Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Formação Territorial do Brasil - Unidade 2 - Formação do povo brasileiro nos séculos XIX e XX Formação Territorial do Brasil Unidade Nº 2 - Formação do povo brasileiro nos séculos XIX e XX Bruno Matos Formação Territorial do Brasil - Unidade 2 - Formação do povo brasileiro nos séculos XIX e XX Introdução Bem vindo(a) à segunda unidade da disciplina Formação Territorial do Brasil. Nesta etapa do curso continuaremos a abordagem acerca da formação do povo brasileiro, desta vez a partir da construção social brasileira nos séculos XIX e XX, tendo como um dos fatores essenciais as teorias raciais e o conceito de região. Para analisar a formação do povo, colocaremos em foco no primeiro tópico desta unidade o processo de ocupação do território brasileiro, sobretudo a partir do fim do Brasil Império, com a abolição da escravatura e a posterior proclamação da República. Ainda sobre esse período, abordaremos as teorias raciais existentes no Brasil, compreendendo os impactos do processo de colonização e a diversidade étnico- racial brasileira. Para isso, será fundamental analisar tais transformações no contexto global, tendo como ponto de partida as origens do etnocentrismo e a relação histórica entre os povos. Assim, será possível avançar para a análise das políticas territoriais aplicadas no Brasil para ocupação e desenvolvimento do país. Veremos como tais políticas influenciaram na construção do Estado brasileiro e da nação brasileira, conformando suas diferentes regiões. Por fim, analisaremos a importância do conceito de região para a ciência geográfica, compreendendo as distintas formas de regionalização e diferenciando os conceitos de região, regionalidade e regionalização, para que possamos observar mais adiante no curso as características de cada região brasileira. Bons estudos! 1. O processo de ocupação do território brasileiro Formação Territorial do Brasil - Unidade 2 - Formação do povo brasileiro nos séculos XIX e XX Como vimos na unidade anterior, a ocupação do território brasileiro se deu a partir da sua faixa litorânea, tendo na produção agrícola voltada para a exportação seu principal fator de desenvolvimento. O Nordeste foi a primeira região a desenvolver o plantio de cana-de-açúcar destinada ao comércio internacional. A partir da atividade de mineração e o emprego da mão de obra escravizada negra, a ocupação territorial expandiu-se também para as regiões centrais do país. Foi a partir do século XVII que ocorreu a ocupação da faixa territorial onde hoje encontram-se os estados de Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás, com a descoberta de importantes riquezas minerais. Também no século XVII ocorreu a expansão da lavoura canavieira e a criação de gado, atividades que também contribuíram para a ocupação de territórios no interior do Brasil. O crescimento da província de São Paulo ganha destaque sobretudo por tratar-se de um centro de comercialização que servia para integrar as diferentes áreas ocupadas. Imagem 1 - Engenho açucareiro no Brasil Colonial A região da Amazônia, por sua vez, foi marcada pelo aproveitamento da grande quantidade de rios, em benefício da produção de subsistência, de modo que a economia local foi desenvolvida principalmente com base na extração de produtos vegetais. Formação Territorial do Brasil - Unidade 2 - Formação do povo brasileiro nos séculos XIX e XX Já a região do extremo-sul brasileiro passou a ser mais densamente ocupada no século XVIII, a partir da formação de núcleos portugueses para colonização no Rio Grande do Sul. As condições ambientais favoráveis à pecuária atraiu ainda criadores paulistas para a região. A exportação de couro foi uma das principais atividades econômicas do Sul do Brasil à época. Os núcleos urbanos densamente povoados foram desenvolvidos no século XIX, com a centralização de áreas extensas nas regiões Sul e Sudeste do país. A atividade cafeeira foi responsável por acelerar o processo de urbanização no Rio de Janeiro e em São Paulo, o que estabeleceu um eixo de desenvolvimento no Sudeste. Apesar da busca por uma integração nacional, o Império enfrentava um problema relativamente grande: os movimentos separatistas, sobretudo em São Paulo, Pernambuco e no Sul do país, com a Revolução Farroupilha. Após décadas de tensões e até mesmo conflitos armados nessas regiões, os movimentos separatistas foram derrotados. 1.1. A construção da nação brasileira Como mencionado na primeira unidade, a formação do povo brasileiro se deu a partir das matrizes lusa, africana e indígena. No entanto, a referência para a conformação do Brasil enquanto nação foi mesmo a civilização europeia. Como veremos adiante, a formulação de teorias raciais etnocêntricas contribuiu para a tentativa de apagamento da cultura negra e indígena. Conforme afirma Darcy Ribeiro: A sociedade e a cultura brasileiras são conformadas como variantes da versão lusitana da tradição civilizatória européia ocidental, diferenciadas por coloridos herdados dos índios americanos e dos negros africanos. O Brasil emerge, assim, como um renovo mutante, remarcado de características próprias, mas atado genesicamente à matriz portuguesa, cujas potencialidades insuspeitadas de ser e de crescer só aqui se realizariam plenamente. (RIBEIRO, 1995) Apesar de não haver uma uniformidade na formação étnica do Brasil, uma vez que questões ambientais, econômicas e relacionadas à imigração provocaram diferenças marcantes na formação do povo de região para região, trata-se da Formação Territorial do Brasil - Unidade 2 - Formação do povo brasileiro nos séculos XIX e XX formação de uma mesma identidade. Mais uma vez, nas palavras de Darcy Ribeiro, pode-se identificar que: Por essas vias se plasmaram historicamente diversos modos rústicos de ser dos brasileiros, que permitem distingui‐ los, hoje, como sertanejos do Nordeste, caboclos da Amazônia, crioulos do litoral, caipiras do Sudeste e Centro do país, gaúchos das campanhas sulinas, além de ítalo‐ brasileiros, teuto‐ brasileiros, nipo‐ brasileiros etc. Todos eles muito mais marcados pelo que têm de comum como brasileiros, do que pelas diferenças devidas a adaptações regionais ou funcionais, ou de miscigenação e aculturação que emprestam fisionomia própria a uma ou outra parcela da população. (RIBEIRO, 1995) Portanto, as diferenças marcadas pela regionalização e pela imigração conformam traços que, embora apresentem uma rica diversidade, permitem uma que o povo que ocupa o território brasileiro se identifique enquanto uma mesma gente, pertencente a uma mesma etnia. Assim, o Brasil difere-se de outros Estados, que embora sejam unitários, possuem sociedades multiétnicas, reunindo ainda uma diversidade de idiomas. Embora soe como algo positivo, essa unidade é fruto de um longo e violento processo de unificação política, com a supressão de identidades étnicas discrepantes e tendências separatistas. Tal perseguição teve como alvos inclusive grupos e movimentos republicanos ou anti-oligárquicos, que foram classificados pelas classes dominantes como separatistas. No que diz respeito ao aspecto econômico da nação brasileira, Darcy Ribeiro afirma que ela surge da concentração de uma força de trabalho escrava, recrutada para servir a propósitos mercantis alheios a ela, através de processos tão violentos de ordenação e repressão que constituíram, de fato, um continuado genocídio e um etnocídio implacável. (RIBEIRO, 1995) Percebe-se, assim, que embora seja um povo que se enxerga como uma só identidade, é marcado por um claro distanciamento entre as classes dominantes e as subordinadas, tendo o elemento étnico relevância na imposição da ordem vigente. Formação Territorial do Brasil - Unidade 2 - Formaçãodo povo brasileiro nos séculos XIX e XX Você quer ler? Para melhor compreender a formação do povo brasileiro leia o artigo A construção da identidade nacional brasileira: necessidade e contexto, de Luis Fernando Tosta Barbato. Para acessar clique aqui. 2. As teorias raciais do Brasil nos séculos XIX e XX Em dado momento do século XX foi desenvolvida a teoria de que no Brasil vigorava uma chamada “democracia racial”, que seria consequência da diversidade existente no povo brasileiro. No entanto, tal afirmação ignora o abismo existente entre os estratos sociais que conformam o Brasil, sobretudo os aspectos relacionados à questão racial. O processo de favelização das regiões urbanas, por exemplo, está diretamente relacionado com a completa falta de assistência do poder público aos escravos libertos a partir da Lei da Abolição. Assim, a população negra foi condenada à marginalização, vivendo em guetos e sem acesso aos direitos básicos para qualquer cidadão. Esse distanciamento social não foi fruto do acaso. Trata-se da consequência de políticas que foram planejadas para o branqueamento da população brasileira, a partir da ideia de que a cultura e as potencialidades do branco europeu seriam superiores às outras, sobretudo às tradições dos negros africanos e dos povos indígenas, matrizes que também fizeram parte da formação do Brasil. Entre a segunda metade do século XIX e a primeira metade do século XX, as teses eugenistas ganharam adeptos pelo mundo. Estas teses defendiam a existência de de um padrão genético superior entre os seres humanos. Assim, afirmava-se que, em diversos aspectos, o homem branco europeu era superios aos demais. As teses raciais etnocêntricas afirmavam que, em questões como a saúde, inteligência, habilidades técnicas e competência civilizacional, o homem branco http://ojs.ufgd.edu.br/index.php/historiaemreflexao/article/viewFile/3354/1824 Formação Territorial do Brasil - Unidade 2 - Formação do povo brasileiro nos séculos XIX e XX europeu seria superior. Isso colocava outras etnias, como os asiáticos, os negros e os indígenas como raças inferiores, que deveriam ser subjugadas. Inspirada nas teses eugenistas, surge no Brasil, durante o mesmo período, a tese do branqueamento, segundo a qual o processo de miscigenação levaria os descendentes de negros a ficar progressivamente mais brancos a cada nova geração. Tal tese era vista com otimismo pelas classes dominantes, que acreditavam que o embranquecimento da população brasileira levaria ao progresso do país. Os defensores do eugenismo no Brasil tinham como referência teses como a do determinismo de Henry Thomas Buckle e do darwinismo social de Herbert Spencer. Tais teóricos fundamentaram estudos para justificar o processo do neocolonialismo, no qual ocorreu a dominação e exploração de pessoas e recursos na África e na Ásia. As teses racialistas contribuíram também para que a imigração de outros europeus além dos portugueses fosse incentivada pelo governo brasileiro nos séculos XIX e XX. Você quer ver? Para aprofundar os conhecimentos acerca das teorias raciais desenvolvidas na Europa dos séculos XVIII e XIX a partir do eugenismo assista ao vídeo “Darwinismo Social e Eugenia - Racismo Científico”, de HistoriAção Humanas. Para acessar clique aqui. 2.1. Políticas de incentivo à imigração Com a libertação dos negros escravizados e a disseminação das teorias racialistas, o governo brasileiro passou a incentivar a imigração de europeus para o Brasil. Alemães, italianos e espanhóis foram incentivados a migrar, sobretudo a partir dos momentos de tensão e guerra que a Europa viveu no início do século XX. https://www.youtube.com/watch?v=YYg5rUwvsm0 Formação Territorial do Brasil - Unidade 2 - Formação do povo brasileiro nos séculos XIX e XX A intenção, a partir da imigração de brancos europeus era que houvesse uma higienização moral e cultural na sociedade brasileira, uma vez que negros e indígenas eram considerados inferiores por natureza. Assim acreditava-se que preservar os traços indígenas e africanos seria uma degeneração para as gerações que estavam por vir. Além disso, considerava-se que os genes desses povos poderia trazer consequências ruins para a evolução da espécie humana. Os teóricos da eugenia no Brasil acreditavam que poderiam fazer com que os descendentes dos brasileiros fossem todos brancos num período de até 200 anos. A política de branqueamento funcionou parcialmente, principalmente em São Paulo, onde a ideia de progresso e prosperidade passou a estar associada à população de pele branca. Como uma das terríveis consequências de tais políticas, desenvolveu-se entre os próprios negros a ideia de que transmitir seus traços às próximas gerações seria algo ruim. Assim, era uma vergonha para os descendentes de africanos preservar suas raízes e seus costumes, de modo que alguns chegavam até mesmo a negar a própria negritude. 3. A construção social e territorial do Brasil no século XX A abolição da escravatura e a proclamação da República foram os fatos marcantes do fim do século XIX que encaminharam mudanças importantes no que diz respeito à conformação do povo e do território brasileiros no século XX. Embora a Constituição de 1891 definisse os limites territoriais do Brasil, eles não estavam de fato delimitados. Assim, a República Velha tinha como tarefa primordial analisar as questões relativas aos limites do território brasileiro e a necessidade de estabelecer boas relações com os vizinhos no continente. O grande responsável por levar adiante tal tarefa foi José Maria da Silva Paranhos Júnior, o Barão do Rio Branco. Entre as questões resolvidas por ele, estão a Questão da Zona de Palmas, na qual a Argentina reivindicava parte do território do estado de Santa Catarina; a Questão do Amapá, levantada pelo governo francês, detentor da Guiana Francesa; a Questão do Acre, Formação Territorial do Brasil - Unidade 2 - Formação do povo brasileiro nos séculos XIX e XX por meio da qual o governo da Bolívia incentivava a ocupação da região na qual hoje se localiza o estado. A Questão da Zona de Palmas foi resolvida por arbitramento, tendo o presidente dos Estados Unidos à época, Glover Cleveland, a palavra final. Ele foi favorável ao Brasil neste litígio. No que diz respeito à Questão do Amapá, foi escolhido como árbitro o presidente do Conselho Federal Suíço, Walter Hauser, que deu sentença favorável ao Brasil. A Questão do Acre, por sua vez, as tensões chegaram ao conflito armado, o que foi contornado por uma negociação realizada entre o Barão do Rio Branco e o governo da Bolívia. Em 1903 foi assinado o Tratado de Petrópolis, que determinava que o Brasil ficasse com a região mediante o pagamento de dois milhões de libras esterlinas e a construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. Nesse período o Brasil já desenvolvia o plantio e a exportação de café, que viria a se tornar o principal produto agrícola do país. A maior parte da população residia no campo e a divisão territorial existente não proporcionava a articulação entre as regiões responsáveis pelo desenvolvimento econômico do país. A necessidade de expandir as lavouras de café fez com que territórios ainda por desbravar passassem a ser ocupados. Com isso a região do Vale do Paraíba, além dos territórios onde hoje se localizam as cidades de Campinas, Ribeirão Preto e São José do Rio Preto, foram desbravados no que ficou conhecido como Marcha do Café. O aumento exponencial das exportações de café, o esgotamento dos solos até então utilizados para o plantio e a facilidade em se conseguir empréstimos bancários foram alguns dos fatores que estimularam esses movimentos. Até o final da década de 1920 o panorama de ocupação e desenvolvimento do território brasileiro era pautado prioritariamentepela lógica agrário-exportadora, uma vez que tratava-se da principal atividade econômica desenvolvida no país e responsável pelo povoamento da região sudeste, que rapidamente se consolidava como núcleo dominante no que diz respeito à economia nacional. No início dos anos 1930 o Brasil passa a desenvolver outras bases econômicas, com atenção especial à indústria. O governo Getúlio Vargas implementa uma Política Nacionalista com o intuito de defender os interesses nacionais e pautar o desenvolvimento do país, pautado pela modernização da produção industrial. Formação Territorial do Brasil - Unidade 2 - Formação do povo brasileiro nos séculos XIX e XX O complexo Companhia Siderúrgica Nacional - CSN - é uma expressão desse momento de desenvolvimento das bases industriais brasileiras. O objetivo com tal política era acelerar a industrialização do Brasil e tornar o país o mais auto-suficiente possível. Sob o comando de Vargas, o Brasil priorizou políticas estatais de desenvolvimento e investimentos em programas de infraestrutura, energia e transportes. Nesse período, ainda durante a década de 1930, são criados o projeto Usiminas, a Petrobas, a Eletrobas e a Companhia Nacional de Álcalis. No que diz respeito ao desenvolvimento da Geografia no país, em 1942 é criado o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Trata-se de um importante instrumento de estudo do território brasileiro e sua população até os dias de hoje. O plano de modernização do Brasil prossegue com o Plano de Metas implementado por Juscelino Kubitschek entre 1957 e 1960. Tal política modificou bastante a estrutura econômica do país. Nesse processo houve investimento tanto estatal quanto vindo de empresas estrangeiras. Enquanto o Estado priorizou áreas como energia, transportes e siderurgia, os recursos externos foram destinados à indústria automobilística e eletroeletrônica. É sob o governo de Kubitschek que a capital do Brasil muda do Rio de Janeiro para Brasília, idealizada e construída com esse intuito. Tal mudança representou o resguardo do governo nacional no que diz respeito a aspectos de segurança nacional e um passo importante para a ocupação e desenvolvimento da região Centro-Oeste. Formação Territorial do Brasil - Unidade 2 - Formação do povo brasileiro nos séculos XIX e XX Imagem 2 - Construção de Brasília O governo JK foi responsável ainda pela criação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste, a SUDENE. Tal órgão tinha o objetivo de integrar a região Nordeste ao mercado nacional e promover o desenvolvimento socioespacial desta parte do país. Você quer ler? Para ter acesso ao documento original do Plano de Metas de Juscelino Kubitschek clique aqui. 3.1. Ocupação e desenvolvimento do território brasileiro no século XX Como visto anteriormente, tanto a produção cafeeira quanto o processo de industrialização do Brasil foram estabelecidos a partir da região Sudeste do país. http://bibspi.planejamento.gov.br/bitstream/handle/iditem/490/Programa%20de%20Metas%20do%20Presidente%20Juscelino%20Kubitschek%20V2%201958_PDF_OCR.pdf?sequence=2&isAllowed=y Formação Territorial do Brasil - Unidade 2 - Formação do povo brasileiro nos séculos XIX e XX Dessa forma, esta região, sobretudo o eixo Rio-São Paulo, desponta como a mais desenvolvida em termos econômicos e sociais. Desde a proclamação da República, no entanto, houve disputas permanentes entre regiões, estados e municípios por recursos públicos federais. Assim, ao passo que se consolidava uma centralização do poder no eixo Rio-São Paulo, ocorria também a descentralização em outras regiões do país no que diz respeito à integração entre os estados. Com a constante modernização do Estado brasileiro, e sem a democratização da política, as decisões político-econômicas passaram a ser ainda mais centralizadas. A criação do IBGE representa parte disso, uma vez que com tal instrumento buscava- se resolver os problemas internos do país e forjar uma unidade nacional a partir do centro, e não das partes do território brasileiro. Assim, o foco era o centro político e econômico. Em 1953, foi criada a Amazônia Legal, com o intuito de estabelecer áreas de intervenção para políticas econômicas regionais. Dessa forma, se poderia garantir a soberania nacional sobre esta região e promover ações voltadas ao bem-estar da população habitante desta área. Durante o Governo JK a construção de rodovias de grande extensão buscou integrar o território nacional, tendo Brasília como o ponto central para o qual convergiam as vias de circulação. A intenção, com isso, era integrar o norte e o oeste do país, que eram tidos como afastados dos centros de poder, localizados no Sudeste. A partir da década de 1960, os governos passam a destinar verbas regulares para as regiões Norte e Nordeste, a fim de resolver os problemas recorrentes em tais localidades. Como mencionado anteriormente, a SUDENE é fortalecida como instrumento fundamental para tentar superar o atraso econômico do Nordeste em relação a outras regiões do país. Os problemas sociais e políticos do Nordeste, no entanto, foram ignorados como fatores essenciais para tamanha desigualdade. A extrema concentração de terras, algo constatado desde o Brasil Império, permanece até hoje como um dos grandes problemas da região. Embora a SUDENE tenha impulsionado a Formação Territorial do Brasil - Unidade 2 - Formação do povo brasileiro nos séculos XIX e XX industrialização nordestina, as disparidades em relação ao Sudeste permaneceram e as taxas de desemprego não foram reduzidas. O golpe militar em 1964 fez com que a centralização do poder fosse aprofundada. As políticas territoriais eram baseadas em polos de desenvolvimento regionais. A ocupação da Amazônia tem na exploração da borracha sua principal atividade econômica, o que, no entanto, gerou apenas um povoamento de ribeirinhos. Os grandes surtos de ocupação das regiões Norte e Centro-Oeste nas décadas de 1960 e 1970 foram ocasionados pela construção da rodovia Belém- Brasília e da Transamazônica. A criação da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) e os incentivos fiscais promovidos pelo governo fizeram com que empresas privadas se interessassem em realizar negócios na região Norte. Imagem 3 - Construção da Transamazônica Apesar de medidas voltadas ao desenvolvimento das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, o desemprego e o subemprego não foram reduzidos. Além disso, a instalação de vias de circulação nessas áreas fez com que a invasão de terras indígenas por empreiteiras e madeireiras foi facilitada. Com isso, os ataques promovidos por proprietários e grileiros contra comunidades indígenas permanecem até hoje. Formação Territorial do Brasil - Unidade 2 - Formação do povo brasileiro nos séculos XIX e XX 4. A importância do conceito de região para a ciência geográfica Nesta unidade e na anterior abordamos conceitos fundamentais para compreender a formação territorial do Brasil. O próprio conceito de território foi o primeiro sobre o qual nos debruçamos para entender sua relevância na ciência geográfica. Passamos ainda pelos conceitos de povo, Estado, nação e política territorial. No último tópico desta unidade falaremos sobre o conceito de região e sua importância nos estudos da formação territorial. Para começar, vejamos qual é uma das definições mais comuns para o termo, nas palavras de Rogério Haesbaert: Mesmo como categoria da prática, difundida pelo senso comum, comumente região é tratada como sinônimo de porção do espaço delimitada por algum critério ou dotada de alguma característica própria, distintiva. Numa leitura bastante genérica, que alguns preferem associar a processos mais amplos de regionalização, mais do que a região propriamentedita, essa concepção é retomada no âmbito acadêmico, ao serem discutidos os critérios e/ou as características mais marcantes na diferenciação do espaço geográfico ou, se quisermos, na definição de uma região. (HAESBAERT, 2019) A regionalização, portanto, pode ser vista como uma forma de estabelecer recortes ou articulações em determinado território a partir de critérios de diferenciação de uma porção do espaço em relação a outras porções. Os critérios estabelecidos para tal diferenciação podem ser de caráter natural, cultural ou econômico. No caso da região natural, são os elementos da Geografia Física que interessam no momento de de estabelecer diferenciações no que diz respeito ao espaço geográfico. Concepções como aquela do determinismo ambiental defendiam essa perspectiva, segundo a qual a própria ação do homem estaria subordinada ao Formação Territorial do Brasil - Unidade 2 - Formação do povo brasileiro nos séculos XIX e XX meio em que vive, de modo que a organização social seria consequência do espaço em que ocorre. Outras perspectivas acerca da regionalização envolvendo a questão natural incluem a de Paul Vidal de la Blache, autor que a região como espaço que necessariamente vincula o natural e o social, ou seja, estabelece laços entre o meio e o ser humano. Entre as concepções mais recentes, região não pode ser definida sem levar em consideração os aspectos econômicos. Conforme nos explica Haesbaert: Para outros geógrafos e “cientistas regionais” (em geral economistas) o principal elemento diferenciador/ identificador de regiões refere-se à dinâmica econômica – nascem assim regiões como a região polarizada ou funcional urbana, comandada pelas diferentes funções econômicas de cada centro urbano e a hierarquia estabelecida entre eles, especialmente através do seu papel comercial e de prestação de serviços. Essa abordagem funcionalista da região teve origem na região nodal de geógrafos como Halford Mackinder e o próprio La Blache. Ela foi sofisticada nos anos 1930 por teorias como a do lugar central de Walter Christaller. Em outras bases filosóficas, como a materialista dialética, encontramos a região como produto da divisão espacial capitalista do trabalho ou das relações desiguais e combinadas entre centros e (semi)periferias. A força dessas concepções faz com que a disciplina que até hoje mais dialogou com a Geografia através do conceito de região seja a Economia. Daí o fato de que muitas das abordagens mais difundidas de região estejam focadas sobretudo na reprodução econômica, enfatizando a articulação espacializada das práticas econômico- funcionais. (HAESBAERT, 2019) Tal perspectiva foi desenvolvida a partir da urbanização das grandes cidades e das transformações promovidas pelo capitalismo no século XX. Trata-se de uma formulação que tem por base as dinâmicas de metropolização na conformação das relações econômicas. Surgem daí conceitos como cidade-região e região com buracos, que analisam a formação regional a partir das fases do capitalismo e seus impactos no espaço. Sobre a “região com buracos”, por exemplo, Haesbaert explana: Formação Territorial do Brasil - Unidade 2 - Formação do povo brasileiro nos séculos XIX e XX Outra concepção é a da “região com buracos”, de um grupo de geógrafos britânicos, entre os quais Doreen Massey, que considera a dinâmica do capitalismo pós-fordista ou de acumulação flexível e sua articulação espacialmente desigual, criando “buracos”, diversas áreas excluídas das redes articuladoras dessa nova dinâmica. (HAESBAERT, 2019) Para melhor compreender o conceito de região é importante também abordar as definições de regionalização e regionalidade. Regionalização diz respeito à região enquanto processo, ou seja, à ideia de que o espaço em questão está em constante rearticulação. Trata-se de um processo de diferenciação ou recorte do espaço em parcelas coesas ou articuladas a partir dos critérios já abordados neste tópico. A regionalidade, por sua vez, pode ser definida enquanto propriedade do “ser” regional, relacionando-se diretamente com a criação das representações regionais. Trata-se aqui de considerar aquilo que é estabelecido a partir do imaginário social, daquilo que é fruto da vivência e da produção regionais e torna-se símbolo da região. Em termos práticos, tais conceitos determinam as características da região, tanto em seu processo histórico quanto na dimensão social da população que vivem no espaço. Dessa forma, as marcas culturais são muito importantes para a definição de determinada porção espacial enquanto região, o que também envolve a relação do ser humano com o meio em que está inserido Pode-se mencionar exemplos como as características que são marcas registradas do Nordeste e fazem com que o povo desta região se identifique enquanto nordestino. As festas tradicionais, as expressões artísticas e a gastronomia local conformam essa dimensão da regionalidade que liga o ser humano ao local onde vive. Síntese Após compreendermos o significado de território e conceitos similares para a ciência geográfica, nesta unidade foi possível abordar a construção do território brasileiro e de seu povo mais a fundo. Com a ideia de regionalização, pudemos Formação Territorial do Brasil - Unidade 2 - Formação do povo brasileiro nos séculos XIX e XX observar de que maneira se organizam esses locais e o que os definem enquanto regiões. Vimos ainda que a organização e ocupação do território brasileiro se deu em consonância com o desenvolvimento da economia do país e as atividades econômicas locais. A definição das fronteiras brasileiras e as negociações realizadas com outros países também foram ações importantes para a construção do território nacional. Em resumo, nesta unidade nós abordamos: ● O processo de ocupação do território brasileiro em cada região, levando em consideração suas especificidades, em especial no que diz respeito ao desenvolvimento econômico; ● A consolidação da nação brasileira a partir dos séculos XIX e XX, considerando as consequências da abolição da escravidão e a chegada de imigrantes europeus; ● As teorias raciais que embasaram a perspectiva de embranquecimento do Brasil, a partir dos ideais eugenistas disseminados na Europa; ● A construção social e territorial do Brasil no século XX, sobretudo a partir do projeto nacionalista de Vargas e desenvolvimentista de Kubitschek; ● O desenvolvimento do território brasileiro a partir das políticas voltadas à ocupação de regiões historicamente desprezadas do projeto nacional e ao combate às desigualdades regionais; ● A importância do conceito de região para a ciência geográfica, compreendendo as definições de regionalidade e regionalização como fundamentais para os estudos nesta área. Formação Territorial do Brasil - Unidade 2 - Formação do povo brasileiro nos séculos XIX e XX Bibliografia CONTEL, Fabio Betioli. As divisões regionais do IBGE no século XX. In.Terra Brasilis (São Paulo), n.3, 2014. Disponível em: https://journals.openedition.org/terrabrasilis/990 COSTA, Wanderley Messias. O Estado e as Políticas territoriais no Brasil. São Paulo, Contexto, 1991. HAESBAERT, Rogério. Região, Regionalização e Regionalidade: questões contemporâneas. In. Antares Letras e Humanidade (Caxias do Sul), n.3, 2010. Disponível em: http://www.ucs.br/etc/revistas/index.php/antares/article/view/416/360 HAESBAERT, Rogério. Território e Territorialidade: um debate. In. Geographia (UFF), ano IX. N.17, p.19 a 45, 2007. Disponível em: http://www.geographia.uff.br/index.php/geographia/article/viewFile/213/205 Formação Territorial do Brasil - Unidade 2 - Formação do povo brasileiro nos séculos XIX e XX RIBEIRO,Darcy. O Povo Brasileiro. São Paulo, Companhia de Bolso, 2011. Imagens Imagem 1 - Disponível em https://www.todamateria.com.br/engenho-de-acucar-no- brasil-colonial/ Imagem 2 - Disponível em https://www.todamateria.com.br/a-construcao-de- brasilia/ Imagem 3 - Disponível em https://acervo.oglobo.globo.com/fotogalerias/construcao-da-transamazonica- 9406097 https://www.todamateria.com.br/engenho-de-acucar-no-brasil-colonial/ https://www.todamateria.com.br/engenho-de-acucar-no-brasil-colonial/ https://www.todamateria.com.br/a-construcao-de-brasilia/ https://www.todamateria.com.br/a-construcao-de-brasilia/ https://acervo.oglobo.globo.com/fotogalerias/construcao-da-transamazonica-9406097 https://acervo.oglobo.globo.com/fotogalerias/construcao-da-transamazonica-9406097
Compartilhar