Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
SÍNDROME DO DESCONFORTO RESPIRATÓRIO AGUDO DEFINIÇÃO A síndrome do Desconforto Respiratório Agudo (SDRA), também conhecida como Síndrome da Angústia Respiratória Aguda (SARA), é uma síndrome clínica comum, grave, causada por dano capilar e epitelial alveolar difuso, que culmina no aumento da permeabilidade vascular pulmonar, aumento do peso do pulmão e perda do tecido pulmonar aerado. A doença é, habitualmente, progressiva caracterizada por ter um início rápido de insuficiência respiratória que pode levar a morte, cianose e hipoxemia arterial severa refratária à oxigenoterapia e que pode progredir para falência múltipla de órgãos. Os critérios para o diagnóstico da SDRA foram estabelecidos pela Definição de Berlim, são eles: • Cronologia. A maioria dos pacientes portadores de SDRA são identificados em até 72 horas após o reconhecimento do fator de risco subjacente, e quase todos dentro de um período de 7 dias. Portanto, para o paciente apresentar um quadro de SRDA, a insuficiência respiratória aguda deve se instalar até 1 semana após a agressão clínica conhecida. • Exame de Imagem. Detecção de opacidades bilaterais na radiografia de tórax ou na tomografia, que não sejam totalmente explicadas por efusões, colapso lobar/pulmonar ou nódulos. • Origem do edema. É um edema pulmonar de causa não hidrostática, não podendo ser explicado por insuficiência cardíaca ou excesso de fluidos. • Hipoxemia. De acordo com a relação entre PaO2/FiO2, ela pode ser classificada em leve, moderada ou grave. 200mmHg < PaO2/FiO2 ≤ 300mmHg, é considerado um quadro leve. 100mmHg < PaO2/FiO2 ≤ 200mmHg, é considerado um quadro moderado. PaO2/FiO2 ≤ 100mmHg é considerado um quadro grave. Exames laboratoriais podem ser realizados para embasar o diagnóstico dessa síndrome. Além do teste de gasometria arterial para averiguar a hipoxemia e proporção de saturação de oxigênio oximétrico de pulso para FiO2, pode ser solicitados exame de sangue para analisar proteína C reativa aumentada, aumento da procalcitonina em SDRA séptica, ferritina aumentada, KL-6 aumentado e o teste do peptídeo natriurético cerebral (BNP) que pode ser útil para distinguir a SDRA e edema pulmonar cardiogênico. ETIOLOGIA Existem diversos fatores de risco para o desenvolvimento da Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo. As causas mais comumente associadas a SDRA podem ser divididas entre aquelas que promovem uma lesão pulmonar direta ou aquelas que causam lesão pulmonar indiretamente. A lesão pulmonar direta mais importante é a pneumonia, que é responsável por 35-45% dos casos. Além disso, outras causas comuns são a contusão pulmonar e a agressão pulmonar por agentes tóxicos, por exemplo, quando há aspiração de conteúdo gástrico, afogamento ou inalação de gases tóxicos. Dentre os fatores que promovem uma lesão pulmonar indiretamente, a sépsis se destaca como a causa mais comum da SDRA, estando presente em cerca de 30-35% dos casos. Ela deve ser, sempre, considerada nos pacientes que desenvolvem a síndrome e apresentam febre, hipotensão ou predisposição clínica para infecção grave. Além disso, pacientes que sofrem um politraumatismo, pancreatite aguda, superdosagem de fármacos, que são submetidos a tratamento com medicamentos citostáticos ou possuem doença auto-imune também podem vir a desenvolver essa síndrome. EPIDEMIOLOGIA A síndrome do desconforto respiratório agudo é mais comum em homens do que em mulheres. A incidência é de 5,0 a 78,9 por 100.000 pessoas/ano, variando a depender da idade, sendo mais predominante em idosos. Em relação às internações em Unidades de Terapia Intensiva (UTI), a incidência de SDRA é de 10,4% de todos os pacientes da UTI, sendo que 67,2% destes com insuficiência respiratória hipoxêmica aguda. PATOGÊNESE A rede alvéolo-capilar é formada por finas células epiteliais do alvéolo tipo I, por células endoteliais dos vasos e sua matriz de suporte. Ela forma uma barreira entre o gás, nas vias aéreas, e o sangue, nos capilares. A barreira alvéolo-capilar possui uma espessura extremamente fina e delgada, de 1 a 2μm, o que a torna um excelente meio para essa separação. As hemácias passam pelos componentes capilares dessa barreira em menos de 1 segundo, o que é tempo suficiente para a troca gasosa de CO2 e O2. Além das trocas gasosas, a rede alvéolo-capilar atua regulando a quantidade de fluido do pulmão. O balanço entre as pressões hidrostáticas e oncótica nas paredes dos capilares sanguíneos resultam no efluxo de fluido dos vasos para o espaço intersticial. Esse fluido é removido do interstício pulmonar pelo sistema linfático e penetra na circulação sanguínea. Em um paciente acometido com a Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo, ocorre um comprometimento da integridade da barreira alvéolo-capilar por lesão endotelial ou epitelial, ou mais comumente, ambas. O dano a essa barreira tem como consequência o aumento da permeabilidade vascular e da transudação alveolar e perda da capacidade de difusão. Os estudos recentes sobre a SDRA sugerem que a lesão pulmonar é causada por um desequilíbrio dos mediadores pró e anti-inflamatórios, que gera um aumento da síntese de interleucina 8 (IL-8). A IL-8, produzida pelos marcrófagos alveolares, é um potente agente quimiotático de neutrófilos. A sua liberação, somada à liberação de outros mediadores similares como a IL-1 e o TNFα que também são sintetizados pelos macrófagos, induz a quimiotaxia de neutrófilos. Estes, por sua vez, irão secretar diversos produtos oxidantes, proteases e fatores ativadores de plaquetas, que culminarão na ampliação dessa lesão. Os neutrófilos possuem um papel fundamental na patologia da SDRA. Alguns estudos revelaram que mesmo nas fases mais iniciais dessa síndrome já é possível encontrar um grande contingente de neutrófilos tanto nos componentes intravasculares pulmonares quanto no interstício. Então, devido a ação dessas células, há uma lesão cíclica nos pneumócitos tipo I e nas células endoteliais que potencializa a agressão pulmonar. Desse modo, a exsudação vascular é perpetuada e há uma transudação do plasma para os alvéolos. Ademais, ocorre uma inativação do surfactante pulmonar que pode levar ao colapso alveolar. Nessas condições, a respiração é dificultada, explicando a hipoxemia. Os edemas pulmonares também podem formar a membrana hialina, que é a condensação do plasma, fibrina e restos de células necróticas que serão encontradas nesses alvéolos. Essa alteração é o marco histológico do dano alveolar difuso (DAD), que é o correspondente histopatológico da Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo. Em resposta a toda essa agressão, o organismo aumenta a ativação de fibroblastos e da produção de colágeno. Essa ação tem importância patogênica pois explica o desenvolvimento de fibrose pulmonar em alguns pacientes após a SDRA como sequela. DANO ALVEOLAR DIFUSO O dano alveolar difuso é o principal fator histológico da fase aguda da síndrome do desconforto respiratório agudo. Estudos de biópsia pulmonar aberta e autópsia encontraram DAD em, respectivamente, 56-58% e 45% dos pacientes com SDRA. Da várias manifestações patológicas do DAD, os autores sugerem que o principal achado que o define é a presença de membranas hialinas. Elas são caracterizadas pela presença de material amorfo eosinofílico denso colado ao longo dos septos alveolares. Essas estruturas eosinofílicas são formadas por detritos celulares, proteínas plasmáticas e componentes do surfactante. Outros achados relevantes são a necrose celular alveolar do tipo I, proliferação de células alveolares do tipo II, proliferação intersticial de fibroblastos e miofibroblastos ou fibrose intersticial em organização. Na prática, a presença de membranas hialinas é o critério necessário para o diagnóstico de DAD e as outras manifestações patológicas são usadas para determinar o seu estágio evolutivo. A evolução dessa lesão envolvetrês estágios patológicos distintos: • Fase exsudativa: caracterizado pela presença de edema alveolar e intersticial com formação das membranas hialinas. Ocorre também uma hiperplasia dos pneumócitos do tipo II, como tentativa de tampar os pontos de vazamento da barreira alveolo capilar, o que pode levar a alterações das características do sufactante pulmomar, tendo a possibilidade de evoluir para um colapso alveolar. Além disso, haverá neutrófitos na luz capilar, começando a se disseminar para o parênquima. Essa fase ocorre na primeira semana de evolução do quadro. Os pacientes, geralmente queixam-se de dispnéia, podendo estar presente tosse seca. Taquipnéia, tiragem, uso da musculatura acessória da respiração, cianose e estertores difusos são achados comuns dos exames físicos. • Fase proliferativa: caracterizada pela resolução do edema pulmonar e pela organização e fibrose do exsudato alveolar, essa fase se desenvolve após uma semana de evolução da SDRA. Ocorre uma infiltração intersticial por miofibroblastos e deposição de colágeno, formando um tecido de granulação. Pacientes com SDRA, nesta fase, depositam tanto colágeno quanto um paciente que já tem uma deonça intersticial fibrosante no pulmão. Por isso, o potencial de sequela é muito alto. • Fase fibrótica: ocorre em pacientes com doença prolongada, de 3 a 4 semanas. Há um amadurecimento e remodelamento da lesão, como um processo cicatricial. É observado a formação de áreas nodulares de fibrose, que podem gerar uma bronquiectasia por tração. É importante frisar que as três fases da lesão e reparo não ocorrem em todos os pacientes. Em muitos indivíduos, o processo inflamatório é autolimitado e a barreira alvéolo-capilar é restabelecida rapidamente. Em outros, esse processo é mais lento, mas, também, acaba ocorrendo. Os mecanismo de clearance do edema alveolar possuem um importante papel no processo de resolução dessa síndrome. É por meio deles que há a reabsorção do edema alveolar para o interstício o que se deve ao desenvolvimento de gradientes osmóticos devido a ação de canais de sódio e de cloro localizados na membrana dos pneumócitos do tipo II. Essa reabsorção ocorreria através dos poros dos pneumócitos do tipo I. Alguns estudos sugerem que os mecanismos de clearance são reduzidos nos pacientes com SDRA, o que está diretamente associado à pior sobrevida dos pacientes com essa síndrome. ACHADOS MORFOLÓGICOS Durante a fase exsudativa, o parênquima pulmonar perde o seu aspecto esponjoso devido a diminuição da aeração e aumento de fluidos, passando a apresentar consistência borrachosa, mais congesta. Microscopicamente, ele apresenta edema alveolar e intersticial, hemorragia e membranas hialinas. As membranas hialinas são condensações eosinofílicas presentes na adjacência da parede alveolar, explicando a insuficiência respiratória. Essas alterações no parênquima podem ser visualizadas através de exames radiológicos como opacidades bilaterais. É observado, também, a desnudação e necrose de pneumócitos tipo I, necrose de células endoteliais, agregação de neutrófilos, micro tromboembolismo e hemorragia. Na fase proliferativa, a coloração dos pulmões está vermelha acinzentada. Observa-se tecido de granulação e colágeno alveolar, espessamento septal, hiperplasia de pneumócitos, bem como espessamento fibromuscular da parede dos ramos da artéria pulmonar. Este último pode resultar na formação de hipertensão pulmonar, uma possível complicação da SDRA. Na fase fibrótica, ainda observa-se espessamento irregular do septo e aumento da dilatação e tortuosidade das vias aéreas, como consequência do processo cicatricial que gera sequelas. Em casos muito graves, o pulmão pode apresentar alterações “favo de mel”. DESCRIÇÃO RADIOLÓGICA Exames de imagem de pacientes acometidos com a síndrome do desconforto respiratório agudo, em geral, revelam opacidades bilaterais heterogêneas devido a edema pulmonar. Essas sombras começam a aparecer após 12 a 24 horas desde o início da SDRA. Na fase exsudativa, através de uma radiografia de tórax, observa-se opacidade em vidro fosco e consolidação com broncograma aéreo. Em estágios evolutivos mais avançados, é observado sombra reticular e redução de volume. Já com a tomografia computadorizada, durante a fase aguda, também é observado opacidade irregular e difusa com ou sem espessamento do septo interlobular, além de consolidação dorsal devido ao infiltrado. No estágio proliferativo, observa-se opacidade em vidro fosco com bronquiolectasia e bronquiectasia e redução de volume. Na fase fibrótica, espessamento septal e sombra reticular em opacidade em vidro fosco, lesão cística periférica e semelhante a favo de mel devido a fibrose. TRATAMENTO Não existe um tratamento específico para a síndrome do desconforto respiratório agudo. Desse modo, o manejo consiste em medidas para tratar os fatores que causam e perpetuam essa patologia. Por exemplo, pacientes com abdome agudo infeccioso devem ser tratados com antibióticos ou abordagem cirúrgica de focos infecciosos abdominais. Da mesma forma, pacientes com choques térmicos ou pneumonias que evoluíram para SDRA devem ser tratados com expansão intravascular e antibióticos. Os pacientes acometidos com SDRA possuem um quadro de hipoxemia significativa. Na maioria dos casos, é necessário utilizar o suporte ventilatório invasivo. O modo mais adequado de utilização dessa técnica vem sendo muito debatido, uma vez que sabe-se que a ventilação mecânica pode contribuir com o agravamento da lesão pulmonar. Nos indivíduos com SDRA, a lesão pulmonar é heterogênea, havendo áreas de pulmão normal intercaladas com áreas sintomáticas. Então, o mau manejo da técnica, como a hiperinsuflação, pode causar lesões nas áreas de pulmão normal. Estudos apontam uma redução de aproximadamente 22% na mortalidade de pacientes acometidos com SDRA que foram tratados com um volume corrente de 6mL/Kg em relação a aqueles tratados com volumes correntes maiores (12mL/Kg). A ventilação com menores volumes correntes geram menores pressões respiratórias e reduzem os riscos de lesão pulmonar. Outra conduta importante é a administração de fluidos, que deve ser adequada para permitir a estabilidade hemodinâmica e boa perfusão dos órgãos, tomando o cuidado para evitar uma hiper-hidratação que possa agravar o edema pulmonar e a hipoxemia. Embora exista uma disfunção do surfactante alveolar na SDRA, ainda não há estudos que comprovem que terapias de reposição dos mesmos promovam melhora da sobrevida dos pacientes. Além disso, o uso de óxido nítrico com o intuito de melhorar a adequação das relações ventilação/perfusão não é recomendado para tratamento de rotina, podendo ser útil apenas em pacientes com hipoxemia refratária. A utilização de glicocorticóide no manejo da fase fibrosante da doença vem apresentando resultados encorajadores. Um curso rápido de glicocorticóide pode ser considerado como terapia de resgate em pacientes com doença grave, não responsiva. A utilização dessa terapia preventivamente ou precocemente não resulta em benefícios. Também é necessário suporte nutricional e profilaxia de sangramento digestivo e dos fenômenos tromboembólicos. Ademais, a posição de prona está associada a relatos de melhora significativa na oxigenação de pacientes com SDRA, sendo uma estratégia terapêutica popular. PROGNÓSTICO Com as melhorias na terapia de suporte, a taxa de mortalidade da síndrome do desconforto respiratório agudo diminuiu de 60% para, estima-se, 35% a 40%. Entretanto, vale ressaltar que a mortalidade varia de acordo com os fatores de risco que levaram ao desenvolvimento da síndrome e com a presença de comorbidades. Os sobreviventes, usualmente, apresentam discretas alterações na função pulmonar, tendo a qualidade de vida diminuída apenas por um ano na maioria dos casos. O choque séptico e a disfunção orgânica múltipla são responsáveispor 50% da morte de pacientes com SDRA, e a insuficiência respiratória por 10- 20%. Muitos estudos revelam um pior prognóstico para pacientes com idades mais avançadas (devido à diminuição da reserva fisiológica), com hipoxemia mais grave e com fatores etiológicos como a pneumonia. Pacientes que desenvolveram SDRA devido a um trauma apresentam melhor prognóstico. REFERÊNCIAS GALHARDO, F. P. L.; MARTINEZ, J. A. B. Síndrome do desconforto respiratório agudo. Medicina, Ribeirão Preto, 36:248-256, apr./dec. 2003. ROTTA, A. T.; KUNRATH, C. L. B.; WIRYAWAN, B. O manejo da síndrome do desconforto respiratório agudo. Jornal de Pediatria - vol. 79, Supl. 2, 2003. ARDS Definition Task Force, Ranieri VM, Rubenfeld GD, Thompson BT, Ferguson ND, Caldwell E, Fan E, Camporota L, Slutsky AS. Acute respiratory distress syndrome: the Berlin Definition. JAMA. 2012;307:2526-33. KUMAR, Vinay; ABBAS, Abul K.; ASTER, Jon C. Robbins Patologia Básica. 9 ed. Tradução de Cláudia Coana et al. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013. ROCCO, J.R. Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo: Fatores Prognósticos. Pulmão RJ 2011;20(1):55-58 AMATO, M. B. P (et al.) Ventilação mecânica na Lesão Pulmonar Aguda (LPA)/ Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo (SDRA). J Bras Pneumol. 2007;33(Supl 2):S 119-S 127 CARDINAL-FERNÁNDEZ, Pablo.; LORENTE, José A.; BALLÉN-BARRAGÁN, Aída; MATUTE-BELLO, Gustavo. Acute Respiratory Distress Syndrome and Diffuse Alveolar Damage: New Insights on a Complex Relationship. AnnalsATS Volume 14 Number 6, June 2017. ORCID ID: 0000-0002-4459-8919 (P.C.-F.). RIOS, Fernando; ISCAR, Tereza; CORDINAL-FERNÁNDEZ, Pablo. What every intensivist should know about acute respiratory distress syndrome and diffuse alveolar damage. Rev Bras Ter Intensiva. 2017;29(3):354-363 Pathology Outlines. Disponível em: http://www.pathologyoutlines.com. Acesso em: 16/03/2021.
Compartilhar