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ETICA E MORAL BOAL

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Ética e Moral (Augusto Boal) 
 
Qual seria a diferença entre essas duas palavras, Ética e Moral, sempre 
mostradas como se sinônimos fossem? Vejamos: até mesmo dois gêmeos univitelinos 
são sempre dois, tendo cada um sua personalidade própria e sua namorada. Palavras são 
seres vivos: jamais duas serão só uma. Sinônimos são parentes próximos, mas não a 
mesma pessoa. Para que se entenda a política brasileira, é necessária uma cirurgia que 
separe essas siamesas greco-latinas. 
A Moral – mores, palavra latina que significa costumes – refere-se ao que existe 
e é aceito em cada sociedade como bom e justo, embora possa não sê-lo quando visto 
por outra sociedade, ou por ângulos particulares dentro dessa mesma sociedade. 
A Ética – ethos, palavra grega que significa tendência de comportamento – 
vejam Aristóteles quando, em sua Poética, fala da Tragédia, e a Ética a Nicômaco, 
desde as primeiras páginas! - não se refere apenas ao que existe, mas ao que se deseja 
construir: uma sociedade humanística. 
A Moral leva em conta os costumes existentes e aceitos, tradicionais; a Ética 
inventa valores, almeja uma nova sociedade onde prevaleça aquilo que desejamos como 
bom e justo para todos, sem que nos inclinemos ao que hoje é assim considerado, para 
poucos. A Moral refere-se ao passado e ao presente; a Ética, inventa o futuro. 
A escravidão fazia parte dos costumes e da boa moralidade em sua época – 
imoral era o desejo de liberdade, imoral a preguiça ou a fuga do escravo, que privava o 
senhor do seu patrimônio, direito adquirido; não era, no entanto, imoral, a posse de um 
ser humano por outro, nem o castigo corporal, nem a morte. O sangue, à maioria, 
parecia justo e necessário. A Ética, ao contrário, preconizava uma sociedade livre da 
escravidão, mesmo quando era esta, moralmente, aceita. 
As duas jovens mulheres que, em 1922, em pleno Rio de Janeiro, 
escandalizaram a nossa pudica sociedade vestindo-se com longa saia-balão, moda em 
Paris - ou aquelas outras que, nos anos 50, decidiram-se a usar masculinos blue-jeans e 
que foram, por isso, condenadas por imoralidade - agiam eticamente em busca de sua 
liberdade de expressão. Afirmavam seu direito à escolha da indumentária, embora 
ferissem a Moral vigente que determinava que só os homens podiam usar calças, e as 
mulheres, vestidos. O comportamento ético daquelas moças afirmava a igualdade de 
direitos, o que, na época, transgredia a Moral. Mulher – repouso do guerreiro! 
A Política, que é a Arte de dirigir a Polis - exercida em nome de Deus, o Pai de 
todos, ou do Povo onde, bem ou mal, somos nós o nosso Pai - deverá por isso mesmo 
adotar uma Ética que não dependa dos costumes transitórios onde predominam 
desigualdades - pecado diante de Deus, crime dos homens! Uma Ética que promova a 
construção de uma sociedade sempre mais perfeita e sempre inalcançável – perfeição 
entendida como a felicidade de todos cidadãos em nome dos quais essa Política se 
exerce. 
Nisto, a Ética, que são os Princípios e os Fins, e a Política, que são os Meios, 
podem-se opor à Moral, aos costumes temporários, porém jamais no sentido de ignorá-
la e sim de transformá-la. Jamais para aprofundar desigualdades, estigmatizar raças ou 
dividir a Humanidade. Jamais no sentido de promover o ganho privado dos bens 
públicos, apagar a luz da verdade, comerciar com a honradez e trocar privilégios, ou 
impedir o exercício cristalino da justiça. 
A Política pode-se opor à Moral, mas não transgredi-la, sorrateira, em obscuras 
zonas cinzas; pode afrontá-la, como fazem os revolucionários, mas dela não se pode 
esquivar, como os delinqüentes. 
Pode ser a-moral, mas nunca a-ética.

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