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1 WILLYANS MACIEL SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO 1ª Edição 2017 Curitiba-PR Editora São Braz 2 Sumário Palavra do professor-autor ..................................................................................... 6 Aula 1 – Introdução conceitual ............................................................................... 7 1.1 O que é sociologia ....................................................................................... 10 1.2 Os três pilares da sociologia ....................................................................... 11 1.3 Dissidência .................................................................................................. 15 1.4 Sociologia e ciência sociais ........................................................................ 16 Aula 2 – Métodos e as duas linhas da sociologia ................................................ 19 2.1 Métodos da sociologia ............................................................................. 21 2.2 Análise crítica .............................................................................................. 24 2.3 Modo de operação ...................................................................................... 25 2.4 Métodos quantitativos e qualitativos ........................................................... 25 2.5 Objetivo ....................................................................................................... 26 2.7 Elementos focais ......................................................................................... 28 Aula 3 – Histórico e surgimento ............................................................................ 31 3.1 Raciocínio sociológico ................................................................................. 33 3.2 A origem do termo sociologia ..................................................................... 36 3.3 Positivismo .................................................................................................. 38 3.4 Estudo da história ........................................................................................ 41 3.5 Críticas à Comte .......................................................................................... 42 Aula 4 – Sociologia como disciplina ..................................................................... 44 4.1 Herbert Spencer ........................................................................................ 45 4.2 Fundação acadêmica .................................................................................. 48 4.3 O método de Durkheim ............................................................................... 51 4.4 Sociologia como uma ciência ..................................................................... 52 Aula 5 – Anti-positivismo e a escola sociológica alemã ....................................... 55 5.1 Positivismo ................................................................................................ 56 5.2 Variedade acadêmica ................................................................................. 57 5.3 Neo-kantianos ............................................................................................. 59 3 5.4 A escola sociológica alemã ......................................................................... 60 5.5 A contribuição de Max Weber ..................................................................... 60 5.6 Sociologia pura e aplicada de Tönnies ....................................................... 61 5.7 Ação humana e ação social ........................................................................ 61 5.8 Georg Simmel.............................................................................................. 62 5.9 Racionalização ............................................................................................ 64 Aula 6 – Teorias sociológicas ............................................................................... 66 6.1 Teorias sociológicas ................................................................................. 69 6.2 Teoria sociológica moderna ........................................................................ 70 6.3 Funcionalismo ............................................................................................. 71 6.4 Teoria do conflito ......................................................................................... 72 6.5 Interação simbólica ..................................................................................... 73 6.6 Utilitarismo ................................................................................................... 75 6.7 Problemas sociológicos centrais ................................................................. 76 Aula 7 – Sociologia da educação ......................................................................... 79 7.1 Conceito de Sociologia da Educação ......................................................... 81 7.2 Fundação da sociologia da educação ........................................................ 82 7.3 O cenário pós II Guerra Mundial (1939–45) ............................................... 83 7.4 Mobilidade social ......................................................................................... 85 7.5 Perspectivas teóricas .................................................................................. 87 7.6 Utilitarismo ................................................................................................... 92 Aula 8 – Sociologia no mundo e no Brasil ............................................................ 95 8.1 Sociologia e o Brasil República .................................................................. 96 8.2 Linhas e escola sociológica no Brasil ......................................................... 99 8.3 Questões de sociologia atual .................................................................... 102 Referências ......................................................................................................... 110 Currículo do professor-autor ............................................................................... 111 4 FICHA TÉCNICA Direção Geral Silvio Nobuyuki Akiyoshi Diretor Comercial Vagner Cauneto Coordenação Acaêmica Renata Ballarini Troiani Vicentini Coordenação do Curso Fábio Vaz dos Santos Coordenação de Educação a Distância Wanderlane Gurgel do Amaral Projeto Instrucional Materson Christofer Martins Wanderlane Gurgel do Amaral Diagramação Renata Ballarini Troiani Vicentini Lucas Conceição Gomes Catalogação na fonte da Biblioteca da Faculdade GUIA DA DISCIPLINA 5 Esse guia da disciplina e as rotas de aprendizagem fornecem um direcionamento para os estudos, por isso, podem ser acessados a qualquer momento do percurso da disciplina. Lembramos ainda, que o tutor online é o seu primeiro ponto de apoio nesse processo educacional, conte com ele sempre que desejar. 1- Título da Disciplina Sociologia 2- Carga Horária 2.1 Carga horária total: 80 horas 2.2 Carga-horária presencial: encontros obrigatórios realizados uma vez por mês na instituição. Este momento é destinado à interação com o tutor presencial e colegas de turma para a discussão e socialização das temáticas estudadas. Para integração dos conhecimentos, serão propostas atividades em equipe (como apresentações, pesquisas, discussões e outros). 2.3 Carga-horária a distância: horas de estudos com orientação dos tutores on- line. Esses estudos incluem vídeo aulas, participação em fóruns, chats e outras atividades no ambiente virtual de aprendizagem. 3- Ementa 4- Objetivos Geral 4.1 Objetivos Específicos: 5- Programa 6- Metodologia Você estará em contato com os colegase com os tutores por meio de uma sala de aula virtual exclusiva para a disciplina. Esta sala de aula virtual está sediada no MOODLE, um programa computacional conectado à Internet. No ambiente virtual de aprendizagem a disciplina está organizada em rotas de aprendizagem. A rota de aprendizagem apresenta-se como um aprofundamento detalhado deste plano de ensino da disciplina. Cada etapa das rotas de aprendizagem tem duração semanal e iniciam com atividades de sensibilização e contextualização sobre as temáticas a serem estudadas nessa disciplina. Após a semana destinada à sensibilização e contextualização, você inicia a leitura do material didático (livro) e assiste às vídeoaulas. É importante observar os horários dos chats para a discussão e interação com os colegas do curso e com o tutor online. Nas rotas de aprendizagem também estão previstas atividades online. Você poderá realizar as atividades sugeridas e dialogar com os seus colegas de estudo e tutores. A organização das rotas de aprendizagem prevê, por módulo, dois encontros presenciais obrigatórios no polo de apoio. Durante os encontros presenciais com sua turma, serão propostas atividades para você resolver nos momentos presenciais, seja individualmente ou em grupo, com a supervisão do tutor do seu polo. 7- Avaliação A avaliação da aprendizagem se efetiva no percurso da disciplina, a partir das atividades realizadas no ambiente virtual de aprendizagem, por meio dos registros das análises críticas das leituras, participação nos fóruns, desenvolvimento de pesquisa, produção de textos e outros. Nos encontros presenciais, a partir das atividades desenvolvidas. 6 Avaliação escrita ao término da disciplina, na modalidade presencial e sem consulta. A média para a aprovação em cada disciplina deve ser igual ou superior a 7,0 e é composta da seguinte maneira: Caso você não atinja esta média, poderá realizar uma avaliação de exame final, desde que tenha frequência mínima de 75% e média não inferior a quarenta (40). No exame final será aprovado o aluno que obtiver grau numérico (nota) igual ou superior a 50 na média aritmética entre o grau do exame final e a média do conjunto das avaliações realizadas. Alunos que não obtiverem a nota mínima de 50 estarão reprovados. A frequência mínima de 75% compreende a presença nas atividades presenciais previstas e as atividades descritas nas rotas de aprendizagem. A frequência das atividades presenciais é apreciada e monitorada pelo tutor do Polo via portal acadêmico (relatório de chamada). Para as atividades a distância, a frequência é aferida através do sistema acadêmico da FSB (sala de aula virtual Moodle), onde é possível retirar relatórios a respeito dos acessos dos estudantes, downloads realizados, mensagens enviadas e recebidas, postagens nos fóruns e participação nos chats. Palavra do professor-autor (Soma das atividades online) X 4 + (Nota prova presencial) X 6 : 10= MÉDIA 7 Olá estudante. Compreender o que falamos ao entrar em um diálogo é fundamental para que possamos proceder este dialogo de maneira adequada e produtiva. Quando apenas um sabe onde quer chegar, temos uma exposição, mas quando ambos sabem onde querem chegar, temos um trabalho colaborativo. Nesta disciplina procuraremos trabalhar da segunda maneira. Procederemos o estudo do contexto histórico do surgimento da Sociologia, das principais correntes e concepções dos autores clássicos com ênfase nos que se destacaram no Brasil priorizando-se conceitos e elementos sociológicos para a análise e intervenção nas práticas educativas. Como forma de ampliar seus conhecimentos, não deixe de explorar as outras ferramentas do curso, como as videoaulas e o ambiente virtual de aprendizagem. Bons estudos! Prof. Willyans Maciel Aula 1 – Introdução conceitual 8 https://br.freepik.com/fotos-gratis/homem-que-monta-sua-bicicleta-na- rua_980036.htm#term=pessoas andando&page=2&position=6 9 Olá estudante! Seja bem-vindo, seja bem-vinda à primeira aula da disciplina de sociologia. Nesta aula estudaremos o conceito e histórico de sociologia, perguntando-nos como ela surge e quais as razoes de seu surgimento. Exploraremos também a condição da sociedade no momento em que surge a sociologia, bem como os fatores históricos que deram origem a esta disciplina, mas prioritariamente, nesta aula, procuraremos compreender o que é a sociologia e ter uma visão ampla desta disciplina, mesmo que ainda parcial. Figura 1.1 - Relações sociais Fonte: © Freepik https://br.freepik.com/fotos-gratis/grupo-de-amigos-que-andam-e-que- falam_899408.htm#term=pessoas andando&page=3&position=0 Esta visão geral da sociologia nos permitirá avançar pela exploração da história da sociologia da educação sem perdermos a visão geral, além de nos atermos aos critérios fundamentais, o que também impedirá que nos detenhamos em ideias e teorias ultrapassadas ao longo do caminho. Ao fazê-lo procuraremos entender a aplicação e os ramos em que se divide a sociologia na atualidade. Nesta aula faremos jus à ideia de saber onde queremos chegar, explorando o que é a sociologia na atualidade. Muitas vezes temos uma visão 10 simplista, oriunda do cotidiano, ou mesmo não estamos familiarizados com o termo. Por esta razão, a primeira pergunta que faremos nesta disciplina é: O que é sociologia? 1.1 O que é sociologia Em uma concepção geral, podemos responder à pergunta “o que é sociologia”, de duas formas. A primeira, que a sociologia é o estudo da sociedade e a segunda que a sociologia é o estudo dos indivíduos quando em sociedade. Porém, em uma acepção mais contemporânea e se quisermos ser mais rigorosos com os elementos envolvidos na formação e funcionamento da sociedade, podemos dizer que a sociologia é o estudo do comportamento dos indivíduos quando em sociedade. Esta distinção entre “sociedade”, como uma estrutura que determina os indivíduos e comportamentos e, “indivíduos agindo em sociedade”, como elementos que a compõe, será mais relevante quando falarmos da distinção objetivo/subjetivo. Por hora e, em termos gerais, a sociologia é uma disciplina cujo objeto e métodos tratam da sociedade, de suas estruturas, de sua organização. Uma disciplina muito recente e ainda em pleno desenvolvimento, cujo estatuto científico ainda é questionado mesmo entre sociólogos. Glossário Estatuto científico - categorização como ciência, parte da ciência ou relativo à ciência. Trata também da aceitação da comunidade científica de um elemento ou disciplina como uma ciência em si ou como algo que se vale do método científico. Neste estudo da sociedade a sociologia inclui as origens, o desenvolvimento, as instituições, a organização e conexões do comportamento social, entre outros elementos que podem surgir durante a investigação. A sociologia objetiva compreender a sociedade como um todo. 11 1.2 Os três pilares da sociologia Como uma disciplina que se pretende científica, a sociologia precisa ter ordem e estrutura. Precisa organizar-se em torno de alguns elementos que permitam que seja compreendida e estudada em si mesma, bem como possa executar seus estudos sobre a sociedade. Esta estrutura é representada pelos três elementos que compõem a sociologia: Ordem social; Desordem social; Mudança social. Com estes elementos em conjunto a sociologia estrutura-se e constitui seu ambiente de trabalho. 1.2.1 Ordem social e desordem social Thomas Hobbes foi o primeiro a formular a questão da ordem social, na forma de como e por que existe ordem social. Esta questão torna-se central e relevante para diversas áreas além da sociologia, como a filosofia política e a ciência política. 12Figura 1.2: Thomas Hobbes (1588–1679), de John Michael Wright (1617– 94) Fonte: © Wikimedia Commons Link: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Thomas_Hobbes_by_John_Michael_Wright.jp g Atualmente a ordem social é entendida como a forma pela qual a sociedade se organiza e mantém esta organização. Podendo ser compreendida a partir de duas vias: Conjunto de estruturas. Contraste ordem/desordem. Como um conjunto de elementos a ordem social é um sistema de estruturas interligadas da sociedade incluindo as instituições, valores, relações e costumes. Para que se considere que há ordem social é preciso que estas estruturas interligadas conservem e reforcem padrões de relacionamento e comportamento dos indivíduos que compõem a sociedade. Como exemplo temos os sistemas políticos e econômico-estrutural, as repúblicas democráticas da atualidade, as monarquias (constitucionais ou não), em termos econômicos o livre mercado e assim por diante. Cada sistema ou estrutura econômica desencadeará um tipo de comportamento e relacionamento diferente entre os indivíduos. Temos um exemplo no livre mercado quando as pessoas se relacionam por trocas voluntárias, sem que haja distinção entre as diferentes pessoas, imperando apenas o interesse em realizar a troca. Por outro lado, no feudalismo as pessoas se relacionavam por servidão e comando, dependendo da posição das pessoas envolvidas poderia haver uma troca voluntária, um confisco, infringindo os direitos naturais das pessoas, mas que naquela época era aceito socialmente. Glossário Feudalismo - modo de organização social e político baseado nas relações servo- contratuais (servis). Teve origem a partir da decadência do Império Romano. Predominou na Europa Ocidental durante a Idade Média (Sec. V até séc. XIV). 13 Direitos naturais - conceito estabelecido por John Locke, descreve os direitos que todos os seres humanos possuem como indivíduos e que não podem ser coagidos ou infringidos. Locke seleciona um conjunto de direitos que seriam os únicos capazes de atender ao conceito, por não dependermos de nenhum fator externo para os possuir: direitos à liberdade, direito à vida e direito à propriedade. Com relação à comparação entre ordem e desordem social, a ordem social é descrita como um estado de sociedade estável, organizada e ordenada. Por estável entende-se que a forma de funcionamento da sociedade é aceita e mantida por seus membros, não há revoltas ou guerras civis, as instituições são minimamente respeitadas e as funções administrativas são cumpridas. Atualmente entende-se que a ordem social, para que possa ser adequadamente descrita, precisa reunir ambos os sentidos, de conjunto de estruturas e de comparação com a desordem social. Desta forma, a ordem social seria: O conjunto de estruturas de uma sociedade funcionando de modo estável, aceito e mantido por seus membros. Descrita de tal maneira, podemos dizer que a ordem social estabelece o que chamamos costumeiramente, mas nem sempre entendemos completamente, de status quo. O status quo é a abreviação da expressão em latim moderno in statu quo res erant ante bellum, cuja tradução é "no estado em que as coisas estavam antes da guerra", indicando um estado de conformidade e adesão à norma, de manutenção e respeito às instituições, mesmo que o usuário da frase não concorde com as instituições. Status quo não é, portanto, uma expressão positiva ou negativa por si mesma, embora possa ser usada como tal. Ao nos referirmos a uma situação ou cenário como status quo não dizemos se a ordem social à qual nos referimos é vista por nós como boa ou ruim, apenas dizemos que ela é a ordem social atual ou do período ao qual nos referimos. Esta concepção de ignorar, ao menos momentaneamente ou conceitualmente, a nossa percepção de positivo e negativo para analisar o fato ou utilizar o termo adequadamente é fundamental para a formação da sociologia como disciplina acadêmica e, mais ainda, se pretendemos que ela seja respeitada como ciência. 14 1.2.2 Mudança social De modo resumido poderíamos dizer que a mudança social é a alteração, proposital ou acidental, do status quo. Esta alteração pode acontecer de modo amplo e abrangente ou pode ser uma mudança pontual e que não altera o todo da sociedade. Podemos ter, por exemplo, uma mudança social que afeta os membros de uma determinada religião, isto é algo que afeta o status quo, afeta a forma como veremos aqueles indivíduos em sociedade e a maneira como eles se comportarão e a maneira como os outros se comportarão em relação a eles. Porém, neste caso, há pouca influência nos indivíduos que não fazem parte daquela religião e não têm a necessidade de contato constante e direto com tais indivíduos. Uma mudança social no sentido de uma alteração no sistema político de um país, no seu regime, na forma como este país regula ou não regula algum setor causa uma mudança muito mais ampla e que afeta toda a sociedade. Exemplificamos aqui por meio de instituições, mas, a mudança social começa com indivíduos, mesmo quando é procedida por instituições, não podemos esquecer que as instituições não possuem vida própria, mas são dirigidas por indivíduos. Ainda, as mudanças sociais tendem a ser demoradas em sua maioria, especialmente as mudanças que começam por indivíduos. Como exemplo podemos utilizar a mudança na visão do homem cotidiano, não cientista, quanto à revolução copernicana. Durante muito tempo as pessoas continuaram a aderir ao modelo geocêntrico, tendo a terra como centro do que hoje chamamos de sistema solar e todo o universo girando em torno dela, mesmo quando a comunidade científica já havia aderido ao novo paradigma, o modelo heliocêntrico, tendo o Sol como centro do sistema e a Terra girando em torno dele. Glossário Paradigma - conceito em ciência que estabelece um modelo ou exemplo padrão para interpretação de fenômenos, expressando um padrão a ser seguido na análise de tal fenômenos, seja um fenômeno natural ou social. 15 Isto acontece pois, talvez por razões evolutivas pautadas pela sensação de segurança do paradigma anterior, as pessoas tendem a manter sua adesão a um paradigma até que um volume razoável de outras pessoas da mesma sociedade aceite o novo paradigma e aquela pessoa que se mantém no antigo passe a sentir-se deslocada. Para este processo a funcionalidade ou não do paradigma não importa, tudo o que importa é a sensação de segurança de aderir a um paradigma mais antigo em relação a um mais moderno. 1.2.3 Resistência à mudança social Por outro lado, podemos ter a resistência à mudança social, quando a sociedade está mudando de forma geral e indivíduos discordam desta mudança resistindo a ela. Este conceito nos ajuda a entender por que a sociologia atual apresenta um enfoque maior nos indivíduos. Ao ver indivíduos deliberadamente resistindo à mudança social geral. Estes indivíduos não apenas mantêm sua adesão a um paradigma anterior, mas de modo pensado e refletido resistem a um movimento geral da sociedade em direção a uma mudança. Percebemos, assim, que os fatores estruturais da sociedade não definem todas as relações e todos os comportamentos que compõem a ordem social. 1.3 Dissidência Para compreender o funcionamento dos três itens (ordem, desordem e mudança social) um conceito fundamental é o conceito de “dissidência”. A dissidência é o posicionamento ou o sentimento de não-concordância com o consenso geral, ou mesmo um afastamento das posições e interpretações gerais da nossa sociedade. Um dissidente político, por exemplo, é um indivíduo que não concorda com o sistema político que é consenso em seu país. O conceito não cabe muito 16 bem para repúblicas democráticas, baseadas no direito natural à liberdade, que inclui a liberdade de expressão, mas é importantepara compreendermos ditaduras. Em uma ditadura um dissidente político é aquele que não concorda com a condução feita pelo partido ou organização no poder e assim manifesta-se contrário a ela. O dissidente pode ser alguém que inicia uma mudança social como pode ser aquele que inicia a resistência a esta mesma mudança social. Em qualquer dos casos, o processo de dissidência é importante para as sociedades modernas, uma vez que permite o estabelecimento ou desenvolvimento do diálogo, ao levantar uma abordagem ou posição diferente do status quo. Em regimes totalitários, como ainda temos alguns no mundo, ou mesmo em algumas comunidades religiosas fechadas o processo de dissidência pode ser perigoso para o indivíduo, mas na sociedade moderna como um todo é visto como um processo natural e uma expressão da liberdade, desde que não infringida a liberdade de nossos pares. Em um regime totalitário ocorre a supremacia total dos interesses do Estado sobre os interesses dos cidadãos. O Estado possui um governo forte, capaz de controlar de forma absoluta os diversos setores da vida social, como os meios de comunicação, órgão de segurança, entre outras coisas e não há democracia. Nos Estados totalitários não pode haver oposição, pois seus governos prendem ou simplesmente matam seus opositores. A população vive reprimida, sem nenhum direito de expressão. Alguns países que vivem sob regimes totalitários atualmente são China, Cuba, Vietnã, Venezuela, Coréia do Norte e Sudão. 1.4 Sociologia e ciência sociais Uma confusão comum, até pelo nome semelhante, acontece entre sociologia e ciência sociais. 17 As ciências sociais são um campo mais amplo que a sociologia, no sentido de que congregam diversas disciplinas que nem sempre se conciliam com a sociologia. Entre estas disciplinas encontramos a antropologia, que se colocou como uma abordagem diferente de questões semelhantes às da sociologia, mas com um enfoque maior na ideia de homem como ser humano com seus diversos aspectos. Estes diversos aspectos incluem não só o aspecto social, mas também incluem o aspecto evolutivo, da origem da espécie, da forma como evoluímos e nos organizamos, o surgimento da linguagem, das instituições, entre diversos outros temas. Diverge da sociologia na medida em que a sociologia, mesmo quando considera os indivíduos, preocupa-se com a estrutura da sociedade e como esta estrutura se relaciona com os comportamentos e com os relacionamentos que construímos em sociedade. A lista básica de ciências sociais inclui: Sociologia; Antropologia; Economia; Geografia humana; Psicologia; Demografia; Arqueologia; Jurisprudência; História; Linguística; Ciência política. Em alguns países a antropologia e arqueologia são consideradas a mesma disciplina, sendo a arqueologia um campo da antropologia. Esta lista não é exaustiva, trata-se apenas de listar as principais áreas geralmente incluídas 18 nas ciências sociais, mas podendo variar de acordo com o país em termos de disciplinas acadêmicas, departamentos nas universidades e produção científica. A sociologia é, portanto, uma das ciências sociais. É hoje uma disciplina acadêmica e um campo da investigação humana que procura entender o funcionamento da sociedade e, quando possível, oferecer respostas aos problemas encontrados. Seu principal escopo leva em consideração três elementos, que precisamos compreender bem afim de compreender a sociologia: a ordem social, a desordem social e a mudança social. Para entendermos bem estes conceitos precisamos compreender a ideai de dissidência e como ela aparece na sociedade. Ainda, a sociologia analisa as estruturas e instituições da sociedade levando em consideração os indivíduos quando atuando em coletivo. As considerações acerca dos aspectos internos dos indivíduos, por outro lado, ficam a cargo da psicologia, geralmente considerada outra ciência social, ou da filosofia, a mais ampla área do conhecimento e das disciplinas acadêmicas. Atividades de Aprendizagem Considerando o chamado problema hobbesiano, que trata de como e por que a ordem social existe, pesquise e desenvolva um texto de no máximo quinze linhas discutindo qual a ordem social da sociedade brasileira atual. 19 Aula 2 – Métodos e as duas linhas da sociologia Link da figura: https://br.freepik.com/fotos-gratis/mulher-de-negocios-feliz-com-guarda-chuva- vermelho_973645.htm#term=pessoas andando&page=3&position=42 20 Olá estudante! Seja bem-vindo, seja bem-vinda à nossa segunda aula. Agora que já compreendemos o conceito geral de sociologia e os elementos que a compõem, nesta aula iremos um pouco mais a fundo na sociologia para tratar dos principais métodos de trabalho utilizados pelos sociólogos, profissionais que atuam nesta disciplina. Figura 1.1: Método científico Fonte: © Freepik Link da figura: https://br.freepik.com/fotos-gratis/alunos-de-colheita-com-livros-e- bone_1639963.htm#term=ciencia&page=5&position=20 Exploraremos ainda as linhas de pesquisa e análise sociológica que dão base para a sua formatação acadêmica e para a atuação profissional e científica, na análise da sociedade, na coleta de dados e na interpretação destes dados, que como em toda área do conhecimento humano precisa ser procedida de modo idôneo, isento e imparcial. 21 Nenhuma forma de investigação pode ser considerada científica ou pretender vir a ser uma disciplina acadêmica se não possuir métodos próprios para realizar coletas de dados e análise destes dados. 2.1 Métodos da sociologia A sociologia precisa ser baseada na realidade da sociedade e desta forma precisa conhecer a sociedade. Para tanto, é imprescindível que disponha de métodos de coleta de dados e de análise dos dados coletados. Estas duas categorias conceituais da forma de atuação (coleta e análise) serão a base para a seleção dos métodos utilizados pela sociologia. Os métodos empregados pela sociologia se dividem em duas categorias: Investigação empírica Análise crítica Nestas duas categorias poderemos encontrar diversos métodos específicos incluídos e, a sua seleção será feita de acordo com a necessidade em questão, podendo variar de coleta direta, entrevistas, formulários até análise de bibliografias. 2.1.1 Investigação empírica A investigação empírica, também referida como pesquisa empírica, trata da verificação de evidências na realidade, tendo como base a observação e experimentação. Isto significa ir ao universo de investigação da sociologia, a sociedade, e observar ou experimentar as informações. A investigação empírica não inclui qualquer processo de análise ou interpretação mais sofisticada dos dados, trata-se de um trabalho muito próximo da estatística, mas com suas particularidades, que verificaremos mais à frente. A investigação empírica pode ocorrer de duas maneiras, direta ou indiretamente. A investigação empírica direta trata da coleta de dados, da aplicação de questionários, procedimento de entrevistas e aplicação de experimentos com estruturas de dados. 22 De forma geral, trata-se dos momentos em que o profissional de sociologia vai a campo e coleta os dados da realidade, em contato direto com os indivíduos que são sujeitos nos fenômenos acerca dos quais o sociólogo pretende coletar dados. A pesquisa direta exige comprometimento e diligência, além dos atributos óbvios de qualquer cientista, idoneidade, imparcialidade, honestidade e autocontrole para não interferir nas respostas que os sujeitos apresentam em seus questionários e entrevistas. Figura 2.2: Pesquisa por meio de entrevista Fonte: © katemangostar / Freepik Link: http://br.freepik.com/fotos-gratis/mulher-asiatica-de-negocios-que-agitam-parceiros-mao_1027120.htm#term=interview&page=3&position=22 A investigação empírica indireta, por seu turno, trata da verificação de dados coletados, revisão bibliográfica e de bases experimentais. Trata-se de um acesso indireto àquela mesma realidade que se verificaria na investigação empírica direta, mas agora o trabalho inicial foi realizado por outra pessoa e o sociólogo realiza a sua investigação com base nos resultados deste trabalho. Isto é necessário pois nem sempre somos capazes de coletar todos os dados de que necessitamos. Se por exemplo queremos avaliar a progressão da expectativa de vida no Brasil ao longo do século XX, teremos de nos valer dos 23 dados coletados por profissionais no passado, pois não somos capazes de coletar dados no passado. Ao proceder desta maneira é recomendável que as fontes sejam verificáveis e os experimentos, se for o caso, sejam replicáveis para verificar seus efeitos. Como não estamos coletando dados diretamente na realidade, não basta que sejamos idôneos e imparciais, é preciso saber se a coleta de que nos valemos o foi. Para isto geralmente utiliza-se a processos de comparação. Atualmente este trabalho é mais facilitado, já que diversos softwares fazem o trabalho de comparar amostras ou resultados de coletas de dados e experimentos, evidenciando diferenças e inconsistências entre estes dados. Se os dados coletados de uma mesma população por autores diferentes apresentam uma inconsistência muito grande, tendemos a desconfiar da forma como foram coletados ou se os dados tratam de fato da mesma amostra, da mesma abordagem ou foram coletados sob as mesmas condições. 2.1.2 Desafios da investigação empírica Especialmente quando tratamos de amostras, precisamos ser criteriosos. Via de regra todos os dados coletados precisam ser processados conjuntamente, sem manipulação. Não obstante, a experiência mostra que se, em uma pesquisa que busque identificar o nível de conhecimento de uma população quanto a um fato específico, um indivíduo de uma amostra de 100 (cem) sujeitos de um conjunto de entrevistas propositalmente responde com “não sei” para todas as questões, isto irá resultar em um décimo da amostra demonstrando ignorância sobre o fato em questão. Ao processar os dados teremos um décimo (10%) da população sendo considerada ignorante quanto ao fato em questão. Este número é real ou é apenas fruto de um indivíduo que não deu a devida atenção à pesquisa? A maior parte dos programas de doutorado em sociologia atualmente requer grande habilidade em estatística, não apenas para proceder a pesquisa direta e processar os dados, mas para prevenir falhas ao realizar a pesquisa 24 indireta, que possui desafios próprios, como a necessidade de verificar-se a autenticidade dos dados. 2.2 Análise crítica Figura 2.3: Processo de análise Fonte: © suksao / Freepik Link: http://br.freepik.com/fotos-gratis/conceito-de-trabalho- empresarial_1155989.htm#term=table charts&page=1&position=20 A análise crítica trata da verificação dos dados com base em estruturas teóricas objetivas. Também referida como análise objetiva, trata de verificar os fatos coletados na investigação empírica com objetivo de formar um juízo acerca destes dados. O principal juízo a se formar, é se os dados indicam algum padrão ou direcionamento. A comparação entre dados de diferentes amostras e a formulação de explicações acerca das diferenças quando encontradas ou da ausência de diferenças dependendo do caso. Inclui abordagens baseadas no pensamento dedutivo, ceticismo e avaliação de evidência factual. 25 2.3 Modo de operação O sociólogo pode atuar na investigação empírica e na análise crítica separadamente ou em conjunto. Dependerá do tipo de trabalho a ser realizado, da preferência do profissional em sua atuação e das necessidades especificas de cada pesquisa. Ao proceder a análise o sociólogo necessariamente considerará possibilidades opostas, com fim a encontrar a que se adequa aos fatos e melhor os explica. A apresentação dos resultados, no entanto não comporta contradição. Havendo contradição entre os dados e a estrutura teórica, há duas possibilidades. A primeira possibilidade é a de que os dados foram coletados de modo inadequado ou não expressam a realidade daquela amostra, por diversos motivos, incluindo os desafios anteriormente apresentados na investigação empírica ou outros fatores. Amostra é um recorte da realidade, de uma população ou seguimento, para fins de pesquisa. Por exemplo, coletamos uma amostra de 2% da população brasileira para realizar uma pesquisa de intenções de voto. A partir desta amostra extrapolamos os dados por meio da análise estatística e chegamos ao que deve ser a média nacional para cada elemento da pesquisa, sempre com uma margem de erro. A segunda possibilidade é a de que a análise esteja incorreta. Não raro este é o problema, pois as estruturas teóricas precisam ser formuladas de modo a explicar os fatos e não os manipularem, por isto sempre estará subordinada ao crivo da realidade. Se a realidade apresenta dados que contradizem uma teoria que pretendia explicar esta mesma realidade, não temos a possibilidade de alterar a realidade, devemos alterar a teoria. 2.4 Métodos quantitativos e qualitativos Quanto ao direcionamento do método sociológico, incluindo investigação empírica e análise crítica, há duas abordagens possíveis, a quantitativa e a qualitativa. A abordagem quantitativa trata de abordar os fenômenos sociais a partir das evidências quantificáveis, então, por exemplo, irá incluir as estatísticas. Por meio da coleta e verificação de dados procede-se a análise estatística de grande 26 volume de dados. A partir destes dados procura-se criar argumentos gerais confiáveis, que podem ser replicados e adquiridos novamente se consideradas as mesmas condições dos dados originais. Métodos qualitativos, por outro lado, enfatizarão a observação direta a análise de textos e estudos e a comunicação com os participantes da pesquisa. Tende a valorizar a precisão subjetiva e contextual dos dados em oposição à generalidade da pesquisa quantitativa. Ambas as abordagens têm suas próprias formas de lidar com os desafios da investigação e da análise. Uma parte da comunidade de profissionais de sociologia vê estes métodos como distintos, cada um em sua esfera, sendo que a sociologia deveria ser trabalhada a partir de um método específico. Outros sociólogos vêm os dois métodos como uma continuidade. Uma grande vantagem desta forma de ver os métodos quantitativos e qualitativos é que uma porcentagem de análise qualitativa acaba sendo necessária em casos como o exemplo da desconfiança de que o participante desejava sabotar os dados coletados em uma amostra respondendo “não sei” para todas as questões. Assim, podemos coletar os dados de modo quantitativo, mas utilizar o método qualitativo para verificar a veracidade e honestidade dos dados em questão. O risco dos métodos qualitativos é que eles facilmente se tornam dependentes da visão do pesquisador e podem ser facilmente manipulados, uma vez que experimentos não podem ser replicados com facilidade e a análise pode incluir aspectos subjetivos do próprio investigador. 2.5 Objetivo Objetivo da sociologia é construir um corpo de conhecimento acerca da ordem, desordem e mudança social com base na aplicação dos métodos de investigação empírica e análise crítica. Seja pela abordagem quantitativa, que tem se tornado cada vez mais comum atualmente, ou qualitativa. 2.6 Linhas principais da sociologia 27 A combinação de métodos e objetivos compõe as linhas de pesquisa de uma disciplina acadêmica ou científica. No caso da sociologia verificamos a presença de duas linhas principais: Políticas sociais e assistência social. Refinara compreensão teórica dos processos sociais. As políticas sociais tratam de aspectos estruturais e compreendem várias áreas das políticas públicas ou sociais, agendas políticas ou propostas governamentais. Como exemplo desta linha temos os estudos acerca dos serviços sociais. Serviços sociais são um campo específico dos serviços públicos dedicados a fortalecer e abastecer comunidades ou promover oportunidades. Entre os serviços públicos mais comuns estão as escolas, atendimento de saúde, alimentação, entre outros. Trata-se, portanto, de um aspecto mais estrutural dos serviços colocados à disposição da população de uma determinada comunidade ou nação, afim de prover a todos os indivíduos com estes elementos. A assistência social, por outro lado, trata especificamente dos indivíduos considerados vulneráveis pela nossa sociedade. É uma atuação mais direta para promoção de bem-estar e suporte social para os cidadãos sem condições de atender às próprias necessidades básicas. A primeira linha da sociologia trata, portanto, da recomendação e atuação direta na realidade, com vistas a melhorar a estrutura e o atendimento aos indivíduos em sociedade. Neste processo o questionamento acerca da legitimidade de proceder estes atendimentos também deve entrar em questão, de acordo com a ordem social e com as possíveis mudanças sociais em curso ou a serem implementadas. A compreensão teórica por outro lado irá tratar dos aspectos conceituais e da explicação de como a sociedade funciona e por quais razões é desta maneira. Enquanto a linha de políticas oferece opções e analisa dados referentes a estas opções, a linha de compreensão teórica estrutura as informações e procura explicar o que funciona ou não e por qual razão. 28 Ao proceder desta forma oferece-se uma base teórica para a aplicação ou recomendação de políticas sociais, públicas ou não. Por esta razão, uma interseção teórico-prática se faz necessária em ambas as linhas e mesma entre as duas linhas. A sociologia é necessariamente uma relação interdependência entre teoria e prática, ignorar este aspecto pode levar a má compreensão e direcionamento do trabalho sociológico. 2.7 Elementos focais De acordo com o tipo de trabalho a ser realizado, a estrutura da sociedade na qual estamos inseridos, a estrutura dos cursos de graduação e da academia em geral, a sociologia poderá focar em diferentes elementos da nossa sociedade. Por exemplo, nos Estados Unidos da América, onde a sociologia tem um caráter iminentemente prática, o ramo da criminologia é muito mais desenvolvido do que no Brasil. No mundo, alguns dos elementos de foco da sociologia atualmente são: Mobilidade social; Religião; Secularização; Lei; Sexualidade; Divergência. Estas e muitas outras questões são discutidas pela sociologia com vistas a compreender que tipo de influência exercem na sociedade no sentido de condicionar comportamentos, formular visões de mundo e a cultura de uma população. Neste processo compreende-se ainda a mudança social que permeia estes elementos, entre elas, a revisão de leis injustas, como foi o caso da vitória do movimento pelos direitos civis norte-americano, a perda de poder da Igreja Católica Apostólica Romana em relação aos estados que controlava antes do 29 início do processo de secularização, o ganho de influência de outras manifestações religiosas por meio da política partidária, em um processo que pode ser descrito como uma espécie de secularização reversa, entre diversos outros casos. Glossário Secularização - transformação ou passagem de coisas, fatos, pessoas, crenças e instituições, que estavam sob o domínio religioso, para o regime leigo. Isto também nos mostra que estes pontos de foco não são isolados, como uma estrutura complexa, a sociedade funciona como um todo e assim, muitas das questões estão relacionadas. Religião, lei e secularização, por exemplo, sempre estiveram intimamente ligadas. Podemos ter ainda a intersecção da religião, lei e sexualidade, nos casos em que o estado procura regulamentar elementos que envolvem o reconhecimento legal de tipos de diferentes de famílias, ou como no passado em que alguns aspectos da sexualidade eram legalmente proibidos com base na religião. Atenção! Estes são pontos focais, não pontos de defesa. A sociologia avalia todas as posições em cada caso e todos os elementos envolvidos, para que a conclusão ou recomendação não seja viciada por aspectos subjetivos dos envolvidos nas pesquisas. Em síntese, a sociologia utiliza-se de métodos teóricos e práticos para analisar o funcionamento da sociedade e oferecer alternativas quanto ao que se supõe ser mais adequado em cada caso. Neste processo procurar ampliar o conhecimento acerca da ordem social, da desordem social e possíveis mudanças sociais. Neste processo utiliza-se de métodos quantitativos e qualitativos, da análise crítica e da investigação empírica para coletar e processar dados da realidade, afim de não apenas dar base para as teorias, mas julgá-las quanto a sua capacidade de explicar ou oferecer soluções para a realidade. Atividades de Aprendizagem 30 Concentrando-se no elemento focal lei e nas diversas transformações pelas quais o Brasil têm passado nos recentes anos, como as demandas por menor intervenção na cultura e econômica, encontramos divergências do padrão que o Brasil apresentava até há poucos anos. Quais podem ser os métodos de análise e coleta de dados empregados pela sociologia para entender este cenário? 31 Aula 3 – Histórico e surgimento Fonte: © Wikimedia Commons Link: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Arnaudin_%CC%A0Hommes_jouant_aux_quill es.JPG 32 Olá estudantes, seja bem-vindo, seja bem-vinda à terceira aula da disciplina de sociologia. Até aqui temos uma compreensão mínima do que é a sociologia como disciplina acadêmica e ramo do conhecimento humano na atualidade. Conhecemos os seus métodos, objetivos, pontos de foco e estrutura de investigação. Figura 3.1: Sociologia e a organização social Fonte: © Freepik Disponível em: http://br.freepik.com/fotos-gratis/bonecas-de-pano-cinzento-em- alvos_959205.htm#term=multidão&page=3&position=2 Agora entramos em um segundo momento da nossa disciplina, nesta aula iniciaremos o nosso estudo acerca do histórico do surgimento da sociologia. Neste processo compreenderemos a diferença entre o raciocínio sociológico, muito mais antigo e já presente entre os gregos e a sociologia, que se inicia no século XIX. Aprenderemos sobre como surgiu o termo sociologia e qual foi a primeira teoria moderna acerca do funcionamento da sociedade, que veio a fundar a própria sociologia. Analisar a sociedade não é nenhuma novidade. Como seres construtivos, investigativos e curiosos por natureza, os seres humanos investigam tudo quanto é possível e não é de se admirar que tenhamos estudos sobre a sociedade muito antes do surgimento da sociologia. 33 3.1 Raciocínio sociológico O raciocínio sociológico é o raciocínio sobre a sociedade com vias a realizar um estudo de seu funcionamento e os fatores que influenciam ou determinam o comportamento dos indivíduos nesta sociedade, suas instituições, a força destas instituições, a participação dos indivíduos e o modo como estes conduzem as decisões em sociedade. Tal modo de pensar, investigar e analisar a sociedade é muito mais antigo que a disciplina de sociologia em qualquer das suas formas. Na verdade, data de milhares de anos e têm sido mantidos ao longo de toda a história da humanidade por autores e pensadores de diversas disciplinas. E seria tolo de nossa parte pensar que nenhum ser humano, com todos os desenvolvimentos que procedemos ao longo dos milênios jamaistenha se debruçado sobre as questões da sociedade afim de formular uma teoria para explica-las e oferecer propostas de soluções daquilo que identificava como problemas. Figura 3.2: Escola de Atenas (1509–11), Rafael Sanzio Fonte: © Wikimedia Commons Link: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Rafael_-_Escola_de_Atenas.jpg 34 O raciocínio sociológico era originalmente baseado na análise social, uma metodologia própria da filosofia que se vale dos elementos observados, na lógica, proposições da ética e de estruturas teóricas para promover uma explicação das razões pelas quais a sociedade é da forma que é, bem como quais deveriam ser as soluções propostas, como vemos na obra A República de Platão (c. 428–348 a.C.). Figura 3.3: A Escola de Atenas – Platão Fonte: © Wikimedia Commons Link: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Raffael_067.jpg Em sua obra A República, Platão, um dos três mais importantes e influentes filósofos da Grécia antiga, faz a análise da forma de funcionamento da sociedade grega e oferece sugestões para um possível aperfeiçoamento, entre estas sugestões o rei filósofo, uma descrição de diversos métodos de eugenia e modelos de discussão política. Saiba mais Eugenia é um termo cunhado por Francis Galton, pesquisador que lançou as bases da genética, trata dos agentes, controlados socialmente, que podem empobrecer ou melhorar as qualidades das gerações futuras em uma sociedade, seja física ou mentalmente. Embora o termo seja recente, a eugenia era praticada pelos gregos, com objetivo de eliminar crianças que nasciam com deficiências físicas e limitações cognitivas. Possui duas formas, a positiva e a negativa. Na positiva se procura melhorar a espécie pelo aperfeiçoamento das próximas gerações, controlando, por exemplo, os casamentos. Na negativa, se elimina os indivíduos considerados inadequados aos propósitos da sociedade, seja para melhorar ou empobrecer. 35 A eugenia, por exemplo, é hoje vista como uma aberração incivilizada e conceitualmente inaceitável, mas para a época era um processo normal. Isto não apresenta uma relatividade das posições, mas apresenta a ideia de que, ao menos do ponto de vista da forma como a nossa civilização se desenvolveu, Platão estava errado. É importante que mantenhamos em mente esta ideia de que grandes pensadores podem estar errados, especialmente por que Platão, ao utilizar o raciocínio sociológico, representa apenas um lado desta equação, o lado teórico. Como vimos anteriormente, a sociologia exige um lado prático. 3.1.1 Domesday Book O lado prático desta equação não provinha dos filósofos, mas da administração, geralmente por meio da coleta de dados e tomada de decisões baseadas nestes dados. A coleta de dados, ou coleta de informações, a partir de amostras de indivíduos para fins administrativos mais antiga de que se tem registro é de 1086. Isto não significa que não haviam coletas de dados anteriores a esta, na época de Platão, na Grécia antiga, já se dispunha de informações precisas sobre a sociedade, que puderam servir de base para o filósofo promover seus estudos. Mas o Domesday book, como foi chamado, é o registro mais antigo que sobreviveu até os nossos tempos, com as características de coletada de dados. Mas o que foi o Domesday book? Trata-se de um levantamento promovido na Inglaterra por Guilherme I semelhante a um censo. Seu objetivo era verificar as condições da terra recém conquistada, para assim prover Guilherme I com as informações necessárias para governar a Inglaterra. Neste processo Guilherme I enviou emissários a todos os proprietários de terras afim de saber deles quantas cabeças de gado possuíam, qual a extensão de suas terras, quantas pessoas trabalhavam para eles, qual a forma de pagamento e quanto era o pagamento oferecido aos indivíduos que trabalhavam as suas terras. 36 O Domesday book pode ser considerado a fundação da investigação empírica sociológica. Uma vez que seus métodos seriam empregados na estruturação do que hoje chamamos de censo. 3.1.2 O problema da divisão O problema, ou a dificuldade que se enfrentava até então, era a separação entre a teoria e a prática. Enquanto administradores atuavam para tomar medidas práticas com relação a sociedade, os homens de ciências, que formulavam as teorias e procediam análises minuciosas sobre a sociedade eram muitas vezes ignorados. Ao mesmo tempo, estes homens de ciências, que acreditavam ter teorias fantásticas e soluções finais para os problemas da sociedade, não tinha acesso aos dados reais e a possibilidade de verificar na realidade a correção de suas teorias. Esta divisão entre a teoria e a prática foi uma das grandes responsáveis por problemas nas teorizações e na administração, uma melhor combinação entre os dois elementos poderia ter evitado diversas mazelas pelas quais a humanidade passou. Estes dois ramos da análise e pesquisa permanecem separados entre a análise filosófica e levantamentos administrativos até por volta do século XVII ou XVIII, quando começa o processo de formação da sociologia. 3.2 A origem do termo sociologia A palavra sociologia foi cunhada em 1780 por Emmanuel-Joseph Sieyès (1748–1836), em um manuscrito não publicado. Era composta de dois vocábulos, um do latim e outro do grego. "Socius", do latim, significando "companheiro", com sentido de aquele que acompanha, que age em conjunto compartilhando as dificuldades e as benesses. "Lógos", do grego, significando “discurso de” ou “estudo”, nesta acepção foi utilizado como significando "ciência", o que já começava a se tornar um padrão na comunidade científica, como vemos na biologia (bios e logos), a ciência da vida. 37 3.2.1 Apropriação por Auguste Comte Em 1838, Auguste Comte (1798–1857), considerado o primeiro sociólogo, se apropria do termo cunhado por Sieyès e o utiliza para descrever uma nova forma de olhar à sociedade que pretendia criar. Figura 3.4: Auguste Comte († 1857) Fonte: © Wikimedia Commons Link: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Auguste_Comte2.jpg Neste processo abandona o termo "física social", sua primeira opção, uma vez que o termo fora utilizado por outros autores, em sentido diverso daquele que pretendia lhe dar Comte, gerando confusão e disputas acerca da originalidade do uso do termo “física social”. O que Comte objetivava com esta física social, que agora passava a se chamar sociologia, era unir os aspectos teóricos e práticos do raciocínio sociológico sob uma nova forma de olhar a sociedade, utilizando-se de elementos da economia, da história e da psicologia. Para Comte, no entanto, não bastava utilizar os elementos de outras ciências, era preciso uma unidade e estrutura através do método científico, para efetivamente gerar uma unificação destes elementos, afim de compreender a sociedade. O uso original do termo física social não era despropositado, Comte pretendia que a sua proposta de uma nova visão para a sociedade fosse tão rigorosa, sujeita à lógica e a leis fixas quanto a física. 38 3.2.2 A proposta de Comte A visão de Comte propunha que os problemas da sociedade, após serem bem compreendidos, poderiam ser remediados através de uma abordagem epistemológica que chamou de "positivismo". Estes problemas incluíam desde a fome até as questões políticas, desde disputas nos ambientes de trabalho que começavam a se complexificar nesta época pós-revolução francesa e revolução industrial, até a política internacional e as estruturas do estado. 3.3 Positivismo Comte propunha a teoria positivista, uma forma de analisar a história da humanidade, particularmente em seu aspecto social, ao mesmo tempo em que pretendia indicar o caminho para o futuro da sociedade humana. A proposta de positivista de Comte incluía três estágios: Teológico; Metafísico; Positivo. Estes estágios compreenderiam a história da sociedade, especialmente nos séculos mais recentes da Idade Média (476–1453), o período Moderno (1453–1789) e o Contemporâneo (1789–atualidade). 3.3.1 Estágio teológico Segundo Comte, o estágio teológico trata da explicação do mundo e ação em sociedade com base em divindades. Começa com a Grécia antiga, valendo- se da mitologia para determinar os comportamentos e relações em sociedade e passa para a Idade Média com o cristianismo e a teoria teológica desenvolvida pela igreja. Este estágio estende-se até o iluminismo. Comte está particularmente interessado na Idade Média, não dando muita atenção para o período da mitologia. Portanto, a instituição predominante no estágio teológico, segundo ele, é a Igreja Católica Apostólica Romana, estabelecendo a forma como os homens deveriam operar em sociedade. 39 Neste estágio identifica-se uma sobreposição da fé à capacidade racional, não nas atividades cotidianas e que envolvem o mundo natural, físico, mas naquelas decisões que envolvem elementos abstratos, legislações, organização das instituições e seu funcionamento. Todas estas operações eram reguladas pela igreja e qualquer levante, por mais racional que fosse, que não estivesse de acordo com as determinações de tal instituição era considerado inaceitável. Neste estágio começamos a compreender ideia de determinação de Comte, como a sociedade estava sob controle da igreja, os comportamentos e as relações não poderiam ser de forma a contrariar tal instituição, então, fosse pelo medo ou pelo hábito, as pessoas necessariamente agiam de acordo com as determinações da igreja. 3.3.2 Estágio metafísico O estágio metafísico, na análise de Comte, vai desde o período do Renascimento (séc. XIV– XVI), com o surgimento do Iluminismo (séc. XVIII) e os grandes avanços em ciência e filosofia, até a Revolução Francesa (1789), que promoveu grandes mudanças na sociedade em termos estruturais e organizativos, mas também mudanças conceituais, como a proposição de direitos humanos e da superioridade dos interesses dos indivíduos perante os interesses dos governantes. Ainda segundo a abordagem e classificação de Comte, nesta fase o raciocínio lógico suplanta a fé e se torna o padrão de pensamento e funcionamento da maioria dos indivíduos, mesmo que nem todos tivessem acesso à educação científica e filosófica sofisticada, os desenvolvimentos nestas áreas influenciam o senso comum. Surge o conceito de esclarecimento (Aufklärung), que ajuda a reduzir a influência da igreja e da fé nas decisões da forma como os homens se relacionam e comportam em sociedade. Indo um pouco além, em termos daquele momento histórico e a despeito das críticas que serão apontadas posteriormente, Comte tem alguma razão. Embora o iluminismo tenha começado com pessoas mais abastadas, que tinham condições de acessar a educação científica e filosófica, conforme nos 40 aproximamos do século XIX as ideias foram se espalhando pela sociedade, pois as barreiras que existiam nos séculos anteriores caíram ao longo da idade moderna e mais aceleradamente na idade contemporânea. O artigo “O que é o esclarecimento” do filósofo alemão Immanuel Kant é um bom exemplo deste processo, pois ao ser publicado em jornais foi lido por todos os tipos de pessoas. Isto é parte das ideias iluministas, dar o máximo de publicidade aos trabalhos e ideias da época. Leia o artigo “O que é esclarecimento” de Immanuel Kant gratuitamente em: https://bioetica.catedraunesco.unb.br/wp- content/uploads/2016/04/Immanuel-Kant.-O-que-%C3%A9-esclarecimento.pdf A educação também atingia uma quantidade muito maior de indivíduos no século XIX, do que em qualquer época anterior, facilitando a mudança de padrão. Esta é a fase em que tem origem a ideia de que direitos universais da humanidade são mais importantes do que a lei da igreja. Em todos estes pontos a maioria de nós concordaria com Comte, o ponto polêmico de sua teoria é que este desenvolvimento é necessário, não podendo ser de outra forma. 3.3.3 Estágio positivo Também chamado de "estágio científico", caracteriza-se pela ideia de que os direitos individuais são mais importantes do que as regras de qualquer governo ou estrutura social. Neste ponto Comte acerta, uma vez que de fato esta é a fase, a partir da Revolução Francesa, em que a ideia de que os direitos individuais, especialmente os naturais (liberdade, vida e propriedade) seriam superiores às vontades dos governos, começou a proliferar-se pela Europa. Segundo Comte, o efeito da proliferação destas ideias é que, neste estágio, a vontade livre permitiria que os indivíduos se autogovernassem, superando a ideia de governo. A sociedade iria se organizar em um corpo autônomo e desenvolver-se sozinha, sem a necessidade de regulamentações e com todos os indivíduos criando relações e comportamentos de acordo com a racionalidade e respeito coletivo. 41 3.3.4 Progresso A posição de Comte também é chamada de progressista, pois ele acreditava que todos os estágios eram necessários e se sucederiam em uma progressão impossível de alterar-se. Havendo a necessidade de que os estágios sejam cumpridos em sucessão progressiva, como uma regra universal para as sociedades humanas, esta é a primeira teoria sociológica estruturada de que se tem notícia. O progresso, segundo Comte, era consequência da regularidade das leis de funcionamento da sociedade, como acontecia na física. Uma vez que a progressão da metafísica para a ciência se desse, seria impossível que os homens se comportasse de modo a não atender à razão científica. 3.4 Estudo da história Para justificar a sua visão progressista, Comte entendia que o estudo da história se uniria aos conhecimentos técnicos para formar uma visão que permitiria compreender o passado e progredir para o próximo estágio. Assim, ao entender as causas do passado, seria possível aplicar as regras da lógica e o método científico para prever os eventos do futuro e agir de acordo com estas predições. Isto seria possível, pois segundo Comte, a sociedade seguia as mesmas leis da natureza, que são governadas pela causalidade, de modo que se era possível prever o comportamento de uma pedra ao saber que ela rola de um lado para o outro, seria possível prever o comportamento dos homens em sociedade. Comte formula então não apenas uma teoria sobre como funciona a sociedade ou quais devem ser as atuações em sociedade, mas formula um sistema que pretende reformular toda a forma como vemos a sociedade e mesmo a natureza, pois agora a sociedade, seguindo as mesmas regras da natureza, deverá ser entendida como um elemento também natural. 42 3.5 Críticas à Comte Como é de se esperar em qualquer disciplina que se pretenda científica, especialmente em uma nova disciplina, como era o caso da sociologia de Comte, as críticas não tardaram a aparecer. A principal delas trata da possibilidade de superar a fase metafísica. Uma vez que a humanidade constantemente utiliza a ciência e a filosofia, nesta época já em fase de reaproximação uma da outra, como veríamos com mais ênfase no século XX, para descobrir novas coisas, fatos e fenômenos no mundo, bem como para reformular sua compreensão do mundo, a fase metafísica jamais seria superada. Isto por que o mundo estaria sempre se expandindo e assim nunca teríamos todos os dados para operar os cálculos que Comte julgava serem possíveis. Outra crítica dá conta de que não há de fato diferença real entre as fases positiva e metafísica, uma vez que estamos constantemente descobrindo novas coisas e aplicando estas mesmas cosias no mundo. A fase positiva do processo de Comte só seria possível com uma compreensão total do universo e do mundo a nossa volta. Desta forma, mesmo que fosse possívelconhecermos e compreendermos todo o universo, jamais saberíamos ter atingido este nível de compreensão, de modo que a sociedade jamais saberia se está na fase positiva ou não. A sociedade humana se torna mais complexa dia após dia, sem dúvida, e a posição de Comte, do ponto de vista de seus críticos, simplifica demais a fase na qual estamos a partir de transformações observadas nas fases anteriores. De fato, a igreja forçava a sociedade a comportar-se de uma determinada maneira e sem dúvida a mudança para o período do iluminismo teve um efeito grande na forma como as pessoas se relacionam em sociedade. Porém afirmar que o desenvolvimento da ciência determinaria o comportamento dos indivíduos em sociedade, de tal maneira que estes não tivessem opção senão envolver-se em um progresso sistemático é uma posição determinista-mecanicista. 43 O determinismo trata do fato de que Comte acaba por equiparar a vontade humana aos processos em sociedade, afirmar que estes são determinados pela estrutura social e não pela vontade livre. Mecanicista por que trata de uma consequência direta da estrutura social que determina os indivíduos e os faz agir do modo que agem, como uma consequência lógica e mecânica. Para muitos pensadores de outras áreas e mesmo o sociólogo, como veremos em outras aulas, esta é uma posição que dificilmente estaríamos dispostos a aceitar. Assim, o raciocínio acerca da sociedade e análise da mesma, seja de modo conceitual e teórico, seja por meio de dados estatísticos para fins administrativos, são investigados desde muito tempo na história da humanidade. A união destes elementos, no entanto, em termos de teoria e prática começa a aparecer a partir do século XVII e toma forma primeiramente com a teoria de Auguste Comte. O posicionamento de Comte é sujeito de diversas críticas e possui vários pontos falseados pelo próprio desenvolvimento da sociedade, mas é sem dúvida a primeira formulação de uma teoria propriamente sociológica. Sendo assim, Comte é considerado o primeiro sociólogo no sentido moderno do termo. Atividades de Aprendizagem Como os aspectos teórico e prático apresentados por Platão e no Domesday book poderiam ser compreendidos em relação ao positivismo? Comte trata principalmente de um período em que a igreja católica já está no comando da sociedade, mas o que ele diria se considerasse as posições de Platão, na antiga Grécia, em conjunto com os dados levantados por Guilherme I? 44 Aula 4 – Sociologia como disciplina Link da figura: https://br.freepik.com/fotos-gratis/meninas-e-meninos-que- estudam-na-parede_1308504.htm#term=sala de aula&page=2&position=35 45 Olá estudantes, chegamos à metade da nossa disciplina. Nesta aula estudaremos mais um pouco da história da sociologia, agora trataremos da sua formação como disciplina acadêmica. Ainda, trataremos das influências do período posterior à Comte e da estruturação da sociologia como uma ciência. Figura 4.1: A estruturação da disciplina Fonte: © Freepik Disponível em: http://br.freepik.com/fotos-gratis/grafico-de-computador-areia-estudante-de- notas-intelectual_1077841.htm#term=literatura&page=2&position=22 A história da sociologia como uma disciplina acadêmica começa muito antes da formação do primeiro departamento em uma universidade, como geralmente acontece com disciplinas que se tornam acadêmicas. 4.1 Herbert Spencer Um dos nomes mais influentes para a estruturação que permitiu à sociologia tornar-se uma disciplina acadêmica e abriu caminho para que tal disciplina pudesse ser respeitada como ciência, foi sem dúvida, Herbert Spencer (1820–1903). Spencer foi ainda um dos mais influentes sociólogos em língua inglesa e, tanto para inspiração quanto crítica, muito influenciado pelo trabalho de Comte. Certamente é o sociólogo mais influente no público externo da sociologia para sua época. 46 Spencer procurou aperfeiçoar o trabalho de Comte, tornando-o mais rigoroso cientificamente e menos idealista. Rejeitou, assim, os aspectos idealistas de Comte e propôs uma visão da sociologia baseada na evolução. Figura 4.2: Herbert Spencer Fonte: © Wikimedia Commons Link: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Herbert_Spencer.jpg Quando Spencer fala em aspectos idealistas, não pensemos que refere- se ao ramo da filosofia chamado de idealismo, mas sim, refere-se a adesão de Comte a um ideal de sociedade, que ele acreditava que seria materializado independente do que acontecesse. Este ideal de sociedade, ao qual Comte aderiu e defendeu com todos os seus esforços, se manifesta em sua teoria na forma do progressismo, a ideia de que a sociedade estaria determinada a seguir para o estágio científico em um desenvolvimento no qual os homens são mecanismos determinados pela estrutura da sociedade. Ao observar o que considerou os erros de Comte, Spencer propôs a análise de como a sociedade se altera em suas formas de organização por processos de crescimento e diferenciação, não necessariamente de forma progressiva, mas tornando-se mais complexa ao longo do tempo. Este processo de complexificação aumentaria a quantidade de informações para serem conhecidas e analisadas, o que inviabilizaria o processo sugerido por Comte, uma vez que sempre teríamos mais a analisar, mais a desenvolver e mais a compreender sobre o mundo e sobre a própria sociedade. 47 4.1.1 Darwinismo sociológico Spencer possuía muitos trabalhos em outras áreas do conhecimento humano, como a biologia e a física. Produziu obras explorando questões acerca da evolução das espécies e da seleção natural. Seus trabalhos em diversas áreas levaram alguns a pensarem que poderia haver uma linha guia em sua obra, conectando seus trabalhos no ramo que hoje chamamos de biologia com os trabalhos em sociologia. Embora tenha sido uma ideia muito popular, a proposta conhecida como "darwinismo sociológico" não era própria de Spencer, mas uma má interpretação de seus trabalhos sociológicos a partir de seus trabalhos sobre biologia. O próprio termo seria inadequado uma vez que Spencer era muito mais um proponente do lamarckismo do que do darwinismo. Não obstante, a ideia cresceu devido a visão de que, sendo inspirado por Comte, Spencer deveria ter a ideia de aplicar o funcionamento da ciência natural no funcionamento da análise da sociedade e como seus trabalhos em biologia eram considerados de destaque, imaginou-se que esta seria a fonte de suas ideias para a sociologia. Foi um erro, uma vez que Spencer era um proponente do Laissez-faire e como tal não poderia aderir a um modelo tão mecanicista como o de Comte, ainda mais baseado na estrutura da biologia que se desenvolvia lentamente na época. O conceito de Laissez-faire (do francês, “deixe fazer”), tornava-se popular na época de Spencer, por já fazer jus a uma estrutura teórica robusta e bem desenvolvida, de modo a influenciar a sociedade, principalmente a Inglaterra, que no século XIX já era um estado liberal na forma como vemos hoje. A expressão completa, da qual se deriva a expressão laissez-faire, é laissez faire, laissez aller, laissez passer (do francês, "deixai fazer, deixai ir, deixai passar"), e aparece em registros pela primeira vez na obra do Marquês de Argenson, por volta de 1751. Trata da liberdade dos indivíduos de realizarem, em especial, transações econômicas, sem a interferência do governo. Portanto, uma expressão da liberdade individual em oposição à determinação das estruturas da sociedade, em especial das instituições. 48 Na borda de Spencer o termo aparece em suas acepções econômica e cultural, manifestando a percepção do autor de que os indivíduos eram relevantes para a constituição da sociedade e não poderiam ser ignorados em sua liberdade, como fazia a obra de Comte.Saiba mais O debate acerca do conceito de laissez-faire é muito mais antigo do que Spencer ou o Marquês de Argenson. Suas origens remontam a discussões entre os funcionários eruditas do governo chinês durante as dinastias Han, Tang, Sung e Ming. Estes eruditos criticavam a interferência do governo na economia com base na teoria confucionista. Com a subida ao trono da dinastia Qin, que defendia e instaurou um grande monopólio estatal, estes debates foram suprimidos. Foram então restaurados na Europa pela obra de François Quesnay e pela atuação pública de Vincent de Gournay. 4.1.2 A influência de Spencer Spencer não foi um autor mediano de sociologia. Durante sua vida vendeu um milhão de livros, um número surpreendente mesmo para os dias atuais, em se tratando de obras de ciência e sociologia. Seus estudos foram influentes na sociedade em geral e também entre outros importantes estudiosos. Entre estes temos um dos pilares da fundação da sociologia como disciplina acadêmica e principalmente da sociologia da educação do século XIX, Émile Durkheim, que define seu trabalho a partir da obra de Spencer. Nem todos os autores do século XIX concordam com as posições de Spencer, nem tão pouco Émile Durkheim o faz, mas todos concordam com sua influência, com a relevância do seu raciocínio e a inteligência de suas teorias. Graças ao trabalho de Spencer, muitos estudiosos começam a considerar a fundação de um departamento de sociologia, ou ao menos que esta fosse incluída como uma disciplina de um possível departamento de ciência sociais, já que na Inglaterra o trabalho dos antropólogos avançava tanto quanto o dos sociólogos na Europa continental. 4.2 Fundação acadêmica 49 Graças a grande popularidade atingida pela sociologia, especialmente pelo trabalho de autores de grande alcance como Spencer, começa a organização de uma disciplina acadêmica para a nova ciência. No ano de 1892, a Universidade de Chicago (EUA), convida o professor Albion Woodbury Small (1854–1926) para fundar um departamento de sociologia. Torna-se assim a primeira a criar formalmente um departamento para a disciplina. Figura 4.3: Albion Woodbury Small Fonte: © Wikimedia Commons Link: https://commons.wikimedia.org/w/index.php?search=Albion+Woodbury+Small&title=Sp ecial:Search&go=Go&searchToken=27w1mhzpp2pil58eeq5akxjr8#/media/File:Albion_ Woodbury_Small.png Muitos dos estudiosos da sociologia eram membros de outros departamentos e desta forma a sociologia estava em maior ou menor medida já incluída no ambiente acadêmico havia algum tempo. Com a formação do primeiro departamento muitas questões são levantadas, entre elas destacamos: Qual seria o currículo? Em que periódico os estudantes vão publicar? Os professores virão de quais disciplinas? E a produção destes pesquisadores, será publicada onde? Como poderemos dar acesso ao conteúdo científico rigoroso para os estudantes se basearem? 50 Afim de responder a estas questões e atender não apenas ao público acadêmico, mas chamar a atenção da comunidade científica para o que era feito na Universidade de Chicago, começa-se a pensar em um periódico e em congressos científicos, para estimular a criação de outros departamentos e o envolvimento da comunidade acadêmica com os temas de sociologia. Assim, como passo importante para a formalização da sociologia como disciplina acadêmica, o professor Small sabiamente também funda o American Journal of Sociology (Jornal Americano de Sociologia) em 1895, um periódico dedicado à sociologia editado e publicado pela Chicago University Press até os dias atuais. A despeito dos esforços do professor Small, que trouxeram grandes benefícios para a discussão em sociologia na Universidade de Chicago, outros departamentos americanos demoraram a ser fundados. 4.2.1 Institucionalização A institucionalização da sociologia, ou seja, como disciplina acadêmica se deu em maior medida pelo trabalho do já citado Émile Durkheim, que se utilizou do positivismo de Comte, inspirado nos trabalhos de Spencer, como base para o que chamou de pesquisa social prática. A pesquisa social prática como uma metodologia de trabalho permitiu que houvesse conteúdo para a fundação de um departamento europeu de sociologia, um dos critérios da época. Agora a sociologia contava com um método moderno, próprio e poderia se tornar uma disciplina acadêmica na Europa, assim como já acontecera nos Estados Unidos da América. Em 1895 Durkheim foi autorizado a organizar o primeiro departamento europeu de sociologia na Universidade de Bordeaux, data que coincidiu não apenas com a fundação do American Journal of Sociology, do professor Small, mas também com a publicação da obra Les Règles de la Méthode Sociologique, (do francês, “As regras do método sociológico”) de autoria do próprio Durkheim. 51 4.3 O método de Durkheim Com inspiração em Spencer, Durkheim rejeitou as teorias idealistas de Comte, mas manteve seus métodos, procurando refiná-los. Por outro lado, contrariando afirmações de Spencer, defendeu que a sociologia é a continuação lógica das ciências naturais. Por continuação lógica, Durkheim entendia uma progressão natural, consistente e continua como em um argumento. Assim, se as leis da natureza, por exemplo a gravidade, determinam o comportamento dos corpos, a sociedade determina o comportamento dos indivíduos. Desta maneira, Durkheim acaba por atender à ideia de uma sociedade determinista-mecanicistas. Se nas ciências naturais temos estruturas fixas que determinam os eventos e podemos prever os eventos com precisão se conhecemos as estruturas, também acreditava Durkheim que poderíamos prever os eventos na sociedade ao entendermos as estruturas sociais. Desta forma podemos entender que a única parte da teoria de Comte abandonada por Durkheim foi a progressão dos períodos e o idealismo quanto a um período científico positivo que estaria por vir. A metodologia e as ideias gerais de Comte, quanto a forma como a sociologia deveria funcionar e a maneira como a sociedade funciona necessariamente, não tiveram grandes alterações na proposta de Durkheim, sendo este classificado como um positivista. Não obstante, Durkheim trouxe alguns elementos de grande relevância para a constituição da sociologia como disciplina acadêmica. Como uma continuação das ciências naturais a sociologia deveria manter seus principais aspectos: Objetividade – A sociologia deve ter um objeto de estudo específico e não compartilhado, ao menos não inteiramente, com outras disciplinas. Racionalidade – deve pautar-se pela razão e pelo raciocínio dedutivo, como acontece nas ciências naturais. Causalidade – sendo uma continuação das ciências naturais e estando as leis da natureza sujeitas a causalidade, a sociologia também precisaria conservar este elemento. 52 Com isto Durkheim não apenas estabelece a sociologia com a pretensão de que se torne uma ciência, mas dá os critérios para que ela seja considerada uma ciência. 4.4 Sociologia como uma ciência Durkheim pretendia que a sociologia fosse não apenas uma disciplina acadêmica que parte das ciências naturais e utiliza parte de seus métodos, mas que ela fosse em si mesma uma ciência legítima e reconhecida como tal pela comunidade científica e pela academia. Então estabelece que, para não ser considerada uma pseudociência, a sociologia precisa atender a dois critérios: Deve ter um objeto de estudo específico. Deve respeitar e aplicar um método científico objetivo reconhecido. Glossário Pseudociência - Informação ou estrutura informativa, podendo ser uma disciplina acadêmica ou não, que se pretende uma ciência, mas parte de premissas falsas, não rigorosas ou que não possuem critérios de falseabilidade. Em sua obra As Regras do Método Sociológico, Durkheim
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