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Teoria da literatura II Aula 6: Formalismo Russo – A Morfologia de Propp Apresentação Sabemos que o Formalismo Russo foi um movimento de teóricos e críticos de literatura que pretenderam compreender o texto literário em si mesmo, sem referências extralinguísticas. Dentre os mais notáveis formalistas, destaca-se Vladimir Propp, por sua contribuição para os estudos de narrativa após ter realizado uma pesquisa sobre os contos populares russos, cujo resultado, coligido na obra Morfologia dos Contos Maravilhosos, publicada em 1928, serviu de base para diversas outras teses formalistas e estruturalistas. Nesta aula, identi�caremos os métodos de Propp para análise morfológica de narrativas. Objetivos Conhecer as propostas de Vladimir Propp para análise de contos maravilhosos, metodologia que foi aplicada, posteriormente, à análise de narrativas diversas. Vladimir Propp Vejamos um histórico. 1895-1970 O teórico russo Vladimir Propp (1895-1970) dedicou-se a estudar a estrutura dos contos populares, destacando os elementos básicos e indivisíveis das narrativas populares. Esse trabalho de pesquisa resultou em uma seleção de cem contos populares que foram estudados pelo folclorista. 1928 Sua obra Morfologia do Conto Maravilhoso teve alguma repercussão entre os teóricos russos, mas devido à perseguição política sofrida pelos formalistas russos, o livro caiu no esquecimento, embora Roman Jakobson sempre defendesse sua importância para os estudos do método formal. 1895-1970 O teórico russo Vladimir Propp (1895-1970) dedicou-se a estudar a estrutura dos contos populares, destacando os elementos básicos e indivisíveis das narrativas populares. Esse trabalho de pesquisa resultou em uma seleção de cem contos populares que foram estudados pelo folclorista. Vladimir Propp(1895-1970) Autor da importante obra Morfologia do Conto Maravilhoso (1928). Fonte: ISFP Morfologia do Conto maravilhoso Signi�cado de Morfologia: A palavra “morfologia” tem como signi�cado estrito “o estudo das formas”. Inicialmente aplicado à botânica, esse estudo foi aplicado à ciência literária e constitui a base do pensamento do Formalismo Russo. Da mesma forma que o botânico estudava cada parte de uma planta e a relação desta parte com as outras partes da mesma planta, descrevendo sua textura, os formalistas estudaram partes do texto literário isoladamente e, após, sua relação com os outros componentes do mesmo texto. Fonte: Ben White on Unsplash Vladimir Propp aplicou esse método ao estudo do folclore russo, especi�camente aos contos de magia, a �m de comprovar a sua estreita relação com a literatura. Preocupava-se o autor com o fato de que a maior parte dos estudos sobre os contos apresentava uma tendência a compreender a sua gênese e não em descrever o próprio conto. Estudar o conto e descrevê-lo morfologicamente resultaria na compreensão do objeto de análise, caminho necessário a um estudo e�caz dessa produção espontânea e popular, mas inegavelmente rica e valiosa para a formação e identidade cultural de um povo. Propp opôs-se às tradicionais classi�cações estabelecidas para os contos populares. Por exemplo, não aceitava a divisão dos contos em: Contos miraculosos Contos de costumes Contos sobre animais A dúvida suscitada pelo morfologista era se não seria possível que um conto sobre animais, por exemplo, não pudesse ser também miraculoso, ou seja, no decorrer do conto, não poderia haver uma permutabilidade dos elementos? Mais um problema levantado por Propp em relação às classi�cações tradicionais é a inserção de elementos de outras culturas nos tradicionais contos russos. Uma visão ocidental da mesma história alteraria substancialmente a proposta inicial de um conto que tivesse origem na cultura do Oriente. Fonte: wallpapercave.com Outras diversas classi�cações são questionadas por Propp e, por esse motivo, o morfologista apresentou um estudo dos contos maravilhosos que fosse fundamentado em sua estrutura. Vladimir Propp defende sua pesquisa: “O estudo de todos os aspectos do conto maravilhoso é a condição absolutamente indispensável para seu estudo histórico. O estudo das leis formais pressupõe o estudo das leis históricas”. “Se não soubermos decompor um conto maravilhoso em suas partes constituintes, não poderemos estabelecer nenhuma comparação exata. E se não soubermos comparar como poderemos projetar uma luz, por exemplo, sobre as relações indoegípcias, ou sobre as relações da fábula grega com a fábula indiana etc.? Se não soubermos comparar os contos maravilhosos entre si, como estudar os laços existentes entre o conto e a religião, como comparar os contos e os mitos? Finalmente, assim como todos os rios vão para o mar, todos os problemas do estudo dos contos maravilhosos devem conduzir no �nal à solução desse problema essencial até hoje não resolvido, o da semelhança entre os contos do mundo inteiro”. (PROPP, Vladimir Iakovlevich. Morfologia do conto maravilhoso. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1984. p. 15) A morfologia de Propp - métodos de análise dos contos maravilhosos Convencido por suas próprias pesquisas, de que era impossível compreender de forma adequada os contos e as relações entre os diversos contos diferentes culturais, Vladimir Propp criou métodos de análise de acordo com a estrutura dos textos por ele selecionados. Inicialmente, separou as “grandes constantes” das “grandes variáveis”. Eis algumas hipóteses elaboradas pelo autor: 1 O rei dá um águia ao destemido. A Águia o leva par ao outro reino. 2 O velho dá um cavalo a Sutchenko. O cavalo o leva para outro reino. 3 O feiticeiro dá a Ivan um barquinho. O barquinho o leva para o outro reino. 4 A �lha do czar dá a Ivan um anel. Moços que surgem do anel levam Ivan para outro reino. Ocorrem mudanças nos nomes e nos atributos dos personagens, mas não em suas ações, ou funções. Se os contos maravilhosos, frequentemente, atribuem ações iguais a personagens diferentes, Propp entendeu ser possível estudar essas narrativas a partir das funções dos personagens. Dois procedimentos devem orientar a análise: primeiro, o analista deve entender que a função é mais importante que o personagem, ou seja, é possível que uma determinada função seja transferida a um outro personagem no decorrer da narrativa; segundo, deve-se considerar o signi�cado de uma função no desenrolar da ação. Assim, veri�ca-se que: O personagem principal talvez não seja aquele a quem cabe a função mais importante. Uma ação como um casamento, por exemplo, pode não ter a mesma relevância sempre, dependendo de quem casa e do que decorre dessa ação. Propp conclui que “por função, compreende-se o procedimento de um personagem, de�nido do ponto de vista de sua importância par ao desenrolar da ação”. (PROPP, Vladimir Iakovlevich. Morfologia do conto maravilhoso. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1984. p. 17) Com esse estudo, Vladimir Propp chegou às seguintes conclusões iniciais: Somente as funções dos personagens podem ser consideradas elementos constantes do texto; O número de funções é limitado e não depende da impressão do analista; A sequência das funções é sempre idêntica, especialmente nos contos maravilhosos, que obedecem a uma strutura rígida; Fonte: Wikipedia Todos os contos de magia possuem uma construção monotípica, isto é, suas bases são inalteráveis. Aplicação da morfologia de Propp à análise de contos Todo conto popular, e no caso do corpus estabelecido por Vladimir Propp, todo conto maravilhoso, tem como primeiro elemento morfológico uma situação inicial. Por exemplo, enumeram-se os membros de uma família, apresenta-se o herói etc. Logo após, vêm as 31 funções de�nidas por Propp. Decidimos agrupar as funções, seguindo uma análise morfológica indicada pelo autor. 1. As circunstâncias iniciais: o afastamento de um dos membros da família; a proibição imposta ao herói; a transgressão do herói; a chegada do antagonista; o interrogatório feito pelo antagonista para descobrir algo sobre o herói; as informações recebidaspelo antagonista. O encontro com o antagonista marca a mudança na trajetória do herói. Distribuição das funções entre os personagens, segundo orientação do morfologista Vladimir Propp As funções indicadas pelo morfologista Vladimir Propp são identi�cadas segundo “esferas de ação” realizadas pelos personagens. No conto maravilhoso, encontram-se as seguintes “esferas de ação”: Clique nos botões para ver as informações. Que compreende o dano, o combate e as demais formas de luta contra o herói e a perseguição ao herói. Do Antagonista ou malfeitor Que compreende a preparação e a transmissão do objeto mágico ao herói. Do Doador Que compreende o deslocamento do herói no espaço, a reparação do dano ou da carência, o salvamento durante a perseguição, a resolução de tarefas difíceis, a trans�guração do herói. Do Auxiliar Que compreende a proposição de tarefas difíceis, o estigma, o desmascaramento, o reconhecimento, o castigo do segundo malfeitor e o casamento. Da Princesa e de seu pai Que corresponde somente ao envio do herói a uma missão. Do Mandante Que compreende a partida para realizar a procura do membro da família ou do objeto desaparecido, a reação ante as exigências do doador, o casamento. Do Herói Em que se estabelece também a partida para realizar a procura, a reação ante as exigências do doador (sempre negativa) e as pretensões enganosas. Do Falso Herói Por essas esferas de ação, Propp identi�ca, no conto maravilhoso, sete personagens básicos. Outros personagens fazem a ligação entre as partes (os queixosos, os delatores, os caluniadores) e elementos transmissores das funções (objetos como espelho ou personagens não humanos). As esferas de ação podem ser assim distribuídas: 1. A cada esfera de ação corresponde a um personagem; 2. Um só personagem atua em várias esferas de ação; 3. Uma só esfera de ação é distribuída entre vários personagens. A inserção dos personagens obedece às categorias às quais eles pertencem: 1. O antagonista aparece duas vezes, sendo que na primeira vez aparece de repente e, na segunda, apresenta-se como um personagem a quem se procurava; 2. O doador é encontrado casualmente em um espaço aberto, na natureza ou na rua ou estrada; 3. O auxiliar mágico é introduzido como um presente; 4. O mandante, o herói, o falso herói e a princesa aparecem na situação inicial do conto. Fonte: yinsights Baba Yaga é um dos contos maravilhosos russos estudados por Vladimir Propp. Aplicação do método de Vladimir Propp Leitura Antes de continuar seus estudos, leia a Análise do conto “Os gansos-cisnes”. O método de análise morfológica de Vladimir Propp tem sido aplicado com sucesso a diversos textos narrativos, especialmente aos contos de fadas. Mas destacamos, aqui, a análise do livro Macunaíma, do modernista brasileiro Mário de Andrade, realizada com ousadia por Haroldo de Campos. O modernista brasileiro Mário de Andrade e sua obra Macunaíma, analisada por Haroldo de Campos, segundo os critérios de Vladimir Propp. Fonte: megaleitores.com.br O livro Morfologia de Macunaíma (Ed. Perspectiva, São Paulo, 1972) corresponde à tese de doutorado do crítico e poeta Haroldo de Campos, na qual ele defende a ideia de que Mário de Andrade intuiu elementos constantes do conto popular, o que foi sistematizado por Vladimir Propp. Deve-se lembrar que a primeira edição de Macunaíma data de 1928, ano em que Propp publicou sua obra Morfologia do Conto Maravilhoso. Segundo Haroldo de Campos, Mário de Andrade apresentou constantes identi�cadas por Propp. Uma delas seria a “situação inicial”, que corresponde ao nascimento do herói, e, no caso de Macunaíma, de forma mágica, vindo apenas da mãe. O seu nascimento é resultado de um enigma que se encontra no “vazio da noite” e no “murmurejo do rio Uraricoera”. O personagem é ambivalente, mas respeita as tradições. Todas essas características submetem-se a uma análise morfológica segundo o método de Vladimir Propp. (//www.cronopios.com.br/site/artigos.asp?id=351) Ao concluir seu trabalho, Vladimir Propp interroga o leitor sobre a possibilidade de aplicação de esquemas típicos, como o método morfológico, a narrativas contemporâneas, tão complexas em seus enredos e representações fotográ�cas da realidade. O autor responde a sua própria dúvida, alegando que, quando as atuais narrativas forem ser analisadas por gerações futuras, o procedimento será o mesmo de que se lança mão agora, os esquemas �xos, ao serem analisadas narrativas da Antiguidade Clássica e da Idade Média. Referências ADORNO, W. Theodor. Notas de literatura I. 34. ed. São Paulo: Duas Cidades, 2003. ARAÚJO NETO, Miguel Leocádio. A sociologia da literatura: origens e questionamentos. Disponível em: //www.repositorio.ufc.br/bitstream/riufc/23193/1/2007_art_mlaneto.pdf. Acesso em: 3 jul. 2019. ARISTÓTELES; HORÁCIO; LONGINO. 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