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ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO Ana Cecilia Oñativia 26 3 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO No bloco 1 fizemos uma apresentação do caminho percorrido pelas práticas alfabetizadoras ao longo da história no mundo e no Brasil. Como foi possível observar, de acordo com Soares (2011, p. 96), nos deparamos com sucessivas mudanças conceituais e, consequentemente, metodológicas. Atualmente parece que de novo estamos enfrentando um desses momentos de mudança (...): pesquisas que têm identificado problemas nos (...) resultados da alfabetização de crianças no contexto escolar (...). Um momento como este é, sem dúvida, desafiador, porque estimula a revisão dos caminhos já trilhados e a busca de novos caminhos, mas é também ameaçador, porque pode conduzir a uma rejeição simplista dos caminhos trilhados e a propostas de solução que representem desvios para indesejáveis descaminhos. A autora encontra possíveis explicações para os caminhos e descaminhos que vimos percorrendo na área da alfabetização na relação entre os conceitos de alfabetização e letramento. Daí a importância de abordá-los. Portanto, temos como objetivo neste bloco abordar os conceitos de alfabetização e letramento, bem como a necessidade de uma formação continuada para professores alfabetizadores competentes. Também buscamos uma compreensão da leitura e escrita como competências de desenvolvimento social e intelectual. 3.1 Escrita, alfabetização e letramento Quando falamos de escrita estamos nos referindo a um objeto de estudo e ao mesmo tempo a um produto cultural que não é adquirido de forma espontânea, mas pelo contrário, exige um esforço sistemático e direcionado. Daí que falar em escrita nos conduz necessariamente a falar em alfabetização que pode ser entendida como o processo pelo qual se adquire o sistema convencional de escrita. Já o letramento refere-se ao conjunto de comportamentos e habilidades de uso competente da leitura e escrita em práticas sociais. Segundo Soares (2011, p. 97), “distinguem-se tanto em relação aos objetos de conhecimento, quanto em relação aos processos cognitivos e linguísticos de aprendizagem e, portanto, também de ensino desses diferentes 27 objetos”. Vale ressaltar que, embora distintos, estes processos são interdependentes e indissociáveis. De acordo com o que já estudamos no bloco 1, podemos dizer que até os anos 80 a alfabetização escolar no Brasil buscava em primeiro lugar ensinar o código da língua escrita, para só depois desta etapa ensinar a ler textos e escrever com autonomia. A influência do construtivismo no processo de alfabetização nos faz rever estes conceitos diluindo a distinção entre aprendizagem do código alfabético e as práticas efetivas de leitura e escrita. Segundo a proposta construtivista, a criança, quando se alfabetiza, já se encontra em um contexto letrado. Portanto, a tarefa de alfabetização deve acontecer levando-se em conta esse contexto e oferecendo ferramentas para que a criança se aproprie dessas práticas com o uso de materiais reais de leitura e escrita. Segundo Soares (2011), a aplicação da teoria construtivista para alfabetização trouxe um equívoco entre os professores, já que ao enfatizar os (...) processos espontâneos de compreensão da escrita pela criança, ter condenado os métodos que enfatizavam o ensino direto e explícito do sistema de escrita (...), os professores foram levados a supor que (...) as relações entre a fala e a escrita seriam construídas pela criança de forma incidental e assistemática, como decorrência natural de sua interação com inúmeras e variadas práticas de leitura e de escrita, ou seja, através de atividades de letramento, prevalecendo, pois, estas sobre as atividades de alfabetização. Tentou-se corrigir o problema dos métodos tradicionais que enfatizavam a mecânica da escrita, ressaltando-se o processo de letramento e relevando-se o ensino sistemático da correspondência entre as letras e seus respectivos sons. Possivelmente isto explique, segundo Soares (2011), o fato de virem “surgindo (...) propostas de retorno a um método fônico como solução para os problemas que estamos enfrentando” no processo de alfabetização. Qual seria então a solução deste problema? Acreditamos que considerar ambos os processos, o de ensino do código escrito, sem desmerecer a sua importância, isto é, a alfabetização, e o de letramento. Ambos processos devem caminhar juntos. A criança deve ser alfabetizada, construir 28 seu conhecimento do sistema alfabético e ortográfico da língua escrita, em situações de letramento, isto é, no contexto de e por meio de interação com material escrito real, e não artificialmente construído, e de sua participação em práticas sociais de leitura e de escrita (...) (SOARES, 2011). O caminho para a superação dos problemas que estamos enfrentando, todas as facetas do processo de aprendizagem inicial da língua escrita devem se articular e integrar. Isto significa que devemos alfabetizar letrando ou letrar alfabetizando (SOARES, 2011). 3.2 Ambiente alfabetizador e agrupamentos produtivos De acordo com Lima e Dantas (2013), o processo de alfabetização não se resume na aplicação de uma determinada metodologia. Mesmo quando direcionada a um grupo, cada aluno apresentará suas necessidades e uma modalidade própria para aprender, apresentando novos desafios para o educador. Emília Ferreiro, discípula de Piaget e seguindo seus ensinamentos, considera o processo de aquisição da leitura como um processo de construção de conhecimento sobre a escrita por parte do aluno. Desta forma, muda o foco, que tradicionalmente era colocado no educador, para colocá-lo no aluno. Segundo Piaget, o conhecimento não é transmitido, nem se deposita unidirecionalmente do adulto para a criança; pelo contrário, o conhecimento é construído na interação com o objeto de conhecimento. Emilia Ferreiro dirá, então, que a criança recria o código linguístico na medida em que interage com esse objeto de conhecimento que é a língua escrita. É como se ela fizesse uma “redescoberta” da escrita. É importante nos determos nesses conceitos: “reconstruir” e “recriar”. O prefixo “re”, nesses casos, refere-se a algo como “retorno” ou “voltar a fazer”. Portanto, não se trata de uma construção nova e original, mas sim de se apropriar de um produto cultural já existente antes mesmo da criança, que tem suas próprias regras. É nesse processo de apropriação que a criança percorre um caminho similar ao seguido pela humanidade na sua engenhosa obra de criação do código da língua escrita. Isso implica que quem já adquiriu o dito código – no caso, o professor alfabetizador – deverá intervir nesse processo, possibilitando que o aluno se aproprie do código, refletindo, 29 criando hipóteses, errando, refazendo e entrando em conflito para sentir-se impulsionado em busca de uma solução. Por outro lado, se faz necessário pensar que atualmente, em virtude de fatores sociais, econômicos e culturais, em muitas sociedades a criança ingressa cada vez mais cedo na escola e no “mundo letrado”. Atualmente, a escrita está presente em grande parte de nossas atividades do cotidiano e acaba ultrapassando os muros escolares. Para darmos conta de muitas tarefas, apropriamo-nos dela nas suas mais diversas formas e meios: cartazes, televisão, jornais, produtos de consumo etc., e a isso chamamos mundo letrado. Esse fator nos leva a repensar as práticas de alfabetização. Afinal, o que devemos fazer com o conhecimento que a criança traz para a sala de aula? De forma alguma eles podem ser ignorados, pois são o ponto de partida para o processo sistemático de alfabetização. Mas o que se entende por “alfabetizar”? Segundo a postura socioconstrutivista, a alfabetização é um processo de interação com a língua escrita em que o grande desafio não é apenas decodificar,mas também compreender os usos sociais da escrita. Um ser alfabetizado é aquele capaz de utilizar a escrita como um instrumento que lhe permite sugerir, pensar, apreciar, se comunicar, ou seja, entrar na cultura escrita e ser membro de pleno direito. Esta concepção nos indica que o que chamamos de “ambiente alfabetizador” não se reduz apenas ao ambiente escolar. A partir do momento em que a criança faz parte de um ambiente letrado, todo ambiente é alfabetizador, desde os livros e jornais que podem circular na sua família até os outdoors da rua, sem falar das mídias eletrônicas. Portanto, o professor deverá saber como aproveitar esses contextos e levá-los para a sala de aula e também saber usar os espaços externos à sala para alfabetizar. No atual cenário educacional, tem sido um grande desafio alfabetizar alunos proporcionando uma atenção individualizada e de qualidade. Em muitos casos, nos deparamos com salas de aula muito heterogêneas e muito numerosas. Existem estudos que demonstram que uma alternativa muito eficiente é a de trabalhar com agrupamentos produtivos. Vejamos então o que vem a ser isso. 30 Um agrupamento produtivo é formado por alunos que possuem níveis diferentes em relação a um determinado assunto, mas que são capazes de contribuir uns com os outros. O grande segredo não é apenas saber formá-lo, mas, sobretudo, saber realizar uma correta mediação pedagógica. Segundo Santos, Girotto e Gonçalves (2017), o agrupamento é de grande valor, “tanto para o parceiro mais experiente quanto para o menos, pois, no processo de alfabetização, é por meio das trocas de experiências e da reflexão sobre os objetos” de conhecimento que o desenvolvimento cognitivo acontece plenamente. Ainda de acordo com estes autores (2017), Para ter um bom aproveitamento no uso dos agrupamentos produtivos, primeiramente se faz necessária uma sondagem, ou seja, uma avaliação diagnóstica para saber em que hipótese se encontra cada um dos alunos. (...) Quando se trata de agrupamentos produtivos, devem-se levar em consideração alguns aspectos importantes, como: as duplas não podem nem devem ser feitas aleatoriamente. É importante que se unam as crianças em hipóteses diferentes, porém próximas entre si, como as exemplificadas a seguir: • As de hipótese pré-silábica com as de hipótese silábica sem valor sonoro. • As de hipótese silábica sem valor com as de hipótese silábica com valor. • As de hipótese silábica com valor com as de hipótese silábico-alfabética. • As de hipótese silábico-alfabética com os alfabéticos ou alfabéticos trabalhando entre si. Crianças em hipóteses muito diferentes acabam reproduzindo o ensino do método tradicional, no qual alguém que sabe mais transmite ao outro que sabe menos, este último acaba apenas recebendo o conhecimento, sem ser levado em consideração aquilo que já sabia anteriormente; daí a importância de hipóteses próximas entre si. Como falamos anteriormente, é fundamental a mediação que o professor realiza dentro destes agrupamentos. O sucesso do trabalho vai depender dela tendo como princípio metodológico a resolução de problemas que desafiem os alunos, mas sempre dentro das possibilidades deles. Os educandos precisam de atividades que gerem um conflito cognitivo e que desestruturem conhecimentos prévios, pois nos grupos produtivos haverá alunos com diferentes hipóteses de escrita, abrindo-se um espaço 31 para o questionamento e a revisão destas hipóteses (SANTOS; GIROTTO; GONÇALVES, 2017). O trabalho com os agrupamentos produtivos é realmente eficiente quando aliado a um bom planejamento. É visível a evolução das crianças no processo de alfabetização em um curto período de tempo, pois ao discutir com o amigo e trocar informações, elas estão contribuindo para as suas concepções cognitivas (SANTOS; GIROTTO; GONÇALVES, 2017). 3.3 Perspectivas históricas e a-históricas do letramento Neste tópico vamos acompanhar os conceitos apresentados por Leda Tfouni (1994) no que diz respeito ao conceito de letramento. A autora realiza uma análise muito pertinente em relação à representação social do conceito de letramento nos diferentes contextos em que ele é utilizado. A autora ressalta que não existe uma ideia unificada e fechada do que seja letramento. As múltiplas interpretações deste termo têm levado a interpretações errôneas deste conceito na prática. Por este motivo Tfouni fala do conceito de letramento dentro de duas perspectivas, a histórica e a- histórica. Na perspectiva a-histórica o conceito de letramento é usado como sinônimo do conceito de alfabetização. Vejamos o que Tfouni diz a respeito: (...) letramento, para mim, é um processo, cuja natureza é sócio-histórica. Pretendo, com esta colocação, opor-me a outras concepções de letramento atualmente em uso, que não são nem processuais, nem históricas, ou então adotam uma posição "fraca" quanto á sua opção processual e histórica. Refiro-me a trabalhos nos quais, muitas vezes, encontra-se a palavra letramento usada como sinônimo de alfabetização (TFOUNI, 1994). Dentro desta posição, a autora destaca três perspectivas: na primeira que denomina de individualista-restritiva, o conceito de letramento fica atrelado exclusivamente à aquisição da leitura e escrita enquanto código; a segunda que denomina de tecnológica, concebe letramento enquanto produto, com seus usos em contextos altamente sofisticados, trazendo uma visão positiva dos usos da leitura/escrita, relacionando-os com o progresso da civilização. Já a terceira perspectiva, a cognitivista, 32 toma a criança como responsável central pelo processo de aquisição da leitura e escrita, ignorando as origens sociais e culturais do letramento (TFOUNI, 1994). Contudo, Tfouni (1994) destaca que seja qual for a perspectiva, “a ênfase é sempre colocada nas ’práticas’, ’habilidades’, ’conhecimento’, voltados sempre para a codificação/decodificação de textos escritos. Ou seja, existe aí uma superposição entre letramento e alfabetização”. Na perspectiva histórica de letramento, a autora estabelece uma relação dialética entre letramento e autoria do discurso. Sendo que ao se referir a discurso, engloba tanto o discurso escrito como o oral. Portanto, pode haver características da oralidade no discurso escrito, como traços do discurso escrito na oralidade. Esta perspectiva nos leva a conceber o letramento como um processo muito mais amplo que o de alfabetização, iniciando-se antes da aquisição formal da leitura e escrita e perdurando perante toda a vida de um indivíduo. Sendo assim, podemos considerar letrada uma pessoa não alfabetizada ou aquela pessoa alfabetizada, mas com um baixo nível de escolaridade. A dimensão histórica do letramento está relacionada ao conceito de autoria do discurso, percebendo-se o autor como sujeito do discurso, aquele que é capaz de produzir, seja de forma oral ou escrita, seu próprio discurso de forma autônoma e dinâmica. Consequentemente, para Tfouni (1994), “a dimensão histórica do letramento só se dará se o sujeito ocupar uma posição tal no interdiscurso [interação com o outro] que lhe possibilite organizar o intradiscurso (oral ou escrito) que está produzindo, de forma a produzir um texto”. 3.4 Trajetória de formação para professores alfabetizadores competentes Faremos referência aqui à formação continuada dos professores alfabetizadores da rede pública, que atuam nas séries iniciais. De acordo com os Referenciais para a Formação dos Professores, Os anos 80 foram tempos de reformas educativas em vários países do mundo: as exigências sociais por uma educação de melhor qualidade começavam a impulsionar um ciclo de mudanças. No Brasil, esse período 33 caracterizou-se pela organização de movimentos de educadores e pela discussão sobre a formação de professores (BRASIL, 1999). Documentos oficiais e acadêmicos consolidaramalgumas condições para garantir uma prática de qualidade na função docente. Desta forma, conforme explicitado nos Referenciais para a Formação dos Professores (BRASIL, 1999), uma prática educativa escolar de qualidade devia se compor de Projeto Político Pedagógico (PPP) construído coletivamente pelos diversos segmentos da escola; organização institucional de funcionamento eficaz e flexível; equipe escolar estável; incentivo da direção ao projeto educativo; formação inicial de educadores de qualidade; desenvolvimento de ações de educação continuada internas e externas sistemáticas, entre outras condições. Contraditoriamente, no Brasil, A década de 80 foi marcada, por um lado, pelo crescente achatamento dos salários dos profissionais da educação – uma vez que não havia recomposição frente a uma inflação muito alta – e, por outro, por índices alarmantes de fracasso escolar no ensino fundamental – traduzidos em percentuais de repetência e evasão inaceitáveis. (...) No que se refere à formação de professores, a proposta dos CEFAMs [Centros de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério] foi uma iniciativa muito importante, que vem conseguindo se manter com certa dificuldade ao longo do tempo e merece ser destacada. Surgiu a partir de encontros realizados em 1982 entre o Ministério da Educação e um conjunto de instituições que tinham, na época, a finalidade de elaborar uma proposta de ação integrada do MEC para a formação de professores de 1º grau. Pretendia-se criar um tipo de escola de formação de professores que pudesse promover atualização e aperfeiçoamento dos profissionais da educação, desenvolver práticas inovadoras e pesquisa, formar professores leigos, atuar como agente de mudanças. (...) A entrada nos anos 90 também foi marcado por uma enorme desvalorização profissional do magistério – principalmente em função de salários muito baixos – e pela consequente luta dos profissionais da educação por melhores condições de trabalho e salário. Ao mesmo tempo, foi marcada pelo clima de uma Constituição recém-promulgada, que incorporou em seus princípios a valorização do magistério – consenso que se formou nas lutas da década anterior –, e pela Declaração Mundial de Educação para Todos (Jomtien, Tailândia/1990), compromisso internacional firmado por inúmeros países, inclusive o Brasil, que previa a melhoria urgente "das condições de trabalho e da situação social do pessoal docente, elementos decisivos no sentido de se implementar a educação para todos". Indicava, ainda, a necessidade de medidas em relação à formação continuada, profissão, carreira e salário, ética profissional, direitos e obrigações, seguridade social e condições mínimas para um exercício docente eficaz. Entretanto, os princípios explicitados na constituição não foram implementados e, quanto 34 à Declaração de Jomtien, no Brasil, em nenhum aspecto recebeu a atenção merecida tão logo veio a público (BRASIL, 1999). A formação continuada, de acordo com os Referenciais para formação de professores, é necessidade intrínseca para os profissionais da educação escolar e faz parte de um processo permanente de desenvolvimento profissional que deve ser assegurado a todos. A formação continuada deve propiciar atualizações, aprofundamento das temáticas educacionais e apoiar-se numa reflexão sobre a prática educativa, promovendo um processo constante de autoavaliação que oriente a construção contínua de competências profissionais. Porém, um processo de reflexão exige predisposição a um questionamento crítico da intervenção educativa e uma análise da prática na perspectiva de seus pressupostos. Isso supõe que a formação continuada estenda-se às capacidades e atitudes e problematiza os valores e as concepções de cada professor e da equipe (BRASIL, 1999). Os programas de formação continuada oferecidos aos professores devem ser readequados a cada realidade escolar, já que é este espaço o locus privilegiado de formação. Por outro lado, a formação continuada oferecida aos professores alfabetizadores deve abranger a equipe escolar como um todo, já que se trata de um projeto pedagógico que deve ser construído coletivamente, inclusive com a participação da comunidade. 3.5 A leitura e a escrita como competências de desenvolvimento social e intelectual Segundo Vygotsky (1998), o domínio de relações como a escrita nasce nas relações com o outro, por conta de nascermos em um mundo letrado. Além do registro da fala, a escrita nos possibilita expressar ideias, conceitos e concepções de mundo que revelam as representações que as pessoas fazem do seu cotidiano. É através da escrita que nos adaptamos às exigências de uma sociedade complexa. A escrita preexiste ao nascimento de uma criança, pois é um produto cultural, portanto quando uma criança nasce já se encontra em um ambiente mediado pela escrita. Para se ter pleno acesso à cultura, precisamos nos apropriar da escrita. Ela se apresenta como um pré-requisito para usufruir dos inúmeros recursos que a sociedade nos oferece. Atualmente, se faz muito difícil conviver numa sociedade letrada e complexa como a nossa sem ter tido acesso à aquisição desta ferramenta de fundamental importância. Um adulto analfabeto terá, consequentemente, sérias dificuldades para se adaptar às exigências sociais. Este fato é tão significativo que 35 mesmo o adulto analfabeto termina adquirindo certo grau de letramento que lhe possibilita conviver neste mundo permeado pela escrita. A escrita não apenas nos possibilita a melhor adaptação às exigências sociais, mas também atua como um poderoso instrumento que potencializa o pensamento. A escrita, enquanto segunda expressão da linguagem oral, a supera, a ultrapassa e a retroalimenta. (...) (...) ler e escrever é um fato cultural, isto é, um fato que envolve, de um lado, uma atividade sistemática de ensino-aprendizagem e, de outro, um esforço voluntário e uma motivação gnósica especial do aprendiz. (...) a aprendizagem da leitura e da escrita implica dois elementos imprescindíveis: interação social e motivação pessoal, já que a criança deve aprender a postergar seus impulsos imediatos e desenvolver atividades que são organizadas pelo professor em uma sequência temporal mais longa. Oñativia (1983) (...) [aponta] que a linguagem coloquial e prática, de estrutura gramatical simples, comprometida com os níveis gestuais e analógicos da comunicação, desenvolve-se desde muito cedo, quando se inicia o período simbólico e representativo da percepção. Com a influência do código linguístico social (ou seja, um idioma), que responde a níveis socioculturais de maior organização e diferenciação sintática e semântica, a linguagem vai se aperfeiçoando progressivamente. Um dos mecanismos desse aperfeiçoamento é a aquisição da linguagem escrita, já que esta retroalimenta a linguagem oral, reforçando-a e enriquecendo-a por novos modelos morfossintáticos. Assim, a diferença entre fala e escrita não consiste simplesmente na forma de acesso a cada uma delas (a primeira pelo ouvido; a segunda pela visão e pela motricidade). Há um grande salto evolutivo entre a linguagem oral e a escrita, apesar de existir entre ambas uma mútua influência sociocultural (OÑATIVIA, 2009). Conclusão Alfabetização e letramento são conceitos diferentes, porém intrinsecamente relacionados. Compreender essa relação dialética entre estes processos muda completamente nosso entendimento da prática alfabetizadora. Alfabetizar letrando e letrar alfabetizando, conforme Soares (2011) aponta, implica numa visão muito mais ampla do que se entende por alfabetizar. Introduzir o aluno no universo das letras é muito mais que ensinar um código, implica inseri-lo num universo de representação, já que a escrita, além de representar os sons da fala, representa ideias, conceitos, enfim, pensamentos. 36 REFERÊNCIAS BRASIL. Ministério da Educação. Secretariada Educação Fundamental. Referenciais para formação de Professores. Brasília: MEC/SEF, 1999. Disponível em: <https://bit.ly/2Ulc1oC>. Acesso em: 5 abr. 2019. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Programa de Formação de Professores Alfabetizadores – Documento de Apresentação. Brasília: MEC/SEF, 2001. Disponível em: <http://tiny.cc/m15o6y>. Acesso em: 5 maio 2019. LIMA, A.L. de S.; DANTAS, C.V. Alfabetização e letramento: um estudo de caso nos primeiros anos do ensino fundamental na escola pública de Jandira. E-FACEQ, ano 2, n. 2, ago. 2013. Disponível em: <http://tiny.cc/gi2o6y>. Acesso em: 4 maio 2019. OÑATIVIA, A. C. O método integral e a alfabetização de crianças com necessidades educativas especiais. Blog Método Integral com cartelas pictográficas "Dr. Oscar Oñativia", 2013. Disponível em: <http://tiny.cc/7yyo6y>. Acesso em: 5 maio 2019. ______. Alfabetização em três propostas: da teoria à prática. São Paulo: Ática, 2009. OÑATIVIA, O. V. Fundamentos psicológicos de los procesos de alfabetización. Revista del Instituto de Investigaciones Educativas, Buenos Aires, n. 40, p. 19-36, 1983. SANTOS, C.L. dos; GIROTTO, N.; GONÇALVES, P. R. Os agrupamentos produtivos nos processos de alfabetização e letramento. Ensaios & Diálogos, Rio Claro, v. 10, n. 1, p. 133-154, jan./dez. 2017. Disponível em: <https://bit.ly/2TXarVc>. Acesso em: 5 abr. 2019. SOARES, M. B. Alfabetização e letramento: caminhos e descaminhos. In: UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA. Pró-Reitoria de Graduação. Caderno de formação: formação de professores: didática dos conteúdos. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2011. Vol. 2 (Curso de Pedagogia). Disponível em: <https://bit.ly/2VqdjeK>. Acesso em: 5 abr. 2019. TFOUNI, L.V. Perspectivas históricas e a-históricas do letramento. Cad. Est. Ling., Campinas, n. 26, p. 49-62, jan./jun. 1994. Disponível em: <http://tiny.cc/0sjp6y>. Acesso em: 14 maio 2019. VYGOTSKY, L.S. A formação social da mente. 6. ed., São Paulo: Livraria Martins Fontes, 1998.
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