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DIDÁTICA DO ENSINO SUPERIOR. OS DESAFIOS DA CONTEMPORANEIDADE 1 AMAURI DOS ANJOS CRUZ CORRÊA 2 RESUMO Este trabalho se propõe a analisar os desafios do profissional da docência no Ensino Superior brasileiro e as alternativas a serem aplicadas para alcançar melhores resultados na prática pedagógica desses profissionais. Devido à expansão dessa modalidade de ensino nas últimas décadas, percebe-se que o perfil dos estudantes que ingressam nas universidades hoje é completamente distinto do verificado há alguns anos atrás. Da mesma forma, os motivos que levam esses estudantes a ingressar numa Instituição de ensino superior são outros. Esse súbito despertar de interesses criou uma demanda por docentes a ser preenchida, resultando em um corpo docente aquém das expectativas para uma área do ensino tão significativa. Procuramos ainda analisar o contexto dessas mudanças e situação atual, bem como apresentar alternativas que nos possibilitem contornar essa situação. PALAVRAS-CHAVE Docência, Ensino Superior, Didática. 1 Este artigo apresenta alguns dos elementos estudados no Curso “Docência do Ensino Superior” e foi apresentado ao final do curso Docência do Ensino Superior sob a orientação do Prof. MSc.Filype Morais. 2 Breve descrição da titulação e atuação profissional (5 linhas) que o(s) qualifique na área de conhecimento do artigo. O currículo, bem como o endereço eletrônico, devem aparecer em rodapé indicado por asterisco na página de abertura. Não deve ultrapassar 5 linhas. 2 1 INTRODUÇÃO Este trabalho trata das correntes pedagógicas presentes no ensino superior, bem como das ferramentas utilizadas pela Didática nesse mesmo âmbito. Nesse sentido, abordaremos as mudanças sofridas por essa modalidade educacional nas últimas décadas e como isso impactou no crescimento da demanda por docentes no país. No bojo dessas transformações, analisamos ainda de que maneira isso afetou as práticas didáticas e pedagógicas. O ingresso ao Ensino Superior no Brasil de hoje é completamente diferente da realidade de algumas décadas atrás. Dados do Censo mostram que o número de estudantes universitários em 2010 era praticamente o dobro em relação ao início da década. O interesse pelas universidades cresceu, e a acesso aos cursos superiores se ampliou. Da mesma forma, o número de instituições e, consequentemente, da demanda por docentes também sofreu um incremento. Sobre esse tema, uma importante questão a ser avaliada diz respeito à estratificação social e sua iminente fluidez em um ambiente marcado pela democratização do Ensino Superior. Em outras palavras, quanto mais acessível for o Ensino Superior, maiores as chances de redução das desigualdades sociais. Da mesma forma, quanto mais obstáculos houver, mais estagnada e estratificada será. André Salata resume bem essa ideia em seu artigo Ensino Superior no Brasil das últimas décadas: redução nas desigualdades de acesso? O pesquisador procura analisar justamente existente a relação entre a origem social do estudante, abrangendo aspectos como renda familiar, nível de escolaridade dos pais, classe social entre outros, e o nível de escolaridade alcançado pelos estudantes provenientes desse contexto. Para o autor, quanto mais forte essa relação, menor a igualdade de oportunidades em uma sociedade e maiores as vantagens dos indivíduos provenientes de famílias mais privilegiadas. Ao mesmo tempo, se a força dessa relação apresentar tendência de queda no decorrer dos anos, é sinal de redução das desigualdades de oportunidades e, consequentemente, de democratização do sistema de ensino. (SALATA, 2018). 3 Atualmente podemos dividir o Ensino Superior no Brasil, grosso modo, em dois grandes conjuntos, o primeiro de acesso mais restrito e maior prestígio, abrange as instituições públicas; o segundo, que passa a se desenvolver na década de 1990, constituído em sua maioria por instituições privadas com menor concorrência de vagas. Nesse contexto, o governo passa a implementar uma série de políticas públicas visando aumentar tanto o acesso ao Ensino Superior quanto a oferta dessa modalidade. As duas principais é Fundo de Financiamento Estudantil, o FIES; e o Programa Universidade para Todos, Prouni. O FIES, regulamentado em 1999, oferece financiamento para estudantes com renda per capita inferior a três salários mínimos em universidades particulares. Já o PROUNI tem por objetivo oferecer bolsas parciais ou integrais em instituições também particulares para os estudantes provenientes da escola pública com renda familiar mensal de até um salário mínimo. Cabe ainda, ressaltarmos o sistema de cotas, implementado por algumas universidades a partir do ano 2000, ganha corpo a partir da lei n. 12.711, de 2012. As cotas possuem duas modalidades: a social, para aqueles estudantes provenientes da rede pública de ensino, e a racial, voltada para estudantes negros, indígenas ou quilombolas. Todo esse incentivo resulta em um crescimento no número de instituições de ensino interessadas em absorver esse contingente de alunos e de capital provido pelo Estado. De acordo com André Salata, esse aumento é muito mais expressivo no setor privado, ainda que possa ser constatado em menor grau no âmbito público também. (2018). O gráfico a seguir mostra o aumento expressivo no número de matrículas nas últimas décadas: 4 FIGURA 1 – GRÁFICO DO NÚMERO DE MATRICULAS NO ENSINO SUPERIOR ENTRE OS ANOS DE 1995 E 2014 FONTE: Censo da Educação Superior (INEP), 1995, 2005 e 2014. Apud salata, 2018 Consequentemente, o aumento no número de matriculas causa um efeito cascata, mais instituições são criadas, o que por sua vez, aumenta a demanda por profissionais que atuem na docência. Nesse sentido, podemos afirmar que tendências didáticas recorrentes perderam espaço devido a esse egresso de profissionais dos mais variados contextos. O atual sistema de ensino brasileiro contempla duas esferas no que diz respeito às pós graduações: 1. A modalidade lato sensu, que corresponde a curso de especialização focados em um determinado conteúdo e com duração superior a 360 horas; e 2. Stricto sensu, nessa categoria estão os mestrados e doutorados, cursos mais extensos e que geralmente possuem em sua carga disciplinas específicas voltadas para a docência. A atual legislação brasileira considera apto para atuar no Ensino Superior qualquer profissional que tenha em sua formação uma pós graduação de caráter lato sensu na sua carreira, mesmo quando não existe em sua carreira, a formação didática necessária a um professor. Em outras palavras, apesar de conhecer o 5 conteúdo, falta ao docente as ferramentas necessárias para transpor esse conhecimento. De acordo com Silva e Borba, em artigo intitulado “A importância da didática no Ensino Superior”, durante muito tempo acreditou-se que um bom professor nesse nível só precisava dominar o conteúdo e ter um amplo conhecimento na área. Hoje, felizmente, é praticamente consenso entre os profissionais da área da educação de que isso é insuficiente, o professor, em qualquer nível, precisa de habilidades e técnicas pedagógicas para proporcionar um ensino que eficiente. (SILVA, 2011) Sendo assim, buscamos abordar a importância da didática em um contexto no qual há uma alta demanda por profissionais que, em grande medida, não possuem formação necessária ou suficiente para proporcionar aos seus estudantes um bom processo de aprendizagem. 2 DESENVOLVIMENTO O âmbito da educação no Brasil é regido pela Lei 9.394/96, também conhecida como Diretrizes e Bases da Educação Nacional, ou LDB. Os artigos 64, 65 e tratam especificamente do Ensino Superior e dos seus profissionais. De acordo com a lei, Art. 64. A formação de profissionais de educação para administração, planejamento, inspeção, supervisãoe orientação educacional para a educação básica, será feita em cursos de graduação em pedagogia ou em nível de pós-graduação, a critério da instituição de ensino, garantida, nesta formação, a base comum nacional. Art. 65. A formação docente, exceto para a educação superior, incluirá prática de ensino de, no mínimo, trezentas horas. Art. 66. A preparação para o exercício do magistério superior far-se-á em nível de pós-graduação, prioritariamente em programas de mestrado e doutorado. (BRASIL, 1996) Ou seja, o texto da legislação é bem claro ao exigir dos profissionais docentes do Ensino Superior, pelo menos um curso de pós graduação, priorizando mestrados e doutorados, porém, sem não os exigindo. Em trabalho intitulado Tendências do processo didático-pedagógico no Ensino Superior na contemporaneidade, Luiz Roberto Prandi argumenta que a legislação 6 não compreende a docência universitária como processo de formação, e sim como um preparatório para a atuação no próprio ensino superior, após a conclusão de um curso de pós graduação stricto senso, como um mestrado ou doutorado. (PRANDI, 2009) Ou seja, o Ensino Superior é encarado como elemento preparatório para a docência nesse mesmo âmbito, desconsiderando o papel desses profissionais fora do âmbito acadêmico, bem como o papel da própria universidade ante a sociedade na qual está inserida. A formação do docente deve buscar um resultado no qual o profissional, ao término, tenha um perfil científico metodológico, deve saber inovar e ser criativo, a sua atuação deve proporcionar as ferramentas para que o conhecimento continue a ser aperfeiçoado, através do debate, do questionamento e do contato com o outro. Podemos definir a Didática, como a arte de transmitir conhecimentos, ou seja, técnica de ensinar. Sua aplicação no ensino superior, nível mais elevado de ensino, com vistas à formação acadêmica e profissional, deve-se estar em constante evolução, devido aos avanços dos recursos tecnológicos e a facilidade de acesso a informação. Um corpo docente qualificado, hoje, já não significa apenas um currículo de cada professor, esse profissional precisa importar para dentro da sala de aula as mudanças que estão acontecendo em nossa sociedade. 2.1 A DEFINIÇÃO DO CONCEITO DE DIDÁTICA Didática é um termo que remete ao grego didaktiké, podemos atribuir a sua popularização através da obra Didactica Agna ou “Tratado da Arte Universal de ensinar tudo a todos”, publicado em 1657 por Jan Amos Comenius. (1592 – 1670). Segundo Regina Nogueira da Silva, a didática esteve relegada ao campo da filosofia até o final do século XIX, presente por exemplo, nas obras de Jean Jacques Rousseau, Johann Heinrich Pestalozzi e Johann Friedrich Herbart. No início do século XX, movimento de renovação escolar na Europa e nas Américas impulsionam a didática para campos mais científicos, como a Psicologia e a Biologia. 7 Do ponto de vista acadêmico, a Didática, enquanto disciplina, diz respeito à criação de planos de aula, seleção de temas para serem abordados em sala, técnicas expositivas e organização de trabalhos em grupo. Em suma, por ter se aproximado mais dos conceitos práticos do lecionar, é em muitos casos confundida com a Metodologia de Ensino. Cabe ainda ressaltar o conceito de pedagogia, amplamente associado à didática, porém que conta com suas especificidades. A etimologia da palavra pedagogia remete ao grego, sendo paidos criança, e gogein condução, ou seja, conduzir a criança. Amplamente associada à didática, durante muito tempo fundamentou falácia de que os professores de nível superior não precisavam possuir didática devido ao fato de que tratam com adultos. A partir dessa lógica, quando mais conhecimento sobre o tema o pesquisador detiver, melhor seria seu desempenho a frente de uma sala de aula. (SILVA, 2011). De acordo com Paulo Freire, o arcabouço de competências necessárias ao professor compreende tanto os saberes teóricos quantos os práticos, o educador deve saber agir e estar preparado para as mais variadas situações. Ou seja, o perfil do professor pautado unicamente pelo conhecimento do assunto é, em muitos casos, insuficiente, mesmo quando estamos tratando do Ensino Superior. (FREIRE, 1996). Uma última definição é proposta por José Carlos Libâneo, para o educador mineiro, a Didática é a disciplina base para entender os todos os processos que envolvem uma aprendizagem eficaz, ela é responsável pelos conteúdos e pela própria organização da aula, mas não só, cabe a ela criar o método e ambiente propícios para o desenvolvimento do estudante. (LIBÂNEO, 2002) 2.2 O CONCEITO APLICADO AO ENSINO SUPERIOR Conforme citado anteriormente, não havia até pouco tempo, cobrança da parte pedagógica para os professores do Ensino Superior partindo da premissa equivocada de que, nesse estágio educacional, o conhecimento do conteúdo garantiria a plena absorção do conhecimento. Acreditava-se que quem sabia 8 pesquisar automaticamente sabia ensinar, afirmação na melhor das hipóteses, questionável. Em seu trabalho Docência na Universidade, Marcos Masseto, expõe de maneira clara o panorama em questão: Em nenhum momento, por exemplo, perguntava - se se o professor tinha transmitido bem a matéria, se havia sido claro em suas explicações, se estabelecera uma boa comunicação com o aluno, se o programa estava adaptado às necessidades e aos interesses dos alunos, se o professor dominava minimamente as técnicas de comunicação. Isso tudo, aliás, era percebido como supérfluo, porque, para ensinar, era suficiente que o professor dominasse muito bem apenas o conteúdo da matéria a ser transmitida (MASSETO, 1998). Sendo assim, o modelo de professor que somente detêm o conhecimento é insuficiente para justificar sua posição, é preciso mais. A função do educador exige mais. Nesse sentido, o docente deve sim dominar a matéria que ministra, mas sua atuação também precisa contar versatilidade e olhar crítico, percebendo as diferentes maneiras com as quais os estudantes vão absorver (ou não) o conteúdo visto em sala. Mais do que isso, cabe ao professor modular e adequar-se ao estudante, pois o processo de ensino-aprendizagem é em mão dupla. De acordo com Libâneo, “O processo de ensino consiste de uma combinação adequada entre o papel de direção do professor e a atividade independente, autônoma e criativa do aluno”. (LIBÂNEO, 2002). Para Philippe Perrenoud, a formação do professor deve ser abrangente porém, plástica, aberta para a investigação e o questionamento. Para o educador, é evidente que Quanto mais avançamos rumo a didáticas mais sofisticadas pedagogias diferenciadas e construtivistas, mais esperamos que o professor tenha domínio dos conteúdos que lhe permita não só planejar e ministrar cursos, mas também partir das perguntas dos alunos, de seus projetos e intervir na regulação de situações de ensino-aprendizagem que podem ser muito menos planejadas que uma sucessão de lições (PERRENOUD, 2001) Todavia, não é o que podemos verificar na prática. Devido ao perfil do professor universitário “detentor do conhecimento” sem a formação especializada, em muitos casos o profissional atua em ambas as áreas. Em outras palavras, a docência é encarada como um complemento. 9 Essa abordagem é responsável por relegar a questão didática a um segundo plano. Conforme citado anteriormente, a própria LBD reforça essa postura no artigo 65. Nesse sentido, afirma Marcus Aurélio Ferreira, o professor não pode ser resumido a um mero conhecedor da disciplina que ministra, é necessário que esse conhecimento vá além, é preciso que o indivíduo professor seja criativo e inventivo, no qual todo e qualquer momento educacional possa ser explorado em benefício da evolução pedagógica. Da mesma maneira, a prática didática é um processo de crescimento constante indispensável para o aprimorar o desempenhoe a eficácia da sua função. (FERREIRA, 2010) Partindo desta perspectiva, o papel do professor universitário passa a ter um peso ideológico muito maior, uma vez que este é responsável por moldar a próxima geração de professores, tanto dos anos iniciais quanto aqueles que vão substitui-lo. Ou seja, é imprescindível que esse profissional contenha em sua formação características que proporcionem um bom rendimento de aprendizado. Além de dominar o conteúdo, o professor universitário deve ser capaz de oferecer ainda as ferramentas para que seus alunos consigam, no futuro, desenvolver, aperfeiçoar e expandir o conhecimento naquela determinada área. Para Marcus Ferreira, esse instrumental didático pode ser sintetizado da seguinte forma: O professor precisa dominar e compreender os processos educativos e suas nuances, bem como as transformações deste; Adaptar e aplicar de maneira eficaz as teorias educativas de acordo com cada contexto de atuação e temporalidade; Estar atualizado no que diz respeito às novas teorias educativas e como aplica-las de acordo com o seu recorte pedagógico; Ser capaz de apreender as relações de troca inerentes ao processo de ensino e aprendizagem; Perceber e reconhecer sua posição como docente e o reflexo dela na formação do conhecimento em si, docente e como pessoa; 10 E por fim, contribuir com a pauta epistemológica da Universidade em si, como produtora, mantenedora e propagadora do conhecimento na sociedade. Em suma, são os elementos fundamentais e inerentes à boa didática, cuja totalidade compreende, não só o processo de ensinar, mas também a forma como a mente lida com esse conhecimento e o assimila. Esta perspectiva encontra respaldo nos trabalhos de Selma Pimenta e Léa Anastasiou. De acordo as autoras, a tarefa que a didática assume é a de (...)compreender o funcionamento do ensino em situação, suas funções sociais, suas implicações estruturais; realizar uma ação autorreflexiva como componente do fenômeno que estuda, porque é parte integrante da trama de ensinar (...); por em relação e diálogo com outros campos de conhecimentos construídos e em construção, numa perspectiva múlti e interdisciplinar; (PIMENTA e ANASTASIOU, 2010). Mais do que isso, esta categoria de profissionais precisa estar em constante mutação, se aperfeiçoando e adequando à uma sociedade que também não é estática. Percebemos na sociedade atual uma propagação de criatividade, conhecimento e inovação cientifica sem precedentes, sendo assim, a educação universitária deve se manter atualizada e acompanhar essas transformações. Ou seja, a educação a nível superior deve ser pautada por uma didática que estimule e atraia, e que cujo resultado posterior será o desenvolvimento não só do futuro educador, mas da sociedade em si. Para Silva e Borba (2011), ensinar sempre implica em um “intercambio entre no mínimo, dois indivíduos que se encontram de forma deliberada promovendo o ajuste de ambas as partes e do qual se espera algum tipo de resultado”. Da Mesma forma, o aprender pode ser caracterizado “como um processo interno que ocorre nos indivíduos provocando mudanças de comportamento que não seja produto da maturação”. Sendo assim, para as Pimenta e Anastasiou, o perfil do professor universitário deve estar sempre disposto e aberto a se submeter a (...)proceder a constantes balanços críticos do conhecimento produzido no seu campo (as técnicas, os métodos, as teorias), para dele se apropriar, e criar novos diante das novas necessidades que as situações de ensinar produzem. (PIMENTA e ANASTASIOU, 2010). Partindo dessa premissa, destacamos a necessidade de mudar a perspectiva atual da relação existente hoje entre a sociedade e universidade, para, a partir daí, 11 encararmos a docência nesse âmbito com a sua devida importância e significado futuro. A Universidade é vista pelo senso comum como a detentora do conhecimento e do monopólio de seu aperfeiçoamento, visão contraposta por João Steiner e Gerhard Malnic. Segundo os autores, a especificidade da universidade reside na capacidade específica de criar um tipo especial de conhecimento, desenvolver e aprimorar esse saber, aquele capaz de “formar e educar pessoas para continuarem a executar ambas as tarefas.” Para o autor, a verdade força da universidade, reside na sua característica mais específica, ao aliar a educação e avanço do conhecimento em único ambiente. (STEINER, MALNIC, 2006). Em suma, a responsabilidade sobre os ombros do professor do ensino superior vai muito além da sua, sua influência vai repercutir – tanto de maneira boa quanto ruim – nas próximas gerações da sociedade, em um movimento constante e que se retroalimenta. Mas como isso é possível se não há capacitação didática desse corpo docente? 2.3 O CORPO DOCENTE ATUAL Conforme citado anteriormente, até recentemente não havia por parte da comunidade acadêmica preocupação com a formação do docente do Ensino Superior, imperava o senso comum de que saber algo era suficiente para passar adiante aquele conhecimento. De fato, de acordo com Regina Silva e Ernesto Borba, Para muitos professores universitários, essa polemica não existe. Boa parte desses professores aprendeu seu oficio como os antigos aprendiam: fazendo. Os professores universitários não recebem preparação pedagógica especifica e menos ao longo da sua vida profissional raramente tem a oportunidade de participar em cursos, seminários ou reuniões sobre os métodos de ensino e avaliação da aprendizagem. A pedagogia fica, portanto, ao sabor dos dotes naturais de cada professor. (SILVA e BORDA, 2011). Para a pesquisadora Jane Rangel Barbosa, essa preocupação não existia pois o perfil do estudante universitário, bem como o seu interesse ao ingressar nessa modalidade de ensino, era completamente distinto do atual. De acordo com a autora, a educação superior era privilégio de uma elite favorecida intelectual e 12 financeiramente, cuja busca por formação se dava muito mais para o aprimoramento pessoal. (BARBOSA, 2011). O gráfico a seguir analisa o perfil etário dos estudantes que ensino superior entre os anos de 1995 e 2014, com crescimento expressivo dos mais jovens. FIGURA 2 – PERFIL DO ESTUDANTE UNIVERSITÁRIO: GRÁFICO DO PERCENTUAL DE JOVENS ENTRE 18 E 24 ANOS NO ENSINO SUPERIOR. Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra e Domicílios (pnad-ibge), 1995, 2005 e 2015 (apud SALATA, 2018) Atualmente, de acordo com o que já foi apresentado acima, a busca pelo ensino superior está muito mais associada a qualificação profissional e a um anseio motivado, sobretudo, pela ascensão social. Os cursos de pós graduação stricto senso, principalmente os de mestrado, são considerados os principais fornecedores de docentes para o ensino superior, entretanto, argumenta Antônio Carlos Gil (2010), a maioria desses cursos não abrangem a formação pedagógica suficiente para o ramo de atuação. De acordo com o cientista político e pedagogo, isso se deve ao fato de Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal para o Ensino Superior (CAPES), estipula um tempo que um mestrado deve ter uma duração média de 2 anos. Devido ao curto período de formação, resta ao mestrando sacrificar disciplinas de cunho didático dando ênfase àquelas mais relacionadas ao seu interesse de pesquisa. O pesquisador reconhece que o objetivo final desse tipo de curso é o de preparar o professor para a pesquisa e, portanto, para o desenvolvimento contínuo de mais conhecimento, entretanto, considera lamentável que para isso seja 13 necessário abrir mão de um conhecimento didático e pedagógico insubstituível para a função que esses mesmos profissionais irão exercer após a conclusão de sua formação. Cabe ressaltar, que o principal desafio aqui constatado não é falta de conhecimento, e sim a incapacidade de transmitir esse saber de forma que seja aperfeiçoado e proporcioneo desenvolvimento no contexto social. A lacuna é tão significativa, que várias instituições universitárias já estão ofertando cursos lato senso voltados para a Metodologia de Ensino Superior. Em grande parte motivados por reclamações do próprio corpo discente, são cursos relativamente curtos, com cargas horarias médias de 360 horas e que englobam aspectos essenciais da formação do licenciado, tais como Metodologia de Ensino, Didática, Planejamento de Ensino e Psicologia da aprendizagem. Segundo o autor, o desempenho desse tipo de curso tem sido o esperado, mas ainda há muito a ser feito. (Gil, 2010). Em concordância, citamos o trabalho da pesquisadora Graziela Giusti Pachane, conforme defende em seu artigo Formação de Professores para a docência universitária no Brasil: uma introdução histórica: (...)a formação esperada do professor universitário tem sido restrita ao conhecimento aprofundado da disciplina a ser ensinada, conhecimento este prático – decorrente do exercício profissional – ou teórico/epistemológico – decorrente do exercício acadêmico. Pouco, ou nada, tem sido exigido em termos pedagógicos. (PACHANE, 2009) A pesquisadora ressalta ainda, quais seriam os principais fatores responsáveis por essa guinada quanto à cobrança na formação do professor do Ensino Superior. Pachane atribui esse descolamento sofrido pela Universidade devido ao impacto nas relações sociais, econômicas e culturais da sociedade brasileira nas décadas posteriores à redemocratização, destacando os seguintes aspectos: 1. Expansão do ensino superior; 2. Diversificação do sistema de ensino superior; 3. Instituição de um Estado Avaliativo; 14 4. Mudança do perfil do aluno ingressante no ensino superior; 5. Mudança no perfil esperado do egresso do ensino superior (e consequentemente no papel a ser desempenhado pelas instituições de ensino superior e seus professores); 6. Mudanças no paradigma científico e pedagógico; 7. Crescente percepção/conscientização dos próprios docentes da necessidade de formação para a atuação como professores no ensino superior; 8. Emergência de um novo perfil de professor universitário, o que poderá se refletir na exigência de sua formação pedagógica; 9. Baixa correlação entre a formação atualmente oferecida em cursos de pós-graduação e a melhoria da qualificação do professor para o exercício da docência no ensino superior. (2009) Esse ponto de vista se reflete no defendido pelo pesquisador Antoni Zabala em sua obra Enfoque Globalizador: uma proposta para o currículo escolar, na qual argumenta que As atividades de ensino devem promover aprendizagens mais significativas e funcionais possíveis, que tenham sentido e desencadeiem uma atitude favorável para realizá-las, que permitam o maior número de relações entre os distintos conteúdos, que constituam estruturas de conhecimento, por um lado. Por outro, devem facilitar a compreensão de uma realidade nunca se apresenta compartimentada. (ZABALA, 1998). Devido à essa percepção crescente da importância da pedagogia universitária, podemos constatar que a cobrança por melhores qualificações junto aos professores é uma tendência ascendente. Em consequência disso, a concorrência se especializa, cada vez mais os professores inseridos nesse âmbito buscarão se qualificar mais e mais, o que por sua vez, melhora a qualidade do ensino. Uma reação em cadeia na qual um lado da equação está constantemente estimulando o outro. Assim, podemos afirmar que há uma tendência pela evolução do profissional do Ensino Superior, assim como houve historicamente com os professores dos ensinos fundamental e médio. Quando se fala em identidade profissional do docente recém-formado, é importante pensar em como ela é construída. Na construção da identidade profissional do professor existem duas características fundamentais: por um lado, de acordo com Dubar (1997), existe a importância do processo de socialização 15 profissional e das interações nos contextos de trabalho, e por outro lado, segundo Lautier (2001), existe também o papel decisivo das representações, que são permanentemente construídas e reconstruídas na enquanto profissional. Assim, de acordo com Nascimento (2007), existem três dimensões fundamentais para a construção inicial da identidade do docente: A. Motivacional: a dimensão que é relativa ao projeto profissional, que incide na escolha da docência como profissão e na motivação para que isso aconteça; B. Representacional: é a dimensão relacionada com a percepção profissional, nos planos das imagens da profissão docente e dele mesmo como professor; C. Socioprofissional: dimensão situada aos níveis social e relacional e baseando-se, fundamentalmente, nos processos de socialização profissional. Essas dimensões interagem numa dinâmica que se liga com a profissionalidade do docente, que está em construção, e com base, também, na formação profissional que foi realizada por aquele indivíduo em curso superior ou em sua pós-graduação. Na Figura 1 se pode observar melhor essa interação e dinâmica. Figura 1: Dinâmica do processo de construção da identidade docente Fonte: NASCIMENTO (2007) 16 A profissão de professor está diretamente ligada a interpretação social que se tem do ofício, o que gera interpretações distintas, muitas vezes delicadas para o alcance da racionalidade que a prática exige. Independente do viés romântico que se dê a ação devemos tomar como condição para o exercício pleno da profissão seu caráter social e sua relevância para construção e reconstrução dos contextos. Para Roldão (2007, p. 94), ensinar é a profissão de fazer alguém aprender alguma coisa. Para a autora, esta ação está duplamente compreendida entre “o professar um saber” e o “fazer outros apropriarem de um saber”. A autora argumenta que ensinar como sinônimo de transmitir um saber deixou de ser socialmente útil, e aponta a existência de uma dificuldade, na ação do docente, em disseminar um saber e fazer com este chegue de forma eficaz aos alunos. Ainda para a autora supracitada, porém em outra obra (2005, p. 114), “o saber próprio do docente é o elo mais fraco na construção social” do profissional que pretende ser professor, e que, na realidade, o saber necessário é aquele que é o socialmente atribuído ao ato de lecionar. A autora ainda diz que a docência compreendida e percebida em um contexto geral por quem está com um olhar afastado da realidade do profissional, é uma profissão substancialmente fácil, pois para ser professor basta ter conhecimento o suficiente sobre a disciplina a ser ensinada e ter certo controle e disciplina sobre os alunos. Observando o professor sob esse prisma social, fica evidenciado que ele tem um papel a cumprir, papel este, que se propõe a “provocar “conflitos intelectuais”, para que, na busca do equilíbrio, o aluno se desenvolva” (FREITAS, 2005, p. 95). Roldão (2005, p. 115) também relata sobre o papel social do professor, dizendo que o saber, na especificidade da função do docente, está diretamente atrelado à interpretação social relacionada à ação de ensinar, destacando o papel social do professor, “porque são, ou devem ser, os que fazem os outros (que hoje são todos os cidadãos) aprender um saber que socialmente se considera que lhes é necessário” (ROLDÃO, 2005, p. 115). 17 A importância da formação docente assume papel primordial dentro do alcance social de sua prática, corroborando essa ideia, Libâneo (2015, p.230) afirma: A profissão de professor combina sistematicamente elementos teóricos com situações práticas reais. É difícil pensar na possibilidade de educar fora de uma situação concreta e de uma realidade definida. Por essa razão, a ênfase na prática como atividade formativa é um dos aspectos centrais a ser considerado, com consequências decisivas para a formação profissional. A atuação docente no ensinosuperior no Brasil de hoje possui diversas problemáticas que a tornam singular e plural ao mesmo tempo. Não podemos deixar de propor a reflexão em torno do processo de massificação do ensino superior, e os resultados disso para a formação final do aluno. Muitos autores nos darão subsídios para melhor compreender o alcance desse fato, a fim de que nosso olhar sobre o caso em estudo seja substancial e aprofundado. Segundo Pimenta e Anastasiou (2002, p. 199), não existe, ainda, um modelo ou padrão a ser seguido para a formação do docente de ensino superior. Por isso, a formação do professor universitário costuma ser uma jornada solitária e autodidata durante a qual as IES, não oferecem suporte ou mesmo um ambiente que favoreça a construção coletiva, e possibilite esclarecer dúvidas e compartilhar experiências e conhecimentos. Therrien e Dias (2016, p.24), destacam: Na educação superior, a ausência da formação inicial, o descompasso com a formação continuada – uma vez que a preocupação maior da pós- graduação é com a pesquisa e não com a ação docente –, e a intensificação do trabalho docente culminam por reduzir a docência na educação superior a uma semiprofissão, ou, quando muito, a uma profissão desprofissionalizada. A LDB em seu Artigo Nº 62 preconiza que a formação do professor no ensino superior acontecerá em programas de pós-graduação stricto sensu, em cursos de mestrado e doutorado. Desse modo ratificamos a preocupação dos autores em salientar a insuficiência da formação docente amparada predominantemente pela prática da pesquisa e pouco subsidiada pela ação docente orientada para melhoria do desempenho didático-pedagógico do professor das IES. Outro aspecto que pautará nossas análises recairá sobre os impactos da internacionalização da educação superior na docência universitária, tendo como foco a construção da cidadania global, por meio do currículo globalizado e de competências interculturais. 18 Esse processo de internacionalização viabilizou o crescimento vertiginoso de IES privadas em todo o país, a necessidade de alcançar um número maior de sujeitos e a formação de novos mercados consumidores e produtores de riquezas foram fatores decisivos para o acesso ao ensino superior (THERRIEN; DIAS, 2016). As competências sugeridas a um professor universitário seja ele recém- formado ou não, mas que deseje ser atuante em sua comunidade profissional, pensando num modelo internacionalizado (políticas internacionais que influenciam as políticas públicas no campo da educação) de saberes e de habilidades necessárias para as boas práticas da profissão, são, conforme pode ser visto na Tabela 1, elaborada baseada em dados de Guimarães (2014): Tabela 1: É quadro e não tabela Habilidades e competências de um docente universitário Noção de assimilação Objetivo de conscientizar Objetivo de desempenhar um bom papel Capacidade de reflexão Capacidade de solucionar problemas Objetivo de explicar Atitude dinâmica Capacidade de incursionamento Remanejamento Intenção de lecionar Estilo revisivo Favorece a capacidade de memorização Favorece a capacidade de experimentação Internalização Inovação Problematização Fonte: Adaptado de GUIMARÃES (2014) Tais competências refletem a mudança implicada ao fazer docente no ensino superior, não só a natureza da ação, mas também o paradigma estabelecido. O processo de formação docente atuante na educação básica foi nos anos 2000 prerrogativa do sistema privado de ensino. Hoje, a formação dos docentes atuantes no segmento superior também está a cargo da inciativa privada de forma expressiva, conforme destaca Gatti (2019). Os governos democráticos populares do século XXI utilizaram como argumento para a democratização a expansão do acesso ao ensino superior, o que 19 resultou em diversas consequências, sendo uma delas possivelmente a fragilidade no crescimento quantitativo de docentes atuantes em cursos de graduações. O crescimento do setor privado no ensino superior se beneficiou, conforme salientam alguns autores, da política de financiamento do governo federal destinada a subsidiar estudantes de baixa renda, tais como o Fies e Prouni (SAMPAIO, 2010). A despeito de todo alcance positivo e democrático com a expansão dos cursos superiores no Brasil, a pedagogia enquanto ciência educacional carece de maiores reflexões e cuidados, tendo em vista o espírito da época em que vivemos. O que esperar do bom professor? Como garantir que esse profissional agregue competências muitas vezes não contempladas em sua formação de base? O que pode ser definido como eficiente no processo de ensino e aprendizagem nos anos iniciais de prática docente? Adiantamo-nos em apresentar um paradigma norteador, conforme a reflexão de Pacheco (2013, p. 57), a saber: A complexidade do ser professor se constrói na base de uma diversidade de saberes, necessariamente articulados e ligados à teoria e à prática educacionais, que de modo algum podem ser hierarquizados. Quando se afirma que o docente necessita somente de um saber básico – o saber dos conteúdos –, há uma perspectiva muito limitada do ato educativo, já que o instruir, no sentido etimológico (instruere) de estrutura por dentro, exige muito mais em termos de conhecimento (Pacheco, 2013, p. 57). Os docentes que atuam no ensino superior classificam-se em diversos níveis e modalidades, há os licenciados propriamente ditos, há bacharéis, profissionais liberais e tecnólogos, seja qual for a linha de atuação. A LDB exige uma formação mínima para atuar como professor, já mencionada anteriormente. Sabemos da insuficiência dessa legislação se considerarmos a fala de Pacheco, ao destacar a diversidade de saberes e o erro da hierarquização, aliado a isso, o problema da identidade docente deve ser considerado e investigado, tendo em vista a desvalorização profissional por que vêm passando milhares de docentes no Brasil, principalmente na iniciativa privada. Pimenta e Anastasiou (2002) destacam que é comum os professores do Ensino Superior das diferentes áreas preferirem ser identificados como profissionais autônomos: físico, advogado, médico ou professor universitário, pois o título de professor de Física, Direito, Medicina ou de qualquer outra área do conhecimento, parece sugerir uma identidade menor, conforme investigam os autores. 20 Behrens (2001), diz que no ensino superior, podem-se encontrar quatro grupos de professores: I. profissionais de várias áreas do conhecimento que se dedicam à docência em tempo integral; II. profissionais liberais que se dedicam ao magistério algumas horas por semana; III. docentes da área pedagógica e das licenciaturas, que atuam tanto no Ensino Básico quanto no Superior; e IV. Profissionais da área de educação e das licenciaturas que atuam em tempo integral na universidade. Oliveira (2008) aponta o risco de muitos desses profissionais, desprovidos de conhecimento pedagógico, estarem à frente da formulação e execução dos currículos, apenas reproduzindo posturas de seus antigos professores. Nesse sentido pretende-se averiguar qual o grau de conhecimento e aprofundamento dos docentes iniciantes, tendo em mente a referência de que: “[...] um título, por si só, não garante que o mestre ou doutor será um exímio professor e pesquisador ou que possua as competências necessárias para atuar no ensino superior”. (OLIVEIRA, 2008, p. 33) A denominação contemporânea sobre formação do professor em nada se assemelha às antigas concepções, que davam um caráter reducionista à prática docente e de natureza técnica, qualificando o professor como um executor de planos de aula, detentor de autoridade máxima sobre os conteúdos e regente absoluto da sala de aula. A perspectiva que se tem hoje da docência no ensino superior pode ser considerada revolucionária, se considerarmos os valores de outrora; há uma complexidadeno exercício da profissão que envolve novos referenciais morais e culturais, tais como: capacidade de estimular a aprendizagem pela experiência e significados das coisas, postura de humildade e tolerância, disposição permanente do professor em reaprender, capacidade de fomentar a produção e autonomia do aluno. Tardif (2002, p.68-70) destaca a existência de quatro tipos diferentes de saberes implicados na atividade docente: 21 1. Os saberes da formação profissional (das ciências da educação, dos conhecimentos pedagógicos relacionados às técnicas e métodos de ensino, legitimados cientificamente e transmitidos aos professores durante o processo de formação inicial e/ou continuada); 2. Os saberes disciplinares (dos diferentes campos do conhecimento específico, tais como linguagem, ciências exatas, ciências humanas, ciências biológicas etc., produzidos e acumulados pela sociedade ao longo da história da humanidade, administrados pela comunidade científica e veiculados por meio das instituições educacionais); 3. Os saberes curriculares (relacionados à forma como as instituições educacionais fazem a gestão dos conhecimentos que devem ser transmitidos aos estudantes, sendo apresentados na forma de programas, com objetivos, conteúdos e métodos); e 4. Os saberes experienciais (que resultam do próprio exercício da atividade profissional do professor, sendo produzidos por meio da vivência de situações específicas relacionadas ao local de trabalho e às relações estabelecidas com alunos e colegas de profissão) (TARDIF, 2002, p. 68- 70) Assim, podemos compreender que o saber profissional do docente se constitui da fusão de uma série de outros saberes, construídos ao longo de uma trajetória que pode se iniciar precocemente, por ocasião das descobertas vocacionais, e jamais se encerra mesmo com a expertise de anos de atuação. 3 CONCLUSÃO Conforme exposto no decorrer desse trabalho, estamos vivendo hoje, um momento de mudança no tange ao Ensino Superior no Brasil. Iniciado há algumas décadas, é um processo impulsionado sobretudo pelo Estado, porém, com uma importante atuação da iniciativa privada. Programas de incentivo ao Ensino Superior, financiamento e bolsas de estudo, respectivamente, cotas sociais e raciais, FIES e PROUNI, fomentaram o surgimento de IES, privadas e públicas. Além disso, o perfil do estudante se alterou, antes buscada por aqueles que procuravam engrandecimento social, o Ensino Superior passou a ser visto como um mecanismo de ascensão social na praticamente estática sociedade brasileira. Outro pilar importante de análise, foi a visão do professor de ensino superior como aquele cuja formação se pauta única e exclusivamente no conhecimento profundo de sua área de atuação, afirmação esta, considerada equivocada por grande parte dos pesquisadores e estudiosos da área. 22 Em suma, a rápida expansão da demanda por professores de nível superior e a crença de que a formação didática e pedagógica era dispensável no ensino superior, resultou em um grande número de profissionais despreparados para a docência nesse nível. Esse crescimento súbito trouxe à tona o fato de que a didática é sim, imprescindível no Ensino Superior. Nesse sentido, concordamos com Pachane, ao afirmar que a valorização e cobrança da pedagogia por parte dos professores do ensino superior é uma demanda que abrange a própria visão de pedagogia por parte da Universidade. Essa melhora exige um projeto coletivo e institucional presente no momento da contratação do docente, mas que deve não acabar ali, e sim que se mantenha visando uma continuidade que altere a própria dimensão do ensino. (PACHANE, 2009). Em suma, o ensino superior no Brasil tem passado por mudanças profundas nas últimas décadas, entretanto, é um processo ainda em curso. O docente do ensino superior precisa, assim como os do ensino fundamental e médio, aperfeiçoar ao máximo sua competência didática e metodológica, atualizando constantemente métodos e práticas para acompanhar os avanços da sociedade, bem como a mudança do perfil do estudante, pois é através dessa abordagem que teremos mudanças profundas e permanentes na esfera educacional, o que consequentemente, tem seu reflexo no desenvolvimento da sociedade como um todo. Nesse sentido, tratamos a didática como um elemento catalisador do conhecimento produzido no âmbito acadêmico, apontar sua ausência na maior parte dos profissionais da docência superior é, portanto, apresentar uma solução para um problema já posto, porém ignorado, pois não basta ter pleno conhecimento sobre sua área, este profissional deve desenvolver habilidades específicas para a prática pedagógica. Cabe ao professor estimular o questionamento, utilizando de todas as ferramentas disponíveis num mundo globalizado, para incitar que seus estudantes saiam de suas zonas de conforto, que aprendam de maneira crítica e reflexiva, para, a partir daí, atuarem como criadores do conhecimento por si próprios, o que torna o processo de aprendizagem mais rico e dinâmico. 23 CHALLENGES FOR HIGHER EDUCATION TEACHING IN CONTEMPORARY TIMES. RESUMEN, RÉSUME OU ABSTRACT. This paper aims to analyze the situation of teaching in Brazilian Higher Education. Due to the expansion of this modality of teaching in recent decades, it is perceived that the profile of students entering universities today is completely different from that verified a few years ago. Similarly, the reasons that lead these students to enter a higher education institution are different. This sudden awakening of interests created a demand for teachers to be filled, resulting in a faculty below expectations for such a significant area of teaching. We also try to analyze the context of these changes and current situation, as well as present alternatives that allow us to work around this situation. PALABRAS-CLAVE, MOTS-CLÉS OU KEYWORDS. Teaching, Higher Education, didactics. 24 REFERÊNCIAS ANASTASIOU, Lea das Graças C.; PIMENTA, Selma Garrido. Docência no ensino superior. São Paulo, 2002. BARBOSA, J. R. A. Didática do Ensino Superior. 2.ed. Curitiba: IESDE Brasil S.A, 2011 BEHRENS, M. A. A formação pedagógica e os desafios do mundo moderno. In: MASETTO, M. (Org.). Docência na universidade. Campinas: Papirus, 2001. p. 57-68. BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Lei nº 9.394/96, de 20 de dezembro de 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9394.htm -7 Acesso em: Junho/2020. FERREIRA, M. A. “A didática na formação do ensino superior.” 2010. 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