Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
HISTÓRIA DO BRASIL: DA CONSTRUÇÃO DA NAÇÃO ATÉ O GOLPE DE 1930 Lorena Zomer E d u ca çã o H IS T Ó R IA D O B R A S IL : D A C O N S T R U Ç Ã O D A N A Ç Ã O A T É O G O L P E D E 1 9 3 0 Lo re na Z om er No Brasil, a Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, não alterou de imediato e de modo significativo a vida da população, mas foi resultado de muitas ações políticas e sociais. Nessa mesma época, os impérios se estabeleciam na Europa, prática política que também atingiu decisões tomadas na América Latina, inclusive no Brasil. É nesse contexto de alterações mundiais que se inicia a abordagem deste livro, que pretende esclarecer aspectos históricos da formação do Brasil-Nação, desde a construção do Estado Nacional Republicano até a ascensão da chamada “República do Café com Leite”, na década de 1930, culminando com a “revolução” que levou Getúlio Vargas ao poder. Essa longa e importante trajetória do país é o foco de análise desta obra. Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-6370-3 9 788538 763703 Lorena Zomer IESDE BRASIL S/A Curitiba 2018 Hist ria do Brasil: da constru o da na o até o golpe de 1930 CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ Z77h Zomer, Lorena História do Brasil: da construção da nação até o golpe de 1930 / Lorena Zomer. - 1. ed. - Curitiba, PR : IESDE Brasil, 2018. 234 p. : il. ; 21 cm. ISBN 978-85-387-6370-3 1. Brasil - História. I. Título. 17-46664 CDD: 981 CDU: 94(81) Direitos desta edição reservados à Fael. É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Fael. © 2018 – IESDE Brasil S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito da autora e do detentor dos direitos autorais. Todos os direitos reservados. IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br Produção FAEL Direção Acadêmica Francisco Carlos Sardo Coordenação Editorial Raquel Andrade Lorenz Revisão IESDE Projeto Gráfico Sandro Niemicz Capa Vitor Bernardo Backes Lopes Imagem Capa NWM/Shutterstock.com Arte-Final Evelyn Caroline dos Santos Betim Sumário Carta ao aluno | 5 1. A crise no Império e a emergência do discurso republicano | 7 2. Republicanismo no Brasil Imperial | 31 3. Movimentos urbanos e sociais | 55 4. O Sertão e o interior do Brasil | 77 5. República civilizatória e a resistência | 97 6. Reforma urbana e questão social na capital da República | 117 7. Literatos, literatura e vida intelectual na Primeira República | 137 8. Discursos eugênicos no Brasil | 155 9. 1920 e as efervescências sociais e políticas | 173 10. “Revolução” de 1930: história e historiografia | 189 Gabarito | 205 Referências | 221 Carta ao aluno No Brasil, a República – proclamada em 15 de novembro de 1889 – não alterou de imediato e de modo significativo a vida da população, mas foi resultado de muitas ações políticas e sociais. Nessa mesma época, os impérios se estabeleciam na Europa, prática política que também atingiu decisões tomadas na América Latina, inclusive no Brasil. É nesse contexto de alterações mundiais que se inicia a abor- dagem desta obra, que pretende esclarecer aspectos históricos da formação do Brasil-Nação, desde a construção do Estado Nacional Republicano até a ascensão da chamada República do Café com Leite, na década de 1930, culminando com a “revolução” que levou Getúlio Vargas ao poder. Essa longa trajetória do país é esclarecida nesta obra, sub- dividida em dez capítulos. – 6 – História do Brasil: da construção da nação até o golpe de 1930. O Capítulo 1 aborda a crise no Império e a emergência do discurso repu- blicano no território brasileiro, com as contradições evidentes entre o litoral e o interior e compreendendo os debates político-sociais trazidos pelo processo abolicionista. No Capítulo 2, reflete-se sobre os debates políticos surgidos com o fim do regime monárquico e a ascensão do Partido Republicano, até o estabelecimento da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, em 1891. O Capítulo 3 aborda os movimentos sociais e urbanos no Brasil da época, principalmente as primeiras manifestações socialistas e anarquistas. O Capítulo 4 caracteriza o sertanismo e a segregação social, apresentando os importantes movimentos do Cangaço, de Canudos e do Contestado. No Capítulo 5, o foco são as contestações e resistências do período de 1900- 1917, em especial a Revolta Armada, a Revolta da Vacina e o Movimento Grevista de 1917. Por sua vez, o Capítulo 6 analisa as novas organizações do cotidiano, a formação das elites, o coronelismo e as dimensões culturais e sociais desse novo contexto, inclusive com a insurgência da Revolta da Chibata. No Capítulo 7, é feita uma reflexão sobre a efervescência cultural e a renovação dos grandes centros, indo da Belle Époque ao modernismo, incluindo a Semana de Arte Moderna de 1922. O Capítulo 8 trata da eugenia no Brasil, da imigração e das teorias raciais da década de 1920. No Capítulo 9, são abordados a identidade nacional, o movimento ope- rário e a onda feminista do país. Por fim, o Capítulo 10 apresenta as ques- tões políticas da República do Café com Leite, o tenentismo e a entrada de Getúlio Vargas no poder. Boa leitura! A crise no Império e a emergência do discurso republicano No Brasil, a República – proclamada em 15 de novembro de 1889 – não alterou de imediato e de modo significativo a vida social e política da população, mas foi resultado de muitas ações políticas e sociais. Nessa mesma época, os impérios se estabeleciam na Europa, criando uma prática política que chegaria a influenciar decisões tomadas na América Latina e, inclusive, no Brasil. O imperialismo na Europa refere-se a um período histórico específico, que abrange de 1875 a 1914, quando a Europa Ocidental passou a exercer intensa influência sobre o restante do mundo. O conceito designa também o conjunto de práticas e teorias que um centro metropolitano elabora para controlar um território dis- tante [...]. Foi o momento do surgimento do Capitalismo monopolista, em que a livre concorrência entre diferentes empresas gerou concentração da produção nas mãos das mais bem-sucedidas, levando à formação de monopólio. Rapidamente, os bancos passaram a dominar o mercado 1 História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930 – 8 – financeiro, exportando capital, influenciando as decisões de seus Estados e impelindo-os para a busca de novos mercados. Nascido, assim, da formação dos monopólios, o imperialismo promoveu dis- putas por fontes de matérias-primas entre trustes e cartéis que, já tendo dominado o mercado interno em seus países de origem, preci- savam se expandir para além de suas fronteiras, defrontando-se com cartéis e trustes de países concorrentes. (SILVA; SILVA, 2009, p. 218) Neste capítulo, nosso intuito é tratar dos acontecimentos importantes que colaboraram com o fim do Império brasileiro1 e resultaram no surgi- mento do Brasil republicano. Com base nessa consideração, traçamos primeiramente ideias sobre questões políticas, como a imigração e as consequências da Guerra da Tríplice Aliança (Guerra do Paraguai). Posteriormente, nas duas últimas seções, obje- tivamos pensar a respeito do processo de abolição e a situação social/política daqueles que deveriam ser inseridos na sociedade de modo igualitário – pre- missa não muito respeitada –, assim como sobre o desenvolvimento do sis- tema de transporte ferroviário. Importa ressaltar que, noinício do século XIX, o Brasil ainda era uma colônia portuguesa, situação que se transformou após a Proclamação da Independência, no ano de 1822. Depois disso, o Brasil vivenciou conflitos importantes, como a Revolução Farroupilha (1835-1845), a Sabinada (1837-1838), a Balaiada (1839- -1841) e a Revolução Praieira (1848-1850), que questionavam a organização política e social do país, incluindo o Poder Moderador (presente na Constituição de 1824). A Revolução Farroupilha e a Sabinada foram conflitos elitistas e da classe média. No caso do primeiro, por exemplo, a elite gaúcha questionava o valor dos impostos pagos sobre o charque. Contudo, ambos os conflitos defendiam uma “descentralização” do poder. A Revolução Praieira e a Balaiada, por sua vez, foram movimentos con- tra as elites locais em Pernambuco e no Maranhão, respectivamente, símbolos da opressão e da miséria vividas pelo povo. 1 Nome dado ao período pós-independência, em que o Brasil era uma monarquia e não se relacionava com a perspectiva “imperialista” europeia. – 9 – A crise no Império e a emergência do discurso republicano Com tudo isso, a partir de 1860, Dom Pedro II viu seus prestígios e pri- vilégios serem cada vez mais questionados, tanto pelas discussões relacionadas ao tráfico negreiro quanto pela escravidão mantida no país, temas que vinham sendo debatidos desde 1830. Além disso, oposições políticas à monarquia colaboraram para a formação das campanhas republicanas, apoiadas também pelo desgaste ocasionado pela Guerra do Paraguai. As características do Brasil, em meados do século XIX, já eram diversas daquelas do início do mesmo século. Do mesmo modo, ocorriam mudan- ças globais, permitindo ao Brasil buscar outras posturas políticas para que pudesse fazer parte das transformações sociais vividas em outros países. É sobre essas mudanças e algumas das discussões do período que falaremos nas próximas seções. 1.1 O Brasil de meados do século XIX As transformações e as revoluções mais profundas no mundo social, polí- tico, econômico e cultural não ocorrem em um período, mas gradualmente e vêm cercadas de vários acontecimentos. São mudanças paulatinas, processadas ao longo dos anos, que ocasionam as “grandes” transformações. O Brasil do fim do século XIX foi resultado de muitas reivindicações e de novos compor- tamentos e sentimentos, que foram maturando ao longo desse mesmo século. Nesse sentido, o historiador Eric Hobsbawm, assim caracteriza o período compreendido entre 1880 e 1914: “Era muito provável que uma economia mundial cujo ritmo era determinado por seu núcleo capitalista desenvolvido ou em desenvolvimento se transformasse num mundo onde os ‘avançados’ domina- riam os ‘atrasados’; em suma, num mundo de império” (HOBSBAWM, 2010, p. 98). O que o historiador destaca é a alteração do panorama sociopolítico de muitos países. Fosse o Brasil um país “avançado” ou “atrasado”, com base no entendimento de Hobsbawm, ele também teria sido atingido. Apesar de ter rece- bido diversas influências exteriores, as principais perspectivas foram fomentadas por acontecimentos do âmbito interno do Brasil. Dom Pedro II, após o período regencial, preparou várias estratégias para organizar e dar tranquilidade ao seu próprio reinado. Segundo Lilia M. Schwarcz e Heloisa M. Starling: História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930 – 10 – Na falta de uma classe burguesa, capaz ela própria de regular as relações sociais por meio de mecanismos do mercado, coube ao Estado a con- solidação do comando nacional e do protecionismo econômico. [...] As elites brancas entenderiam a corte como um clube, onde con- viviam sócios sortudos; independentemente das facções políticas. Com efeito, luzias e saquaremas, como eram chamados conser- vadores e liberais, partilhavam a mesma origem social; formação educacional em Coimbra; carreira voltada para a medicina e em especial para o direito; titulação, e relações pessoais. Divididos por ideias que privilegiavam ora a centralização do Estado ora a sua descentralização, fechavam, porém, em uníssono quando o negócio implicava manter a escravidão e a estrutura vigente. (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 280) Para a manutenção da política régia do Estado brasileiro, uma das estra- tégias utilizadas para manter a ordem social vigente foi dar/consolidar privi- légios sociais à classe produtora. Como já mencionado, Dom Pedro II teve de se posicionar diante de algumas rebeliões e conflitos importantes, proces- sos questionadores da estrutura política do Brasil naquele momento. Para isso, ele precisou centralizar em suas mãos a ordem, cuja estratégia foi dele- gar a administração e as políticas regionais a homens que o apoiavam, a fim de evitar que tais revoltas se repetissem e continuassem a questionar o seu próprio governo. Somado a isso, outra medida foi manter a escravidão, tanto pela mão de obra oferecida pelos escravizados quanto pela rentabilidade do tráfico, visto que as fazendas de café utilizavam essa força de trabalho, assim como boa parte do restante do país. Segundo a historiadora Beatriz Mamigonian, os questionamentos acerca da escravidão vinham já desde o início do século XIX. De acordo com ela, o primeiro acordo para diminuir a escravidão foi firmado em 1810, entre Inglaterra e Portugal. Em 1815, após o Congresso de Viena, a Inglaterra conseguiu o compromisso de intensificar a campanha, porém tal medida somente foi efetivada em 1822, em territórios acima da linha do Equador. A rede de acordos sempre partia da Inglaterra. Em 1827, foi firmada a total proibição do tráfico de escravizados, que deveria ser colocada em prática até 1830, o que gerou um grande debate político. Em 1831, o primeiro e o segundo artigos da Lei Feijó diziam que todos os escravizados encontrados em barcos brasileiros deveriam ser soltos – 11 – A crise no Império e a emergência do discurso republicano e que os responsáveis seriam presos e multados. Entretanto, o regente Diogo Feijó, em 1834, defendeu a revogação dessa lei por considerá-la inexequível, ou seja, contraditória e injusta para a população (MAMIGONIAN, 2017, p. 90-130). Leis, políticas e especialmente a educação seriam os únicos meios para mudar aquele contexto. Se a realidade social era difícil para os escravos, para a elite era promissora. Nesse período, a educação era para privilegiados e, em geral, conduzida por tutores pessoais. Posteriormente, esses alunos eram enviados a Portugal para estudar, de onde retornavam ao Brasil bacharéis e em busca de emprego público, de modo a fazer com que os cargos administrati- vos e políticos continuassem, na maioria das vezes, com a elite. No entanto, na primeira metade do século XIX, foi criada a escola pri- mária. Segundo Circe Bittencourt, “desde o início da organização do sis- tema escolar, a proposta de ensino de História voltava-se para uma forma- ção moral e cívica, condição acentuada no decorrer dos séculos XIX e XX” (BITTENCOURT, 2009, p. 61). Após as revoltas da primeira metade do século XIX, foram buscadas reformas escolares e a centralização educacional, a fim de se formar cidadãos de acordo com o esperado pelos grupos mais fortes do período: o de Dom Pedro II e o do Partido Conservador. Do mesmo modo, o setor político público retomou o Conselho de Estado, que era o Poder Legislativo e espécie de “cérebro da monarquia”. Agora chamado de Novo Conselho, que havia sido extinto em 1834, permane- ceu vigente até 1889, mantendo cargos vitalícios cujos lugares eram ocupados por escolhidos de Dom Pedro II (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 281). A influência do grupo mais conservador na educação, na política e nos cargos públicos permite-nos entender a dificuldade em estabelecer mudanças sociais mais profundas. Mamigonian ressalta que a polêmica sobre o fim da escravidão ou do tráficode escravizados se acentuou na década de 1840. Os argumentos contrários a essa prática tinham por objetivo criar uma ideia de que tal decisão traria prejuízos ao Brasil, além de lançar dúvidas sobre o que fazer com os libertos (MAMIGONIAN, 2017, p. 209-280). É preciso con- siderar que a formação do Brasil, seja enquanto colônia ou já como império, justificava a escravidão como uma instituição e a protegia legalmente. História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930 – 12 – Levando em consideração que o Poder Moderador permitia a D. Pedro II – junto àqueles que mantinham cargos administrativos e políticos indica- dos pelo rei – decidir sobre várias demandas políticas, inclusive intervindo em conflitos regionais, entendemos que seu poder era amplo. No entanto, ainda restava ao imperador e a seu grupo político conseguir ou construir uma ideia de nação para o país. Para Dolhnikoff, o resultado disso era o interesse em uma unidade que tinha como base a “autonomia” tanto do governo central quanto do governo regional (DOLHNIKOFF, 2003, p. 433). Essa perspec- tiva pode ser compreendida em diversas ações do grupo político de Dom Pedro II, que desejava ter o Brasil reconhecido como um local de cultura tropical, e não de escravidão. Para tanto, era preciso criar imagens simbólicas, heróis nacionais, sele- cionar imagens e paisagens idealizadas como naturais. Sobre isso, as histo- riadoras Schwarcz e Starling (2015) apontam que o Romantismo foi uma das escolhas: Procurar por homogeneidades num Estado de proporções continentais e caracterizado por uma população tão heterogênea era tarefa com- plicada. A saída foi “esquecer” a escravidão e idealizar os indígenas, os quais, dizimados sistematicamente nas florestas, reapareciam em romances e pinturas oficiais ou semioficiais. A representação do país como indígena (e masculino) juntava as concepções de um Brasil ame- ricano, mas também monárquico e português. Ou seja: uma mistura da cultura da velha metrópole com a identificação com a América, que nos faz independentes. (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 283-4) A imagem do Brasil trazia ideias sobre uma “ex-colônia” tropical, com aspectos de sua metrópole, porém modificada. Isso também possibilitou novas formações culturais ao recente país, mesmo que “branqueando” o indígena. Além disso, Dom Pedro II também se tornou protetor do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro (IHGB) em 1838, bem como conviveu nesse espaço com o historiador Francisco Adolfo Varnhagen e os escritores Joaquim Manuel de Macedo e Gonçalves Dias2. O instituto e homens como Varnhagen inauguraram a escrita da história brasileira, com o objetivo principal de criar uma ideia de nação para o país. A premissa era de que as histórias narradas pelo IHGB deveriam ter como fonte documentos e memórias oficiais. 2 Para um maior aprofundamento do tema, sugerimos a leitura de Julio Bentivoglio (2015). – 13 – A crise no Império e a emergência do discurso republicano Um dos pontos ressaltados por Julio Bentivoglio é justamente o prêmio recebido por Carl F. von Martius, por um artigo em que defendia a escrita de uma história para o país que seria uma síntese do encontro das três raças que a compunham: brancos, negros e índios; superando um tipo de história que vinha sendo combatida na Alemanha, porque cronológica, filosófica e universalista; [...]. Essa nova história [...] visava o particular, a compreensão dos nexos entre os eventos, o encontro com o espírito do povo e da nação. (BENTIVOGLIO, 2015, p. 293) Cabe ressaltar que as relações entre Dom Pedro II e os historiadores do período determinavam as ideias do que seria narrado sobre a memória nacio- nal, de acordo com os interesses do imperador e das classes mais privilegiadas (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 285-6). Segundo as historiadoras, um dos ápices da relação do Romantismo como movimento estético, cultural e político e das estratégias e relações de Dom Pedro II, foi a escrita de Iracema e O Guarani, ambos de José de Alencar. Figura 1 – MEDEIROS, José Maria de. Iracema. 1884. Óleo sobre tela: 168,3 cm × 255 cm. Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro. Fonte: Wikimedia Commons. História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930 – 14 – A pintura datada de 1884, de José Maria de Medeiros, retrata Iracema, a indígena idealizada pelos padrões do Romantismo brasileiro. A imagem sugere um lugar bucólico, pois traz cores ao fundo, em perspectiva, revelando um pôr do sol. Além disso, demonstra a riqueza da flora, que leva à ideia de um “paraíso tropical”. Do mesmo modo, a seminudez da indígena mostra que o mundo não era assim tão “selvagem”. A prática de relacionar os indígenas à ideia de selvagem faz parte da própria catequização direcionada a eles. Quando catequizados, geraram uma miscigenação própria no Brasil tropical, substituindo o imaginário de uma colonização repleta de diferenças sociais (baseada na escravidão e na opressão indígena) por uma nação americana próspera. De acordo com Schwarcz e Starling, após 1848, alguns acontecimentos já mostravam que nem tudo era homogêneo e a favor de Dom Pedro II. Naquele período, embora a proporção fosse de 110 políticos conservadores na Câmara para apenas um liberal, algumas questões começaram a ser deba- tidas e foram motivo de desgaste para a imagem do imperador: o problema da estrutura agrária, a questão escravagista e o incentivo ao início da imi- gração (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 274). Tais questões já vinham ganhando corpo desde o início da Guerra do Paraguai (1864-1870). O trabalho escravo era um dos temas mais espinhosos, visto que, desde a Lei Feijó (de 7 de novembro de 1831), o debate sobre esse assunto já havia sido levantado e, aos poucos, ganhava mais defensores para o fim do tráfico, mesmo que isso se desse de maneira lenta e gradual (MAMIGONIAN, 2017). É importante considerar que os debates não tratavam apenas do traba- lho escravo como fonte de mão de obra ou do prestígio social em ostentar a posse de escravizados, mas dos valores financeiros muito vantajosos desse tipo de atividade. Essa discussão interna se acirrou na década de 1850, tanto pela pres- são de alguns grupos brasileiros quanto pela pressão estrangeira que buscava encarecer o valor dos produtos agrários no Brasil, visto que os de suas colônias também estavam mais caros devido à proibição do tráfico ou ao fim da escra- vidão. Somado a isso, a Inglaterra também desejava matéria-prima da África, bem como desenvolver um comércio com o continente, mas, para isso, pre- cisava diminuir o tráfico de africanos escravizados (BETHELL, 2002, p. 14). – 15 – A crise no Império e a emergência do discurso republicano Com a intenção de extinguir o tráfico, algumas iniciativas começaram a ser realizadas ainda na década de 1850, a fim de trazer mão de obra imigrante. Uma delas, a Lei n. 601, de 18 de setembro de 1850 (a Lei de Terras) desenca- deou mudanças, visto que um de seus objetivos era normatizar o controle das terras, para que se pudesse passar a falsa ideia de que os imigrantes poderiam adquiri-las, quando, de fato, ela acabava impedindo o acesso à posse da terra tanto por parte dos imigrantes quanto dos escravizados, uma vez que as terras só poderiam ser vendidas, e não doadas. Tal perspectiva tornava o Brasil bas- tante atraente para esses estrangeiros que buscavam uma vida melhor, fugindo de crises e dificuldades em seus países de origem. Sobre esse processo, além de limitar o número de terras que poderia ser comprada, a Lei de Terras instituiu no Brasil a terra como mercadoria e permitiu a vinda de imigrantes para promover a grande e a pequena lavoura [...]. E, ao impedir que desde o início esses camponeses pudessem se tornar proprietários, reafirmava o que deles se esperava: colonos morigerados e laboriososcomo força de trabalho para as proprieda- des agrícolas do Estado ou Particulares. Portanto, a Lei de Terras, ao dificultar o acesso à propriedade ao conjunto da população campe- sina, ao mesmo tempo colocava este coletivo aos ditames do capital. (SANTOS, 2001, p. 36) Além de reforçar a posse das terras pelas elites, por meio dessa lei os imigrantes tinham seus lugares demarcados, assim como os negros. Embora a Lei de Terras não tivesse muitos recursos para controlar a demarcação, foi uma estratégia para manter a ordem social no Brasil, mesmo com a proibição do tráfico. Diante do descontentamento de conservadores escravocratas, a Guarda Nacional foi reforçada, para que se cumprisse a lei. Nesse período, foram construídas as primeiras estradas de ferro e algu- mas escolas, foram estruturados o serviço de iluminação pública e o sistema de telégrafos e foi criado o Código Comercial, a fim de estimular o comércio interno. Entretanto, se considerarmos todos os problemas políticos e sociais para que o país se desenvolvesse de fato, seria necessária uma transforma- ção profunda. Só isso faria com que o Brasil fosse respeitado e visto como um país “em desenvolvimento”. E tal transformação era necessária porque os interesses dos grupos dominantes do período visavam ao desenvolvimento econômico e político, porém não ao social. História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930 – 16 – Toda a verba investida na estrutura considerada “modernizante” era pro- veniente do que vinha do tráfico de escravos (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 274-275). Mesmo com tantas mudanças e com a alta do café na década de 1860, a imigração só seria acentuada após a abolição e com o incentivo da “política de branqueamento”. O que percebemos das medidas mencionadas é que, enquanto algumas delas trouxeram as transformações econômicas esperadas, geraram também novas críticas acerca da condução política de Dom Pedro II. Um desses ele- mentos foi a Guerra da Tríplice Aliança, ou, como é mais conhecida, a Guerra do Paraguai, entre os anos de 1864 e 1870, considerada o maior conflito armado da América do Sul. Durante a guerra, presenciou-se a permissão, por parte dos López, de outras vertentes políticas para a reorganização política e social do Paraguai. Entretanto, esses capítulos contidos na Constituição paraguaia de 1844 e de 1856 nunca foram efetivamente postos em prática e, vale dizer, aque- les que deveriam fomentar olhares diferentes, ou mesmo serem oposito- res à política dos López, eram os próprios representantes e/ou indivíduos pertencentes às famílias relacionadas aos já dirigentes do país (SOUZA, 2006a, p. 128-129). A organização política do Paraguai diferia da brasi- leira, pelo fato de o Brasil apresentar um governo imperial e “centraliza- dor”, enquanto o Paraguai tinha uma perspectiva mais “nacionalista” e de desenvolvimento econômico. Além disso, o período político dos López contou com um crescimento econômico, com incentivo da indústria local, subsidiada pela venda da erva- -mate, de fumo e de madeiras. Essa situação destacou o Paraguai dos demais países, oferecendo a possibilidade (mas não necessariamente a efetivação) de ser um país socialmente melhor (SOUZA, 2006a, p. 126). Também houve o direcionamento de verbas públicas à educação pri- mária e até mesmo o envio de alunos a outros países por meio de fomento público e arrendamento de terras (antes pertencentes aos representantes da Coroa espanhola ou da Argentina) (SOUZA, 2006a, p. 305-306). Esses fato- res favoreceram o crescimento econômico do país e a independência em rela- ção à Inglaterra, embora ele ainda se mantivesse em quase total isolamento em relação aos países vizinhos. – 17 – A crise no Império e a emergência do discurso republicano Essas características exemplificam como a realidade econômica, social e política do Paraguai era diversa daquela do Brasil. Ao mesmo tempo, não havia um motivo contundente para que o nosso país tivesse receio do vizinho, mesmo que ele ameaçasse dominar o Rio Paraná, com o objetivo de chegar à Bacia do Rio da Prata. Foi com base nessas possíveis ameaças que ocorreu a Guerra do Paraguai, na qual foram vitoriosos o Brasil e os demais países (Argentina e Uruguai), apoiados pela Inglaterra, a qual tinha como objetivo reduzir a autonomia paraguaia, um dos únicos países a não depender de seus investimentos e empréstimos. Enquanto isso, o Brasil contraía mais empréstimos para poder se armar durante esse período bélico. Cabe observarmos que, mesmo com uma postura arrogante de Solano López em querer dominar o Rio da Prata e o Brasil não aceitando a intro- missão ou o crescimento paraguaio, o único país beneficiado pela guerra foi a Inglaterra. Tal acontecimento causou um desgaste político ainda maior para Dom Pedro II, além de dificuldade econômica para toda a nação. A principal con- sequência política foi o fortalecimento do Exército, uma das instituições que mais questionou as ações do imperador. Entre as exigências militares estavam a autonomia política e a manutenção da hierarquia após a guerra3. Isso fortaleceu também as discussões sobre o fim da escravidão, já que muitos soldados eram escravos e foram à guerra diante da promessa de ganha- rem a liberdade. Ao retornarem, não apenas queriam a liberdade, mas tam- bém o avanço do movimento abolicionista. Além disso, muitos cargos mais altos da hierarquia militar já manti- nham discussões sobre ideais republicanos, que questionavam diretamente o Poder Moderador de Dom Pedro II e a estrutura política legitimada por ele e seu grupo. Como dito anteriormente, a Guerra do Paraguai causou endividamentos do governo brasileiro, visto que “o Tesouro Real indicou um gasto de 614 mil 3 O site da Biblioteca Nacional oferece diversas fontes para análise da Guerra do Paraguai. Entre elas, trazemos o seguinte “dossiê”, disponível em: <http://bndigital.bn.gov.br/dossies/ guerra-do-paraguai>. Acesso em: 19 fev. 2018. História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930 – 18 – contos de réis. Para se ter uma ideia da magnitude desses gastos, basta com- parar com o orçamento do império disponível para 1864, que era de 57 mil contos de réis” (DORATIOTO, 2002, p. 462). Por outro lado, no contexto da guerra, o Paraguai perdeu sua autonomia política e territorial. O historiador José Murilo de Carvalho traz uma ideia do significado da Guerra do Paraguai para o contexto brasileiro e a situação política posterior: De repente havia um estrangeiro inimigo que, por oposição, gerava o sentimento de identidade brasileira. São abundantes as indica- ções do surgimento dessa nova identidade, mesmo que ainda em esboço. Podem-se mencionar a apresentação de milhares de volun- tários no início da guerra, a valorização do hino e da bandeira, as canções e poesias populares. Caso marcante foi o de Jovita Feitosa, mulher que se vestiu de homem para ir à guerra a fim de vingar as mulheres brasileiras injuriadas pelos paraguaios. Foi exaltada como a Joana d’Arc nacional. Lutaram no Paraguai cerca de 135 mil brasileiros, muitos deles negros, inclusive libertos. (CARVALHO, 2002, p. 38) A citação constata de que forma um processo histórico tão polêmico e complexo como a Guerra da Tríplice Aliança pôde trazer outras perspectivas para o Brasil, entre elas, a ideia do Brasil como um país de povo unido para a luta. Isso traria mais que a exigência da liberdade para os escravizados que haviam lutado, e a busca do reconhecimento do exército na hierarquia política. A Guerra do Paraguai suscitou sentimentos de participação cívica e de cidadania. Carvalho (2002) aponta que a escravidão estava tão enraizada em nos- sas características sociais e políticas que apenas após a Guerra do Paraguai a questão voltou a ser debatida. Além do desejo de liberdade suscitado duranteo período de 1864 a 1870, o Brasil foi alvo de críticas por manter e ter em combate escravos, um constrangimento diante de seus aliados e inimigos. No que se refere à segurança nacional, por que o Brasil manteria um exército permanente com escravos? Então, foi nesse período (1871) que a Lei n. 2.040, de 28 de setembro de 1871 (Lei do Ventre Livre) foi sancionada por Dom Pedro II, abrindo oficialmente precedentes para a abolição total da escravatura. Pensar em nuances desse contexto, tanto em seus aspectos sociais quanto políticos, é o objetivo da próxima seção. – 19 – A crise no Império e a emergência do discurso republicano 1.2 Resistência de escravos e luta abolicionista havia mistura social, mas também não faltava hierarquia e respeito por ela. Nessa sociedade de perfil aristocrático (ou que se queria aristocrática), todos podiam conviver lado a lado, e apesar disso nunca deixariam de saber, cada qual, o seu lugar. A hierarquia era dada por uma série de marcas sociais e raciais – roupas, locais de residência, círculos de amizades, viagens, festas – claramente discriminadas a despeito da convivência num mesmo espaço. (SCHWARCZ, 2017, p. 23) Esse é o panorama social do bairro de Laranjeiras, no Rio de Janeiro, onde vivia Afonso Henriques de Lima Barreto, escritor e neto de duas escra- vas. O ano aproximado descrito pela historiadora é o de 1881, mesmo do nascimento do escritor. Embora Lima Barreto fosse filho de uma professora e de um tipógrafo, sua vida ainda seria marcada pelas consequências de um período quase não vivido por ele (tinha 7 anos quando ocorreu a abolição). Por que um país que logo teria o fim da escravidão e seria uma República, sinônimo de igualdade e de cidadania, viveria um futuro com diferenças sociais bem demarcadas e baseadas em raça, etnia e classe? Para Schwarcz (2017), a questão ia muito além da econômica ou mesmo se ligava apenas às regiões mais produtoras. Para ela, De tão naturalizada, a escravidão não era privilégio de grandes proprietários. Os monarcas, mas também pequenos roceiros, negociantes, taberneiros, profissionais liberais, padres, comercian- tes, e por vezes até escravos possuíam cativos. A escravidão entrou em cheio nas casas privadas e nos negócios públicos do Estado [...]. O escravismo era, sobretudo, um bom negócio. Mas era mais do que isso; ele moldou condutas, definiu desigualdades sociais, fez de raça e de cor dois marcadores de diferença fundamentais, ordenou etiquetas de mando e obediência, e criou uma sociedade condicionada pelo paternalismo e por uma hierarquia estrita. (SCHWARCZ, 2017, p. 29) A historiadora traz a ideia de naturalização e de normalização da escra- vidão para centenas de gerações do Brasil colonial. Entretanto, embora seja um argumento bastante aceitável, ainda não é suficiente para justificar a per- manência desses princípios racistas tanto no tempo de Lima Barreto quanto nos séculos XX e XXI. História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930 – 20 – Nesse caso, outro aspecto a se pensar tem como base ideias da historia- dora Beatriz Mamigonian. Para ela, mesmo com as tentativas de proibir o tráfico logo após a independência, com a promulgação da Lei de 7 de novem- bro 1831 (a Lei Feijó), o Brasil não debatia o fim da escravidão pensando em igualdade e cidadania para os escravizados. As pautas de discussão acabavam sendo apenas sobre o peso econômico da decisão e reiterando o que esse tra- balho e seu tráfico sustentavam no Brasil. Ou seja, a maioria da população brasileira do século XIX de maneira alguma pensava que oferecer ao escravizado a liberdade era uma necessi- dade de justiça. O que pressionava nesse sentido eram apenas os interesses ingleses, que exigiam o fim do tráfico negreiro para o Brasil visando a benefícios próprios. Em paralelo, outros países da América davam liber- dade aos escravos. Então, esse modelo escravagista não combinava com uma nação moderna, muito menos se o Brasil caminhasse para o republicanismo (MAMIGONIAN, 2017, p. 9-29). Dessa forma, apenas pelas independências de países da América Latina e da pressão exterior é que o governo desse período passou a obedecer ou discu- tir algumas das leis anteriores à Áurea. Isso não significa que o surgimento dos discursos republicanos, ou mesmo os desdobramentos da Guerra do Paraguai e da própria campanha abolicionista, não foram ouvidos; pelo contrário, foi pelos meandros que a política brasileira não conseguiu contornar que esses acontecimentos laterais encontraram força e espaço para se instituir como políticas universais. A questão abolicionista certamente foi uma das mais polêmicas e caras para o período posterior a 1850. Tendo em vista a sua proibição em breve, o tráfico cresceu muito nas décadas que antecederam 1850. A liberdade, que deveria ser dada àqueles que foram traficados ilegalmente, muitas vezes teve de ser defendida por juristas e advogados (MAMIGONIAN, 2017, p. 430- 433). Isso demonstra que ferir a lei não era algo grave, visto que moralmente uma maioria não se importava com a vida dos escravizados. Além disso, podemos pontuar outras características sobre a alforria desse período – quando ela ocorria. Schwarcz (2017), ao falar sobre a vida de Lima Barreto, menciona a avó dele da seguinte forma: – 21 – A crise no Império e a emergência do discurso republicano A avó de Lima, Geraldina Leocádia, fora alforriada quando a família se mudou para o Rio [de Janeiro]. Os Pereira de Carvalho pare- cem ter se adiantado ao movimento que seria mais geral apenas na década de 1880, concedendo alforria condicional, mas preservando os libertos por perto. [...] Os motivos para receber a tão desejada carta de liberdade eram vários, porém não poucas vezes razões sim- ples, pautadas em desígnios do coração, falavam mais alto. [...] Geraldina e os filhos permaneceriam próximos de seus ex-proprie- tários. Havia muita ambivalência, de lado a lado, nessas trocas de favores; elas auxiliavam na inserção social futura dos “ingênuos”, mas igualmente mantinham laços de servidão e novas formas de dependência. (SCHWARCZ, 2017, p. 37) A passagem referente à família de Lima Barreto demonstra que, quando a lei era aplicada, alguns acabavam cedendo à alforria. Ou seja, por pressões políticas ou sociais, os proprietários resolviam manter-se perto de seus ex-escravos. Esse gesto era baseado em um processo hierárquico, racista e classista, no qual práticas clientelistas eram estendidas a negros com a promessa de uma inserção social, já que, após a alforria, não eram mais propriedade, e isso significava também que não era mais obrigação de seus donos defendê-los. Além disso, o trabalho de Geraldina era o de doméstica, muito comum para mulheres negras no mundo pós-escravidão. Esse foi um trabalho consi- derado inferior e subestimado por muitas casas ao longo de um século4. O caso da mãe de Lima Barreto também se relacionava com essa prática de dependência. Ao adquirir o “nome social” Pereira Carvalho, ela pôde estu- dar e se tornar professora (SCHWARCZ, 2017, p. 37). Nesse sentido, podemos entender que, por lei ou por vontade própria, negros e negras receberam suas alforrias, mas, em geral, não tiveram seus futuros planejados, muito menos uma inserção social que visava à igualdade. Um argumento para isso é o próprio estímulo à vinda de imigrantes euro- peus, a fim de substituir o trabalho escravo negro, mesmo que em geral fosse muito mais caro e menos rentável em relação ao primeiro. 4 Para mais informações, ver o trabalho de Joaze Bernardino Costa (2015), que trata do traba- lho doméstico e das mudanças que ocorreram apenas no século XXI, com o reconhecimento por lei do trabalho doméstico no Brasil. História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930 – 22 – O Brasil foi o último país ocidental a abolira escravidão – cerca de um ano após o feito em Cuba. O historiador José Murilo de Carvalho mostra que a discussão só veio à tona em 1884 no Senado. Segundo ele: O Brasil era o último país de tradição cristã e ocidental a libertar os escravos. E o fez quando o número de escravos era pouco significa- tivo. Na época da independência, os escravos representavam 30% da população. Em 1873, havia 1,5 milhão de escravos, 15% dos brasileiros. Às vésperas da abolição, em 1887, os escravos não passa- vam de 723 mil, apenas 5% da população do país. (CARVALHO, 2002, p. 47) Ou seja, dentro de processos de alforria – baseados em leis, como a dos Sexagenários e do Ventre Livre, ou mesmo por meio de fugas para quilombos – a quantidade de escravos já estava reduzida. Desse modo, é preciso que nos perguntemos: se o número de escravizados já era tão menor, por que houve (e ainda há) um problema tão sério em relação ao racismo e à desigualdade social, se considerada a categoria de raça? José Murilo de Carvalho pondera sobre tal questionamento. Para ele, próximo à guerra civil dos Estados Unidos, havia ao menos 4 milhões de escravos, ou seja, um grande obstáculo para a construção de uma ideia de igualdade. À época, esse país era dividido entre Norte e Sul, e a escravidão só era permitida na parte austral. Tal perspectiva se difere do Brasil, visto que em nosso país, embora a escravidão fosse distribuída de maneira desigual, “havia escravos no país inteiro, em todas as províncias, no campo e nas cidades” (CARVALHO, 2002, p. 48). Nesse caso, um diferencial entre a escravidão brasileira e a estaduni- dense, especialmente se considerarmos os problemas sociais vividos após a abolição, é o fato de existirem grandes e pequenos proprietários de escravos. Esses escravizados poderiam ser usados para trabalho árduo nas lavouras, mas também ser de ganho. Outro aspecto é o fato de os libertos também terem a possibilidade de comprar ou incentivar a escravidão de alguém da sua cor. Nesse caso, Carvalho aponta que até mesmo escravos tinham escravos, assim como existiam 78% de libertos na Bahia (CARVALHO, 2002, p. 48). – 23 – A crise no Império e a emergência do discurso republicano Um dos aspectos que mais pesam sobre essa discussão e que podemos pontuar sobre essa questão social – uma consequência de séculos de escravi- dão e da falta de igualdade e de cidadania – é que, mesmo aqueles que luta- vam pela própria liberdade, quando a alcançavam, acabavam legitimando a escravidão. Para o autor, embora repudiassem sua escravidão, uma vez libertos admitiam escra- vizar os outros. Que os senhores achassem normal ou necessária a escravidão, pode entender-se. Que libertos o fizessem, é matéria para reflexão. Tudo indica que os valores da liberdade individual, base dos direitos civis, tão caros à modernidade europeia e aos fundadores da América do Norte, não tinham grande peso no Brasil. (CARVALHO, 2002, p. 49) Portanto, longe de normatizar ou justificar o racismo presente no Brasil pela própria culpabilidade de ex-escravizados, o que queremos, ao trazer tal citação, é demonstrar o quanto essa questão social é complexa, ainda mais ao ser refletida e discutida ainda nos séculos XIX e XX. Se estudarmos a vida e a obra do escritor Lima Barreto, é possível perce- ber que os escravizados que antes cuidavam de fazendas e faziam outros tra- balhos semelhantes passaram, na sua maioria, a ocupar lugares marginais em cortiços e assumiram empregos apontados como subalternos, não somente nos anos seguintes, mas durante o século XX também. Podemos destacar que a modernização no Brasil (empreendida na segunda metade do século XX) não foi acompanhada de preceitos sociais ou de igualdade para negros. Ela era desejosa de imigrantes brancos, a fim de deixar a “República Tropical” mais branca. Sobre isso, o historiador Carvalho aponta a seguinte ideia: O argumento da liberdade individual como direito inalienável era usado com pouca ênfase, não tinha a força que lhe era característica na tradição anglo-saxônica. Não o favorecia a interpretação católica da Bíblia, nem a preocupação da elite com o Estado nacional. Vemos aí a presença de uma tradição cultural distinta, que poderíamos cha- mar de ibérica, alheia ao iluminismo libertário, à ênfase nos direitos naturais, à liberdade individual. Essa tradição insistia nos aspectos comunitários da vida religiosa e política, insistia na supremacia do todo sobre as partes, da cooperação sobre a competição e o conflito, da hierarquia sobre a igualdade. (CARVALHO, 2002, p. 51) História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930 – 24 – Nesse caso, fica claro que as ideias de liberdade e de igualdade não tinham o mesmo peso para todos. A tradição e os costumes mantiveram-se junto ao fraco debate político, após 1888. Afinal, políticos que acreditavam que o país deveria indenizar os donos de escravos após a abolição não discu- tiriam como dar aos ex-escravos uma cidadania plena (SCHWARCZ, 2017, p. 60-63). 1.3 As ferrovias e o interior do Brasil A cultura do café, que se desenvolveu a partir de 1830, proporcionou muitas riquezas ao Brasil, o que permitiu o acúmulo de capital que, futu- ramente, foi responsável por parte do investimento industrial do eixo São Paulo-Rio de Janeiro (CARVALHO, 1981, p. 56). A primeira estrada de ferro foi construída pelos ingleses ainda em 1854, no Rio de Janeiro, por iniciativa do Barão de Mauá (com investimento pró- prio de 10%), embora a lei que a tenha permitido ainda fosse de 1835, a Lei Feijó (PINTO, 1977, p. 22). A ordem de construção dessa estrada foi de Dom Pedro II, cujo obje- tivo central era interligar o Rio de Janeiro a São Paulo e Minas Gerais. O pagamento do empréstimo foi feito apenas na década de 1870, porém, antes disso, as relações do Brasil com a Inglaterra se estreitaram, após a resolução da questão Christie. A empresa que se instalou a partir de 1860 foi a The São Paulo Railway Company, que construiu ferrovia de Santos até Jundiaí. Além do desenvol- vimento maior ainda dessa região, logo migrantes do Brasil começaram a se aproximar de onde se projetavam as novas ferrovias, aumentando o povoa- mento do interior e estimulando o desenvolvimento da Politécnica do Rio de Janeiro, visto que em geral a mão de obra engenheira era inglesa (TELES, 1994, p. 471). Após 1870, foram logo construídas as ferrovias paulista (1872), a mogiana (1875) e a sorocabana (1875). O mapa a seguir permite- -nos entender a interiorização e o desenvolvimento causados pelo aumento das ferrovias: – 25 – A crise no Império e a emergência do discurso republicano Mapa 1 – Ferrovias do Brasil em 1876. Fonte: Imperial Instituto Artístico/Wikimedia Commons. História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930 – 26 – Entendemos que o interior do Rio de Janeiro e especialmente o de São Paulo foram os maiores beneficiados pela chegada das ferrovias ao Brasil, devido à presença das fazendas de café. Entretanto, é importante salientar que o interior do Brasil continuou ainda pouco conhecido. No que se refere à economia do período, além do próprio café, outros segmentos começaram a despertar o interesse daqueles que estavam relacio- nados ao café e às ferrovias, como o abastecimento de água, o saneamento, os portos, as máquinas a vapor, a navegação, a eletricidade, a telegrafia e a telefonia. É perceptível que ainda no império de Dom Pedro II uma rede de transportes e de comunicação dava sinais de crescimento. O progresso parecia chegar à nação tropical, ao passo que nela ainda persistiam tantos problemas sociais e políticos, especialmente se considerarmos que as polí- ticas públicas eram direcionadas para manter os segmentos econômicos de uma minoria. Dessa forma, é possível perceber que os investimentos eram realizados de acordocom os interesses de uma classe privilegiada. Contudo, é impor- tante considerar que esse acúmulo de capital financiou parte do crescimento industrial de 1920 a 1940. Conclusão O objetivo deste capítulo foi trazer alguns debates vividos no século XIX que criaram as condições para que o poder monárquico, a escravidão e a ordem social vigente fossem questionados e para compreender como algumas práticas políticas e econômicas, como a imigração e a construção das ferrovias, mudaram o cenário brasileiro do interior (a começar por São Paulo). Esses processos também estão diretamente ligados ao modo como se deu a Proclamação da República no país, por meio da tomada do poder pelos militares, instituindo uma política republicana e sem grandes transformações – o que trouxe consequências para as primeiras décadas do século XX. – 27 – A crise no Império e a emergência do discurso republicano Ampliando seus conhecimentos O trecho a seguir, de autoria de Márcia Janete Espig, faz referência ao período em que a estrada de ferro entre o Estado de São Paulo e o Estado do Rio Grande do Sul foi construída, ou seja, a partir de meados do século XIX. Para isso, tanto o trabalho de imigrantes europeus quanto o de migrantes brasileiros foi contratado. As mudanças ocasionadas pela construção das estradas de ferro desencadearam transformações sociais e políticas nas regiões envolvidas e no país, conforme podem ser percebidas no decorrer do texto. A construção da Linha Sul da Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande (1908-1910): mão de obra e migrações (ESPIG, 2012, p. 852-862) Foi em seus momentos finais que o Império brasileiro aprovou um projeto há muito acalentado pelo poder público, assinan- do-se o decreto que autorizava a construção de um caminho de ferro que faria a ligação da província de São Paulo ao sul do Brasil. Em 9 de novembro de 1889, através do Decreto n. 10.432, o engenheiro João Teixeira Soares recebeu do Governo Imperial autorização para “construcção, uso e goso” da ferrovia que passou a ser denominada Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande (EFSPRG). No dia 14 de novembro, Teixeira Soares assinou o contrato com o Governo Federal, e apenas seis dias após a assinatura do decreto e um dia após a assinatura do contrato, caía a Monarquia e com ela o compro- misso entre as partes. [...] História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930 – 28 – A questão da imigração recebeu destaque no Decreto Imperial. As Cláusulas 39 a 46 organizavam a colonização nas terras servidas por suas linhas férreas. A Companhia deveria estabelecer em terras a serem demarcadas até dez mil famílias de agricultores nacionais e estrangeiros, no prazo máximo de quinze anos. Cada família teria direito a um lote de terras de dez hectares e uma casa construída. Enquanto tivessem seu sustento provido pela Estrada de Ferro, os colonos trabalha- riam 15 dias por mês em seus lotes e os demais dias para a Companhia, mediante um salário acordado entre as partes. [...] O governo estabelecia também que 15% das famílias poderiam ser nacionais; as outras seriam compostas de imi- grantes europeus ou das possessões portuguesas e espanholas que chegassem ao país por conta própria ou por conta do governo. Neste sentido, colocava a Cláusula XLIV, o único compromisso do Governo seria o de encaminhar os imigran- tes para as localidades, onde seriam recebidos pelos agentes dos contratantes. [...] Permaneceu, portanto, um dos problemas que se torna- riam centrais na construção da EFSPRG: a carência de mão de obra considerada adequada para a dura tarefa de abertura de caminhos para a ferrovia. A noção do que seria “ade- quado” incluía preconceitos contra a mão de obra nacio- nal e especialmente contra os trabalhadores do interior da região, os caboclos. [...] As referências a imigrantes e migrantes evoluem paulatina- mente na documentação durante 1908. Fontes como jornais e relatos memorialísticos de descendentes ou imigrantes atestam o fornecimento de passagens para imigrantes de zonas pobres da Europa para a colonização das zonas contíguas ao caminho de ferro e para sua construção. – 29 – A crise no Império e a emergência do discurso republicano Sugestão complementar Como sugestão complementar, indicamos o blog do Instituto Moreira Salles5, que tem um variado acervo iconográfico, principalmente do século XIX. Disponível em: <https://blogdoims.com.br/categorias/>. Acesso em: 27 fev. 2018. Atividades 1. Elabore uma ideia que considere duas perspectivas políticas diferentes sobre as consequências da Guerra do Paraguai para o Brasil. 2. Quais relações podemos estabelecer entre a abolição da escravidão em 1888 e as consequências sociais para aqueles que foram libertos? 3. De que forma é possível estabelecer uma relação entre a construção das ferrovias em São Paulo e o processo de interiorização no século XIX? Além disso, qual era a estratégia econômica envolvida no estí- mulo das ferrovias? 4. Com base na leitura do capítulo e do trecho do artigo de Márcia Janete Espig, na seção “Ampliando seus conhecimentos”, estabeleça uma relação entre a construção das ferrovias e a imigração no Brasil. 5 O Instituto Moreira Salles é uma organização sem fins lucrativos que dispõe de um vasto acervo de obras de arte. Possui sedes em Poços de Caldas (MG), São Paulo (SP) e Rio de Ja- neiro (RJ). Republicanismo no Brasil Imperial Vertigem e aceleração do tempo. Essa seria, sem dúvida, a sensação mais forte experimentada pelos homens e mulhe- res que viviam ou circulavam pelas ruas do Rio de Janeiro na virada do século XIX para o século XX. Ainda que, de forma menos contundente, o mesmo sentimento parecia estar presente nas principais cidades brasileiras, que, tal como a cidade-capital, cresciam como nunca [...] haviam crescido, complexificavam suas funções e recebiam levas de imigrantes europeus [...] Marasmo. E um tempo que parecia transcorrer tão lentamente que sua marcha inexo- rável mal era percebida. Assim, nas fazendas, nas vilas do interior e nos sertões do país, essa mesma virada do século seria percebida. (NEVES, 2008, p. 14) A citação acima representa parte da realidade brasileira após a Proclamação da República, na virada do século XIX para o XX. O interior do país era marcado pelos trabalhos da agricultura e pelas relações sociais: coronelistas e escravistas. Nesse mesmo período, chegavam imigrantes1 aos portos brasileiros, novos bairros come- çavam a ser formados, com novas opções de lazer e de transporte, junto com a influência da moda europeia. 1 Sobre a política de imigrantes direcionada pelo governo brasileiro, sugerimos a leitura de Biondi (2010). 2 História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930 – 32 – Se a Proclamação da República pouco havia transformado o cenário brasileiro no ano de 1889, esse novo tempo que se abria permitiu que, aos poucos, mudanças sociais e políticas alcançassem mais partes do país e fossem realizadas transformações relacionadas às exigências do capitalismo ocidental. Se na virada do século havia a promessa de uma nova política para o Brasil, por que então permaneciam tantos problemas sociais e políticos? Para compreender parte dessa questão, é preciso refletir sobre como aconteceu a Proclamação da República e quais interesses incentivaram tal processo. A partir da segunda metade do século XIX, as propostas políticas do Partido Republicano ganharam novos limites e debates, tanto dentro de sua própria formação quanto no que se refere à política imperial de Dom Pedro II. Questões como a Guerra do Paraguai e a abolição da escravatura foram influenciadas pelos entraves políticos daquele tempo, ou seja, consequente- mente colaboraram para que o governo imperial e suas medidas fossem con- testadas e deslegitimadas.Os símbolos e mitos, criados após a Proclamação da República, visavam à aceitação do ideal republicano, de modo que esse novo sistema fosse aceito, defendido e vivido por aquele que deveria dar apoio político necessário para a estruturação da República – o povo. Dessa forma, neste capítulo, além de tudo isso, abordaremos também as características da Constituição de 1891, a fim de discutir a forma como o Brasil estava se reestruturando pelos caminhos republicanos, assim como estabelecer as principais diferenças da Carta anterior, de 1824. 2.1 Partido Republicano Para o Partido Republicano Paulista, o ano de 1870 não é o princípio de sua história, mas um marco. Nessa data aconteceu a fundação do partido na capital do Império brasileiro (Rio de Janeiro), acontecimento que está atrelado a mudanças que ocorriam no Brasil, como a diminuição da produção de açúcar no Nordeste (que não conseguia manter a mão de obra escrava ocu- pada) e o aumento do poder econômico e político do Sudeste com a produ- ção cafeeira. Porém, para que fosse possível conquistar mais poder, o partido – 33 – Republicanismo no Brasil Imperial precisaria relacionar-se com os ideais republicanos e enfrentar a questão da abolição da escravatura no Brasil. Nesse mesmo período, entraves contra o governo de Dom Pedro II se intensificaram, principalmente devido ao fim da Guerra do Paraguai, que convocou escravos sob a promessa de serem alforriados após o conflito – motivo pelo qual o movimento abolicionista ganhou mais apoio na década de 1870. No Exército, coronéis e soldados passaram a defender a estruturação da instituição, assim como o discurso de um partido que se coloca a favor de princípios tão diversos à autoridade do imperador. Portanto, ao fim da Guerra do Paraguai, somado ao desgaste da ima- gem de Dom Pedro II, o Exército e o movimento abolicionista, embora em posições sociais diferentes, tinham interesses políticos contrários às ações do grupo aliado ao imperador. Além disso, o mundo ocidental caminhava para um período de disputas entre os países da Europa, em especial estabelecendo impérios, fortalecidos por grandes nações, cujo capitalismo não aceitava mais o trabalho escravo, principalmente porque este já não existia nas colônias inglesas – entretanto, com o trabalho escravo no Brasil, a produção tornava-se mais barata, o que desagradava a concorrente Inglaterra. As ideias referentes à ciência, à tecnologia, ao ideal de civilidade e de progresso afirmavam-se nesses países. Desse modo, aqueles que mais se adap- tassem a esses princípios alcançariam destaque na corrida imperialista e novos mercados consumidores. Apesar do que ocorria no mundo, as práticas econômicas e as políti- cas do contexto brasileiro eram diversas. Os que regiam a política imperial tinham divergências na postura que deveriam adotar. O Partido Republicano, por exemplo, que era diferente politicamente da ordem vigente no Brasil (a Monarquia), não seria aceito sem relutância. Antônio da Silva Jardim, a respeito dos ataques sentidos pelo Partido Republicano nas décadas de 1870 e de 1880, aponta problemas políticos internos ao partido: História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930 – 34 – Penso que o Partido Republicano, sob pena de covardia, deve, ao menos, não recuar da atual fase de agitação política, em que por vezes não cedeu, mesmo diante das armas [...] conservando o sólido princípio fundamental do Partido Republicano, e as suas gloriosas tradições guerreiras e pacíficas, já é tempo de dar-lhe uma melhor direção política, mais científica e mais patriótica, quanto à doutrina- ção e processos; direção não vazada unicamente nos moldes demo- cráticos, que o confundiram no passado com o Partido Liberal e no presente revelam o perigo de fazê-lo absorvido por este Partido, o que obriga os republicanos a não aceitarem o modo por quê, por falta de estudo conveniente, o sr. Quintino Bocaiúva concebe a República; modo vago, estéril, anárquico, atrasado e utópico. (JARDIM apud BASTOS, 1986, p. 191) A citação deixa evidente que não havia homogeneidade de pensamento, visto que Silva Jardim criticou duramente Quintino Bocaiúva – também republicano, mas de cunho mais liberal. De modo geral, ressaltamos que essa perspectiva heterogênea pode ser considerada importante para a construção de uma política mais democrática no Brasil. Bocaiúva tinha como proposta uma revolução “mais branda”, sem armas e/ou conflitos, e só foi eleito por ter: falseado o regime republicano de fiscalização, de discussão pública, falseado o regime representativo, para que se desse a dita- dura de um pequeno grupo paulista, descubro na sua eleição, o que eu sentia de longos meses: uma conspiração de alguns velhos elementos do Partido Republicano gastos para a ação patriótica, somente capazes da intriga para a cobiça do poder, aliada à falta de compreensão da situação política atual, com o pretenso fim de paralisar a ação republicana, por medo dos perigos que ela conti- nuasse a trazer; pela incerteza do gozo do poder, e pela aspiração mesquinha das posições que possa dar um eleitorado republicano dentro do regime monárquico; e ainda, o que tem mais importân- cia do que pudera parecer, pelo receio do predomínio moral dos novos elementos republicanos em ação. (JARDIM apud BASTOS, 1986, p. 191) Com base nisso, é possível afirmar que Silva Jardim mantinha ideias mais diretas impostas pelo ideário republicano. Tal perspectiva apoiava uma mudança clara, diferentemente dos liberais, que eram reconhecidos por osci- larem entre seus interesses e os de Dom Pedro II. – 35 – Republicanismo no Brasil Imperial Silva Jardim defendia que o movimento fosse revolucionário no sentido maior do termo, ou seja, com ampla participação popular, com o intuito de que o sistema, após implementado, não fosse apenas de acordo com os inte- resses de um grupo mais privilegiado. Outras ideias de Silva Jardim também corroboram com essas afirmações: Por que razão o 7 de abril [de 1831 – o movimento que obrigou D. Pedro I a abdicar] degenera em movimento monárquico? – indagava. “Porque o grupo dos exaltados deixou-se vencer pelo dos moderados... É mister evitar a nossa entrega ao liberalismo, sequioso de poder, tor- nando-se republicano de um dia para outro. É preciso tirar o Partido Republicano deste perigo: que a República seja a Monarquia sem o Imperador! [...] O momento é o mais oportuno para a instituição da república no Brasil, é o mais adequado para a sua instituição sem grande abalo social. A nação inteira está mesmo à espera de um novo estado de coisas, sente-se nas vésperas de uma reorganização. O partido dito con- servador invade o terreno das reformas liberais. O partido liberal arvora a bandeira da federação, que bandeira arvoraremos nós? Certo que a da república imediata, e, pois, a da revolução [...] apelamos para todos que a pátria habitam, a fim de que nos auxiliem no trabalho e na regenera- ção da pátria. Pedimos o concurso da mulher, porque sabemos que sem o impulso do seu coração, jamais revolução gloriosa ou reforma eficaz o homem realizou; pedimos o concurso dos moços porque sabemos que na mocidade alia-se o entusiasmo científico ao entusiasmo patriótico; pedimos o concurso dos velhos porque sabemos que a sua inflexão con- sagra e santifica o denodo cívico, o impulso rebelde e a audácia política. Pedimos o concurso de todos, qualquer que seja a sua nacionalidade: – dos estrangeiros – se é que essa palavra estrangeiros existe nos nossos dicionários – a que colaborem conosco na reorganização da terra que adotaram... (JARDIM apud BASTOS, 1986, p. 192-195) O discurso do jornalista Silva Jardim deixa evidente que os liberais per- cebiam no republicanismo um meio de permanecer no poder, pois, mesmo com as diferenças em relação a Dom PedroII, sempre estiveram ao seu lado. Silva Jardim traz em suas palavras a disputa entre liberais e conservadores desde a independência do país. Esses grupos, em geral, eram diferentes, mas em diversos momentos tinham pautas comuns2. Ricardo Salles afirma que liberais e conservadores eram entendidos como integrantes de grupos políticos que ocupavam lugares, por vezes, opostos. O 2 Para saber mais, sugerimos a leitura de Salles (2012). História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930 – 36 – primeiro estava relacionado às classes médias e urbanas, com profissionais de todas as áreas; o segundo dizia respeito, em sua maioria, aos produtores rurais. Na década de 1860, emergia com mais força a questão abolicionista, assim como o argumento liberal da descentralização do poder. Esses interesses entre as propostas dos conservadores (SALLES, 2012, p. 5-9). Do mesmo modo, a federalização é apontada como uma resposta ao conturbado período político por parte dos conservadores. O que se destaca, entretanto, é o pedido de apoio das mais diversas camadas sociais. Para Silva Jardim, elas traziam interesses também diversos aos dos liberais e aos dos conservadores: entre eles, estavam especialmente os estrangeiros e as mulheres, algo bastante atípico para esse tempo, visto que elas não tinham o direito de votar. O apoio da ciência, isto é, do conhecimento que reflete sobre a socie- dade e acrescenta outras perspectivas políticas e sociais, também está presente na fala de Silva Jardim, quando ele diz “o entusiasmo científico ao entusiasmo patriótico”. Essas correntes ou teorias científicas chegaram ao Brasil e seus debates estavam relacionados ao progresso, ao ideal de modernidade, bem como à formação e ao futuro do povo. Por isso, podemos entender que uma nação moderna, que visa ao progresso e ao crescimento, deve aliar sua política às novas perspectivas. Percebemos ainda no discurso de Silva Jardim diversas propostas que não são conservadoras nem comuns a esse período brasileiro, especialmente se lembrarmos que o coronelismo, o clientelismo e a escravidão eram as prá- ticas mais em voga, de modo que pouco estava sendo debatido para que elas fossem transformadas. Coronéis recebiam cargos por meio da política regio- nal ou federal e eram nomeados em um posto imperial que se manteve na República (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 322). Em um governo oligárquico e com influência federalista, coronéis tinham o controle da região e faziam trocas políticas com o governo federal. Durante a República, os coronéis dependiam de uma rede complexa de poder para se manter nesse status, o que desmitifica a ideia de poder absoluto. O clientelismo, por sua vez, refere-se ao uso do que é público para inte- resses privados – no caso, de acordo com o que propunham os coronéis. – 37 – Republicanismo no Brasil Imperial À medida que a República cresce e o poder oligárquico diminui, as práticas clientelistas e coronelistas também, tornando-os intermediários entre o poder e o povo3. O fim da escravidão era um dos maiores embates da época, visto que uma parte dos republicanos ou defendiam sua protelação, ou sua manuten- ção. Enquanto decisões na justiça usavam como argumento a proibição de 1831, assim como o aumento de quilombos e o fim da Guerra do Paraguai, o discurso republicano ia se aproximando cada vez mais da defesa do fim do escravismo (FERNANDES, 2006, p. 182). Nesse caso, precisamos considerar que nem todo republicano era abolicio- nista ou, ao menos, defendia de imediato o fim da escravidão, já que alguns pro- telavam tal ideia, por serem eles mesmos conservadores ou donos de escravos. Ainda assim, de acordo com o historiador Sérgio Buarque de Holanda, “foram os republicanos os que, retomando a bandeira caída por terra, se dis- puseram a levar às consequências últimas os princípios que outrora tiveram em comum com os liberais genuínos” (HOLANDA, 1985, p. 261). Na época, para que o Brasil prosperasse como outras nações no mundo ocidental, ele não poderia mais ser sinônimo de país escravagista. Por isso, o republicanismo em geral defendia a abolição, visto que não era possível pro- por um regime republicano e, ao mesmo tempo, manter escravos. É nesse sentido que positivistas, ou militares influenciados pelo positi- vismo, quando passavam a fazer parte do partido, acabavam levantando sus- peitas sobre os republicanos, já que esses nem sempre eram abolicionistas. Corrobora essa ideia o Manifesto do Congresso do Partido Republicano, feito na cidade de Itu, em 1873: “Fique, portanto, bem firmado que o Partido Republicano, tal como consideramos, capaz de fazer a felicidade do Brasil, quanto à questão do estado servil, fita desassombrado o futuro, confiando na índole do povo e nos meios de educação, os quais unidos ao todo harmônico de suas reformas e de seu modo de ser hão de facilitar- -lhe a solução mais justa, mais prática e moderada, selada com o cunho da vontade nacional”. 3 Para saber mais, recomendamos a leitura de Carvalho (2010). História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930 – 38 – Parece que esta declaração seria suficiente para apagar todas as dúvi- das. A questão não nos pertence exclusivamente porque é social e não política: está no domínio da opinião nacional e é de todos os parti- dos, e dos monarquistas mais do que nossa, porque compete aos que estão na posse do poder, ou aos que pretendem apanhá-lo amanhã, estabelecer os meios de seu desfecho prático. E se os nossos contrários políticos pressagiam para um futuro demasiadamente remoto o esta- belecimento, no país, do sistema governamental que pretendemos, o que vem interpelar-nos hoje e desde já sobre esses meios? (Manifesto do Congresso do Partido Republicano Paulista apud PESSOA, 1973, p. 65) É evidente no trecho a falta de homogeneidade em relação ao tema da abolição. Também é perceptível que esse assunto se tornou uma das principais pautas de discussão do grupo republicano. Do mesmo modo, no discurso percebemos que a monarquia é mencio- nada por ter “criado” o problema, já que a escravidão era algo recorrente na história do Brasil desde os tempos coloniais, não sendo, portanto, de respon- sabilidade exclusiva do Partido Republicano. Entretanto, enquanto o Império se negava a sanar o problema, o movi- mento abolicionista crescia. Isso fez com que o Partido Republicano se aproximasse da defesa do fim da escravidão, devido à demanda social ou à cobrança de atitude coerente com o ideário republicano. É importante pontuarmos também em que condições ocorreu a Convenção de Itu, em 1873: Assim, se essa não era com certeza a primeira ocasião em que se formavam movimentos republicanos, a alternativa começou a se revelar mais viável a partir de 1870. A cisão do Partido Liberal levou, então, à formação do Partido Republicano Paulista, em 18 de abril de 1873, que se reuniu na hoje famosa Convenção de Itu. O grupo criticava, sobretudo, o centralismo do trono e da adminis- tração, e propunha uma reforma pacífica, através da implementação de uma república federativa. O manifesto de 1870 começava assim: “Centralização – desmembramento; descentralização – unidade”, mostrando com a ideia de federação e sua união com um regime político definido como “americano e para a América” faziam parte da ementa inicial do partido. (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 301-302) – 39 – Republicanismo no Brasil Imperial Com base nas afirmações das historiadoras Lilia M. Schwarcz e Heloisa M. Starling, os grupos que até então oscilavam entre o apoio a Dom Pedro II e a oposição a ele, como era o caso dos liberais, passaram a apoiar novas posturas políticas, as quais, com base em ideias constitucionais e/ou republi- canas, colaboraram para o fim do governo imperial. Esse período marcava o ápice da produção de café,gerando riquezas. Em contrapartida, o discurso republicano, por mais que se colocasse contra a autoridade e a interferência do imperador, era composto daqueles que defen- diam o trabalho escravo ou concordavam com as elites políticas de províncias como São Paulo e Minas Gerais. Na citação, também é notável a discussão sobre o modo como a República deveria ser discutida e como chegaria ao poder, ou seja, uma reforma pacífica. A possibilidade de federalização também estava entre as opções, isto é, cada Estado independente e respondendo a um poder central. A abolição não era somente um tema de discordância entre os republica- nos. Positivistas, em maioria militares, também se aproximaram do republi- canismo após as décadas de 1860 e 1870. Nesse contexto, o Exército passou a ter problemas com o sistema monárquico do país, especialmente após a Guerra do Paraguai. Esse problema intensificou-se pela insistência dos militares em terem uma instituição mais organizada, acompanhada de uma carreira hierarqui- zada e de maior participação política. Dom Pedro II e seu grupo político, porém, pouco negociavam sobre as novas demandas sociais e políticas decor- rentes da Guerra do Paraguai. O positivismo – idealizado por Auguste Comte – chegou ao Brasil ainda na década de 1860. É desse tempo, portanto, o início das influências positi- vistas que, no caso do Exército brasileiro, tinham em Benjamim Constant e Deodoro da Fonseca dois expoentes. No Brasil, os seguidores dessa corrente filosófica defendiam uma união firmada por meio da ideia de nação, a fim de se ter o progresso do país. Comte preocupou-se em pensar na organização e na ordem social de um contexto para obter progresso. Suas ideias foram concebidas no século XIX, em meio às grandes transformações sociais e políticas após as décadas de 1840 História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930 – 40 – e 1850. Nesse caso, tanto ele quanto Émile Durkheim, Karl Marx e Max Weber foram os responsáveis pela difusão do pensamento sobre as mudanças que colaboraram para a institucionalização das disciplinas ligadas às ciências sociais, especialmente a sociologia. Comte, em um escrito chamado Curso de filosofia positivista, de 1842, defendia que o espírito humano teria passado por três fases: a primeira era o momento em que sociedades baseadas em princípios transcendentais e militarismo iriam diminuir; a segunda era aquela em que todos os fenôme- nos atribuídos a seres sobrenaturais seriam contestados e, posteriormente, as sociedades teriam na metafísica suas explicações. Ainda na segunda fase, o ser humano passaria a observar os fenômenos sociais no decorrer do tempo, a fim de decidir o que era melhor, uma ideia que deveria ser coletiva (incluindo sacrifícios individuais) (ARON, 2002) e relacionada ao uso da tecnologia, bem como do domínio da natureza. Na terceira fase, a organização humana estaria na relação, organização e domínio da natureza e da história. A França do século XIX, tempo e lugar de Comte, era marcada por uma sociedade capitalista industrial, e o crescimento econômico dessa modali- dade política e econômica era defendido pelo positivista como exemplo a ser seguido. Nesse caso, a união do espírito humano, livre de guerras e de violência, em nome de um bem maior (unido pela história humana e pelo domínio da natureza), chegaria a um estágio final de desenvolvimento da humanidade, que teria apenas um pensamento, no qual seu “espírito” estaria baseado ape- nas nas ideias positivistas. José Murilo de Carvalho afirma que, para Comte, uma boa pátria seria uma boa mátria (CARVALHO, 1990, p. 13), visto que era nas ideias do gênero feminino para humanidade e República que o filósofo encontrava seus argumentos – que estavam baseados na representação da República na ima- gem feminina (no caso de Comte, em Clotilde de Vaux) –, um imaginário que colaborava para legitimar um poder político. – 41 – Republicanismo no Brasil Imperial Utópica ou filosófica, a corrente positivista chegou ao Brasil como uma promessa que endossaria os ânimos republicanos, fossem eles abolicionistas, liberais ou militares. Pregava a separação entre religião e Estado, visto que a principal responsável pelo desenvolvimento deveria ser a ciência. Nesse período, havia influências oligárquicas do clero e da própria elite cafeicultora mais conservadora e monarquista. São exemplos: Benjamim Constant, que era positivista; Bocaiúva, que era liberal; e Silva Jardim, abolicionista e repu- blicano (CARVALHO, 1990). Existiam discussões e divergências sobre o fim da monarquia e do futuro do Brasil, caso a proclamação ocorresse. Contudo, havia uma disputa política e econômica de pequenos grupos sociais, sempre privilegiados ao longo de nossa história. Manter o interesse desses grupos tornou-se uma das principais premissas dos embates políticos do período. Mesmo mudando a história política do Brasil, o ato conduzido pelos militares foi também um golpe, o que colabora para o entendimento sobre o porquê da dificuldade de implementação de um sistema polí- tico republicano. Nesse contexto, embora o Partido Republicano tenha sido responsável por boa parte da discussão e do desgaste da imagem da monarquia, o novo governo iniciou com Deodoro da Fonseca, restando ao Partido Republicano dois importantes ministérios: o da justiça e o da agricultura. Nesse contexto, Campos Salles, chefe da pasta da justiça, emitiu, entre outros, dois decretos importantes: o n. 85-A, de 23 de dezembro de 1889 (BRASIL, 1889), e o n. 295, de 29 de março de 1890 (BRASIL, 1890). Neles, as determinações eram as seguintes: “todos aqueles que derem origem a falsas notícias e boatos alarmantes dentro ou fora do país ou concorrerem pela imprensa, por telegrama ou qualquer outro modo de pô-los em circulação”. O Decreto nº 295, feito para preservar o governo “da injúria e dos ataques pessoais que visavam ao desprestígio da autoridade e tinham por fim levantar contra ela a desconfiança para favorecer a execução de planos subver- sivos”. (RAMOS, 2010, p. 5) História do Brasil da construção da nação até o golpe de 1930 – 42 – Essas leis serviram para instaurar a censura em um período (início da República) que deveria ser de inauguração de uma participação mais cidadã e democrática. Outra questão que destoa bastante do que desejavam muitos republica- nos consta na seguinte citação: organização de um partido republicano construtor, preliminar- mente revolucionário, em que realmente se deseje para a pátria uma presidência poderosa, instituída pela vontade popular, a princípio por aclamação, sujeita em seguida ao sufrágio univer- sal, – capaz de ser autoridade, na qual se deposite uma caute- losa confiança, inteiramente fiscalizada pela Assembleia Nacional, câmara financeira, e pela opinião pública, por meio de todos os seus órgãos, – tornada assim o delegado representativo da pátria, síntese da liberdade; e pois Governo, na combinação feliz dos dois elementos que esta palavra resume: – Poder e Povo. (JARDIM apud BASTOS, 1986, p. 191) As principais características levantadas por Jardim são a participação do povo na escolha de seu presidente, bem como o respeito que este deveria ter com seus eleitores. Contudo, se considerarmos o contexto, o voto era direcio- nado a alguns grupos de homens, excluindo mulheres e classes mais simples, pois era exigida a alfabetização. Percebemos que o modo como a República brasileira foi proposta e o seu início são bastante diversos. Sabemos também que a ideia de República triunfou, mas, para que o povo aderisse a ela – como queria Antônio da Silva Jardim –, era preciso buscar laços identitários e ter uma memória forjada, para que elos coletivos existissem. 2.2 O fim do regime monárquico e a construção de mitos e símbolos O símbolo feminino ilustrado
Compartilhar