não apenas para mulheres trans, como estava previsto em 2008. Assim, abarca homens trans, mulheres trans e travestis, aumentando sua oferta à saúde. Vale ressaltar que tais procedimentos ainda não são ofertados em todos os es- tados brasileiros, podendo ser encontra- dos apenas nas cidades de Porto Alegre, Goiânia, Recife, São Paulo e Rio de Ja- neiro. O mais alarmante é que, para ter o acesso efetivo a tal processo, há uma fila de espera de mais de dez anos. Em 2012 é redigido o Plano Operati- vo da Política Nacional de Saúde Integral, com gerência e revisitação programada de 2012 a 2015. Esse primeiro plano já de- limita estratégias para gestões em todos os âmbitos, federal, estadual, municipal e Distrito Federal, e traz em seu norte a ne- cessidade de uma articulação intra e inter- setorial na transversalidade para o desen- volvimento de tais políticas públicas. Ilustração de Beatriz Vazzoler Villar com intervenção de Carlus Campos 152 | Fundação Demócrito Rocha | Universidade Aberta do Nordeste e bissexuais, por exemplo, não eram, ne- cessariamente, atendidas em suas especi- ficidades, e não eram contabilizadas para fins estatísticos. Não havendo o aporte estatístico nacional, há uma maior difi- culdade e possibilidade de estratégias a serem desenhadas assim como de planos serem efetivamente concretizados. Essa questão, até hoje, é uma luta que os mo- vimentos sociais LGBTQIA+ realizam, com um olhar em especial às movimentações trans, em busca das demandas que solici- tam acesso e atendimento. Em continuidade à Política Nacional de Saúde Integral de LGBT, em 2017, a partir da Resolução n.º 26 de setembro, há a inserção do II Plano Operativo da Po- lítica Nacional de Saúde LGBT. Esse Plano é composto por cinco eixos que contam com as importâncias para que haja aces- so, promoção, educação, mobilização e monitoramento das ações necessárias para que o atendimento seja pleno. Tam- bém tem nove estratégias para que haja desde o aperfeiçoamento e qualificação Desse Plano Operativo é construída, em 2013, a Política Nacional de Saúde Integral de LGBT, pelo Ministério da Saúde, com a organização da Secretaria de Gestão Es- tratégica e Participativa. Esse documento evidencia mais uma grande conquista das movimentações sociais, já que elas são as norteadoras e balizadoras para que tais po- líticas possam vir a se concretizar em ações necessárias para o acesso e o atendimento da população LGBTQIA+. É essa política que vai expressar e agir para que todas as estra- tégias predefinidas anteriormente possam ser efetivamente implementadas, fiscaliza- das e, se necessário, repensadas. Mais uma vez, é importante evidenciar que muitas vezes os documentos cami- nham com maior agilidade que as ações. Nesse sentido, por mais que tenhamos, já em 2013, uma ampla documentação a res- peito do acesso e atendimentos a popula- ção LGBTQIA+, ainda se faz necessária uma atenção muito pontual para essa mesma população que não consegue encontrar uma acolhida tão ampla, na prática. No que se refere à demanda de atendi- mento, é fundamental pensar nos proces- sos formativos de profissionais, para além dos espaços físicos necessários para tal fim. A população LGBTQIA+, durante sua historicidade de existência no Brasil, sem- pre foi realocada para outras demandas de atendimento. Pessoas lésbicas, gays de profissionais da área até a estimulação e o fortalecimento da população LGBT nos espaços de participação popular e de edu- cação para o controle social. Atualmente o Brasil também tem três focos preventivos para crianças e adoles- cente entre 3 e 17 anos que sejam LGB- TQIA+, estando contidos apenasnas regi- ões Sul e Sudeste, especificamente em São Paulo, Campinas e Porto Alegre. Em terri- tório nacional há também 14 ambulatórios LGBT, que estão em Curitiba, Belém, Belo Horizonte, Brasília, Campo Grande, Floria- nópolis, Fortaleza, Goiânia, João Pessoa, Lagarto, Recife, Ribeirão Preto, São Paulo e Curso Proteção Social: Programa Integrado de Educomunicação | 153 Niterói. Às pessoas que não se encontrem nesses grandes polos é oferecido um ser- viço de tratamento fora de domicílio. Esse número de ambulatórios, dada a extensão territorial nacional, ainda é muito baixo e por se encontrarem em grandes centros populacionais, se por um lado viabilizam a possibilidade de acesso a uma parcela maior da população, por outro retardam a possibilidade de acesso a uma grande parcela da população LGBTQIA+, que se encontra vulnerável em cidades menores, com repasses e verbas mais restritas. Ações como o Conselho Estadual de Combate à Discriminação LGBT do estado do Ceará são um exemplo claro das mo- vimentações sociais em busca de conso- nância participativa para com o governo, para que haja a expansão de acesso para a população LGBTQIA+, mas também para que haja a possibilidade educacional da população brasileira contra as discrimi- nações com essa mesma população. Esse Conselho visa monitorar, fiscalizar e avaliar a execução de políticas públicas para a po- pulação LGBT e é uma conquista histórica de movimentos sociais cearenses que efe- tivam, por meio da paridade de represen- tantes do Poder Público Estadual do Ceará com representantes da sociedade civil, um órgão que é consultivo e deliberativo. Como ressaltado anteriormente, é im- prescindível que as demandas LGBTQIA+ sejam contabilizadas oficialmente para que a saúde integral dessa população possa ser efetivamente atendida. Portan- to, para além do levantamento oficial de demanda, dadas as multiplicidades de vi- vências e possibilidades de experiências que estão contidas nessa grande sigla, é evidente a necessidade de uma promo- ção educacional que tenha como meta aportar profissionais da área da saúde com um olhar mais próximo e acolher as necessidades básicas dessa população. Todas essas documentações também precisam estar mais próximas das ações realizadas pelos governos vigentes, para que as políticas públicas transversais pos- sam ter uma participação mais objetiva e clara nas deliberações de verbas públicas para programas de atendimentos básicos voltados para a preservação das vidas LGB- TQIA+, já que, atualmente, é uma das popu- lações mais violentadas socialmente. Por não haver contabilização oficial de dados que componham a população LGB- TQIA+, a geração de políticas para preven- ção da saúde mental, por exemplo, fica muita debilitada e inconstante. No que diz respeito à orientação sexual, muitas pes- soas deixam de compor um quadro mais verdadeiro, pois são contabilizadas ape- nas como pessoas cisgêneras4, não haven- do o cuidado em ressaltar a importância de saúde para os espectros de sexualida- des possíveis de serem vividos. No que diz respeito à população trans e travesti, não há nacionalmente essa contabilização as identidades de gênero composta no es- pectro identitário. Logo, ações de políti- cas públicas ficam pouco ancoradas nas realidades do cenário social das pessoas trans, gerando uma onerosa e lenta ação de acesso ao sistema. Levando em consideração que a popu- lação LGBTQIA+ brasileira, mesmo havendo leis protetivas, ainda é alvo de uma quan- tidade muito alta de violências e discrimi- nações, compondo o ranking de país que mais assassina pessoas trans, por exemplo, é mais do que importante que a área da saúde esteja não apenas atenta, mas pron- ta para o atendimento dessa população, que carece de uma atenção primária mais consolidada e especializada, para que seja garantida a preservação da vida, direito e desejo fundamental no território brasileiro. 4 O termo cisgênero se reporta ao indivíduo que se identifica com o seu gênero biológico. Ilustração de João Vazzoler Villar com intervenção de Carlus Campos 154 | Fundação Demócrito Rocha | Universidade Aberta do Nordeste Ao tratarmos de populações excluídas, fa- lamos, ao mesmo tempo, de resultados de construções de imagens de determinados indivíduos e conjuntos de indivíduos que são construídas e alimentadas por grande parcela da população, inclusive o próprio Estado. Tal exclusão se reflete diretamente nas ações (ou inexistência delas) e políti- cas públicas voltadas a populações espe- cíficas historicamente excluídas. Em se tratando da população LGB- TQIA+, há um vácuo no que concerne às garantias de direitos, à criação e à efetiva- ção de políticas públicas e, principalmen- te, à garantia do direito humano essencial: a vida. Percebemos isso ao nos reportar- mos aos dados que deveriam alimentar as informações sobre as violências contra esse público e que deveriam balizar as políticas de enfrentamento à LGBTfobia no Brasil. Somente em 2019, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública5 passa a divulgar, pela primeira vez, em seu levan- tamento nacional publicado anualmente, os dados oficiais sobre a violência contra a população LGBTQIA+. Tais dados são fornecidos pelas Secretarias da Seguran- ça Pública e mostram o quão desarticula- das ainda estão tais informações. Vários estados não forneceram dados, como o estado do Ceará. Isso mostra não só uma falta de interesse em publicizar dados como também o descaso com informa- ções que são importantes para justificar e organizar o foco de políticas públicas de combate e prevenção à LGBTfobia. Aten- tamos aqui para a questão de que não se trata de uma política pública específica, 5 O Anuário Brasileiro de Segurança Pública é uma publicação organizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. mas uma ação intersetorial, que requer planejamento e ações em vários âmbitos das políticas públicas, articulando educa- ção, assistência social, saúde, segurança pública e demais políticas de estado. En- tende-se LGBTfobia como (...) os crimes e manifestações múltiplas de ódio e preconceito a todo e qualquer sujeito gay, lésbica, bissexual, travesti e transexual que escapa a norma sexista e heteronorma- tiva estruturada na sociedade, de forma que referir-se apenas como homofobia, invisibili- zaria as particularidades da lesbofobia, bifo- bia e transfobia que embora se diferenciem na nomenclatura, é semelhante no papel opressivo de conduzir estes sujeitos à situa- ções de violência e violações enquanto pes- soas portadoras de direitos sociais garantidos de bem estar e acessos sociais (PONTES et. al apud LEMOS, 2017) Tramitava na Câmara Federal há um tempo a PLC 122/06 que tentava incluir à Lei 7.716 a homotransfobia ou simples- mente LGBTfobia, como crime análogo ao racismo. Tal lei tenta trazer ao campo jurídico uma ferramenta de proteção e uma retratação por parte do Estado em relação a formas legais de proteção à po- pulação LBGTQIA+, excluída e invisibiliza- da dentro das ações de proteção e garan- tia dos direitos fundamentais do cidadão. Somente em 2019 e após decisão do Superior Tribunal Federal (STF), a Lei de Injúria Racial passou a incluir também a LGBTfobia como crime de racismo. Dessa forma, a lei fundamenta e deve proteger esta população contra toda e qualquer forma de injúria e discriminação que atente contra sua integralidade. Ainda de acordo com o último Anuário Brasileiro de Segurança Pública, os registros de cri- mes contra a população LGBTQIA+, entre DIREITOS HUMANOSE A LGBTFOBIA Ilustração de Luanna Madureira Marques com intervenção de Carlus Campos Curso Proteção Social: Programa Integrado de Educomunicação | 155 os anos de 2018 e 2019, sendo o último ano já com a vigência da nova lei, ainda mostram a dificuldade em se fazer cum- prir a lei de injúria racial como reconheci- mento de proteção contra a LGBTfobia+. Como já exposto, nem todos os estados da federaçãodivulgaram seus dados, o que torna ainda mais difícil a análise da situação em todo o território nacional. Por causa da falta de dados e estatísti- cas sobre a violência contra a população LGBTQIA+, mais especificamente contra a população trans brasileira, a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (An- tra) passa a divulgar, a partir de 2017, um dossiê anual sobre as mortes de travestis e transexuais no Brasil. É um documento mais completo sobre esses dados e fruto dos movimentos sociais de proteção a tra- vestis e transexuais brasileiros. De acordo com o Dossiê de 2020, o Brasil é o país em primeiro lugar no ranking mundial de as- sassinatos de pessoas trans no mundo. Os dados colhidos para o dossiê são frutos de pesquisa sobre notícias e notificações de assassinatos de pessoas trans no país. Tal metodologia se justifica pela dificuldade de notificação por parte das secretarias da Segurança Pública dos estados, assegu- rando que há uma ampla subnotificação de tais casos de violência. Ainda de acor- do com o Dossiê 2020, foram registradas 184 notícias de mortes de pessoas trans, lançadas no mapa dos assassinatos de 2020. A partir do levantamento feito pela Antra, desses 184 assassinatos, 175 foram de pessoas que expressavam o gênero fe- minino, o que aponta outra questão muito importante: o caráter misógino da violên- cia contra pessoas trans no Brasil. Há de se atentar que tais dados são frutos de um período em que teve início a realida- de de pandemia no Brasil e no mundo. A violência cometida contra pessoas trans mostrou-se em maior número e mais se- vera durante a pandemia. Devido às subnotificações e à não di- vulgação de dados por parte dos estados, há a falsa impressão de uma queda desses números em 2019; porém o Dossiê 2020 da Antra alerta para o aumento exponencial dos casos de violência em 2020 e para a falta de ações específicas de enfrentamen- to à violência contra este tipo de violência. O que se observa no Brasil, nos últimos anos, é um desmonte das já escassas polí- ticas voltadas para a população LGBTQIA+. Data de 2001 a criação do Conselho Nacio- nal de Combate à Discriminação (CNCD), que se vinculava ao Ministério da Justiça e era meio de reivindicação e construção de políticas públicas voltadas para esta popu- lação. Se comparado a outros movimen- tos sociais (como negros e mulheres), o movimento LGBTQIA+ conquista de forma tardia algumas pautas que são inclusas na versão construída em 2002 do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH- 2). Dentre as 518 ações previstas nesta segunda versão da PNDH, apenas cinco se referiam à orientação sexual como ga- rantia do direito à liberdade, opinião e ex- pressão e mais dez ações sobre a garantia do direito à igualdade de gays, lésbicas, travestis, transexuais e bissexuais (GLTTB). As questões relativas ao direito à saúde e a eliminação da discriminação institucional da população LGBTQIA+ passam a incluir a terceira versão no PNDH (PNDH 3). Em relação aos dados estatísticos e às estratégias legais e políticas públicas específicas à população LGBTQIA+, perce- bemos no Brasil uma imensa lacuna, além da dificuldade de execução das poucas vias legais já existentes, o que nos leva a afirmar que há uma forte tendência a des- cumprir preceitos básicos dos direitos fun- damentais do cidadão quando se trata de populações específicas como a LGBTQIA+. 4 156 | Fundação Demócrito Rocha | Universidade Aberta do Nordeste POPULAÇÃO LGBTQIA+ E MERCADO DE TRABALHO cado de trabalho” como mantenedor de possibilidades formativas, de saúde, de manutenção básica da vida, enfim. Dada a importância do consumo e expectativa de vida, o mercado de trabalho, tão cita- do e anunciado como vilão ou salvador da pátria, precisa ser não apenas observado, mas fomentado, com um olhar atento e com ações práticas para que sua impor- tância seja concreta e funcional, na vida de qualquer indivíduo ou sujeito social. uando falamos em mercado de trabalho, não estamos falando apenas de uma atividade que será realizada durante um pe- ríodo de tempo para obtenção de renda. Essa leitura de mer- cado de trabalho pode ocorrer dentro dos lares e pela própria vida. No entanto, para que realizemos uma análise com maior amplitude e expressividade nacional, faz- -se necessário visualizar o nicho “mer- É também importante ressaltar que mercado de trabalho não expressa o conceito trabalho, mas está muito mais próximo da tangenciação de empregos e atividades remuneradas. Isso implica evi- denciar um primeiro recorte indispensável para que qualquer análise nessa perspec- tiva possa vir a ser cuidadosamente ob- servada. Portanto, quando anunciamos trabalho, estamos evidenciando a força de trabalho de uma pessoa possível de ser implementada, por exemplo, em um emprego e/ou atividade remunerada, mas não apenas. O sociólogo Karl Marx, a partir da relação dialética entre classes, eviden- cia a produção material como resultante de tal dialética a partir da força de traba- lho da classe proletária, necessária para a preservação da classe burguesa e para a manutenção básica da própria existência. Neste momento, nossa análise não busca aprofundar-se nas fundamentações teóricas das amplitudes de conceitos e suas aplicabilidades, mas faz-se impor- tante ressaltar tais implicações para futu- ras análises e para que não haja generali- zações superficiais a partir dos dados que fundamentarão a leitura que se segue. Assim, quando pretendemos realizar uma explanação a respeito de promo- ção de cidadania e defesa dos direitos humanos, é imprescindível apontar que o recorte utilizado a partir da população LGBTQIA+ está contido em todas as esfe- ras possíveis de análises estruturais, tan- to no que diz respeito à força de trabalho quanto em sua utilização para empregos e/ou atividades remuneradas. Isso impli- ca afirmar que evidenciar dados, mar- cos legais e ações efetivas de promoção de cidadania são parte indispensável da Ilustração de Maria Júlia Sousa de Oliveira com intervenção de Carlus Campos Q 5 Curso Proteção Social: Programa Integrado de Educomunicação | 157 própria atividade de promoção e de di- reitos humanos, pois aborda trajetórias, obstáculos e transformações – tanto que ocorreram como as que ainda precisam ocorrer para que as desigualdades sejam sempre objetos e ações de superação e/ ou transformações sociais. Para este momento, portanto, serão uti- lizados dados da Coqual, grupo que se au- tointitula uma consultoria de populações subrepresentadas no local de trabalho; dados do Transemprego, o maior portal de vagas e currículos para pessoas trans do Brasil; e os documentos federais balizado- res para a construção de políticas públicas na área dos direitos humanos: o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH) II e III, respectivamente de 2002 e 2009. Essas referências são abrangentes e expressam dados e propostas amplas que podem ser utilizadas, posteriormente, para um olhar mais criterioso e objetivo nos diversos ter- ritórios que o Brasil contempla. DOS DOCUMENTOS OFICIAIS ÀS FRENTES DE AÇÕES Dos documentos federais que mais se destacam para a pro-moção da cidadania dos grupos que implicam as vulnerabilida- des mais recorrentes no Brasil, encontra- mos o PNDH. Esse documento é composto por três momentos históricos e de registro distintos e, ao mesmo tempo, complemen- tares. É necessário evidenciar que as po- líticas públicas no Brasil podem e devem perpassar as três esferas possíveis de rea- lização, que, por mais que interligadas, são também autônomas para a apropriação dos programas e planos balizadores governamentais. Isso significa dizer que os governos estaduais e municipais, mesmo estando abaixo hierarquicamente do governo federal, são contidos de autonomia não apenas para propor política inclusiva ou promocional própria, desde que não fira as esferas superiores, como também para criar, a partir de programas e
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