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154 Unidade III Unidade III 7 HIPERSENSIBILIDADES E DOENÇAS AUTOIMUNES As reações de hipersensibilidades ocorrem sempre que o sistema imunológico responde de forma exacerbada ou inadequada a um estímulo, que pode ser exógeno ou endógeno. Nos casos de hipersensibilidades, a ação do sistema imunológico será responsável pelas manifestações de sinais e sintomas das patologias. As hipersensibilidades são classificadas em quatro tipos: • Tipo I: resposta de hipersensibilidade imediata. • Tipo II: resposta de hipersensibilidade mediada por anticorpo. • Tipo III: doença do complexo imune. • Tipo IV: reação mediada por células. 7.1 Hipersensibilidade imediata ou do tipo I A hipersensibilidade imediata, ou do tipo I, são as alergias. A gravidade dos sintomas depende dos anticorpos da classe IgE, além da quantidade do alérgeno com que o indivíduo entrará em contato e de fatores que aumentem a resposta imune, como as infecções virais e os poluentes. Observação O alérgeno é um antígeno que dá início à hipersensibilidade imediata. A maioria dos alérgenos são proteínas. São classificados por sua fonte, via de exposição e natureza da proteína, a reação hipersensibilidade pode ser ocasionada seletivamente a uma ou a mais proteínas de um mesmo extrato que vão estimular a liberação de anticorpo da classe IgE específica. A IgE é normalmente encontrada na corrente sanguínea em concentrações muito baixas, iguais ou inferiores a 1 μg/L, e é rapidamente degradada, tendo uma meia-vida curta, de aproximadamente 2 dias. Os demais anticorpos possuem uma meia-vida maior, de aproximadamente 21 dias. Nos processos alérgicos, a degranulação dos mastócitos é o componente central da doença, sendo responsável pelas manifestações patológicas. Os sintomas apresentados vão depender dos tecidos em que os mediadores dos grânulos serão liberados pelos mastócitos ou da cronicidade do processo inflamatório. 155 IMUNOLOGIA CLÍNICA A alergia ou doença atópica tem como formas mais comuns de apresentação a rinite alérgica, asma brônquica, dermatite atópica e alergias alimentares. As reações alérgicas atópicas são resultantes de uma combinação de características, que vão desde a exposição ambiental até características genéticas, que permitem a produção exagerada dos anticorpos da classe IgE. Por isso, o desenvolvimento da atopia é multifatorial. Como dito anteriormente, há o componente genético, a quantidade de antígeno a que o indivíduo é exposto, o tempo de exposição e a presença de um ambiente inflamatório. Essas doenças são menos frequentes em crianças que foram mais expostas a antígenos variados durante a primeira infância. Há determinada linha de pesquisa, nomeada de “teoria da higiene”, que defende que ambientes muito limpos e pouco contato com microrganismos durante o período de amadurecimento do sistema imune, que vai até o 8º ano de vida, favorecem o aparecimento de atopia, pois a ausência dos estímulos antigênicos prejudica a obtenção de tolerância imunológica para os antígenos ambientais. Por isso, no futuro, esses antígenos ambientais vão funcionar como alérgenos. Por essa razão, países desenvolvidos, com melhores condições sanitárias, possuem mais indivíduos com doenças atópicas. Porém o aparecimento de rinite, asma e dermatite também é descrito associado a alterações específicas em órgãos-alvo, por irritação química ou processos inflamatórios. As características clínicas e patológicas das alergias vão variar de acordo com a localização anatômica da reação. O ponto de contato com o alérgeno é que vai determinar os órgãos e os tecidos envolvidos. Quando os alérgenos são inalados, as manifestações são a rinite e a asma; se eles forem ingeridos, haverá reações do trato gastrointestinal, as alergias alimentares. Os alérgenos injetados vão estar presentes na circulação sanguínea; consequentemente, os efeitos serão sistêmicos. Por isso, nessa última forma de contato com o alérgeno, é mais frequente a ocorrência do choque anafilático. A concentração de mastócitos vai influenciar a intensidade das respostas alérgicas. Eles são particularmente abundantes na pele e na mucosa dos tratos gastrointestinal e respiratório, que são os locais em que ocorre a maior parte das reações alérgicas. Os mastócitos teciduais são fenotipicamente diferentes. Por exemplo, aqueles encontrados nos tecidos conjuntivos que têm histamina abundante são responsáveis pelo eritema na pele. Para que haja a manifestação da resposta alérgica, o alérgenos precisarão sensibilizar os linfócitos T e B, resultando na produção de IgE específica. Em um primeiro contato com o alérgeno, haverá o reconhecimento pelo TCR do linfócito Th2, que vai estimular os linfócitos B a trocarem a classe de anticorpos para IgE, que serão secretados e se ligarão nos receptores celulares Fc dos mastócitos. A porção Fab dos anticorpos ficará livre. Por isso, em um segundo contato com o alérgeno, a ligação deles na Fab da IgE vai ativar o mastócito, que vai liberar os mediadores. São os mediadores as aminas vasoativas, a histamina e as citocinas, que são responsáveis pelas manifestações de sintomas imediatos e tardios, respectivamente (figura seguinte). 156 Unidade III Primeira exposição ao alérgeno Produção da IgE Ligação da IgE ao FcεRI nos mastócitos Exposição repetida ao alérgeno Ativação dos mastócitos; liberação dos mediadores Ativação antigênica das células Th2 e estimulação da troca de classe IgE nas células B Reação de hipersensibilidade imediata (minutos após a exposição repetida ao alérgeno) Aminas vasoativas, mediadores lipídicos Citocinas Mediadores Mastócito FcεRI IgE Célula Th2 Célula B secretora de IgE Célula B Alérgeno Reação de fase tardia (6-24 horas após a exposição repetida ao alérgeno) Figura 76 – Hipersensibilidade imediata ou tipo I. A primeira exposição ao alérgeno vai ativar um TCR de linfócito Th2, que estimula o linfócito B a trocar a classe do anticorpo secretado, que passará a produzir IgE específica. Esse anticorpo se liga ao receptor Fc dos mastócitos. Em uma segunda exposição ao alérgeno, ele vai se ligar à porção Fab da IgE específica e haverá a liberação dos mediadores Fonte: Abbas, Lichtman e Pilai (2007, p. 442). 157 IMUNOLOGIA CLÍNICA Como dito anteriormente, a manifestação da hipersensibilidade vai variar do local em que os mediadores serão liberados. As aminas vasoativas têm ação de aumentar a permeabilidade vascular, fazer broncoconstrição e aumentar a motilidade intestinal. Já as citocinas vão desencadear resposta inflamatória e lesão tecidual. Quando um alérgeno relevante entra rapidamente na circulação, por exemplo, em picadas de abelha, injeção terapêutica, ingestão de um alérgeno ou ruptura de cisto hidático, pode ocorrer a anafilaxia, que é uma resposta alérgica sistêmica em que a ativação dos mastócitos libera os mediadores que terão acesso a todo o corpo. A anafilaxia vai manifestar-se com edema em vários órgãos, hipotensão e vasodilatação. No choque anafilático, haverá a diminuição do tônus vascular, extravasamento do plasma, diminuição importante da pressão arterial, constrição das vias aéreas e edema de glote, além de hipermotilidade no intestino e extravasamento do muco no intestino e no pulmão, podendo ser observadas ainda lesões urticariformes na pele. A velocidade com que se agrava o quadro pode ser letal. Por isso, é necessário o rápido tratamento farmacológico com o uso de epinefrina ou adrenalina, que reverte os efeitos broncoconstritores e vasodilatadores dos mediadores liberados pelos mastócitos, melhorando o débito cardíaco, evitando o lapso circulatório. Os anti-histamínicos também são benéficos no tratamento do quadro da anafilaxia. Outra manifestação da hipersensibilidade do tipo I é a asma brônquica, que é uma doença inflamatória causada por repetidas reações de hipersensibilidade imediatas e tardias no pulmão. Manifesta-se por uma tríade clínico-patológica de obstrução intermitente e reversíveldas vias aéreas, com inflamação brônquica crônica, com a presença de muitos eosinófilos, hipertrofia das células musculares lisas brônquicas e hiper-reatividade aos broncoconstritores. Pacientes que sofrem crises de broncoconstrição e possuem aumento da produção de muco espesso terão a obstrução brônquica, que agrava a dificuldade para respirar e causa lesões graves ao tecido pulmonar, podendo ser fatal. Nos casos de asma, a terapia terá como alvos, principalmente, a redução e a reversão da inflamação e o relaxamento da musculatura lisa das vias aéreas. O tratamento anti-inflamatório é de modalidade primária, com o uso de corticosteroides que bloqueiam a produção de citocinas inflamatórias e o relaxamento das células musculares lisas com uso de epinefrina e β2-adrenérgicos, por elevação de AMPc, que inibe a contração da musculatura lisa. O processo alérgico que é consequência da inalação de pólen ou ácaros da poeira doméstica é a rinite alérgica, que tem como manifestação patológica edema de mucosa e de vias aéreas, infiltrado de leucócitos com abundantes eosinófilos, secreção de muco, tosse e espirros e dificuldades respiratórias. Pode ser acompanhado por conjuntivite alérgica, com prurido nos olhos. Quando a exposição ao alérgeno é por ingestão, a manifestação é a alergia alimentar, que leva à liberação de mediadores dos mastócitos da mucosa e submucosa intestinal. Como consequência haverá o aumento do peristaltismo, aumento da secreção de líquidos, vômitos, diarreias e urticárias, podendo ocorrer a anafilaxia. A dieta com exclusão dos alimentos que possuem alérgenos é a alternativa mais recomendada para evitar as crises de alergias alimentares. Em alguns casos, a clínica pode ser não 158 Unidade III IgE mediada, causada por outros tipos de resposta imune. Dos alimentos que são responsáveis pelas reações alimentares, 90% são trigo, ovo, leite de vaca, soja, amendoim, castanhas e crustáceos. Reações por corantes e aditivos são raras, em média, 1% dos casos. Os processos alérgicos, independentemente da fonte e da via de exposição, podem ser tratados com anti-histamínicos e podem ser dessensibilizados com administração por via subcutânea de pequenas quantidades de antígenos repetidamente, o que leva ao desenvolvimento de tolerância imunológica ao alérgeno. Com a diminuição dos níveis de IgE e a elevação dos níveis de IgG, esse anticorpo vai inibir a liberação de IgE quando houver uma exposição ao alérgeno, pois vai neutralizá-lo, impedindo que os mastócitos sensibilizados liberem os mediadores. Lembrete Tolerância imunológica é a capacidade do nosso organismo de perceber antígenos, exógenos e endógenos, sem desencadear resposta imunológica. Porém, para que as técnicas de dessensibilização funcionem, é essencial que seja determinado exatamente qual é o alérgeno responsável pela sensibilização do mastócito. Para tal, é necessário associar um histórico clínico bem-feito e a detecção da IgE específica no soro, in vitro, ou na pele, in vivo, usando métodos de diagnóstico laboratorial. O diagnóstico correto é essencial também para evitar ou até mesmo eliminar o contato com o alérgeno, o que melhora a qualidade de vida e, nos casos mais graves, evita uma anafilaxia que pode ser fatal. Para o diagnóstico in vivo das doenças alérgicas é realizado o teste cutâneo de leitura imediata (punctura), que detecta a presença de IgE específica a partir da suspeita clínica, pois é realizado apenas com os alérgenos que estão relacionados à manifestação dos sintomas. O teste é realizado na superfície volar do antebraço do paciente. Após realizar a limpeza da região, é colocada uma gota do extrato do alérgeno na pele pela punctura. A região não pode apresentar ferimentos nem lesões de qualquer natureza para a adição do alérgeno. A reação ao alérgeno é observada após 15 a 20 minutos, sendo positiva quando houver a formação de pápula e eritema no local. São testes de alta sensibilidade e baratos, porém, com a possibilidade de gerar resultados falsos positivos, com o uso de extratos não padronizados ou pela não realização dos controles positivos (histamina) e negativos (diluente), e resultados falsos negativos, em idosos e crianças pequenas. Além disso, de 10% a 15% dos indivíduos podem apresentar resultado positivo sem a manifestação clínica, o que sugere que, eventualmente, possa ocorrer uma reação tardia ao alérgeno (figura seguinte). 159 IMUNOLOGIA CLÍNICA Figura 77 – Teste cutâneo de leitura imediata. No volar do antebraço, serão adicionados extratos de alérgenos por punctura. Na imagem, cada número é um alérgeno que está sendo testado. O resultado será positivo quando, após 15 a 20 minutos, aparecer no local da adição do alérgeno uma pápula, eritema, que confirma a reação alérgica Fonte: Hospital Felício Rocho e Hospital Infantil João Paulo II ([s.d.], p. 2). Outra forma de avaliar a resposta alérgica in vivo é o teste intradérmico, que possui as mesmas indicações de realização que o teste de punctura. Nele, são utilizadas seringas do tipo tuberculina, e os alérgenos são injetados na pele, formando uma pápula no local da aplicação. A resposta deve ser avaliada entre 15 e 30 minutos após a aplicação. É essencial o uso de controles negativos e positivos para garantir a confiabilidade do resultado. Apesar de raras, pode haver intercorrências de reações generalizadas. Por isso, é recomendado que a execução seja acompanhada por um médico especialista. Já o teste de provocação é realizado com a administração do alérgeno suspeito e observação se haverá alguns sintomas associados a ele. Deve ser feito sempre com supervisão, pois pode haver intercorrências. Os alérgenos podem ser expostos pela via oral, nasal ou brônquica. Porém, para estabelecer o diagnóstico de forma mais precisa, é recomendada a realização de testes in vitro, o diagnóstico laboratorial, que confirma a presença de IgE específica para os diversos alérgenos. Um indicativo não específico das alergias é a eosinofilia sanguínea periférica. Essas células representam um total de 2% a 4% do total de leucócitos circulantes. O quadro será considerado eosinofilia quando o valor percentual for superior a 5% do total de leucócitos. O aumento, além de estar relacionado com as alergias, pode indicar outras patologias, como infecções parasitárias, dermatoses bolhosas, neoplasias, predisposição familiar, sarcoidose, entre outras. A dosagem de IgE sérica total tem baixa especificidade. Pode estar elevada em 60% a 89% dos pacientes que têm rinite perene, mas pode dar negativo em aproximadamente 20% dos casos de doenças alérgicas. As IgE séricas totais podem estar elevadas também em doenças parasitárias ou com comprometimento de imunidade celular. Por esses motivos, a avaliação da IgE sérica específica no soro do paciente é o método mais importante no diagnóstico. O primeiro ensaio para quantificar IgE específicas foi o RAST (radioallergosorbent test), um radioimunoensaio, heterogêneo, não competitivo, em fase sólida. Contudo, apesar da alta sensibilidade, em razão dos riscos associados ao uso de radioisótopos, foi se tornando cada vez menos comum e 160 Unidade III substituído por novas metodologias. Atualmente os ditos painéis alérgicos são realizados em celulose, com capacidade de ligação que diminui as ligações inespecíficas e ainda permite o uso de anti-IgE policlonal e monoclonal, que garantem ao teste alta sensibilidade e especificidade. 7.2 Hipersensibilidade do tipo II A hipersensibilidade do tipo II é mediada por anticorpos que podem ser das classes IgG, IgM ou IgA, que se ligam a células do organismo causando uma resposta imune inadequada. Os anticorpos podem ser direcionados a antígenos de superfície, patogênicos, e a antígenos internos, usualmente, não patogênicos. Quando há a ligação dos anticorpos em uma célula, vai ocorrer o reconhecimento desta por neutrófilos e macrófagos, que vão danificar a célula-alvo, diferentemente do que acontece quando os anticorpossão direcionados contra um patógeno. Esses anticorpos reativos contra células próprias não vão ocasionar a fagocitose de antígeno, mas o conteúdo das células de defesa será extravasado por exocitose, causando o dano tecidual. São exemplos de hipersensibilidade do tipo II a reação à transfusão de componentes do sangue, doenças hemolíticas autoimunes e do recém-nascido, pênfigo, entre outras. A reação de hipersensibilidade do tipo II pode ser direcionada contra antígenos eritrocitários e plaquetários, em resultado de transfusão de sangue incompatível entre um doador e o receptor. Esse último vai apresentar anticorpos contra os antígenos de superfície das células doadas. Geralmente, esses anticorpos são naturais, da classe IgM, que, mesmo assim, poderão gerar reações de aglutinação, hemólise e ativação de complemento. A resposta imune será percebida pela manifestação de sintomas como febre, náuseas e vômitos, além de dor nas costas e no tórax. Outra reação de hipersensibilidade do tipo II contra antígeno de superfície eritrocitário é a eritroblastose fetal ou doença hemolítica do recém-nascido (DHRN), que é mais comum de ocorrer contra os antígenos do sistema sanguíneo Rhesus (Rh), em que uma gestante Rh negativo que possui anticorpos imunes da classe IgG, que foram produzidos em um contato anterior com hemácias Rh positivo, transmite esses anticorpos na gestação e, caso o feto seja Rh positivo, esses anticorpos maternos vão sensibilizar as hemácias fetais, com a consequente hemólise, podendo ser fatal. Além das reações transfusionais e DHRN, que são reações em que o antígeno de superfície ou anticorpo é transferido de um indivíduo para outro, essas reações de tipo II contra antígenos de superfície podem causar anemias hemolíticas autoimunes, que surgem de forma espontânea ou induzida por drogas. O diagnóstico laboratorial para detectar a presença dos anticorpos sensibilizando as hemácias é feito pelo método de Coombs. Observação O teste de Coombs é uma aglutinação direta, em que há adição do soro de Coombs, composto de anticorpos anti-imunoglobulina que vão detectar a presença de hemácias sensibilizadas, formando aglutinação. 161 IMUNOLOGIA CLÍNICA Os autoanticorpos contra plaquetas podem causar trombocitopenia e púrpura trombocitopênica idiopática, que se desenvolvem após infecções bacterianas ou virais, ou associadas ao lúpus eritematoso sistêmico. A trombocitopenia também pode ser induzida por drogas. Já as reações de hipersensibilidade do tipo II contra antígenos em tecidos serão responsáveis por inúmeras condições autoimunes. Os antígenos são extracelulares e haverá danos imunopatológicos. Os exemplos são a síndrome da Goodpasture, pênfigo e miastenia gravis. Na síndrome de Goodpasture, há a produção de anticorpos contra a membrana basal nos rins. Vai ocorrer inflamação, a nefrite. O pênfigo é causado por autoanticorpos contra moléculas de adesão celular. Os autoanticorpos circulantes são das classes de imunoglobulinas IgG1 e IgG4. Este último está mais associado com a atividade da doença. Há correlação da manifestação clínica da doença com as concentrações séricas de anticorpos antidesmogleínas 1 e 3 e as dosagens de anticorpos antidesmogleína 3, que são detectados pelos métodos de ELISA e imunofluorescência indireta. Na miastenia gravis, há a presença de autoanticorpos contra receptores para a acetilcolina, do tipo nicotínico muscular, que ocasiona o desligamento desses receptores. Com isso, não haverá a sinalização celular na junção neuromuscular. Então os músculos relaxam e não há mais a contração. Os diagnósticos das doenças autoimunes serão descritos adiante. 7.3 Hipersensibilidade do tipo III As reações de hipersensibilidade do tipo II e do tipo III são mediadas por anticorpos da classe IgG, IgM e IgA. Por isso, compartilham mecanismos efetores. No entanto, nas do tipo II a ligação dos anticorpos é diretamente a um antígeno presente na superfície celular, enquanto nas do tipo III o que vai desencadear a resposta imune será a formação de complexos imunes, antígenos livres ligados a anticorpos. Então a hipersensibilidade do tipo III é composta pelas doenças do complexo imune. Normalmente, os complexos imunes são formados quando o anticorpo encontra o antígeno e são removidos pelo sistema fagocitário mononuclear após a ativação do complemento, contudo, se houver a persistência do antígeno, poderá ocasionar resposta imune de forma inadequada. Os complexos imunes que não são removidos desencadeiam uma variedade de processos. Um dos motivos desse acúmulo pode ser a deficiência do sistema do complemento, que vai resultar em complexos insolúveis que se depositam nos tecidos, ativando uma resposta inflamatória local com consequente dano tecidual. Os complexos imunes são formados quando os anticorpos encontram-se com os antígenos. Eles devem ser removidos pelo fígado e baço via um processo que envolve o complemento, fagócitos mononucleares e eritrócitos. Contudo, em infecções persistentes, como hanseníase, malária, dengue, hepatites virais, endocardite infecciosa por estafilococos, em inalação de fungos como o actinomiceto e de esporos em fezes de pombos, desordens reumáticas autoimunes, lúpus sistêmico e crioglobulinas que precipitem em baixas temperaturas, doenças linfoproliferativas, formam-se complexos imunes que poderão causar uma reação de hipersensibilidade. 162 Unidade III Os complexos imunes, quando não são corretamente eliminados, vão desencadear vários processos inflamatórios. A precipitação do complexo no endotélio vai interagir diretamente com os basófilos e as plaquetas, havendo liberação de aminas vasoativas e estimulação da liberação de citocinas por macrófagos, além de interagir com o complemento, estimulando a liberação de histaminas, fatores quimiotáticos de basófilos, eosinófilos e neutrófilos (figura seguinte). Agregação Agregação plaquetáriaplaquetária Figura 78 – Imunocomplexo na hipersensibilidade do tipo III. A presença do imunocomplexo vai desencadear processos inflamatórios, interagindo com basófilos e plaquetas, liberação de aminas vasoativas, liberação de citocinas por macrófagos, entre outros Adaptada de: Kennedy e Dixit (2016, p. 5). As proteínas do sistema do complemento são importantes mediadoras da doença do complexo imune. Sua ativação será responsável por gerar danos teciduais subsequentes, aumento de inflamação e perpetuação da doença, quando sua ativação for desencadeada inadequadamente. Os autoanticorpos poderão modular a atividade do complemento na doença do sistema do complemento. A depuração de complexos imunes ocorre mediante a opsonização pelo C3b, após a ativação do complemento, sendo eles removidos pelo sistema fagocitário mononuclear. Transportados para o fígado e o baço, os complexos são removidos por macrófagos teciduais, as células de Kupffer. Quando há o depósito do complexo imune, vai acontecer um aumento da permeabilidade vascular. O depósito é mais comum onde há uma elevada pressão sanguínea e turbulência. Por essa razão, um local comum da ocorrência do depósito são os glomérulos. O aumento da permeabilidade vai permitir que ocorra uma grande migração de células de defesa para o local, aumentando a resposta imune. Além disso, a afinidade do antígeno pelos tecidos vai direcionar a deposição, mas o local de deposição vai depender do tamanho do complexo e da classe de imunoglobulina. Um exemplo de uma hipersensibilidade do tipo III é a reação de Arthus, descrita pela primeira vez em um experimento feito em cavalos com a injeção de um antígeno na corrente sanguínea. Como resposta foi observada a inflamação com vermelhidão e edema. Caso haja uma segunda injeção com esse mesmo antígeno, vai ocorrer a vasculite, que pode agravar o quadro, chegando a dano tecidual severo e necrose tecidual. Um exemplo dessa reação em humanos é a resposta a uma vacinação repetida: um paciente que inadvertidamente toma por duas vezes uma mesma vacina poderá manifestara reação de Arthus. Há relatos dessa hipersensibilidade de tipo III com a vacina de dT (tétano e difteria). 163 IMUNOLOGIA CLÍNICA A reação de Arthus é local, contudo o desencadeamento de hipersensibilidade do tipo III por complexo imune poderá ocorrer de forma sistêmica. Um exemplo é a doença do soro, que ocorre com o tratamento de uma doença com antissoro quando é injetada uma grande quantidade de soro heterólogo de uma espécie diferente, com anticorpos não próprios. Hoje em dia, várias doenças são tratadas com anticorpos monoclonais produzidos em camundongos, que podem ocasionar a doença do soro, com o depósito de complexo imune nos capilares, manifestado com vasculite, sendo visualizado com manchas eritematosas na pele. Observação Atualmente, os anticorpos monoclonais estão sendo humanizados para que não ocorra o reconhecimento deles como antígeno estranho pelo sistema imune do paciente em tratamento. Doenças causadas por complexo imune podem estar associadas a infecções. Alguns exemplos são a doença de Goodpasture e a febre reumática, consequência de uma infecção de garganta por estreptococos A. Os complexos imunes formados vão causar lesões no coração, nas articulações e nos rins. O patógeno vai reagir com a membrana das células normais, causando danos e resposta inflamatória. A doença ocupacional pulmão de fazendeiro também é consequente do depósito de imunocomplexo. É uma manifestação intrapulmonar em indivíduos sensíveis que inalam fungos do feno, os esporos. No pulmão, vai ocorrer uma resposta semelhante à reação de Arthus. Outros trabalhadores poderão ter hipersensibilidade do tipo III, como criador de pombos, lavador de queijo, descascador de bordo, entre outros. O diagnóstico das doenças do complexo imune é feito a partir de busca e detecção desses complexos imunes nos tecidos acometidos. A técnica de imunofluorescência pode ser o método de escolha para buscar esses complexos imunes. 7.4 Hipersensibilidade do tipo IV Uma resposta inflamatória mediada por linfócitos T pode ser classificada como de contato, do tipo tuberculina ou granulomatosa. Os antígenos que vão ser responsáveis pela ativação do linfócito T podem ser um tecido estranho, um parasita intracelular, proteínas solúveis e agentes químicos. Essa reposta inflamatória mediada pelo linfócito T leva à ativação de macrófagos e à inflamação com edema nos tecidos. Se o antígeno for de um patógeno e houver a sua persistência, a ativação contínua das células de defesa no local poderá levar ao desenvolvimento de um granuloma, ou seja, uma inflamação crônica, que pode demorar até 21 dias para se manifestar, com dano tecidual. Já quando o antígeno é de um órgão específico, a resposta inflamatória celular localizada será o mecanismo de uma doença autoimune, como na diabetes mellitus do tipo I. 164 Unidade III As células T podem causar doenças do tipo hipersensibilidade tardia quando um antígeno apresentado for ativar linfócitos TCD4+, o que resulta na produção de citocinas, que vão mediar a resposta inflamatória. Quando a ativação for de linfócitos TCD8+, a doença por célula T será consequência da citólise, com dano tecidual (figura seguinte). Citocinas A) Hipersensibilidade do tipo tardio B) Citólise mediada por células T Tecido normal Inflamação Lesão tecidual Destruição celular e lesão tecidual APC ou antígeno tecidual Célula TCD4+ Célula TCD8+ CD8+ CTLs Figura 79 – Mecanismos das células T na hipersensibilidade. Quando houver a ativação de linfócitos TCD4+ e liberação de citocinas, vai acontecer inflamação, levando ao dano tecidual; já quando a ativação for de linfócito TCD8+, o dano tecidual será consequente da citólise celular Fonte: Abbas, Lichtman e Pilai (2007, p. 427). A hipersensibilidade de contato é uma reação eczematosa da pele no local de contato com o alérgeno, que é uma resposta celular. Por isso, se enquadra em hipersensibilidade do tipo IV. Os agentes sensibilizantes são haptenos, componentes químicos de baixo peso molecular, lipofílicos, que penetram na pele, e, até mesmo, íons de metais. A reação vai ocorrer em dois estágios. O primeiro é a sensibilização das células dendríticas e queratinócitos da pele. Estas últimas células produzem citocinas que geram resposta inflamatória local, além de estimular uma população de células T de memória. O segundo estágio é a elicitação, com o recrutamento de linfócitos TCD4+ e TCD8+, além de monócitos. Nas reações de contato, vai ocorrer uma rápida liberação de citocinas, com recrutamento de linfócitos T e monócitos, indução de mRNA de citocinas em células de Langerhans e indução de moléculas de adesão nas células endoteliais. Células mononucleares vão aparecer ao redor do vaso sanguíneo. Todos esses mecanismos têm o intuito de remover o antígeno. Assim, quando ocorre a neutralização, esses mecanismos inflamatórios são suprimidos e a reação de contato regride. 165 IMUNOLOGIA CLÍNICA Outra hipersensibilidade mediada por células T é a tardia, que foi descrita por Koch em 1882, a reação de tuberculina. Resposta inflamatória na pele, envolve monócitos e linfócitos e é um exemplo de resposta imunológica de memória para antígenos. O exemplo mais popular é o desafio com a tuberculina, um antígeno do bacilo de Koch, agente etiológico da tuberculose, hoje substituída por uma proteína purificada, o PPD. Nesse teste, são inoculados os antígenos da bactéria na pele e, quando já houve um contato prévio com o agente etiológico, os linfócitos T de memória serão recrutados e ativados no local do inóculo pelas células dendríticas. A reação vai iniciar-se com 4 horas e durar até 72 horas. A reação de tuberculina é usada para a detecção de infecção anterior pelo patógeno ou para determinar uma medida geral da imunidade mediada por célula. Além da tuberculose, a hanseníase e a leishmaniose também possuem testes de desafio com antígenos (figura seguinte). Correto Incorreto Figura 80 – Reação de Mantoux ou tuberculina. Após a inoculação de antígenos do bacilo de Koch, no caso de o indivíduo ter tido um contato prévio com a bactéria, os linfócitos T serão recrutados para o local e será visualizada uma resposta inflamatória Fonte: Páez (2015, p. 19). Apesar de ser útil para a determinação de memória imunológica para o bacilo de Koch, o teste de desafio com antígeno PPD, ou tuberculina, pode gerar resultados falsos positivos, se o indivíduo já teve contato com outras microbactérias, e resultados falsos negativos, quando houver concomitância com outras infecções, desnutrição, idade avançada, distúrbios imunológicos, neoplasia dos tecidos linfoides, terapia com corticosteroides, insuficiência renal crônica, vacinas feitas com vírus, estresse, teste com técnicas inapropriadas. A forma clínica mais importante da hipersensibilidade do tipo IV é a reação granulomatosa, que é uma resposta inflamatória crônica resultante da persistência de macrófagos com estimulação crônica de linfócitos T e liberação de citocina. O granuloma normalmente ocorre com a presença persistente de um microrganismo, mas pode ser imunomediado, por exemplo, na doença de Crohn. Um granuloma é a formação de uma célula gigante com a fusão de células epitelioides. É multinuclear, com pouco retículo endoplasmático. As mitocôndrias e os lisossomos parecem estar degenerados. No local do granuloma, haverá reações celulares por linfócitos T, TNF e linfotoxinas alfa. 166 Unidade III São exemplos de doenças granulomatosas: hanseníase, tuberculose, esquistossomose, leishmaniose, listeriose, sífilis, sarcoidose, doença de Crohn, entre outras. 7.5 Doenças autoimunes e os marcadores imunes utilizados no diagnóstico Apesar de o sistema imune exercer o papel crucial de defesa contra agentes agressores, patogênicos ou não, os erros da resposta imune adaptativa podem ocasionar lesões teciduais e doenças imunopatológicas. Essas doenças podem ser as hipersensibilidades, quando a resposta imune ocorrer de forma exacerbada e sem controle,mas caso o sistema imune apresente uma deficiência ou uma falha, o indivíduo ficará suscetível a infecções, que são as imunodeficiências. Por último, há também as doenças decorrentes de falhas na autotolerância, quando a resposta imune deixa de discriminar os antígenos próprios dos estranhos, respondendo imunologicamente, estabelecendo a doença autoimune, que é deletéria e sustentada, destrói tecidos e, consequentemente, produz a manifestação de sintomas. Lembrete Autoimunidade faz parte da resposta imune nos indivíduos, eliminando células transformadas, por exemplo, em processos malignos. A doença autoimune se estabelece quando ocorrem erros, autorreatividade. Contudo, ainda se sabe pouco sobre o porquê de o organismo falhar e começar a destruir o próprio corpo, seja um órgão único ou até mesmo de forma sistêmica. As manifestações das doenças autoimunes serão as mais variadas possíveis, uma vez que vai depender de qual ou quais órgãos estão sendo danificados. O que se sabe é que há em comum entre as doenças autoimunes a participação de linfócitos T, ou anticorpos, ou, ainda, ambos, mas que mesmo não havendo a participação dos anticorpos nos danos gerados, eles estarão presentes. O que, por um lado, é bom, pois a presença desses anticorpos auxilia o diagnóstico da patologia. Por isso, a detecção dos autoanticorpos será útil para o diagnóstico laboratorial, no prognóstico dos pacientes, na monitoração da doença, na definição da forma clínica e até mesmo, em indivíduos normais, pode ser usada como fator preditivo para uma futura doença autoimune. Os autoanticorpos, em especial aqueles que são específicos para uma doença, podem ser detectados muito antes das manifestações clínicas. Um exemplo é o anti-GAD, nos casos de diabetes mellitus do tipo I, doença cuja ocorrência na infância é comum. As causas de autorreatividade do sistema imunológico são multifatoriais, sendo descritos componentes genéticos, ambientais, compostos químicos, hormonais, imunológicos, infecciosos e, ainda, os desconhecidos. Eles vão interagir e gerar uma alteração no sistema imune, com a produção de diferentes autoanticorpos, células T com função alterada e fagocitose defeituosa, o que vai desenvolver a doença. As teorias propostas para o desencadeamento da autoimunidade descrevem a disseminação de epítopos, a rede idiopática, a perda do estímulo de apoptose de células autorreativas, o mimetismo 167 IMUNOLOGIA CLÍNICA molecular entre antígenos próprios e não próprios, a exposição a um antígeno sequestrado, as anormalidades na apresentação de antígenos e os superantígenos como os possíveis geradores de erros na resposta imune adaptativa. Saiba mais Entenda um pouco mais sobre doenças autoimunes neste artigo sobre a patogênese das doenças tireoidianas: ALFARO, M. et al. Atopy and autoimmunity. Revista Portuguesa de Pneumologia (English Edition), Lisboa, v. 13, n. 5, p. 729-735, Sept./Oct. 2007. Disponível em: https://bit.ly/3vLG8n3. Acesso em: 21 jun. 2021. As doenças autoimunes podem atingir um antígeno específico em um tecido, com anticorpos ou linfócitos T autorreativos, atingindo um único órgão. São as doenças autoimunes órgão-específicas, por exemplo, diabetes mellitus do tipo I, miastenia gravis, doença de Graves, entre outras. No outro espectro das doenças autoimunes, estão as sistêmicas, que envolvem quase todos os órgãos. Os exemplos mais conhecidos são o lúpus eritematoso sistêmico (LES) e as doenças reumáticas. Existem algumas doenças que estarão no meio do espectro, nas quais os autoanticorpos vão reagir não apenas com antígenos em um tecido específico, mas em alguns tecidos. Um exemplo é a cirrose biliar primária. Nos pacientes com doenças reumáticas, pode haver a manifestação de mais de uma doença autoimune, sendo possível a ocorrência conjunta de LES, síndrome de Sjögren, artrite, entre outras. Como a patogênese das doenças autoimunes é a agressão do sistema imune celular e/ou humoral contra as células e os tecidos próprios, é comum ser possível detectar autoanticorpos circulantes. Por isso, a detecção deles no laboratório será útil no diagnóstico, a fim de mensurar a atividade da doença, os preditivos da doença, ou seja, prever se um indivíduo vai desenvolver a doença no futuro, além de diferenciar as formas clínicas da doença, como já dito. Como independente do mecanismo de agressão vai haver a presença dos autoanticorpos, a sua quantificação é a forma mais prática de detecção sorológica das doenças autoimunes. Hoje, as tecnologias usam antígenos recombinantes para auxiliar no diagnóstico diferencial da doença autoimune. Em alguns casos, mais de uma doença pode reagir com esses antígenos, ou seja, possuir anticorpos contra o antígeno recombinante. Por isso o diagnóstico sempre deve ser feito em concordância clínica e laboratorial. Além disso, o uso desses antígenos recombinantes é uma tecnologia que pode ser usada para o mapeamento de epítopos, estudo de interação antígeno-anticorpo. A técnica de imunofluorescência indireta (IFI) é utilizada para a detecção de autoanticorpos há cerca de cinco décadas. 168 Unidade III No diagnóstico das doenças autoimunes, é usado um tecido ou células como fonte dos antígenos. Os autoanticorpos específicos, se presentes no soro do paciente, se ligarão a eles. Posteriormente, a reação é revelada com um anticorpo secundário, ligado covalentemente a um fluoróforo. A reação positiva poderá ser visualizada em um microscópio de fluorescência. Além da ligação, é possível observar o padrão da fluorescência, que vai apresentar correlação com a doença autoimune presente no indivíduo. A técnica mais popular de IFI para diagnóstico de doenças autoimunes é a nomeada de FAN, fator antinuclear, que será descrita posteriormente no diagnóstico de LES. Porém, com o uso de recombinação genética, as técnicas imunoenzimáticas estão sendo cada vez mais utilizadas para o diagnóstico, que, além de diminuir o número de reações inespecíficas, por utilizar antígenos puros, permite também a obtenção de proteínas com um maior número de epítopos, proteínas quiméricas. Assim é possível quantificar dois anticorpos comuns de uma doença autoimune com um único antígeno, aumentando a sensibilidade do teste. O quadro seguinte descreve alguns antígenos recombinantes que já podem ser utilizados para o diagnóstico laboratorial. Quadro 8 – Antígenos recombinantes utilizados para o diagnóstico sorológico de doenças autoimunes Antígeno Doença associada Alfa-fodrin Síndrome de Sjögren Anexina V Síndrome antifosfolipídica Antígeno de pênfigo bolhoso BP230kDa Pênfigo bolhoso Antígeno mitocondrial (subunidade E3) Cirrose biliar hepática Antígeno mitocondrial PDH e E2 Cirrose biliar hepática Beta-2-glicoproteína 1 Síndrome dos anticorpos antifosfolipídeos BPI (ANCA) Fibrose cística BP 180 kDa Pênfigo bolhoso Calpastatina Artrite reumatoide CENP A e CENP B Esclerose sistêmica, forma limitada Citocromo P450-IA2 Hepatite autoimune tipo II Citocromo P450-2D6/LKM1 Hepatite autoimune tipo II Colágeno IV, domínio NC1 Síndrome de Goodpasture Desmogleína 1 Pênfigo foliáceo Desmogleína 3 Pênfigo vulgaris Fibrilarina Esclerose sistêmica, forma difusa GAD 65 e GAD 67 Diabetes tipo I Gly-tRNA sintetase Poliomiosite/dermatomiosite H+/K+ ATPase Gastrite autoimune IA-2 (ICA-512) e IA-2 beta Diabetes tipo I Jo-1 (histidil-tRNA sintetase) Poliomiosite Ku 70 kDa e ku 96 kDa Miosites La (SS-B) Síndrome de Sjögren LCI Hepatite autoimune tipo II 169 IMUNOLOGIA CLÍNICA Antígeno Doença associada Macrogolgin Esclerodermia e síndrome de Sjögren Mi2 Dermatomiosite Mieloperoxidase (ANCA) Vasculite sistêmica PM Scl (100 kDa e75 kDa) Síndrome de superposição, polimiosite Proteína Ribossomal P0, P1 e P2 LES Proteína Sp100 Cirrose biliar primária Proteinase 3 (ANCA) Vasculite sistêmica Receptor de TSH (fragmento) Doença de Graves Ro SS-A (52 kDa e 60 kDa) LES, síndrome de Sjögren Scl 70 Esclerose sistêmica SLA/LP Hepatite autoimunetipo I SM B’/B e Sm D1-3 LES Tireoglobulina Doença de Hashimoto TPO (segmento C2) Doença de Hashimoto Transglutaminase tecidual Doença celíaca U1 snRNP 68/70 kDa LES, DMTC U1 snRNP A e U1 snRNP C LES, DMTC U2 SmB’’ LES 7.5.1 Doenças autoimunes órgão-específicas Cerca de 20% da população tem uma das doenças autoimunes ou inflamatórias mediadas por resposta imune anormal do tipo órgão-específicas. Entre elas, há a diabetes mellitus do tipo I, na qual a manifestação clínica é a hiperglicemia. A diabetes do tipo I, conhecida como insulino-dependente, é diferente da do tipo II, que não possui caráter imunológico. Na diabetes tipo I, as células β pancreáticas serão destruídas. Com isso, não haverá a produção de insulina e, consequentemente, aparecerá a hiperglicemia. É mais comum em crianças e em adultos jovens. A manifestação clínica inicial é perda de peso, polidipsia, poliúria, polifagia, mas mesmo com a ingestão de alimentos, a ausência de insulina vai desviar o metabolismo para o catabolismo de lipídeos, havendo o acúmulo de cetonas. Histologicamente, esses pacientes apresentam um infiltrado de linfócitos, na maioria do tipo TCD8+, com a presença de linfócitos TCD4+ e macrófagos. Nas ilhotas de Langerhans, podem ser encontrados também componentes do complemento e anticorpos. Vários fatores estão associados à predisposição da diabetes tipo I, como os genéticos e ambientais. O diagnóstico é feito pela busca de autoanticorpos de interesse clínico, como os anticorpos anticélulas de ilhotas (ICA). Porém, os primeiros anticorpos que podem ser detectados, antes mesmo da manifestação clínica, são os IAA, antirreceptores de insulina. Apesar de esses anticorpos serem úteis no diagnóstico, eles não são os responsáveis pela destruição das células β do pâncreas. 170 Unidade III Outras manifestações órgão-específicas serão as doenças autoimunes da tireoide, que é a glândula responsável pela produção e liberação dos hormônios T3 e T4, que realizam o feedback negativo, retroalimentação para o controle de sua liberação e manutenção da homeostase. As doenças autoimunes na tireoide podem se manifestar tanto como hipertireoidismo quanto como hipotireoidismo. A primeira é nomeada de doença de Graves. Como é um quadro de hipertireoidismo, se caracteriza pela elevação dos níveis de T3 e T4 livre. Foi descrita em 1835 por Graves, daí a nomenclatura. É a causa mais comum das tireotoxicoses. Os achados clínicos serão hipertireoidismo, oftalmopatia infiltrativa com exoftalmia, hipertrofia e hiperplasia do parênquima tireoidiano, bócio e dermatopatia infiltrativa. É de 7 a 10 vezes mais comum em mulheres do que em homens, na faixa etária de 20 a 50 anos. É prevalente em 2% das mulheres. Está associada a fatores genéticos e seu diagnóstico pode ser feito com a detecção de anticorpos antitireoperoxidase, anti-TPO, em 75% dos casos, e de antitireoglobulina, anti-Tg, em 25% dos casos. Já os antirreceptores de TSH estão presentes em 90% dos casos. Esse último anticorpo é um estimulante dos receptores de TSH. Por isso, terá função agonista, levando à produção exagerada de T3 e T4. Mesmo com a retroalimentação, a tireoide não deixará de ser estimulada. Por isso, mesmo com o TSH diminuindo a sua concentração, não vai evitar a estimulação da tireoide pelo autoanticorpo no receptor. Já a tireoidite de Hashimoto, ou tireoidite linfocítica crônica, vai se manifestar como hipotireoidismo, por uma insuficiência da glândula devido a uma destruição dos folículos da tireoide, com uma intensa infiltração linfocitária e fibrose, uma reação autoimune do tipo celular. O nome Hashimoto é em homenagem a quem descreveu a doença pela primeira vez, em 1912, ao caracterizar o infiltrado em uma glândula de um paciente com bócio. A destruição das células tireoidianas acontece por linfócitos TCD8+ autorreativos e por células TCD4+, com reação inflamatória local. O dano folicular leva a uma diminuição das células epiteliais de tireoide, que serão substituídas por células mononucleares e fibrose. Devido à falência, os níveis de T3 e T4 estarão baixos, com elevação de TSH, como mecanismo de compensação. Clinicamente se manifesta como hipotireoidismo, letargia, pele seca, aumento de peso, edema, bradicardia, intolerância ao frio, reflexo lento, entre outros. E o diagnóstico laboratorial pode ser feito pela detecção de anticorpos antirreceptores de TSH do tipo TSI estimulante. É a doença autoimune da tireoide mais frequente em mulheres na faixa etária de 30 a 50 anos. No fígado, é possível observar a hepatite autoimune e a cirrose biliar primária. A hepatite autoimune clinicamente se manifesta de forma muito semelhante a qualquer outro tipo de hepatite. A causa da inflamação crônica não é bem esclarecida. É observada uma hipergamaglobulinemia e a presença de autoanticorpos específicos. Assim como nas demais doenças autoimunes órgão-específicas, a resposta imune celular inadequada é o principal componente da lesão hepática, com participação de linfócitos TCD4+ e TCD8+. A agressão autoimune está relacionada com a quebra da autotolerância após um processo infeccioso. O diagnóstico laboratorial consiste em diferenciá-la das hepatites virais e de etiologia por drogas, doença de Wilson, hemocromatose, entre outras. A ausência de uma causa aparente levanta a suspeita de hepatite autoimune. A metodologia IFI para a detecção de FAN, anticorpos antimúsculo liso, anti-SMA, que são anticorpos contra o antígeno microssomal do fígado e do rim, anti-LKM-1, é utilizada no diagnóstico diferencial. Entretanto, esses anticorpos não estão presentes 171 IMUNOLOGIA CLÍNICA em 100% dos pacientes e não são exclusivos dessa patologia, o que dificulta o diagnóstico. Por isso, esse teste deve ser feito juntamente com análises histológicas do fígado e com o histórico clínico. A cirrose biliar primária é uma doença colestática crônica de causas desconhecidas, na qual vai ocorrer a destruição gradual dos ductos biliares intra-hepáticos por uma inflamação não supurativa, que pode com o tempo causar cicatrizes portais e, como consequência, a cirrose. É mais frequente em mulheres de meia-idade, com predomínio na Europa. O fígado vai apresentar uma infiltração de linfócitos T e serão detectados em 95% dos pacientes anticorpos antimitocôndria, AMA. Outros anticorpos que podem ser detectados são o antimúsculo liso, SMA, em 70% dos pacientes, e o antinúcleo, ANA, em cerca de 50% dos casos. Tem sido proposto que o mecanismo de desenvolvimento da cirrose biliar hepática é o mimetismo molecular, em que há um agente infeccioso, viral ou bacteriano, ou substâncias químicas ambientais ou alimentares. A esclerose múltipla é uma doença desmielinizante, com a ocorrência de episódios de ataque neurológico com lesões da substância branca, intercalados por remissão e novos ataques. As lesões são multifocais, podendo ocorrer em qualquer local do sistema nervoso, mas, apesar de variar de paciente para paciente, há um predomínio da ocorrência dessas lesões no nervo ótico, na substância branca periventricular do cérebro e na região cervical da medula espinhal. A destruição da mielina vai gerar placas escleróticas e infiltrados de células mononucleares, que são principalmente linfócitos T e macrófagos. Mais raramente, são encontrados linfócitos B. A doença tem muita variação de apresentação clínica e um prognóstico difícil. Alguns dos sinais e sintomas envolvem acometimento visual, ataxia, fadiga, incontinência urinária, paralisia de membros, entre outros. O diagnóstico pode ser feito através de exames laboratoriais por imagem de ressonância magnética nuclear, exame do líquido cefalorraquidiano, que poderá apresentar proteinorraquia, moderada pleocitose, detecção da proteína específica mielina. Os anticorpos utilizados são o anti-MOG e o anti-MBP. É comum aparecerem após o primeiro evento desmielinizante. A ocorrência de uma gastrite inflamatória crônica é caracterizada por alterações atróficas da mucosa gástrica,perda das glândulas e metaplasia intestinal. A causa mais comum da gastrite crônica é pela infecção por Helicobacter pylori, sendo que em apenas 10% dos casos é uma doença com caráter imunológico, gastrite autoimune. Histologicamente, é observado infiltrado de linfócitos e macrófagos, com alteração degenerativa das células parietais e diminuição importante das células zimogênicas. Consequentemente, haverá a perda da produção de ácido. No diagnóstico, será detectada a presença de anticorpos contra células parietais da mucosa gástrica e contra fator intrínseco. A gastrite autoimune pode ocasionar anemia perniciosa por deficiência de absorção de vitamina B12. Outra doença neurológica autoimune é a miastenia gravis, que possui a manifestação clínica de astenia, fraqueza muscular com intensidade variável, podendo envolver um ou mais músculos esqueléticos. Será detectado o anticorpo antirreceptor de acetilcolina, anti-AChR. A resposta celular vai aparecer inicialmente na patogênese da miastenia gravis, seguida da resposta humoral. Os anticorpos contra os receptores de acetilcolina vão reduzir a quantidade de receptores viáveis do tipo nicotínico muscular nas membranas das células, o que diminui a capacidade de contração nas terminações 172 Unidade III musculares, gerando a fraqueza. Os anticorpos anti-AChR estão presentes em 85% dos pacientes com a forma generalizada da miastenia e em 70% deles com manifestação ocular. As doenças autoimunes órgão-específicas podem também afetar a pele e as mucosas. O pênfigo é um exemplo. É uma doença bolhosa, caracterizada pela presença de anticorpos contra as moléculas de adesão dos queratinócitos. Com isso, haverá a ruptura dos sítios de adesão celular, ou seja, as células da pele perdem a capacidade de se aderirem umas às outras na epiderme, formando vesículas e bolhas. Os anticorpos presentes serão contra os desmossomas, as desmogleínas, sendo encontrados em 80% dos pacientes durante a fase ativa da doença. Podem ser detectadas também IgM, IgA e IgG, bem como a fração C3 do complemento. IgG são os anticorpos patogênicos. Por ELISA, é possível detectar antidesmogleína 1 e antidesmogleína 3. 7.5.2 Doenças autoimunes reumáticas São doenças autoimunes sistêmicas. Entre elas estão a artrite reumatoide, que afeta de 0,5% a 1% da população, e o lúpus eritematoso sistêmico, entre 0,05% e 0,01%. Outras doenças ainda fazem parte desse grupo: a esclerodermia, a polimiosite, a dermatomiosite e a síndrome de Sjögren. O diagnóstico é baseado no conjunto de manifestações clínicas juntamente com achados laboratoriais e exclusão da presença de um agente infeccioso. Algumas manifestações clínicas serão comuns a várias doenças reumáticas autoimunes, como a artrite e o fenômeno de Raynaud. Além disso, não é incomum a ocorrência de síndromes de superposição. Para o diagnóstico das doenças reumatoides autoimunes, laboratorialmente, pode ser realizada a pesquisa de autoanticorpos, dosagem de complemento total e frações, dosagem e caracterização de crioglobulinas e detecção dos antígenos HLA-B27. Apesar de várias semelhanças, clinicamente, essas doenças podem se caracterizar de formas diferentes. Na esclerose sistêmica, é frequente a ocorrência de fenômeno de Raynaud, atrofia e úlcera das polpas digitais, espessamento e enrijecimento da pele nas extremidades e na face. Quando se manifesta de forma difusa, o espessamento é generalizado. Ocorre também hipertensão pulmonar, crise esclerodérmica renal, pneumopatia intersticial e hipomotilidade do esôfago. Já na polimiosite/dermatomiosite, ocorrerá fraqueza muscular nos membros e em músculos proximais, pneumopatia intersticial, hipomotilidade de faringe e esôfago proximal, eritema nas áreas expostas à luz e no dorso das articulações dos dedos, eritema violáceo ao redor dos olhos e miocardite. A artrite reumatoide manifesta-se como poliartrite simétrica e erosiva de pequenas e grandes articulações, com deformidades articulares, tendinites e bursites, além da presença de nódulos subcutâneos em eminências ósseas periarticulares (figura seguinte). 173 IMUNOLOGIA CLÍNICA Figura 81 – Manifestação clínica da artrite reumatoide. Há a destruição e deformação das articulações Fonte: Coimbra e Sekiyama (2013, p. 2). Muitas pessoas com artrite reumatoide possuem diferentes anticorpos em seu sangue, como anticorpos fator reumatoide e anti-CCP. O fator reumatoide está presente em 70% das pessoas com artrite reumatoide. É um anticorpo da classe IgM, na sua maioria, mas pode ser também IgA e IgG, que reconhecem epítopos da região Fc dos anticorpos. O fator reumatoide também ocorre em diversas outras doenças, tais como câncer, lúpus eritematosos sistémico, hepatite e algumas outras infecções. Algumas pessoas, sem quaisquer distúrbios, particularmente idosos, apresentam fator reumatoide em seu sangue. Sua detecção é realizada por métodos de aglutinação indireta em látex, ou turbidimetrias. Geralmente, quanto maior o nível de fator reumatoide no sangue, mais grave a artrite reumatoide e pior o prognóstico. Os anticorpos anti-CCP, antipeptídeos citrulinados, estão presentes em mais de 75% das pessoas que têm artrite reumatoide e estão quase sempre ausentes em pessoas que não a têm. São detectados pelos métodos de ELISA. Observação A citrulina é resultante da deiminação da arginina. Os níveis de proteína C-reativa são frequentemente elevados em pessoas com artrite reumatoide. Os níveis de proteína C-reativa, uma proteína que circula no sangue, aumentam drasticamente quando existe inflamação, sendo considerada uma proteína de fase aguda. Níveis elevados de proteína C-reativa podem significar que a doença está ativa. A VHS fica aumentada em 90% das pessoas que têm artrite reumatoide ativa. A VHS é outro teste para inflamação que mede a velocidade na qual as hemácias se depositam no fundo de um tubo de ensaio contendo sangue. No entanto, aumentos semelhantes na VHS ou no nível de proteína C-reativa, ou em ambos, ocorrem em muitos outros quadros clínicos infecciosos e/ou inflamatórios. Além disso, a maioria das pessoas com artrite reumatoide tem uma anemia leve e, raramente, a contagem de leucócitos pode ser anormalmente baixa. Quando uma pessoa com artrite reumatoide tem uma contagem baixa de leucócitos e um aumento do baço, o distúrbio é chamado síndrome de Felty. 174 Unidade III O lúpus eritematoso sistêmico clinicamente se manifesta com uma erupção malar, nomeada de “asa de borboleta”, fotossensibilidade, presença de eritema nas regiões expostas à luz, poliartrite ou oligoartrite, que é diferente da artrite reumatoide, pois é reversível, lesão discoide, alopecia, ulcerações na mucosa oral e nasal, nefrite, pleurite, pericardite, vasculite, sistema nervoso central com comprometimento variável, anemia hemolítica, trombocitopenia, leucopenia e linfopenia. Lembrando: as manifestações das doenças autoimunes sistêmicas são variáveis, podendo ser visualizado um ou vários sintomas. Como foi possível observar, alguns sinais são semelhantes entre as doenças. Por isso, para o diagnóstico, deverá sempre ser considerada a história clínica do paciente, com exclusão de causas infecciosas e realização de vários testes laboratoriais. Entre esses testes, está a pesquisa de autoanticorpos, que são anticorpos que podem reconhecer antígenos próprios nas células e nos órgãos de um indivíduo. Esses anticorpos estão presentes nas doenças autoimunes sistêmicas e em outras. Em alguns casos, poderá ser observada a detecção desses anticorpos, mesmo na ausência de uma patologia. São os autoanticorpos naturais. Nos laboratórios, os ensaios de rotina são ajustados para detectarem apenas os patológicos. Mesmo assim, alguns indivíduos saudáveis vão testar positivo para esses anticorpos. Lembrete Os autoanticorpos naturais são da classe IgM, polirreativos, com baixos títulos e avidez, com função ainda não determinada. Porém alguns autoanticorpos apresentam uma associação direta com processospatológicos. São os marcadores da doença, como os anticorpos antinucleossomos, anti-DNA nativo e anti-Sm, que estão presentes no LES. Os testes utilizados atualmente podem ser para detecção global de autoanticorpos ou para um tipo específico, sendo os métodos utilizados respectivamente o FAN e as técnicas sorológicas, como imunodifusão dupla, contraimunoeletroforese, hemaglutinação passiva e ELISA. O fator antinuclear, FAN, é a denominação utilizada para o ensaio de IFI, imunofluorescência indireta, realizado para a pesquisa de autoanticorpos que reagem com componentes presentes no núcleo das células, do nucléolo, na membrana nuclear, nas organelas citoplasmáticas e no aparelho mitótico. A célula, ou substrato, mais comumente utilizada é a HEp-2, uma célula tumoral imortalizada em cultura celular in vitro. Os primeiros estudos com autoanticorpos aconteceram com as doenças reumáticas. No ano de 1948, Hargraves descreveu as células LE, as quais foram utilizadas por muito tempo como marcador sorológico da doença de lúpus eritematoso sistêmico (LES). Em 1957, Fries desenvolveu a técnica de imunofluorescência indireta (IFI) para a pesquisa de autoanticorpos. A princípio, foi utilizado como substrato corte de fígado de rato, leucócitos humanos e outros tipos de células. Atualmente, as células HEp-2 são utilizadas como substrato. Essas células são de origem do carcinoma laríngeo humano. 175 IMUNOLOGIA CLÍNICA O teste de fator antinuclear é reproduzido através da metodologia de IFI. A técnica é baseada na incubação do soro diluído do paciente em uma lâmina que possui poços com substrato com células animais, de modo que, se houver presença do anticorpo na amostra do paciente, haverá reação com o antígeno absorvido na lâmina, formando, assim, um complexo de antígeno-anticorpo. Posteriormente, o conjugado, uma anti-imunoglobulina humana marcada com fluoresceína, é adicionada no agrupamento formado a fim de evidenciar a presença ou ausência dos anticorpos. Por fim, a lâmina é analisada em microscópio com luz especial (UV). Como citado, utilizam-se como substrato células de origem tumoral da região da laringe, e não mais cortes de fígado de ratos, visto que, por se tratar de células humanas e não mais animais, o método possui uma maior sensibilidade e permite a observação de todas as fases da divisão celular, auxiliando na análise do exame. O FAN possui alta sensibilidade, porém baixa especificidade. Com isso, resultados positivos sugerem a presença de algum autoanticorpo, todavia não especificam sua natureza. Quando há um quadro de positividade no FAN associado com um quadro clínico de doença autoimune, é preciso solicitar uma análise de anticorpo específico para definir o diagnóstico diferencial. No entanto, muitas vezes, o resultado do FAN pode ser positivo, mas não ter relevância clínica, visto que os achados são de características inespecíficas, e os autoanticorpos específicos são negativos. Para a interpretação de FAN, segundo o I Consenso Nacional de Padronização dos Laudos de FAN HEp-2 (PEEBLES, 2008), é necessária a avaliação de alguns parâmetros, que são averiguados na maioria das vezes no estágio de interfase ou G1 da célula. As partes analisadas são os constituintes do núcleo, nucléolo, citoplasma e aparelho mitótico. Também é necessário que o teste seja realizado em diluição de triagem 1/40 e 1/160, junto com a utilização de um microscópio com luz UV. Na visualização da lâmina, são observados os aspectos nucleares e dos nucléolos, bem como os estágios da divisão celular e o aspecto do fuso mitótico e do citoplasma. Da fusão desses critérios, resultaram os chamados padrões (nucleares, nucleolares e os relacionados ao aparelho mitótico). Dentro desses padrões, existem categorias, cada uma com sua particularidade e característica, descritas no quadro seguinte. Quadro 9 – Padrões de fluorescência nuclear, anticorpos associados e correlação clínica Padrão de fluorescência Autoantígeno Clínica Homogêneo DNA nativo, histona, nucleossoma LES Homogêneo periférico Envelope nuclear Várias doenças autoimunes Pontilhado grosso Sm, U1-RNP, U2-RNP LES,PPMTC Pontilhado fino SS-A/Ro, SS-B/La, outros VárPas condições Pontilhado fino denso DFS-75 Várias condições Pontilhado grosso reticulado Ribonucleoproteínas heterogêneas Várias condições Pontilhado pleomórfico PCNA LES Centromêrico Proteínas de 130, 80 e 17 kD do centrômero Esclerose e cirrose primária Pontos isolados < 10/núcleo P80-colin Várias condições Pontos isolados > 10/núcleo Sp-100 Várias condições * LES: lúpus eritematoso sistêmico; DMTC: doença mista do tecido conjuntivo. 176 Unidade III Por ser possível observar todos esses diferentes padrões no ensaio FAN (figura seguinte), ele reafirma a máxima de que o exame deve ser valorizado em conjunto com o contexto clínico, fazendo parte do diagnóstico per se. Célula em interfase Célula em interfase Célula em interfase Célula em interfase A - Padrão nuclear pontilhado grosso (IFI-ANA, 400x, células HEp-2) B - Padrão nuclear homogêneo (IFI-ANA, 400x, células HEp-2) C - Padrão nuclear pontilhado fino (IFI-ANA, 400x, células HEp-2) D - Padrão nuclear pontilhado fino denso (IFI-ANA, 400x, células HEp-2) Célula em metáfase Célula em metáfase Célula em metáfase Célula em metáfase Figura 82 – Padrões de fluorescência que podem ser visualizados no FAN Fonte: Dellavance, Leser e Andrade (2007, p. 441). Os anticorpos anti-DNA nativo são quase que exclusivamente presentes nos pacientes com LES. Por essa razão, é considerado um marcador do diagnóstico. Os testes mais utilizados para a sua detecção são IFI e ELISA. Menos comumente é feito o teste por imunoprecipitação ou hemaglutinação. Outro marcador usado nas doenças autoimunes são os anticorpos antiantígenos nucleares extraíveis, os anti-ENA. Esses antígenos podem ser extraídos das células a partir de tecidos de vitelo ou coelho, homogeneizados em solução salina. Os principais antígenos são o Sm e o RNP. Para a detecção de ENA, são realizados os métodos de imunodifusão dupla ou contraimunoeletroforese em soro previamente positivo no FAN. Anticorpos anticitoplasma de neutrófilos, ANCA, também são detectados por IFI, com dois padrões de fluorescência, c-ANCA e p-ANCA, citoplasmático e perinuclear, respectivamente. Esses anticorpos estão normalmente associados com anticorpos antimieloperoxidase, mas também podem estar direcionados contra outras proteínas, entre elas, elastase, catepsina G, lactoferrina e outras. 177 IMUNOLOGIA CLÍNICA 8 APLICAÇÃO DE IMUNOLOGIA CLÍNICA EM BANCOS DE SANGUE Em bancos de sangue, é essencial a aplicação da imunologia juntamente com a hematologia, de modo que seja possível estudar os antígenos dos eritrócitos, as plaquetas e o leucocitário, o HLA, devido à implicação desses antígenos na incompatibilidade transfusional e materno-fetal. Desde o século XVII, há relatos da utilização de sangue de origem animal para um possível tratamento de patologias. O histórico dessa prática é dividido em três períodos: pré-histórico, pré-científico e científico, este tendo início com a descoberta e classificação dos tipos sanguíneos por Karl Landsteiner em 1900. Entretanto, durante esse período, ainda houve diversos problemas com a questão da coagulação sanguínea, o que levava à realização da transfusão “braço a braço”. Como muitas das descobertas científicas, a utilização do citrato de sódio para atuar como anticoagulante também ocorreu em circunstância de necessidade frente a uma guerra, no caso, a Primeira Guerra Mundial, pois os soldados necessitavam de tratamento para sangramentos ativos e extensos. Tendo em vista que a quantidade necessária só aumentava, foi idealizado o planejamento de um estoque sanguíneo para urgências e se introduziram as garrafas de vidro para estocagem do sangue com glicose, proporcionando mais tempo viável para as células vermelhas do sangue. Após esses eventos, a hemoterapia se difundiu pelo mundo. No Brasil, issoaconteceu particularmente no Rio de Janeiro, que foi capital do país até 1960, e em São Paulo, com contribuições científicas. Na primeira cidade, diversas teses de mestrado e doutorado foram defendidas na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, onde também surgiram as primeiras organizações sobre o assunto, como o Serviço de Transfusão de Sangue. Entretanto, durante esse período, a obtenção do sangue não era por doações, e sim por serviços pagos, com o objetivo de recompensar os selecionados, como o portador do sangue universal (grupo O). Para refutar essa prática, o Banco de Sangue do Distrito Federal mostrou proatividade para com a elaboração da Lei n. 1.075, de 27 de março de 1950, que regularizava a doação voluntária de sangue e revogava as anteriores. A doação de sangue voluntária no Brasil totaliza 50% do volume total de doações. Segundo a OPAS (apud RICHARD, 2016), recomenda-se que ao menos 2% da população seja doadora de sangue regularmente para que a demanda seja comportada sem dificuldades, mas esse não é o cenário atual. O processo até a doação propriamente dita inclui etapas criteriosas, que são regulamentadas por resoluções e portarias formuladas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), com o intuito de garantir a padronização e qualidade dos hemocomponentes a serem utilizados em uma transfusão sanguínea. Entre essas etapas, podemos citar o cadastro do candidato à doação, triagem, triagem clínica e coleta. A triagem clínica se baseia em uma entrevista particular e sigilosa, em que é imprescindível que o possível doador relate apenas a verdade e que não haja omissão de quaisquer circunstâncias, pois pode acarretar prejuízo ao receptor dessa doação. A entrevista é baseada no histórico clínico e epidemiológico do candidato, incluindo patologias, internações, cirurgias, transfusões, hábitos, vacinas e estadia em áreas endêmicas de doenças passíveis de transmissão pelo sangue, considerando a existência da janela imunológica, em que o indivíduo contaminado ainda não possui títulos sensíveis à determinação através de testes laboratoriais. 178 Unidade III Após a passagem pela triagem clínica, o doador será nomeado como apto para doação ou inapto, quando não atender a todos os requisitos necessários e regulamentados pelo Ministério da Saúde. Para realizar a triagem de doadores e receptores, além dos testes sorológicos para as doenças infecciosas, HIV, HTLV-1, Chagas, toxoplasmose, sífilis, hepatites B e C, por métodos de alta sensibilidade, para evitar resultados falsos negativos, é essencial o conhecimento e a determinação dos antígenos eritrocitários. Os antígenos eritrocitários estão presentes na superfície dos eritrócitos humanos e são constituídos de proteínas ou açúcares. Possuem a capacidade de induzir a produção de anticorpos quando injetados por transfusão de sangue, pela via parenteral, ou pela passagem desses eritrócitos pela placenta durante a gestação ou no parto, como já descrito na abordagem da eritroblastose fetal. Contudo, para que ocorra a produção desses anticorpos, é necessário que os eritrócitos entre os dois indivíduos possuam antígenos diferentes. Além da triagem de doadores de sanguee da incompatibilidade materno-fetal, a determinação dos antígenos eritrocitários é importante no transplante de tecidos e para estudos antropológicos. Em 1901, as moléculas imunogênicas e antigênicas foram relatadas pela primeira vez por Landsteiner. Inicialmente, foram descritos os antígenos A e B, pertencentes ao sistema ABO. Foram utilizadas técnicas de aglutinação de hemácias, que eram expostas a plasmas de indivíduos diferentes. Assim, foi possível determinar a presença dos antígenos, pois os indivíduos possuem iso-hemaglutininas naturais, anti-A e anti-B, no plasma. Atualmente, as técnicas de biologia molecular são utilizadas para determinar principalmente os grupos sanguíneos raros, devido à melhor capacidade de detecção (figura seguinte). Grupo A Grupo B Grupo AB Grupo O Anti-A e anti-BAnti-AAnti-B Antígeno A Antígeno B Antígeno A e B Sem antígeno Hemácia Anticorpos Antígenos Sem anticorpo Figura 83 – AglutinBOênio e ABglutininas, ou iso-hemaglutininas. Os aglutinogênios são os antígenos presentes na superfície dos eritrócitos, enquanto as aglutininas são anticorpos no plasma do indivíduo Fonte: Rodrigues ([s.d.], p. 13). 179 IMUNOLOGIA CLÍNICA Entre os antígenos eritrocitários, existem diferentes capacidades de gerar resposta com produção de anticorpos, podendo ser mais ou menos imunogênica. Além disso, eles apresentam diferentes incidências entre os grupos raciais. Um exemplo é o sistema Duffy: 100% dos negros africanos possuem o fenótipo Fy (a-b-), que é raro entre os caucasoides. A diferença entre os fenótipos antigênicos está associada a aspectos raciais, como nesse caso, em que os negros africanos apresentam resistência à infecção por Plasmodium vivax, porém são suscetíveis ao Plasmodium falciparum, o que explica a distribuição das diferentes espécies de plasmódio no mundo. Além disso, a presença desse fenótipo, com a ausência do antígeno Duffy, é uma forma de seleção natural em uma região fortemente afetada pela malária. Há uma padronização para a nomenclatura dos antígenos eritrocitários, estabelecida em 1980 pela International Society of Blood Transfusion (ISBT) devido à existência, na época, de diferentes terminologias. A partir desta data, foi adotada a terminologia numérica, que uniformizou a designação de 285 antígenos eritrocitários em 29 diferentes sistemas. A denominação de sistema é feita quando um ou mais grupos, ou tipos sanguíneos, são determinados por um locus gênico, ou então por dois ou mais loci, que estejam ligados a genes homólogos com poucas ou nenhuma recombinação. Os principais sistemas sanguíneos são o ABO, RH, MNS, P, Diego (DI), Duffy (FY), Kidd (JK), Kell (KEL), Lutheran (LU), entre outros. Diferentemente dos sistemas, as coleções de antígenos são compostas por antígenos relacionados genética, bioquímica e sorologicamente, mas que não possuem status suficiente para serem considerados como sistema. Apesar de ter sido estabelecida a nomenclatura numérica, o seu uso não é muito comum na comunicação diária, o que é fortemente sugerido. Atualmente está sendo utilizada nas novas publicações. Um antígeno do grupo sanguíneo vai ser identificado por seis dígitos, sendo os três primeiros os que identificam o sistema, coleção ou série, e os três últimos determinantes do antígeno específico (por exemplo, 006, para o sistema KEL; 006003, para o antígeno Kpa). Uma forma alternativa seria escrever KEL3, pois os sistemas podem ser descritos com a grafia de 2 a 6 letras maiúsculas, como, por exemplo, ABO, RH. Já os fenótipos são descritos com o símbolo ou número do sistema, e em seguida, dois-pontos; a lista de antígenos, com os símbolos de mais (+) ou menos (-), representando a presença ou ausência, respectivamente (por exemplo: FY:a-b+). No nome dos genes, ao símbolo do sistema é adicionado um espaço ou asterisco mais o número do antígeno (por exemplo: KEL 3, ou KEL*3). Na genotipagem, os haplótipos ou alelos devem ser separados por barras, e a ausência representada pelo algarismo zero (por exemplo: FY*1/2, FY*1/0). Os antígenos estão dentro de séries, sendo a série 700 composta por antígenos com incidência inferior a 1%. Eles devem ser diferentes de todos os outros antígenos da série, bem como dos sistemas e coleções. Além disso, precisam demonstrar pelo menos duas gerações de hereditariedade. Na série 901, estão os antígenos de alta incidência, aqueles presentes em mais de 90% da população testada. Também precisam ser diferentes e apresentar hereditariedade (tabela seguinte). 180 Unidade III Tabela 5 – Sistemas sanguíneos (exemplos de alguns sistemas, nomenclatura de ISBT e localização no gene e cromossomo) Símbolo ISBT Número ISBT Número de antígenos Nome do gene Localização cromossômica ABO 1 4 ABO 9q34.2 MNS 2 48 GYPA, GYPR, GYPE4q31.22 PIPK 3 3 A4GALT 22q13.2 RH 4 54 RHD, RHCE 1p36.11 LU 5 21 LU, BCAM 19q13.32 KEL 6 35 KEL 7q34 LE 7 6 FUT3 19p13.3 PY 8 5 FY, DARC 1q23.2 JK 9 3 JK, SLCI4A1 1q12.3 OI 10 22 DA, SLC4A1 17q21.31 YT 11 2 YT, ACHE 7q21.1 Adaptada de: Rodrigues ([s.d.], p. 9). Para o sistema ABO, em especial, vão ser circulantes no plasma os anticorpos naturais, que são as iso-hemaglutininas, anticorpos de classe IgM com capacidade de reconhecimento dos antígenos do sistema ABO. Esses anticorpos podem ser detectados a partir de 3 a 6 meses de idade. O pico da concentração será por volta de 5 a 10 anos e mantido na fase adulta. Em alguns casos, essas aglutininas podem estar diminuídas ou até mesmo ausentes, por exemplo, em recém-nascidos, idosos e indivíduos com hipogamaglobulinemia, agamaglobulinemia ou leucemias agudas. A produção desses anticorpos naturais é estimulada por antígenos polissacarídeos e lectinas, semelhantes aos antígenos ABO, porém provenientes de bactérias e células vegetais, respectivamente. É uma resposta imune do tipo T-independente e por esse motivo só vão existir anticorpos da classe IgM. Porém o paciente do tipo sanguíneo A vai entrar em contato com esses antígenos e vai produzir anticorpos naturais anti-B, o indivíduo B vai produzir anti-A, o AB não vai produzir anticorpos, e o do tipo O, que não possui nenhum anticorpo na sua superfície, vai produzir ambos os anticorpos, anti-A e anti-B. Um soro de um indivíduo A, se for eluído com hemácias que possuam antígenos B, vai aglutinar fracamente, o que mostra que o anticorpo produzido não é específico. Em algumas ocasiões, serão produzidos anticorpos da classe IgG anti-A e/ou anti-B em resposta a estímulo específico do antígeno. São os casos de heteroimunização ou aloimunização. Anticorpos denominados irregulares ou imunes não possuem forma natural. São produzidos em resposta à aloimunização, quando o indivíduo por algum motivo recebe hemácias com antígenos diferentes dos seus próprios, o que pode acontecer por transfusão ou gestação. A presença desses anticorpos terá significado clínico quando ativos na temperatura de 37 °C e pode ser detectada pelo soro de Coombs. Ainda, esses anticorpos estão envolvidos nas reações hemolíticas transfusionais, tardias ou imediatas. Já nos recém-nascidos, poderão causar anemia hemolítica. 181 IMUNOLOGIA CLÍNICA Para a detecção dos antígenos e anticorpos em imuno-hematologia, são realizados testes laboratoriais, os testes de aglutinação, em tubos, microplacas ou em gel. Para obter resultados confiáveis, deverão sempre ser padronizados os volumes de hemácias, soros e reagentes usados nas reações, além de realizado o controle de temperatura, tempo de incubação, meios e centrifugação. Para a identificação dos antígenos eritrocitários, a amostra a ser coletada é o sangue total, usando o anticoagulante EDTA ou ACD. Devido às variações naturais dos índices hematimétricos, a amostra deverá ser padronizada com o preparo de uma solução de hemácias de 3% a 5%, sendo adequada a realização de uma anterior etapa de lavagem das hemácias para a remoção das proteínas plasmáticas que possam vir a interferir na reação. Caso o método seja realizado em microplacas, o ideal é que a solução de hemácias seja a 2%, assim como para os métodos em gel-centrifugação, porém esse último dispensa a lavagem das hemácias. Nos bancos de sangue, a determinação dos antígenos eritrocitários é feita em microplacas devido à alta demanda. Essa técnica, que possibilita a testagem de 12 pacientes simultaneamente, permite a diluição padronizada dos soros de anticorpos específicos, otimizando o tempo e diminuindo o custo dos testes. Outro sistema utilizado possui cartões com colunas preenchidas com gel Sephadex G-100, ou gel neutro, ou gel previamente acrescido de soro, ou ainda com LISS, que é uma solução de glicinato de sódio tamponado com baixa força iônica. Esse método vai permitir a identificação dos antígenos e dos anticorpos eritrocitários. Além de apresentar maior sensibilidade e padronização na aglutinação, exclui a etapa da lavagem e pode ser mantido o teste por 2 dias após a realização, mas é um método de alto custo. No sistema de gel-centrifugação, a leitura do cartão é feita após a etapa de centrifugação. Será considerado um resultado positivo a formação de um pellet, sobre o gel ou no meio dele, que é a visualização da formação do imunocomplexo. Quando não há ligação de antígeno com anticorpos, as hemácias vão passar livremente pelo gel, sedimentando no fundo do tubo após a centrifugação (figura seguinte). Figura 84 – Sistema de determinação do sistema ABO e RH e anticorpos anti-A e anti-B. Nesse método em gel-centrifugação, ao término do teste, a formação de imunocomplexo será visualizada com a formação de um pellet, sobre ou no meio do gel. Já o resultado negativo será visualizado com a migração das hemácias para o fundo do tubo, após a centrifugação Fonte: Garcia ([s.d.], p. 9). 182 Unidade III Lembrete Imunocomplexo é a ligação de moléculas de anticorpos com antígenos. Para a pesquisa de anticorpos irregulares (PAI), a amostra biológica será o soro. Não poderá ser usado o plasma, pois o uso de anticoagulantes quela o cálcio, que será importante, uma vez que ele é essencial para a ativação do complemento, para a visualização da hemólise, que vai mostrar a presença de anticorpos hemolíticos de importância clínica. É recomendado que o soro seja recém-coletado, não seja inativado, para a preservação do sistema do complemento. No teste de detecção de PAI, será utilizado o dobro de volume do soro em relação ao volume de hemácias, para que seja possível detectar até mesmo os anticorpos quando presentes em baixas concentrações. Essa regra não precisa ser seguida no teste de cartão, que possui alta sensibilidade. Nele, é necessário usar apenas 25 μL de soro, e 50 μL de hemácias. Alguns potencializadores podem ser utilizados para diminuir o potencial zeta entre as hemácias e facilitar a atração eletrostática, permitindo a aglutinação por moléculas de IgG. No caso de uso de albumina, porém, pode também ser utilizado LISS, enzima polibreno, polietilenoglicol. Observação Potencial zeta é uma força de repulsão que há entre os eritrócitos, gerada pelas cargas negativas encontradas na membrana dos eritrócitos. A American Association of Blood Banks (AABB) preconiza o uso de hemácias sensibilizadas com IgG em todas as reações com resultado negativo posterior ao uso do soro de Coombs para que o resultado seja confirmado, sendo que o resultado negativo terá que positivar diante das hemácias sensibilizadas. Com anticorpos naturais, vão se ligar aos anticorpos do soro de Coombs. 8.1 Sistema ABO Como descrito, esse sistema foi descoberto por Landsteiner em 1900 com a identificação dos grupos A, B e O; já o grupo AB foi descrito dois anos depois pelos seus colaboradores Decastello e Sturli. Esse sistema é composto por antígenos presentes na superfície das hemácias, assim como pelos anticorpos naturais no plasma, que serão contra o antígeno presente. Ainda na gestação, por volta da quinta semana, já estarão presente esses antígenos e eles serão completamente expressos entre 2 e 4 anos de vida. Para a determinação desses antígenos, será realizada a técnica de aglutinação direta, usando uma solução de hemácias entre 3% e 5%, em solução fisiológica, que será testada com soros anti-A, anti-B e anti-AB. A tipagem reversa, para a detecção dos anticorpos naturais, vai utilizar como amostra o soro do indivíduo e as hemácias comerciais fenotipadas de A e B. Hemácias do tipo O serão usadas como controle negativo da reação. Toda vez que houver aglutinação do soro dos pacientes com as hemácias- controle, deverá ser refeita a tipagem para a confirmação. 183 IMUNOLOGIA CLÍNICA É essencial a compatibilidade ABO entre os hemocomponentes que serão transfundidos e o seu receptor nos processos de doações sanguíneas, pois devido à presença dos anticorpos naturais,
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