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110 Unidade III Unidade III 7 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO CÓDIGO DE ÉTICA DO ASSISTENTE SOCIAL Os princípios fundamentais do Código de Ética demonstram os compromissos ético-políticos assumidos pelo assistente social com os usuários do serviço social. Vamos conhecê-los a seguir: • reconhecimento da liberdade como valor ético central e das demandas políticas a ela inerentes – autonomia, emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais; • defesa intransigente dos direitos humanos e recusa do arbítrio e do autoritarismo; • ampliação e consolidação da cidadania, considerada tarefa primordial de toda sociedade, com vistas à garantia dos direitos civis, sociais e políticos das classes trabalhadoras; • defesa do aprofundamento da democracia como socialização da participação política e riqueza socialmente produzida; • posicionamento em favor da equidade e justiça social que assegure universalidade de acesso aos bens e serviços relativos aos programas e políticas sociais, bem como sua gestão democrática; • empenho na eliminação de todas as formas de preconceito, incentivo ao respeito à diversidade, à participação de grupos socialmente discriminados e à discussão das diferenças; • garantia do pluralismo, por meio do respeito às correntes profissionais democráticas existentes e suas expressões teóricas e compromisso com o constante aprimoramento intelectual; • opção por um projeto profissional vinculado ao processo de construção de uma nova ordem societária, sem dominação/exploração de classe, etnia e gênero; • articulação com os movimentos de outras categorias profissionais que partilhem dos princípios do código dos assistentes sociais e da luta geral dos trabalhadores; • compromisso com a qualidade dos serviços prestados à população e com o aprimoramento intelectual na perspectiva da competência profissional; • exercício do serviço social sem discriminação em relação a qualquer gênero, etnia, religião, nacionalidade, opção sexual, idade e condição física (BRASIL, 2003). 111 SUPERVISÃO DE ESTÁGIO ACADÊMICO 7.1 Princípios operacionais Os princípios operacionais referem-se à competência teórica e metodológica que você, futuro assistente social, deve adquirir no decorrer da sua formação profissional para intervir de forma propositiva, investigativa e reflexiva junto aos problemas sociais. Passaremos à análise dos princípios operacionais a partir do que é exposto por Iamamoto (2001). a) Núcleo teórico-metodológico • Bases teóricas - Fundamentos teórico-metodológicos da vida social: conhecer o ser social. - Fundamentos da formação sócio-histórica da sociedade brasileira: produção e reprodução da questão social. - Fundamentos do trabalho profissional: meios de trabalho. • Bases metodológicas - Análise de conjuntura. - Análise institucional. - Gestão social, planejamento, monitoramento e avaliação. - Pesquisa. - Gestão de serviços sociais. b) Núcleo técnico-operativo • Estratégias de intervenção - Assessoria e consultoria. - Gestão de serviços e recursos sociais (organização do seu trabalho). - Mediação entre usuário e instituições. - Participação em conselhos e em equipes multidisciplinares. 112 Unidade III • Instrumentos - Encaminhamentos. - Plantão. - Triagens. - Relatórios. - Estudos sociais, pareceres e laudos. - Abordagens individuais e grupais. - Entrevistas domiciliares e hospitalares. - Visitas a entidades ou outros equipamentos da comunidade. - Reuniões. - Oficinas. - Palestras e seminários. - Pesquisas. - Planos, programas e projetos. • Técnicas - Saber ouvir e falar. - Grupais: trabalhar com grupo, dinâmicas, condução e entrevista coletiva. - Individuais: entrevista individual. - Saber negociar e mediatizar. Os núcleos expostos anteriormente constituem os meios/instrumentos da prática profissional. Durante sua formação, você os estudará nas disciplinas básicas e nas específicas. 7.2 O produto do Serviço Social O produto do serviço social se configura nas dimensões materiais e sociais. No primeiro caso, ocorre quando o assistente social viabiliza o acesso aos bens e serviços oriundos das esferas 113 SUPERVISÃO DE ESTÁGIO ACADÊMICO governamentais ou privadas via programas sociais, por meio de auxílios em passagem de ônibus, próteses, óculos, cestas básicas, entre outros, como afirma Iamamoto (2001, p. 68): “[...] quando o Assistente Social viabiliza o acesso a uns óculos, uma prótese, está fornecendo algo que é material e tem utilidade”. Não podemos confundir que tal acesso é oriundo das políticas, programas e projetos sociais públicos com assistencialismo como favor ou doação. Esses produtos materiais são direitos garantidos e expressos na Constituição Federal. Já na dimensão social, há a produção de serviços, como valores, conhecimentos, moral e comportamentos que viabilizam o acesso não só a recursos materiais, mas, principalmente, incidem sobre as necessidades básicas de sobrevivência social. Por exemplo, o assistente social da área de saúde faz treinamentos para clima organizacional, relações interpessoais, programas de prevenção de acidentes de trabalho, de alcoolismo, de doenças crônicas, preparação para a aposentadoria, entre tantos outros. Esses serviços incidem sobre os usuários de forma objetiva. Isso é feito para agregar conhecimentos, esclarecimentos e encaminhamentos. Iamamoto (ibidem, p. 69) assevera que [...] o Serviço Social é um trabalho especializado, expresso sob a forma de serviços que tem produtos: interfere na reprodução material da força de trabalho e no processo de reprodução sociopolítica ou ideopolítica dos indivíduos sociais. O Assistente Social é, neste sentido, um intelectual que contribui junto com inúmeros outros protagonistas na criação de consensos na sociedade. Falar em consenso diz respeito não apenas à adesão ao instituído: é consenso em torno de interesses de classes fundamentais, sejam dominantes ou subalternas, contribuindo no reforço da hegemonia vigente ou na criação de uma contra-hegemonia no cenário da vida social. Hegemonia, nesse caso, refere-se à preponderância política, ao domínio político, à primazia e ao predomínio por parte da classe dominante. Faleiros (1985, p. 65) diz que [...] a hegemonia só pode ser vista nas relações de exploração e dominação existentes numa determinada sociedade. E é o processo de realização da dominação através, justamente, de sua aceitação pelas classes subalternas. O assistente social é protagonista na defesa de direitos quando atua nos conselhos de políticas públicas, como: saúde, assistência social e nos conselhos de direitos da criança e do adolescente, do idoso e do deficiente. Nesses espaços, o profissional contribui na socialização de informações que podem subsidiar a formulação de políticas sociais públicas para garantir o acesso da população aos direitos sociais que são assegurados por leis. Nos conselhos, o assistente social atua em prol dos interesses da sociedade civil organizada por meio de lutas sociais pela garantia de direitos. Iamamoto (2001) expõe que os profissionais necessitam ter clareza e considerar as condições específicas da produção de seu trabalho junto aos conselhos na habitação, na saúde etc. para que possam decifrar o que fazem. Ressalta-se que viver o serviço social não resulta, automaticamente, em dar conta de suas explicações, 114 Unidade III da mesma forma que há um grande hiato entre viver a cotidianidade da sociedade capitalista e decifrar o que é esse cotidiano. O produto pode ser expresso por democratização do acesso aos serviços e recursos sociais, proposição de mudanças de valores, crenças, comportamentos, qualidade de vida, clima organizacional, elaboração de planos e programas da organização, ações participativas, ações de caráter preventivo e informativo, entre tantas outras que o profissional identificará no seu processo de trabalho. A profissão de assistente social está inserida na divisão social e técnica do mercado de trabalho, e o produto da intervençãodo assistente social tanto pode beneficiar as classes trabalhadoras como as empresas capitalistas. Ao fazer parte de um trabalho coletivo em uma empresa capitalista, a intervenção desse profissional contribui para o crescimento do capital dessa instituição. Ao contrário, atuando no âmbito do poder público via programas sociais, o trabalho do assistente social não contribui para o crescimento de riquezas, e sim para a distribuição de lucros por meio das políticas públicas sociais. O assistente social, para apresentar resultados/produto do seu trabalho, necessita de instituições empregadoras, seja na órbita do Estado, organizações não governamentais ou empresas privadas. Independente da instituição empregadora, sua atuação deve ser norteada pelos princípios fundamentais do Código de Ética Profissional. O referido Código, no seu artigo 5º, estabelece que: Nas suas relações com os usuários, os deveres do assistente social são: a) contribuir para a viabilização da participação efetiva da população usuária nas decisões institucionais; b) garantir a plena informação e discussão sobre as possibilidades e consequências das situações apresentadas, respeitando democraticamente as decisões dos usuários, mesmo que sejam contrárias aos valores e às crenças individuais dos profissionais, resguardados os princípios desse Código; c) democratizar as informações e o acesso aos programas disponíveis no espaço institucional como um dos mecanismos indispensáveis à participação dos usuários; d) devolver as informações colhidas nos estudos e pesquisas aos usuários para que estes possam usá-las para o fortalecimento de seus interesses; e) informar a população usuária sobre a utilização de materiais de registro audiovisual e pesquisas referentes a ela bem como a forma de sistematização dos dados obtidos; 115 SUPERVISÃO DE ESTÁGIO ACADÊMICO f) fornecer à população usuária, quando solicitado, informações concernentes ao trabalho desenvolvido pelo serviço social e as suas conclusões, resguardado o sigilo profissional; g) contribuir para a criação de mecanismos que venham desburocratizar a relação com os usuários para agilizar e melhorar os serviços prestados; h) esclarecer aos usuários, ao iniciar o trabalho, sobre os objetivos e a amplitude de sua atuação profissional (BRASIL, 1993). Portanto, o assistente social deve atuar na perspectiva da ampliação e consolidação da cidadania da população usuária de seus serviços. Para isso, deve primar por uma atuação que tenha como foco de intervenção a garantia dos direitos assegurados pela Constituição e pelas outras leis vigentes no país. 7.3 O estágio como processo de aprendizagem para o trabalho Grande parte dos profissionais de diferentes áreas (Biologia, Serviço Social, Administração, Enfermagem etc.), que atuam no terceiro setor e nas ações de responsabilidade social empresarial, iniciou sua atuação na qualidade de estagiário ou de voluntário. O estágio curricular faz parte da formação técnica ou superior, compondo a matriz curricular como disciplina não eletiva e não substituível do quadro de carga horária geral das escolas e dos cursos de graduação. Segundo Ferreira (1986), estagio é o período de aprendizagem prática, de exercício do aprendizado teórico. Porém, para melhor elucidar o assunto, é preciso adotar como definição uma construção mais completa. Assim, entende-se que o “[...] estágio é um Superior didático-pedagógico da competência da Instituição de Ensino Superior a quem cabe a decisão sobre a matéria [...] oferecendo oportunidade e campo de estágio.” (Decreto n.º 87.497, de 18 de agosto de 1982 – regulamentação da lei do estágio). 7.4 O estudante e a extensão universitária Bem próximo da atuação como estagiário, no âmbito das escolas técnicas e das instituições de ensino superior, os estudantes têm a oportunidade de cooperar para o desenvolvimento de ações comunitárias de suas escolas (sendo a carga horária da extensão validada ou não como estágio, de acordo com o regimento da unidade escolar). Com efeito, o grande traçado da extensão (bem como do estágio realizado junto às organizações e à sociedade civil) é aquele planejado para formar profissionais com uma visão mais generalista do mundo atual e com especial compromisso com a sociedade da qual faz parte. Nesse sentido, o representante da UNESCO no Brasil, Jorge Werthein, comenta sobre a ação integrativa da extensão universitária desenvolvida pelas instituições como OSCIP e Unisol (anteriormente denominada de Programa Universidade Solidária). 116 Unidade III Saiba mais Para saber mais sobre o Unisol, leia a obra Políticas de educação: ideias e ações, de Jorge Werthein e de Célio da Cunha, 2001. Em 2001, a Prof.ª Mônica Abranches Fernandes destacou, durante a palestra no V Seminário Nacional Universidade Solidária (coletânea de textos e debates), como trabalhar solidariamente, alguns aspectos importantes sobre a visão e entendimento do estudante “extensionista” ao participar de atividades no âmbito da extensão universitária. 1º aspecto: o estudante entende solidariedade como uma questão de caridade, de dádiva, de doação (observa-se a necessidade da prática aliada à teoria para fortalecer conceitos); 2º aspecto: os estudantes têm clara noção de que a prática de extensão universitária lhe trará recompensas. Determinado aluno disse que pretende ser incluído nesse programa porque tem certeza que ele o ajudaria em seu crescimento profissional. 3º aspecto: no planejamento da extensão universitária ocorre o trabalho multiprofissional, e isso amplia os horizontes formativos e orienta o discente a observar além do prisma de suas futuras intervenções profissionais; 4º aspecto: o choque e a interação de universos diferentes, como o de um estudante de universidade particular atuando em uma comunidade quilombola ou de uma pessoa que sempre viveu em cidade grande atuar em um povoado interiorano. Para o novo perfil de trabalhador, exige-se a rica experiência consolidada nos estágios e trabalhos de extensão universitária, pressupondo-se que ela se trate de uma ação orientada pelas escolas e seus professores. 7.5 O voluntariado Em um ambiente de mercado de crescente competitividade, o voluntariado é visto por alguns como sendo extremamente prejudicial à inserção profissional, pois limita a possibilidade de ingresso no mercado quando boa parte das necessidades das instituições é atendida por pessoas não remuneradas. Contudo, no mundo do trabalho, dentro das organizações (especialmente as sem fins lucrativos e instituições públicas), o serviço voluntário sempre apoiou de maneira decisiva a implementação de ações e projetos junto às comunidades. Foi no sentido de valorizar os jovens, os adultos, os idosos e os profissionais que disponibilizam horas de trabalho, e para regulamentar o serviço voluntário no âmbito do Estado e das instituições privadas sem fins lucrativos, que, em 18 de fevereiro de 1988, o presidente da República sancionou a Lei 9.608 (a Lei do Voluntário). 117 SUPERVISÃO DE ESTÁGIO ACADÊMICO De acordo com tal lei, o voluntariado é definido como o trabalho realizado por pessoas físicas, não remuneradas, sem gerar qualquer tipo de vínculo empregatício, obrigações trabalhistas, previdenciárias ou afins. Sob o novo prisma de mercado, o voluntariado pode ser encarado como um mecanismo de inserção ao mundo do trabalho (especialmente para o jovem e para o profissional recém-formado ou desempregado), pois faz parte do cenário do terceiro setor e das ações de responsabilidade social empresarial, campo em que possui grande espaço para mostrar o potencial profissional e em que se pode desfrutar de um amplo espectro de novos relacionamentos. 7.5.1 A Lei do Voluntariado A lei que apresentamos a seguir traz a disposição vigente sobre o serviço voluntário, definindo como atividade exercida sem remuneração por pessoas físicas, em entidade pública de qualquer natureza ou em instituição privada sem finalidades lucrativasque tenha objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência social, inclusive mutualidade. Saiba mais Para saber mais sobre essa lei, acesse o site: <http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/leis/L9608.htm>. 7.6 O Serviço Social e a prática institucionalizada Não podemos separar instituição de Estado, uma vez que há um consenso entre esses dois elementos. E é justamente dentro dessas instituições que ocorre a prática institucionalizada do serviço social. As instituições são espaços de propagação de normas e disseminação de valores sociais e morais. Nesses órgãos se cumprem funções no sentido de responder a problemas ou demandas impostas pela sociedade. O Estado cria as organizações como aparelhos funcionais para atender as necessidades da sociedade na perspectiva do coletivo. É necessário que o assistente social conheça a instituição em que está inserido como profissional, suas normas e critérios de trabalho. Poderá, então, realizar a prática ou o exercício profissional utilizando meios estratégicos e técnicos para viabilizar os direitos sociais. Como as instituições são normalmente elementos ou aparelhos de controle da população, é de suma importância que os assistentes sociais compreendam a necessidade de montar estratégias criativas e propositivas para a tomada de decisões, analisando as alternativas que possam ser implementadas na superação das demandas dos usuários das organizações em que atuam os profissionais de Serviço Social. O assistente social efetua sua função mediante uma autonomia relativa. Isso significa que tal profissional decide os meios como realizar a atividade, os instrumentos técnico-operativos e as estratégias a serem adotadas. Porém, ele depende do aval das estruturas ou das instituições em que atua 118 Unidade III para a execução do seu trabalho. Se o assistente social constrói um projeto, ele só pode ser realizado se a instituição aprovar e destinar recursos financeiros ou verbas para sua execução. Portanto, o assistente social atua nas políticas públicas, mas, na maioria das vezes, é subordinado às chefias das instituições. Dessa forma, tal profissional, segundo Faleiros (1985), deve criar formas horizontais de comunicação com o usuário, informá-lo sobre o que o ele sabe a respeito daquela política e se ela é possível de ser efetivada ou não. É preciso socializar informações para que a classe trabalhadora articule resoluções de seu interesse. Para manter os usuários informados e participantes do processo de decisão nas políticas sociais, é necessário criar uma comunicação direta para que a população saiba exatamente aquilo que o assistente social faz. No processo de comunicação, há um confronto de diversos saberes que servem a políticas diferentes e isso gera um conflito de interesses. Esse diálogo implica a mudança das relações de força do saber para que a população tome conhecimento das políticas institucionais de forma simples e articulada com seus interesses, pois nas relações de força estão os limites para a sua mudança (FALEIROS, 1985). O assistente social trabalha, muitas vezes (ou na maioria das vezes), inserido nas instituições estatais, órgãos burocratizados, cujos usuários dos serviços ou políticas públicas oferecidos precisam se encaixar nos critérios e normas de atendimento das políticas implementadas e oferecidas por essas instituições. Tais critérios normalmente exigem um arsenal de papéis que podem constituir, frequentemente, um conjunto de medidas burocrático-administrativas que são um entrave ao exercício profissional. O usuário apresenta demandas urgentes e que precisam ser sanadas de forma ágil, independente de formulários e laudos que demoram a ser elaborados. Faz-se necessário que sejam decifrados esses entraves institucionais, bem como a ampliação na seletividade dos atendimentos que as instituições impõem ao trabalho e à atuação do assistente social, pois este é colocado em situações contraditórias: prima pela universalidade do acesso aos bens, serviços e políticas e é colocado diante da seletividade de usuário no exercício profissional nas instituições onde, normalmente, se trabalha com o mínimo de recurso para o máximo possível de beneficiados. Diante da complexidade dos problemas sociais que hoje se apresentam ao assistente social, é fulcral que ele conheça as instituições que implementam políticas que atuam em várias áreas, como: saúde, assistência, educação, habitação, agricultura, meio ambiente, justiça etc. Conhecendo as organizações, é possível que o assistente social entenda seu funcionamento e seu exercício profissional. Além disso, deve ter ciência de que a demanda por esses serviços vem crescendo, em função do aumento da miséria e o empobrecimento das camadas mais baixas da sociedade, bem como da crise fiscal e financeira do nosso país, que propicia a redução das verbas e recursos destinados às instituições prestadores de serviços públicos. A conclusão desse raciocínio é destacada por Iamamoto (2001, p. 163), pois a autora considera que [...] daí resulta um receituário de medidas assentado na crítica dos desvios institucionais da implementação das políticas de assistência pública, isto é, se a assistência fosse tratada de forma “satisfatória” pelo Estado por meio de uma gestão racional e eficiente de verbas, poder-se-ia dar conta mediante a administração da miséria. 119 SUPERVISÃO DE ESTÁGIO ACADÊMICO O assistente social deve ter compromisso com a tarefa de desvendar o mundo contemporâneo, descobrindo como as políticas sociais são implementadas, como funcionam as instituições que as viabilizam e como se insere a prática ou exercício profissional do serviço social nesses locais. Ele deve buscar construir práticas que beneficiem os usuários, primar por uma transparência na socialização de informações para essas pessoas, zelar por um trabalho de qualidade pautado no projeto ético-político da profissão na defesa da universalidade dos serviços públicos. As estratégias e técnicas variam conforme o ambiente institucional. Cada espaço sócio- ocupacional do assistente social possui características e possibilidades de intervenção peculiares. As políticas sociais públicas (assistência social, saúde, educação, previdência social, habitação, segurança pública, entre outras) são espaços em que os profissionais mais atuam e que podem empregar estratégias democráticas previstas em leis específicas, como os conselhos gestores, as conferências descentralizadas e participativas e a aplicação transparente de recursos por meio de fundos. Além dos direitos previstos em lei, a atuação profissional deve propor a superação ou simplesmente a minimização da burocracia no acesso aos serviços (filas, adiamento de pedidos, falhas na comunicação, falta de prestação de contas e ausência de explicações plausíveis). O silêncio diante de ações autoritárias é característica corrente no cotidiano dos usuários. Nessa situação, por exemplo, com o menor desgaste possível, o profissional poderia estimular a construção de uma resposta consciente por parte do próprio indivíduo, contribuir para sua autonomia e garantir, a longo prazo, o fortalecimento das iniciativas oriundas do saber popular. Cabe a cada profissional utilizar sua criatividade para garantir, do planejamento à execução, a participação dos usuários nos projetos sociais ou mesmo mantê-los informados de seus direitos, sem, contudo, agredir os princípios e interesses da instituição que o contratou. Conforme Iamamoto (2001), o assistente social possui uma relativa autonomia: é contratado pela classe burguesa e atende aos interesses dos trabalhadores. Nesse contexto, o desempenho profissional deve, por um lado, garantir a reprodução de sua força de trabalho e, por outro, legitimar os interesses da classe trabalhadora. Iamamoto (2001, p. 21) fundamenta a utilização de estratégias e técnicas pelos profissionais de Serviço Social quando afirma que [...] as alternativas não saem de uma suposta“cartola mágica” do Assistente Social; as possibilidades estão dadas na realidade, mas não são automaticamente transformadas em alternativas profissionais. Cabe aos profissionais se apropriar dessas possibilidades e, como sujeitos, desenvolvê- las e transformá-los em projetos e frentes de trabalho. Pelo viés propositivo, em uma perspectiva de fortalecer cada vez mais a identidade profissional articulada a um projeto de classe, as estratégias e técnicas no desempenho do trabalho profissional 120 Unidade III devem garantir materialidade aos interesses da classe trabalhadora e promover a concretização de direitos sociais e humanos. Lembrete Como vimos, não há receitas para a atuação profissional. Cabe ao assistente social conhecer as estratégias e técnicas que podem ser utilizadas no exercício da profissão. A seguir, alguns exemplos de estratégias e técnicas: • Estratégias: explanação dialogada, realização de debates, trabalhos em grupos visando à politização/emancipação; planejamento participativo; entre outras. São ações com um fim maior: o político, pois contribui para a reflexão e a efetivação de direitos. Esses são mecanismos utilizados para atuar tanto junto aos usuários como em proximidade às instituições, a fim de efetivar o projeto ético-político-profissional. • Técnicas: entrevistas (inclusive domiciliares), aplicação de questionários, jogos interativos, dinâmicas grupais, utilização de músicas, poemas, teatro, fantoches, apresentação em data-show, leituras coletivas de textos, produção de painéis temáticos etc. Ressalta-se que é necessário haver inter-relação entre as estratégias e as técnicas para que as ações não fiquem limitadas ao fazer burocrático e ao imediatismo. Essas estratégias e técnicas devem ser fundamentadas no arsenal teórico-metodológico de cada profissional (conhecimento, habilidades, valores e herança cultural), bem como nas características e perfil do público atendido. 7.7 O avanço profissional na utilização das estratégias e técnicas profissionais Inicialmente, as estratégias e técnicas utilizadas pelo assistente social favoreciam seu contratante, trazendo certo conformismo social e amenização de conflitos. Tal profissional era responsável por atividades que demandavam contato com a classe economicamente vulnerável, como a entrega de auxílios governamentais em meio a situações de extrema pobreza. Foi somente a partir da década de 1980 que o serviço social adquiriu, como principal característica, a opção por um projeto profissional vinculado à defesa intransigente dos direitos humanos da classe trabalhadora. Esse direcionamento, com um projeto aliado à classe trabalhadora, fez que as estratégias e técnicas do profissional possuíssem a intenção de reforçar a luta por uma nova ordem societária sem a dominação e exploração dessa classe. 121 SUPERVISÃO DE ESTÁGIO ACADÊMICO Na contemporaneidade, a maior parte dos assistentes sociais opta por uma identidade profissional aliada à camada mais pobre da sociedade. No bojo dessa identidade, o processo de trabalho é administrado como resposta consciente aos conflitos de classe. Ou seja, a elaboração e execução de projetos sociais, a concessão de benefícios, a realização de reuniões, entrevistas e atividades grupais, por exemplo, são pautadas pela concretização de direitos humanos sob a lógica de empoderamento e participação da classe trabalhadora. O caráter assistencial e a visão clientelista são substituídos pela ampliação e consolidação da cidadania e dos direitos sociais. É papel do assistente social facilitar aos usuários o acesso a informações, políticas, planos, programas e projetos sociais. Nessa perspectiva de atrelamento aos interesses dos usuários, não se pode perder de vista a relação contratual do profissional, no sentido de compreender que essa defesa de direitos ocorre no âmbito de instituições que seguem o modelo de produção e reprodução vigente no sistema capitalista. É importante observar que esse modelo nem sempre é aberto aos anseios da classe subalterna. Nesse contexto, o desempenho profissional exige estratégias e técnicas capazes de empreender a mediação entre instituição empregadora e usuário/destinatário dos serviços profissionais. Nesse desempenho, o assistente social deve informar aos usuários sobre seus direitos e apontar os caminhos para melhoria da qualidade de vida. Além disso, é também de sua responsabilidade a ampliação da participação dos usuários nos processos decisórios e na aplicação de recursos, o que implica a garantia de espaços em que a população poderá ser ouvida em seus questionamentos e solicitações. Em suma, a partir da consolidação histórica da profissão, o assistente social utiliza estratégias e técnicas para a garantia de direitos à classe trabalhadora. Fica evidente que a práxis representa a realização de atividades a partir de reflexão prévia dentro de uma lógica de racionalidade e intencionalidade. A partir desse pressuposto, convém registrar que toda intervenção do assistente social deve ultrapassar “a prática pela prática” e materializar os objetivos profissionais voltados para a autonomia e emancipação dos sujeitos sociais. Com respaldo teórico, toda técnica e estratégia encontram sua importância e sentido no ambiente institucional. Um exemplo de aplicação de estratégia é propor que as decisões institucionais considerem os anseios da população usuária. Além de configurar um princípio da Constituição Federal, ela também é uma forma inovadora de gestão. Uma técnica também ilustrativa é a tomada de decisões em grupos mistos, reuniões em que os representantes da instituição e dos usuários estejam presentes, considerando, portanto, o conjunto de seus interesses sem ferir o princípio ético de radicalização da democracia. Tais ilustrações de estratégia e técnica representam a instrumentalidade no desempenho profissional. O assistente social utiliza sua linguagem e conhecimento teórico para garantir materialidade aos objetivos 122 Unidade III profissionais de alargamento da participação dos usuários, efetivação de direitos sociais, ampliação da cidadania e, sobretudo, melhoria nas condições de vida sem agredir os objetivos da instituição que o emprega. Para concluir, é importante frisar que a prática profissional do assistente social ocorre em ambientes institucionalizados, sejam eles públicos ou privados, e sofre pressões e influências diretas e indiretas no cotidiano profissional. Frequentemente, os interesses do profissional entram em conflito com os da instituição. Nessa situação, é necessário o conhecimento, o domínio das técnicas e das estratégias no processo de trabalho em serviço social para melhor efetividade da prática nesses espaços contraditórios. 7.8 Instrumentalidade com categoria para a atuação do Serviço Social É necessário que você, no seu processo de formação acadêmica, compreenda a categoria “instrumentalidade” e o que ela representa para o serviço social. A instrumentalidade, como você já sabe, não é um conjunto de ferramentas técnico-operativas que o assistente social utiliza no cotidiano para desenvolver seu exercício profissional. Ela é a capacidade adquirida por esse profissional durante o processo de atuação de planejar e estabelecer objetivos com a finalidade de alcançar resultados, utilizando conhecimentos adquiridos, como: ético-políticos, teórico-metodológicos e técnico-operativos. O serviço social é fruto do antagonismo e da divisão da classe burguesa e do proletariado. Sua gênese está inteiramente ligada ao quadro sócio-histórico desenvolvido com o firmamento do capitalismo- monopolista e do agravamento da questão social. Como forma de abrandar a questão social, foi instituída uma modalidade de atendimento, uma resposta do Estado, traduzida sob forma de políticas públicas e sociais. Assim, criou-se o espaço para a atuação do serviço social. Foi necessário um profissional que implementasse essas políticas sociais dentro da divisão sociotécnica do trabalho.Guerra (2000, p. 18) explica que com a complexificação da questão social e como decorrência do tratamento que o Estado atribui, recortando-a como questões sociais a serem atendidas pelas políticas sociais, institui-se um espaço na divisão sociotécnica do trabalho para um profissional que implementasse as políticas sociais contribuindo para a produção e reprodução material e ideológica da força de trabalho (melhor dizendo, da sua subjetividade como força de trabalho). A instrumentalidade possibilita ao assistente social a mediação necessária para analisar sua trajetória sócio-histórica de funcionalidade, vinculada à classe dominante e ao Estado e, ainda, modificar-se e dar sentido histórico a seu exercício profissional. Para isso, ele busca a criticidade para romper com a concepção de instrumento de racionalização de conflitos. Mediante a apropriação dessa mediação, há uma busca da profissão para se inserir como um ramo na divisão do trabalho. É uma categoria que presta serviços especializados e que adquire condições de 123 SUPERVISÃO DE ESTÁGIO ACADÊMICO preparo técnico e intelectual por meio da instrumentalidade. Guerra (ibidem, p. 23) nos elucida sobre essa questão, ao dizer que [...] nessa perspectiva, pode-se pensar a instrumentalidade do trabalho do Assistente Social como propriedades/capacidades historicamente construídas e reconstruídas pela profissão, como uma condição sócio- histórica do Serviço Social em três níveis: 1. no que diz respeito à sua funcionalidade ao projeto reformista da burguesia (reformar conservando); 2. no que se refere a sua peculiaridade operatória, ao aspecto instrumental-operativo das respostas profissionais (ou nível de competência requerido) frente às demandas das classes, donde advém a legitimidade da profissão; 3. como uma mediação que permite a passagem das análises macroscópicas, genéricas e de caráter universalista às singularidades da intervenção profissional em contextos, conjunturas e espaços historicamente determinados. A mediação permite ao assistente social compreender os contextos e as conjunturas sociais, visando à conscientização das massas e às transformações das relações sociais dos próprios homens. Contribui para desvendar as representações e as relações de capital-trabalho e romper com o processo conservador do exercício profissional e atuação do serviço social tradicional. A instrumentalidade possibilita ao assistente social evitar a dicotomia entre o trabalho manual e o trabalho intelectual e colabora para que os profissionais não acreditem na falsa ilusão de que, no exercício profissional, a teoria é uma coisa e a prática, outra. Para concluir, observemos que a instrumentalidade do serviço social não se limita ao desencadeamento de ações instrumentais nem ao exercício de atividades imediatas: ela permite apreender a totalidade dos processos sociais e atuar sobre eles. 8 ABORDAGEM GRUPAL E ATUAÇÃO DO ASSISTENTE SOCIAL EM FORMAÇÃO DE GRUPOS O presente item está distribuído em dois subitens: o primeiro aborda o conceito de origem de grupos; o segundo relaciona o serviço social no processo de trabalho com grupos. Veja a seguir! 8.1 Progênie de grupo É pertinente que iniciemos nossa abordagem sobre formação de grupos tecendo um diálogo sobre a origem do grupo. O ser humano tem natureza social, por isso necessita viver em contato com o outro, estabelecendo nessa relação homem-homem os fenômenos da “[...] comunicação, percepção, afeição, liderança, integração, normas e outros [...]”, (COSTA, 2007, p. 18). 124 Unidade III A mencionada autora reitera que cada um passa a ser um espelho que reflete atitudes e dá retorno ao outro por meio do feedback. Isso significa que aprendemos em grupo, temos autoconhecimento e ampliamos a relação eu-outro dos caminhos para nosso conhecimento e orientação. A motivação é, portanto, a mola propulsora que deflagrará o devir. Trück e outros (2003) definem o grupo social como um agregado de seres humanos, os quais possuem relações específicas entre seus componentes, compreendem seu grupo e têm consciência sobre ele e sobre seus símbolos. Desse modo, a construção de regras de convivência e o respeito aos espaços individual e coletivo tornam-se necessários. Reportemo-nos aos primórdios da humanidade: quando as famílias constituíam os grupos, elas iam se ampliando e criando os clãs, as tribos, as associações e as sociedades. A criação das sociedades permitiu o surgimento de instituições com funções e atividades definidas pelo Estado. A partir da formatação do Estado, do desenvolvimento das sociedades e da criação de cidades, surgem as especulações científicas relativas à natureza social e os estudos científicos sobre as relações sociais desenvolvidas entre os homens. Referente ao desenvolvimento dos trabalhos com grupos, Trück e outros (2003) asseveram que ele contribui para desvelar os valores e as proposições culturais, antropológicas, sociológicas e econômicas construídas em concomitância ao progresso da história da humanidade. As relações ficaram mais complexas com o surgimento do trabalho para satisfazer as necessidades humanas, pois isso abriu caminho para o individualismo e a acumulação. As relações entre capital e trabalho implementadas para o alargamento da produção de bens materiais ou objetos rentáveis geram lucro e engendram tensões sociais. A título de ilustração, Trück e outros (2003, p. 10) afirmam que Os acontecimentos históricos como a Revolução Industrial trouxeram situações de crises que produziam tensão social como a relação capital e trabalho, dando origem a uma nova classe social: o proletariado. E as expressões que emergiram desse conflito permanente geravam a exploração do trabalho infantil, o isolamento da família, o afastamento do homem do lar, a necessidade de aumentar a renda familiar, a falta de legislação trabalhista, entre tantas outras expressões da questão social da época. Criou-se, então, uma necessidade social emergente de intervenção nesse “caldo” de exclusão e violência. Havia, na época, espaço para o desenvolvimento de trabalhos com grupos, pois as crises permitiram o nascimento de movimentos grupalistas. Você pôde perceber que a formação ou a constituição de grupos necessita da interação dos participantes e que eles mantenham interesses comuns. Hartford (1983, p. 37) ensina-nos que um grupo pequeno é definido com pelo menos duas pessoas – embora geralmente haja mais – reunidas com objetivos comuns ou interesses iguais num intercâmbio social, 125 SUPERVISÃO DE ESTÁGIO ACADÊMICO cognitivo e afetivo e intercâmbio social em encontros isolados ou repetidos, e que estes sejam suficientes para que os participantes tenham impressões recíprocas, criem um conjunto de normas para seu funcionamento juntos, desenvolvam metas para suas atividades coletivas, evoluam um senso de coesão para que pensem em si mesmos, e sejam pensados pelos outros como uma entidade distinta de todas as outras coletividades. Face ao exposto, aprendemos que pessoas reunidas em um mesmo ambiente não podem ser consideradas como um verdadeiro grupo, este seria composto por indivíduos reunidos em um mesmo local, mas com algum motivo e influências comuns, pois o grupo deve interagir e manter relacionamentos significativos e buscar o engajamento de seus membros para o aprendizado, crescimento e mudanças impactantes. Considerando os aspectos sociais e econômicos anteriormente mencionados, que contribuíram para o surgimento de grupos e a sua valorização no âmbito profissional, no próximo item abordaremos sobre o fazer profissional do assistente social no trabalho com grupos. 8.2 Serviço Social e trabalho com grupos O ano de 1943, conforme Trück e outros (2003), marca o início do trabalho com grupo desenvolvido pelo Serviço Social, em São Paulo, na área da infância e juventude. Nos anos seguintes, esse profissional passa a atuar com programas de ação e desenvolver atividades de base com grupos. Nesse processo, é imprescindívela (re)construção de instrumentos que colaborem com a operacionalização do planejamento do exercício profissional. O assistente social deve utilizar os dispositivos técnico-operativos sem esgotá-los. É preciso aproximar ou conectar as dimensões utilizadas pela profissão: investigativa, teórico-metodológica e ético-política. Tais dimensões, vinculadas à categoria da instrumentalidade, permitem ao grupo desmistificar o controle social exercido pela sociedade civil e Estado, bem como pelas ideologias difundidas cuja finalidade é a exploração. Nesse sentido, Trück e outros (2003, p. 10) acrescentam que Desmistificar o caráter autoritário e pejorativo dessa ação é de fundamental importância, uma vez que a cada dia amplia-se a necessidade desse controle. Quando, no cotidiano de nosso processo de trabalho, construímos canais de comunicação de saberes e práticas, estamos contribuindo para a transformação da relação de dependência do cidadão a mercê de um estado autoritário, para o resgate do sentido de que a população, [...], precisa exercer controle sobre o Estado. O serviço social, no contexto do trabalho grupal, prima pela construção e pelo despertar da autonomia dos indivíduos, bem como o fortalecimento das comunidades e resgate da cidadania. Além disso, objetiva socializar informações capazes de incentivar a mobilização e a organização dos movimentos sociais para a luta e as conquistas com vistas à efetivação dos direitos sociais e à ampliação das políticas públicas, e isso causaria impacto na melhoria de vida das sociedades. 126 Unidade III Hartford (1993) afirma que os grupos podem ser criados com vistas à produção de mudanças em seu ambiente para afetar sistemas e organização mais amplos, bem como serem usados para aculturar os indivíduos a eles pertencentes. Baseando-se na evolução social e histórica do serviço social no trabalho com grupos, você pode perceber que a ruptura com o serviço social tradicional tornou necessário utilizar as dimensões do conhecimento e da instrumentalidade. Observação Para concluir, como o fazer profissional do assistente social está embasado pelo projeto ético-político, cujos princípios valorativos pressupõem o protagonismo social, convém ressaltar que intencionalidade e teleologia constituem elementos norteadores de análises e decisões que suscitem a participação dos grupos. 8.3 Abordagem grupal e atuação do assistente social em reuniões A técnica de reunião constitui-se um dos importantes instrumentos de atuação do assistente social. Forsyth (2001) esclarece que reuniões são meios indispensáveis e importantes para suscitar a comunicação e os debates acerca de temas decisórios. A reunião entendida como momento de agrupamento de pessoas, agregação, requer no mínimo duas pessoas. Ela é polissêmica e tem vários propósitos, como: distribuir ou socializar informações, analisar problemas, desenvolver assunto específico etc. Assim sendo, para que haja eficácia nas reuniões e fortalecimento de debates, é mister que todos participem emitindo seu ponto de vista de forma consciente, respeitosa e responsável com intuito de apontar alternativas de solução face às demandas postas ao serviço social. Outro aspecto de fundamental importância: o compromisso profissional. Isso requer que você se inteire sobre a temática a ser discutida, mediante atitude investigativa, e isso permitirá que você exponha suas ideias e as defenda com argumentos sólidos. Para tal, entre outras literaturas, você deve se referenciar no Código de Ética Profissional, o qual, em seu Título III, trata das relações profissionais. Forsyth (2001) salienta que as reuniões são importantes instrumentos e todo profissional necessita saber o seu papel nelas, seja na direção, coordenação ou na sua participação, a fim de contribuir ativamente para que elas sejam produtivas e eficazes. Relativo às reuniões coordenadas pelo assistente social, ressaltaremos alguns tipos de direção: democrática, permissiva e autocrática. O assistente social, no exercício da direção democrática, deve planejar, organizar, educar e liderar; deve, ainda, ter por princípio a motivação e o envolvimento das pessoas que ele coordena. Na direção 127 SUPERVISÃO DE ESTÁGIO ACADÊMICO permissiva, procura liderar as pessoas fazendo concessão, tutelas, não primando pela organização e disciplina, nem pelo profissionalismo. Já na direção autocrática, desenvolve apenas a autoridade e exige obediência e, ainda, não permite a criatividade, a troca de opiniões, saberes e nem envolvimento, fragmentando, assim, qualquer articulação. Durante o exercício profissional, o assistente social utiliza a técnica de reunião em decorrência de vários motivos: socialização de informações; instrução sobre pontos importantes; consulta dos grupos ou colheita de sugestões sobre assuntos específicos ou outros temas para a tomada de decisões; mediante votação, buscar soluções para os problemas e as demandas apresentadas ao serviço social; consenso da organização e de sistematização de serviços e atendimentos; fortalecimento dos grupos; estímulo das reflexões e do pensamento crítico propositivo. Para realizar reuniões, o profissional deve planejar e preparar a condução delas, tomando algumas atitudes, como: definir a pauta objetiva da reunião ou assuntos a serem discutidos, pois ela deve ser flexível para que contemple possíveis sugestões de temas de interesses do grupo; verificar a disponibilidade de tempo dos participantes; confirmar o local da reunião; providenciar material necessário ao desenvolvimento de trabalhos; e atentar para o tempo de duração da reunião, por exemplo, caso ultrapasse uma hora, deve estipular pequeno intervalo para obter melhor aproveitamento dos resultados. Além disso, Forsyth (2001, p. 16) acrescenta que qualquer pauta de reunião precisa ser realista. Assim sendo, sugere que, ao elaborá-la, é preciso refletir alguns pontos, como: • Toda a agenda caberá dentro do tempo disponível? • Há tempo suficiente de antecedência para a notificação e preparo? • Será que um item principal poderá prejudicar o resto da reunião? • Todos os itens condizem com os participantes? (As pessoas certas estarão lá ou não?) • O estilo da reunião está certo? (O treinamento e a persuasão podem tomar mais tempo do que transmitir informação, [...]). O autor mencionado alerta que se houver algum equívoco na sua organização e isso for detectado somente após a reunião, impedindo-a de funcionar eficazmente, será demasiado tarde para fazer algo a respeito. Por isso, ele sugere que se verifiquem a aparência geral e o equilíbrio da agenda para se assegurar de que não haja muita coisa a se fazer nesse tempo. Se a paciência se esgotar, as coisas vão demorar mais ou não terão a atenção que deveriam merecer. Acima de tudo, a agenda deve refletir os objetivos da reunião (FORSYTH, idem). Organizados em reunião, assumimos vários papéis que podem ser rotativos ou fixos, necessários de serem identificados. Forsyth (ibidem, p. 18) apresenta algumas: 128 Unidade III [...] o tagarela – normalmente é exibicionista, demanda atenção e monopoliza a conversa; o entusiasta – empenha-se em fazer prevalecer seu ponto de vista em detrimento dos interesses dos outros, excluindo a opinião alheia; a esfinge – são pessoas silenciosas, apresentam problemas que variam da timidez ao desinteresse. O silêncio pode ser interpretado como enfado ou indiferença; o amuado – apresenta comportamento de mau humor ou sempre se sente prejudicado de alguma forma; o brigão – mostra-se implicante, cria confusões para atingir seu objetivo, apresenta ausência de consideração com o outro, inclusive com regulamentos e normas; e o solitário – apresenta dificuldades de entrosamento e de relacionamento em grupo, não emite suas opiniões, possivelmente por medo de causar má impressão. Diante de tais características, você pode perceber a complexidade da dinâmica interna da reunião. O assistente social precisa ter, além do domínio do teorda pauta da reunião, a sensibilidade para manter o equilíbrio e o controle na condução dos trabalhos. O uso de dinâmicas de grupo favorece a produtividade do momento e contribui para a concretização eficaz da reunião. Assim, o assistente social, no papel de facilitador, exercerá um comando atento, sensível, perceptivo e moderador na condução de uma reunião produtiva, mediante atitudes construtivas. Saiba mais Se você ainda não leu, leia o capítulo V do livro Nas trilhas do trabalho comunitário e social: teoria, método e prática, de William César C. Pereira, 2001. Concluindo esse item, você pode perceber a relevância da atuação do assistente social no processo de reunião de grupos, vislumbrando-a como colossal instrumento técnico-operativo do serviço social em prol do fortalecimento da cidadania e qualidade dos serviços prestados aos seus usuários. A seguir, abordaremos sobre outra técnica também de suma importância para o exercício profissional: a entrevista. 8.4 Técnica de entrevista: componente da instrumentalidade na prática cotidiana dos assistentes sociais A operacionalização da práxis profissional do assistente social ocorre por meio da instrumentalidade, que, além de compor um conjunto de conhecimentos e habilidades adquiridos no processo formativo do assistente social e ao longo da vida profissional, também reúne um conjunto de dispositivos e de técnicas. Entre as técnicas, temos a entrevista, a qual é compreendida como “um meio de tratamento que permite estabelecer uma relação profissional, um vínculo subjetivo e interpessoal entre duas ou mais pessoas, sendo que o que diferencia o seu uso é a maneira e a intenção de quem a pratica” (KISNERMANN apud GIONGO, 2003, p. 15). 129 SUPERVISÃO DE ESTÁGIO ACADÊMICO Marconi e Lakatos (2003, p. 195) conceituam entrevista como [...] um encontro entre duas pessoas, a fim de que uma delas obtenha informações a respeito de determinado assunto, mediante uma conversação de natureza profissional. É um procedimento utilizado na investigação social para a coleta de dados, para ajudar no diagnóstico ou no tratamento de um problema social. A técnica de entrevista, face à atitude investigativa e como mecanismo utilizado pelo assistente social em seu processo de trabalho, constitui-se meio de garantir a aproximação entre assistente social e usuário, possibilitando um processo de (re)construção da problemática vivenciada pelo indivíduo. Essa perspectiva traz à tona a discussão de que a entrevista não se restringe a uma conversa aleatória entre entrevistador e entrevistado. Ela consiste num processo, o qual envolve reciprocidade de participação entre as duas partes e é acompanhado de esclarecimento e objetivos a serem traçados em um procedimento investigativo que pode vir a ser desencadeado. Dessa forma, a entrevista compreende espaço de escuta e de diálogo, é um momento em que o assistente social utilizará todo o seu discernimento. Isso implica perspicácia, habilidade e experiência para compreender a realidade do usuário com vistas à apreensão da situação-problema (objeto de sua intervenção). A entrevista, como principal elemento de reciprocidade entre assistente social e usuário, haja vista a troca de conhecimentos que ocorre no processo, é uma forma de comunicação em que o profissional controla seu desenrolar. Nessa perspectiva, o profissional objetiva o crescimento emancipatório do usuário e, portanto, a entrevista torna-se mais um elemento do qual o assistente social se apropria em seu cotidiano para viabilizar conquistas e direitos para o cidadão. Você deve estar se perguntando: mas como é o processo da entrevista? Como ela se configura e a sistematizamos? Marconi e Lakatos (2003) pontuam alguns tipos de entrevista: padronizada ou estruturada e “despadronizada” ou não estruturada. A estruturada é o tipo de entrevista em que o entrevistado não pode alterar absolutamente nada do roteiro preestabelecido da entrevista. É padronizado e consta de formulários-padrão ou questionário, cujo objetivo é obter respostas comparáveis às mesmas perguntas. Na não estruturada, o entrevistador tem autonomia para formular perguntas em conformidade com a situação apresentada, e o entrevistado, liberdade para responder sem obediência a um roteiro. Ela amplia o leque de informações a serem adquiridas na medida em que o procedimento ocorre dentro da informalidade, propiciando flexibilidade e um diálogo aberto entre as partes. No que tange às entrevistas em Serviço Social, elas podem ser classificadas em: • entrevista de ajuda: defendida por Benjamin (1994), que compreende a ajuda como capacidade de fazer aquilo que os usuários realmente desejam; 130 Unidade III • entrevista de triagem: verifica critérios de elegibilidade e, via de regra, é utilizada nos plantões sociais. Requer que o assistente social tenha consciência do seu papel, que é ter a percepção clara de quem realmente deve ter o acesso ao bem ou serviço, pois a demanda é bem superior em relação aos parcos recursos ofertados. Esse tipo de entrevista gera um desgaste ao assistente social devido lhe caber a função de triar as demandas já excluídas socialmente; • entrevista de avaliação socioeconômica: via de regra, é utilizada em programas sociais e plantões sociais e tem como objetivo avaliar a situação socioeconômica do usuário. Geralmente, cada instituição tem seu próprio modelo para proceder a esse tipo de entrevista. A entrevista ainda se define sob três formas: estruturada – segue um roteiro e por isso as informações encontram-se sistematizadas; aberta – não segue qualquer roteiro e o desenrolar da entrevista ocorre a partir de cada situação em que se encontram entrevistador/entrevistado; dialogada – a relação entre o entrevistador e o entrevistado se dá em um plano horizontal em que ambos são sujeitos do processo. No que concerne às etapas da entrevista, podemos pontuar o acolhimento, a apresentação do problema e do contexto/desenvolvimento e o encerramento. No acolhimento se estabelece o vínculo entre os dois sujeitos da entrevista, facilitando o processo interventivo. É o momento em que o assistente social dispõe toda sua atenção no entrevistado. Essa etapa requer do entrevistador habilidades como saber ouvir e saber perguntar. Saber ouvir implica poder de concentração. Ouvir significa prestar atenção em tudo o que está sendo dito a fim de que o entrevistado se sinta respeitado e valorizado. Saber ouvir deve ser parte intrínseca no agir profissional e um exercício constante, habilidade da qual o assistente social deve se apropriar. Saber perguntar é uma arte e, assim sendo, vai delinear um caminho prazeroso e produtivo no processo de entrevista. As perguntas devem ser formuladas de forma aberta, indireta e propiciar a reflexão. A etapa da apresentação do problema e do contexto/desenvolvimento refere-se ao momento em que o assistente social se apropria da situação-problema do usuário, tentando compreender toda sua sistemática de vida, seja na família ou na vida profissional. O assistente social tem por objetivo desvelar a realidade do outro juntamente a ele, a fim de que seja construída uma proposta de intervenção que implique organização, planejamento, definição dos recursos a serem utilizados etc. para o enfrentamento das alternativas possíveis e para criar formas de encaminhamentos à demanda em questão. Benjamin (1994, p. 38) afirma que, nessa fase de exploração do assunto situado e aceito, “[...] o corpo principal da entrevista foi alcançado, e a maior parte de nosso tempo será despendido no exame mútuo do assunto, tentando verificar todos os aspectos e tirando algumas conclusões”. O desenrolar da entrevista mostra gradativamente ao assistente social uma coleta de informações consistentes, com ou sem interrupções necessárias, dependendo do processo. Se o entrevistado for 131 SUPERVISÃO DE ESTÁGIO ACADÊMICO inibido ou extrovertido demais, é preciso que o profissional use de cautela para prosseguir sua entrevista,para que não haja qualquer prejuízo de seus resultados. A etapa do encerramento configura-se o “desfecho” da entrevista. É preciso que o profissional esteja ciente do momento de encerrá-la, verifique se os objetivos foram alcançados, se ficou alguma pendência e se há algo que favoreça outro encontro caso necessário. Tudo isso deve ser bem ponderado, levando em consideração ser o assistente social o responsável pelo tempo definido, pelo espaço, conteúdo, e principalmente pelos resultados alcançados na entrevista, a fim de que o processo interventivo tenha êxito. O espaço da entrevista constitui ponto relevante no ato de entrevistar. O ambiente precisa ser tranquilo e garantir privacidade (embora haja momentos em que não se consiga, dado o contexto, como ocorre em algumas entrevistas em vias públicas). O essencial é que se garanta um momento de concentração. Daí que ressaltamos a importância das condições de trabalho e suas repercussões na garantia do sigilo profissional. O tempo da entrevista é fator preponderante na sua organização e na programação. O início e o término devem ser acordados entre as partes a fim de que cada participante possa se programar e, caso haja imprevistos, o assistente social possa avisar com antecedência ao entrevistado. Caso isso ocorra, cabe ao profissional uma justificativa plausível com o intuito de o entrevistado compreender a rotina do entrevistador, a qual segue a da instituição. Outro aspecto importante na entrevista refere-se aos tipos de perguntas. Benjamin (1994) afirma que elas podem ser de vários tipos. Vejamos a seguir. • Abertas – são amplas e permitem ao entrevistado dar respostas claras e extensas, o que alarga a capacidade de percepção do entrevistador. Ex.: o que o trouxe aqui? • Fechadas – ao contrário das abertas, tendem a limitar a resposta do entrevistado e diminuir o poder de percepção do entrevistador. Ex.: o senhor está meio triste hoje, o que houve? • Diretas – são precisas. Ex.: como você vê a sua mudança de turno? • Indiretas – levam a uma reflexão. É como uma afirmação que o entrevistado faz durante a entrevista. Ex.: ocorreu-me no momento que você não está se adaptando ao seu novo horário de trabalho. • Duplas – dá alternativa para o entrevistado optar por uma ou outra resposta. Ex.: você prefere trabalhar no horário diurno ou noturno? Convindo ressaltar que à noite você terá direito ao adicional noturno. • Bombardeio – quando são feitas várias perguntas simultâneas. Ex.: o que me diz? Não tem nada a declarar? Será que não fui claro? Diante do exposto, e finalizando esse item, convém salientar que seu êxito consiste na capacidade, habilidade e competência do profissional, cujos conhecimentos propiciarão uma abordagem de qualidade nesse processo. 132 Unidade III Todos os conhecimentos e habilidades concorrem para que a técnica em tela se configure como instrumental. Esse dispositivo deve propiciar intervenção competente e consequente qualidade nos serviços prestados à população. 8.5 Entrevista domiciliar: técnica imprescindível no fazer profissional do assistente social A entrevista domiciliar é uma técnica que também é utilizada por vários outros profissionais para melhor compreender a dinâmica do cotidiano familiar do usuário. Amaro (2003, p. 13) afirma ser ela “[...] uma prática profissional, investigativa ou de atendimento, realizada por um ou mais profissionais junto ao indivíduo em seu próprio meio social ou familiar”. Amaro (ibidem, p. 40) pontua alguns procedimentos que o assistente social, antes de efetuar uma entrevista domiciliar, deve avaliar: • quem a solicitou (usuários, vizinho, parente, instituição); • o que pode colaborar, seja para o usuário, seja para o serviço ou mesmo para a relação profissional, para realizar a entrevista domiciliar naquele momento; • que na maior parte das vezes, a entrevista deve ser realizada só depois de o assistente social e usuário já terem se conhecido; • que o horário deve ser determinado e respeitado. Quanto ao elemento surpresa, as entrevistas domiciliares podem ser embaraçosas para o usuário se não forem marcadas com antecedência; • que é preciso avisar, anunciar a entrevista domiciliar e a intenção pela qual se a realiza; • se o objetivo da entrevista domiciliar é claro, para que, assim, possa observar, perguntar, esclarecer e trabalhar durante o encontro; • que é preciso evitar entrevista domiciliares às horas de refeição, pois o usuário pode julgar-se na obrigação de convidar o assistente social a participar da mesa e a recusa pode ofendê-lo; • que é possível aceitar algumas cortesias como, cafezinho, refresco etc., e isso pode contribuir para um bom relacionamento. A entrevista domiciliar se configura como momento de diálogo entre o entrevistador social e o entrevistado. Via de regra, ela compreende outras técnicas de desvelamento da realidade do usuário: a observação, a entrevista e o relato verbal ou histórico do investigado. O diálogo de uma entrevista domiciliar não pode ser despojado de cientificidade. Ele tem um fim maior e pressupõe preparo profissional para obter êxito. O momento de observação é relevante, pois se configura desde o indizível, seja por meio de uma fotografia, um gesto etc. Observar exige perspicácia, intuição e capacidade de apreensão da realidade do usuário. 133 SUPERVISÃO DE ESTÁGIO ACADÊMICO A linguagem é algo primordial nesse processo. Merleau Ponty apud Giongo (2003, p. 39) afirma que a palavra é corpo através do qual aparece uma intenção. [...] o pensamento sem as palavras é como um sopro. Inversamente, as palavras sem o pensamento não são senão um caos de signos sonoros. Ao tentar compreender a linguagem do usuário, o entrevistador social deve entender que a expressão verbal é revestida de um significado de suma relevância nas relações estabelecidas com o sujeito investigado. Merleau Ponty apud Giongo (2003) entende que o pensamento, visto como razão, emoção, paixão, especulação, sofrimento, angústia e amor, só se realiza verdadeiramente quando acha sua expressão verbal. O diálogo entre assistente social e usuário deve ser facilitado, estimulado, instigado pelo profissional, o qual tem o dever ético de propiciá-lo em toda e qualquer situação de intervenção junto ao usuário de seus serviços. No momento da entrevista domiciliar, o assistente social deve se atentar para o relato de vida do usuário, pois é por meio dele que o profissional fará a ponte entre singularidade, universalidade e totalidade ao analisar a particularidade dos fatos. Podemos afirmar que ela é o lócus em que se dá a mediação do assistente social. Faulkner apud Amaro (2003, p. 14) conceitua vidas como [...] propriedades biográficas pertencentes a pessoas e a outros, inclusive instituições e Nações-Estados; produções interpessoais que envolvem relações complexas de consequências morais, políticas, econômicas, de parentesco e sociais; Cada vida é ao mesmo tempo singular e universal, particular e, no entanto, generalizável; as vidas são a expressão da história pessoal e social, bem como das teias relacionais de influência; Cada vida é cobrada dentro de uma linguagem particular e de um conjunto de significados que devem ser apreendidos e registrados. Nessa perspectiva, o papel do assistente social ao analisar, sintetizar e interpretar a vida do usuário deve partir do princípio de que sua vida compõe uma totalidade e não se restringe apenas ao que foi captado durante a entrevista. Daí o destaque para o preparo do profissional, o qual deve estar capacitado para apreender a totalidade da vida do usuário, seja nos aspectos socioeconômicos ou ideoculturais (que envolve religião, mitos, crendices, costumes etc.). Enfim, é preciso que o cotidiano seja suspenso pelo entrevistador social e isso se configura um desafio na prática profissional. Convém destacar que alguns autores concebem a entrevista domiciliar como uma entrevista semiestruturada, haja vista ser orientada por um planejamento prévio ou umroteiro. Isso revela seu caráter complexo e a necessidade premente de o entrevistador estar preparado. Outro aspecto pertinente é o fato de a entrevista pressupor documentação de seus relatos. Assim sendo, o relatório é um importante instrumento utilizado nas diversas formas de intervenção do assistente 134 Unidade III social e compõe a última etapa da entrevista realizada na entrevista domiciliar. Amaro (ibidem, p. 41) afirma que nele devem constar: a) um resumo dos acontecimentos ordenados cronologicamente; b) uma breve descrição de cada membro; a família como grupo, as pautas da interação e a conduta nos papéis; c) o ambiente de vizinhança, físico e humano; d) o resultado prático, face ao objetivo da entrevista. A trajetória histórica da entrevista domiciliar no serviço social advém de sua gênese, principalmente no estudo de caso (método utilizado por Mary Richmond – 1917, uma das pioneiras dessa profissão). Nessa abordagem, a entrevista domiciliar era realizada com fins de diagnosticar, sob a ótica clínica, a situação-problema dos “clientes”, haja vista o perfil “psicologista” da profissão naquela época. Hoje, o paradigma da entrevista domiciliar como campo exclusivo do estudo de caso foi rompido. Constitui-se uma técnica de investigação e intervenção utilizada no âmbito da categoria em vários segmentos: dos positivistas aos marxistas mais radicais, dada sua imprescindibilidade no fazer profissional do assistente social. 8.6 Vida cotidiana: algumas questões relevantes A vida cotidiana é “[...] a vida de todos os dias e de todos os homens e é percebida e apresentada diversamente nas suas múltiplas cores e faces” (CARVALHO; NETO, 2000, p. 14). Os autores assinalam, ainda, que a vida cotidiana é • a vida dos gestos, relações e atividades rotineiras de todos os dias; • um mundo de alienação; • o espaço privado de cada um, rico em ambivalências, tragicidades, sonhos, ilusões; • um modo de existência social fictício/real, abstrato/concreto, heterogêneo/homogêneo, fragmentário/hierárquico; • o micromundo social que contém ameaças e é, portanto, carente de controle e programação política e econômica; • um espaço de resistência e possibilidade transformadora. Diante do exposto, percebe-se que discutir sobre o cotidiano não é fácil. E o nosso propósito, nesta aula, é levar você a refletir sobre o cotidiano, espaço no qual o assistente social faz sua intervenção. 135 SUPERVISÃO DE ESTÁGIO ACADÊMICO Abordar a vida cotidiana nos remete ao nosso fazer de todos os dias: acordar cedo, ir ao trabalho, à escola, cuidar de criança, tomar café, escovar os dentes, almoçar, jantar, praticar um esporte, assistir à novela ou ao noticiário, dormir e acordar no dia seguinte e repetir tudo outra vez. Não significa só isso, é sonhar, ter esperança de dias melhores, viver angústias, ter medo, opressão, sentir solidão, mas também segurança. É uma raridade encontrar uma pessoa que consiga romper com sua cotidianidade e que consiga sair da superficialidade em que o cotidiano a coloca; fazer isso significa suspender o cotidiano, ter uma atitude de consciência “do ser homem total, em plena relação com o humano e a humanidade de seu tempo” (CARVALHO; NETTO, ibidem, p. 23). A vida cotidiana não é homogênea, é um espaço de heterogeneidade e hierarquia. Seu caráter fundamental se configura em um conjunto de ações e relações heterogêneas que são revestidas de hierarquia. Esta não é rígida nem imutável. Agnes Heller citada em Carvalho e Netto (ibidem, p. 24) afirma que, “[...] ela se altera em função das particularidades e interesses de cada indivíduo e nas diferentes etapas de sua vida”. A autora em questão diz que a heterogeneidade e a hierarquia do cotidiano podem ser superadas pela homogeneização como mediação necessária para suspender a cotidianidade. Heller, citada em Carvalho e Neto (ibidem, p. 27), expõe que “[...] este processo de homogeneização só ocorre quando o indivíduo concentra toda sua energia e a utiliza em uma atividade humana genérica que escolhe consciente e autonomamente”. Há quatro formas de suspensão da vida cotidiana — de passagem do meramente singular ao humano genérico. São elas: o trabalho, a arte, a ciência e a moral. Tal suspensão implica uma saída do cotidiano e uma retomada a ele de forma revigorada, e implica uma apreensão da plenitude obtida por meio da consciência e possibilidade de transformação do cotidiano singular e coletivo (CARVALHO; NETTO, 2000). A seguir, algumas questões relevantes em nosso mundo concernente à vida cotidiana. a) A revolução passiva do pós-guerra: essa revolução se configura como uma retomada revolucionária passiva da classe dominante capitalista perante o contexto político mundial pós-29. Para uma melhor compreensão do significado da revolução passiva, seguem algumas de suas principais características: • a evolução de um capitalismo individualista e selvagem para um capitalismo planificado, transnacional e monopolista; • a generalização e mundialização do assalariado; • a forte expansão das funções do Estado, que assume o papel de mediador entre capital e trabalho. O chamado Estado-Providência, que assume as funções de reprodução da força de trabalho (educação, saúde, assistência social etc.); 136 Unidade III • as relações de dominação e poder tomam uma forma corporativista, funcional, triangular (sindicato, Estado, burguesia monopolista), sendo o Estado o figurante mediador principal; • o enfraquecimento da classe trabalhadora como sujeito político real; • a perda de visibilidade dos valores essenciais ao desenvolvimento do homem como ser singular e social, e, com ele, a perda de referências para a transformação da sociedade etc. (CARVALHO; NETTO, 2000, p. 33-35). Diante desse contexto, os autores em questão ainda propõem a leitura dessa realidade de forma metaforizada, eles dizem que é como se uma nação dormisse num profundo sono, do qual não quer acordar. Prosseguem com algumas hipóteses para explicar este sono profundo. a) existência de um individualismo exacerbado com um consequente egoísmo generalizado; uma passividade, produto de uma massificação e alienação generalizadas, a pouca visibilidade dos valores fundamentais à emergência do ser total explica igualmente a dificuldade de sair deste sono profundo. b) A modernização, o progresso e o fantástico desenvolvimento tecnológico: fazer uma abordagem dessa tríade remete à figura de um dilema: se de um lado o desenvolvimento tecnológico trouxe benefícios, o que é indiscutível, por outro, trouxe uma problemática que não pode passar despercebida em qualquer discussão acerca do assunto. Por exemplo, a informática e a telemática introduzem uma vertiginosa alteração na vida societária. c) A alienação contamina e sufoca a vida cotidiana: a alienação se configura como ingrediente da vida cotidiana. Isso se dá tanto na objetivação do trabalho, que deixa de ser algo prazeroso, criador, atividade vital do homem, para se tornar um mero meio de subsistência, e na objetivação das relações sociais, as quais deixam de se apresentar como históricas, conscientes, livres, igualitárias e afetivas para se reduzir a instrumentos de dominação e opressão” (CARVALHO; NETTO, ibidem, p. 41). Nessa perspectiva, a vida cotidiana vai se tornando também o espaço da mediocridade. Nesse contexto, valores burgueses, como individualismo, neutralidade e competição, tendem a reforçar essa mediocridade que anula o papel crítico-transformador dos sujeitos sociais que não se motivam para participar das grandes decisões políticas, econômicas e culturais que permeiam a sociedade. Tudo isso nos leva a refletir sobre outros elementos: • o grande vazio: as atividades rotineiras, inclusive as laborais que se manifestam na vida cotidiana, levam o sujeito a um grande vazio, que se manifesta na ausência de esperança de uma possibilidade de transformação do mundo em direção a uma plena humanização. Esse vazio vem recheado de falta de esperança de realizaçãode sonhos, de desejos e gera desespero, angústias, medos etc. Esse vazio é revestido de ambiguidades: existência/subsistência, material/espiritual, singular/coletivo, igual/diferente, individuo/cidadão etc. 137 SUPERVISÃO DE ESTÁGIO ACADÊMICO • espaço e tempo: esses dois elementos também perpassam a discussão sobre o cotidiano. O tempo não para, mas se apresenta de forma linear e repetitiva para o cotidiano. O passado histórico dos homens e do mundo é vivido também no cotidiano, e nada melhor do que a ilustração de um relógio para demonstrar que as outras dimensões do tempo se chocam no presente de forma cíclica, linear e repetitiva. Quanto ao espaço, principalmente no que concerne às cidades, as pessoas se encontram confinadas em apartamentos e condomínios, que são padronizados e as impedem de ser livres. De certa forma, o espaço deixa de representar segurança, liberdade e movimento para se transformar em elemento de confinamento. • a queda do pacto de complementaridade: esse elemento da vida cotidiana tem levado muitos ao isolamento e à solidão. Tendo em vista que os valores de comprometimento, de lealdade, renúncia, doação etc. têm se manifestado como propagação de valores que não permitem a persistência de um pacto de complementaridade entre os pares como isso vem reforçando o singular, o particular em detrimento do coletivo, do comunitário e do genérico. • o Estado-previdência cunhou o usuário de serviços e benefícios. O cidadão foi substituído progressivamente pelo usuário: esse elemento constitutivo do cotidiano é concebido como o momento ilusório em que o cidadão deixa de existir para se transformar em usuário, ou seja, a palavra cidadão só é vista em discursos políticos e, na prática, o cidadão sequer existe. Sobre esse fato, Carvalho e Netto (ibidem, p. 48) enfatizam que, “[...] no terceiro mundo, os cidadãos são chamados de ‘cidadãos de segunda classe’ porque não conquistaram os chamados direitos sociais”. • o sagrado e o espiritual no cotidiano: o espiritual perpassa o cotidiano como energia e força para viver. Os autores ainda prosseguem afirmando que o espiritual é vivido no cotidiano como energia da vida, podendo se manifestar de forma contraditória: ora como uma força alienante, como o ópio da vida, representando um momento de fuga, ora como um processo de libertação em que a comunidade se configura como elemento de apoio em uma caminhada coletiva. Esses itens foram sucintamente destacados para fazermos uma reflexão do cotidiano. Compreenda que essa temática é de caráter bastante investigativo e sua apreensão não se esgota aqui. 8.7 Cotidiano e práxis profissional Primeiramente, vamos compreender o que vem a ser práxis. Essa categoria, em Marx, pode ser entendida como prática articulada à teoria, prática desenvolvida com e pelas abstrações do pensamento, como busca de compreensão mais consistente e consequente da atividade prática - é prática eivada de teoria. Dessa forma, entende-se que a práxis se configura como ação refletida, pensada. “Toda vida social é essencialmente prática”, diz Marx, citado em Carvalho e Netto (2000). Essa discussão traz à tona a percepção de que a práxis não se restringe a uma atividade qualquer. Ela se configura em diversos níveis, dependendo do contexto em que ela se insere, daí a ramificação em diversas práxis. Destacaremos algumas delas: a práxis criadora (práxis das práxis) embora existam outras formas, tais como: a práxis reiterativa, a práxis reflexiva e a práxis espontânea. 138 Unidade III Entre as formas de práxis, pode-se afirmar que uma pode vir vinculada à outra, até porque o homem é um ser que vive as relações que estabelece seja entre si, seja entre os objetos que criou. Pode-se afirmar que a práxis criadora é a práxis determinante. Essa assertiva nos permite refletir que a práxis, apesar de ser essencialmente criadora, propõe um momento de trégua, visto que o homem não vive no permanente estado criador, ora ele tende a repetir as suas ações humanas, ora ele sente a necessidade de criar. No entanto, Vasquez (1997, p. 248) diz que “[...] a necessidade criadora é para ele “a primeira e mais vital necessidade humana.” A práxis é, portanto, a capacidade que tem o homem de criar, de recriar, de produzir, reproduzir, manipular e, sobretudo, transformar situações históricas. Exemplo disso foi a Revolução Russa, que se configura historicamente “como práxis social criadora enquanto atividade material dos homens que transformam radicalmente a sociedade e produzem um regime social novo” (VAZQUEZ, ibidem, p. 251). Outro exemplo interessante de práxis criadora seria a tarefa do artista, que dá uma nova forma material ao seu objeto de trabalho. Isso implica dizer que a verdadeira criação supõe uma elevação da atividade da consciência e que sua materialização supõe uma íntima relação do interior com o exterior, do subjetivo com o objetivo. Ante o exposto, podemos concluir que a práxis é a ação pensada, refletida, e resulta nas ações humanas conscientes, que dão respostas às necessidades do devir histórico. 8.7.1 Práxis profissional do assistente social e cotidiano As transformações sociais e a complexidade das sociedades, o processo de desumanização em face do avanço tecnológico e do aprofundamento das desigualdades sociais, resultantes do desenvolvimento capitalista, indicam a exigência de uma tomada de posição cada vez mais clara e definida por parte do assistente social. Diante dessa desumanização e aviltamento dos direitos civis, políticos e sociais, o assistente social não pode deixar de intervir e lutar por melhores condições de existência. Diante disso, o que fazer? Como atender de forma competente e comprometida as demandas que perpassam o nosso fazer profissional? Por essas respostas, perpassaria a questão da práxis profissional. Ela é uma prática pensada, refletida, subsidiada pelo conjunto de conhecimentos teórico- metodológicos, técnico-operativos e ético-políticos que o assistente social adquire ao longo de sua formação profissional. A práxis profissional do assistente social ocorre em um processo que elucida a questão da atitude interventiva e, nesse processo, ele se apropria de uma determinada “[...] instrumentalidade qual seja a de conhecer, explicar, propor e implementar iniciativas voltadas ao enfrentamento das desigualdades sociais, que são inerentes à constituição da sociedade capitalista” (MOTA, 2003, p. 10). 139 SUPERVISÃO DE ESTÁGIO ACADÊMICO • Politicas • Públicas • Bens • Serviços Práxis Assistente Social Usuário Instituição Figura 2 – Mediação em serviço social O serviço social, por meio da práxis, faz a mediação entre instituição e usuários e viabiliza os bens e serviços. O cotidiano, locus por excelência, em que ocorre a práxis profissional do assistente social precisa ser desvelado. Isso implica o conhecimento da própria realidade, visto que é nela que estão presentes os processos sociais sobre os quais a profissão intervém. Em linhas gerais, significa apreender os processos societários em curso e os meios pelos quais eles afetam o conjunto da vida social em cada realidade. O cotidiano profissional necessita ser elucidado continuamente, pois refletem nele as transformações societárias que são dinâmicas. Para tal, os profissionais de serviço social precisam decodificar criticamente o contexto em que estão inseridos. Mota (ibidem, p. 11) afirma que, até mesmo o direcionamento que damos à profissão depende de que forma percebemos e intervimos na realidade e [...] as tendências da profissão dependem da realidade objetiva e da capacidade que tenhamos de decodificá-la criticamente, abrindo frentes de intervenção social e propondo iniciativas que incidam sobre os perversos mecanismos de reprodução das desigualdades sociais. Aqui estamos pensando nos processos que respondem por transformações na esfera do trabalho, da ação das classes sociais, do Estado, da cultura e da ideologia. Essa assertiva traz à baila a rediscussão de que
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