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1 Luana Cortez – Medicina Veterinária Impactos da bovinocultura sobre o meio ambiente A pecuária é em geral considerada a atividade econômica que, em seu conjunto, impacta de maneira mais significativa o meio ambiente em alguns países, como o Brasil. Com isso, os valores da sociedade e o paradigma do mundo dos negócios passaram e estão passando por reformulações a fim de incorporar práticas sustentáveis a seus negócios. De acordo com a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura – FAO (2006), a pecuária pode causar uma série de impactos ambientais negativos, tais como: degradação de pastagens, destruição de ecossistemas ambientais, compactação do solo, poluição dos recursos hídricos e emissão de gases de efeito estufa, com magnitude variável. Todos estes fatores têm uma ligação ao tipo de tecnologia e à forma com que o processo produtivo é conduzido. Assim, o sistema de produção pode minimizar ou maximizar esses efeitos, dependendo do manejo adotado. ❖ Degradação de pastagens Por definição, designa-se como degradação de pastagem ao processo evolutivo de perda de vigor, de produtividade e da capacidade de recuperação natural de uma dada pastagem, tornando-a incapaz de sustentar os níveis de produção e qualidade exigidos pelos animais, bem como o de superar os efeitos nocivos de pragas, doenças e plantas invasoras. Num estádio avançado poderá haver considerável degradação dos recursos naturais (Macedo, 1995). O nível de degradação da pastagem tende a aumentar conforme o descaso das seguintes causas seja permanente: a) má utilização das consecutivas análises: preparo e práticas de conservação de solos; correção de adubação e/ou da acidez; escolha incorreta da espécie forrageira, a qual deve ser precedida de um diagnóstico ao ser utilizada em tal área; manejo animal na fase de formação. b) manejo e práticas 2 Luana Cortez – Medicina Veterinária culturais: manuseio do fogo diariamente; ausência ou uso ineficiente de adubação de manutenção. c) ocorrência de plantas invasoras, pragas e doenças. d) ausência ou aplicação inadequada de práticas do solo após a utilização relativa ou prolongada de pastejo. e) manejo animal: excesso de animais, no caso gados, e sistemas inapropriados de pastejo. Diante disso, o superpastejo é um fator essencial responsável pela degradação de pastagens, o qual reduz a disponibilidade de forragem, fazendo que os animais pastejem a uma altura cada vez mais próxima do solo. Consequentemente, o tempo das forrageiras de se reconstituírem é insuficiente em comparação com a demanda dos animais de obterem mais alimentos, assim, as plantas invasoras de baixo potencial forrageiro começam a dominar a pastagem, iniciando um processo de degradação do pasto local. As consequências desses efeitos do superpastejo sobre a pastagem são a menor produtividade e a menor capacidade de competição com as invasoras e as gramíneas nativas (NASCIMENTO JÚNIOR, 2001). Desse modo, a degradação das pastagens pode ocorrer de forma acelerada caso haja falhas relacionadas, principalmente, ao manejo e às forrageiras, fazendo que a forma inadequada dessas atividades afete a produtividade e a sustentabilidade do sistema de produção e, por consequência, a conservação dos recursos ambientais. ❖ Desmatamento A expansão do pasto para a pecuária é um fator chave do desmatamento, uma vez que converte os ecossistemas naturais em áreas cultivadas para as atividades agropecuárias, esse fato tem ocorrido, principalmente, em regiões da África e da América do Sul. Segundo Rivero et al. (2009), no Brasil, a atividade pecuária está presente tanto nas pequenas propriedades quanto nas grandes e tem se expandido quase continuamente em toda a história recente da ocupação da região amazônica. Na 3 Luana Cortez – Medicina Veterinária Amazônia, a causa do desmatamento está relacionada, essencialmente, à abertura de novas pastagens para a pecuária bovina, visto que a bovinocultura nessa região vem aumentando de forma progressiva, devido ao aumento do consumo de carne. Assim, a remoção da cobertura vegetal para formar o plantio de pastagens agrava outros impactos da bovinocultura sobre o meio ambiente, pois não compromete apenas a biodiversidade, mas também o ciclo da água, pois diminui a infiltração e o armazenamento, liberando gás carbônico para atmosfera que, por consequência, contribui para a mudança climática, aumentando a velocidade de lixiviação, assim, causando a degradação e a erosão do solo. ❖ Compactação do solo Esse impacto é causado, principalmente, pelo pisoteio animal e pelo uso de máquinas, o qual é agravado pela remoção da vegetação pelo pastejo, podendo reduzir a taxa de infiltração e o crescimento radicular das plantas e aumentar a erosão. Como consequência do superpastejo sobre a pastagem, tem-se uma perda da cobertura do solo, que, em razão do impacto do pisoteio excessivo sob altas taxas de lotação, pode provocar a compactação. Essa compactação depende da taxa de lotação animal, da massa de forragem e da sua espécie utilizada no sistema, da classe de solo e do seu teor de umidade. Embora toda a área de pastagem seja afetada de alguma forma pelo pisoteio do gado, os locais mais emblemáticos em termos de degradação são as trilhas de boi, visto que a passagem constante dos animais nesses trechos acaba por gerar depressões que variam de poucos centímetros a pequenas ravinas com profundidades que podem atingir 50 cm de profundidade, sendo resultado da dimensão e extensão do impacto da força exercida sobre o solo em função do pisoteio bovino. A compactação do solo provocada pela criação de bovinos e, consequentemente, pelo pisoteio excessivo altera as propriedades físicas pelo 4 Luana Cortez – Medicina Veterinária efeito repetitivo e cumulativo desse pisoteio sobre o solo, aumentando a sua densidade e reduzindo a sua porosidade total, ou seja, o conteúdo volumétrico de água e a capacidade de campo são aumentados, enquanto a aeração, a taxa de infiltração de água e a condutividade hidráulica do solo saturado são reduzidas. Com isso, o teor de matéria orgânica é muito baixo na área em que há um superpastejo, indicando a total remoção do horizonte A do solo, devido ao intenso pisoteio do gado. Assim, nota-se a redução da nutrição do solo, tornando-o susceptível à erosão devido à remoção gradativa da cobertura vegetal. ❖ Consumo de água Você sabe o que é pegada hídrica? O conceito, cunhado pelo pesquisador holandês Arjen Hoekstra em 2002, refere-se à quantidade de água doce que cada pessoa consome, de forma direta ou, às vezes, até sem perceber, agregada aos produtos e serviços que consumimos. Pegada hídrica do gado:a produção de 1kg de carne bovina exige, em média, mais de 15 mil litros de água (somando-se a água usada na irrigação dos grãos para alimento, dessedentar o animal e no processo de abate, etc.), de acordo com a organização internacional Water Footprint, o que coloca a pecuária como grande vilã quando o assunto é economizar água. Para produzir a mesma quantidade de cereais, por exemplo, são necessários apenas 1644 litros e, além disso, bem mais da metade de tudo que é cultivado no Brasil, destina-se à produção industrial de ração animal, aqui e no exterior. O estudo Contas Econômicas da Água, divulgado pelo IBGE, revelou que a agropecuária nem mesmo compensa o desperdício de água gerando riquezas para o país — contrariando o que seus defensores costumam apontar. O setor foi o que teve o pior desempenho referente àeficiência hídrica: para cada R$1 produzido, a agropecuária precisou usar quase 92 litros de água. A média do Brasil é de 6 litros para gerar R$1. https://waterfootprint.org/en/water-footprint/product-water-footprint/water-footprint-crop-and-animal-products/ https://waterfootprint.org/en/water-footprint/product-water-footprint/water-footprint-crop-and-animal-products/ https://waterfootprint.org/en/water-footprint/product-water-footprint/water-footprint-crop-and-animal-products/ https://www.ibge.gov.br/estatisticas-novoportal/economicas/contas-nacionais/20207-contas-economicas-ambientais-da-agua-brasil.html?=&t=o-que-e https://www.ibge.gov.br/estatisticas-novoportal/economicas/contas-nacionais/20207-contas-economicas-ambientais-da-agua-brasil.html?=&t=o-que-e 5 Luana Cortez – Medicina Veterinária O desperdício se torna ainda mais chocante quando lembramos que aproximadamente ⅔ da população do planeta enfrenta escassez severa de água durante ao menos um mês a cada ano. É um total de 4 bilhões de pessoas sem uma fonte confiável de água doce. ❖ Emissão de gases de efeito estufa Outra externalidade negativa gerada pela atividade pecuária é a emissão de GEE. O setor agropecuário contribui para as emissões antrópicas de metano (CH₄), proveniente da derrubada da floresta para estabelecimento de pastagens e pela ruminação e as fezes dos animais, de dióxido de carbono (CO₂), quando, por exemplo, seu processo de expansão requer desmatamento, ou quando há o manejo inadequado de pastagens pelo uso de fogo, e de óxido nitroso (N₂O), proveniente da utilização no solo de fertilizantes nitrogenados e esterco de animais e da deposição de dejetos de animais nas pastagens. Esse fato resulta no aumento da concentração desses gases, o que provoca o aquecimento da superfície terrestre e destruição da camada de ozônio na estratosfera. O impacto ambiental desta atividade é muito alto, quando se considera que o rebanho mundial bovino tem mais de um bilhão de cabeças, cuja maior parte vive em pastos abertos, ocupando área considerável. Com isso, a atividade agropecuária é responsável por 69% de todas as emissões de gases de efeito estufa (GEEs), ultrapassando as emissões veiculares. No que se refere à fermentação entérica, que é parte do processo digestivo dos ruminantes, Amaral et al. (2012) afirma que, a produção de metano é proporcional à quantidade e inversamente relacionada à qualidade dos alimentos ingeridos. Em conjunto, a fermentação entérica e os dejetos sólidos representam 80% do metano proveniente do setor agropecuário (FAO, 2006). https://advances.sciencemag.org/content/2/2/e1500323.full https://advances.sciencemag.org/content/2/2/e1500323.full https://advances.sciencemag.org/content/2/2/e1500323.full 6 Luana Cortez – Medicina Veterinária No Brasil, por exemplo, – se forem excluídas as emissões de GEE geradas pelas queimadas e desmatamentos – a pecuária (considerando gado de corte e de leite) torna-se a maior fonte emissora, com mais de 260 mil Gg de CO2eq., o que equivale a mais de 42% das emissões de GEE. ❖ Poluição dos recursos hídricos Outras consequências negativas (também chamadas "externalidades negativas" pelos economistas), causadas pela pecuária são a compactação de solos e a liberação de grandes quantidades de nitrogênio e fósforo pelas fezes dos animais nos cursos d'água. Nos Estados Unidos, por exemplo, estima-se que 55% da erosão dos solos e das precipitações de sedimentos nos rios, sejam provocados pelo gado. Em relação à poluição dos recursos hídricos, Philippi (2004) comenta que a água é utilizada pela indústria na fabricação de seus produtos em diversas situações, como lavagem das matérias-primas e de equipamentos, caldeiras para produção de vapor, refrigeração de equipamentos, lavagem de pisos das áreas de produção, incorporação aos produtos, reações químicas, higiene dos funcionários, combate a incêndios, entre outras. Em cada uma dessas utilizações a água fornecida deve seguir padrões mínimos de qualidade, de forma a atender as exigências de cada uso. Em frigoríficos, assim como em vários tipos de indústria, altos consumos de água acarretam grandes volumes de efluentes - 80 a 95% da água consumida é descarregada como efluente líquido. Segundo SENAI (2003), estes efluentes caracterizam-se principalmente por: alta carga orgânica; alto conteúdo de gordura; flutuações de pH em função do uso de agentes de limpeza ácidos e básicos; altos conteúdos de nitrogênio, fósforo e sal; teores significativos de sais diversos de cura e eventualmente, no caso de processos de defumação de produtos de carne, presença de compostos aromáticos diversos e 7 Luana Cortez – Medicina Veterinária flutuações de temperatura (uso de água quente e fria). Desta forma, os despejos de frigoríficos possuem altos valores de DBO5 (Demanda Bioquímica de Oxigênio) e DQO (Demanda Química de Oxigênio) – parâmetros utilizados para quantificar carga poluidora orgânica nos efluentes -, sólidos em suspensão, graxas e materiais flotável. Fragmentos de carne, de gorduras e de vísceras normalmente podem ser encontrados nos efluentes. Portanto, juntamente com sangue, há material altamente putrescível nestes efluentes, que entram em decomposição poucas horas depois de sua geração, tanto mais quanto mais alta for a temperatura ambiente (SENAI, 2003). Segundo Philippi (2004), o lançamento de efluentes líquidos, tratados ou não, nos corpos de água provoca alterações em suas características físicas, químicas e biológicas. Essas alterações poderão ser ou não representativas para o uso a que as águas do corpo receptor se destinam, dependendo da intensidade da carga de poluentes lançada.