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TEORIAS DA HISTÓRIA
CAPÍTULO 3 - A ESCOLA DOS ANNALES:
UMA REVOLUÇÃO FRANCESA NA
HISTORIOGRAFIA?
Breno Mendes
INICIAR
Introdução
Neste capítulo você refletirá sobre as contribuições teórico-metodológicas de um
importante movimento na história da historiografia contemporânea: a Escola dos
Annales. Nas páginas seguintes buscaremos compreender as seguintes questões: a
Escola dos Annales pode ser considerada como uma revolução no campo da
historiografia? Qual o paradigma básico da Escola dos Annales? Entre as diversas
fases dos Annales há continuidade ou ruptura? Quais as relações que existem entre
história e memória? Em busca de respostas para estes questionamentos, faremos
um panorama sobre as três primeiras gerações dos Annales, buscando
compreender quais foram suas principais contribuições para a Teoria da História. 
Antes de nos determos em cada uma das fases dos Annales, é necessário fazer uma
reflexão sobre o uso do termo “escola” no campo historiográfico. Em
historiografia, o termo “escola” não se refere, literalmente, a um prédio ou a uma
instituição de ensino, mas a um grupo com uma certa identificação quanto a
princípios teóricos. Portanto, a Escola dos Annales é um termo que se aplica a um
grupo de historiadores que, apesar das diferenças entre si, guardam semelhanças
teóricas, metodológicas, éticas e políticas. Por fim, cabe mencionar que ao mesmo
tempo que o uso do termo “escola” permitiu a inclusão de diversos historiadores
em um mesmo grupo, ele também gerou exclusão em relação àqueles que não se
alinhavam a determinada orientação (BARROS, 2011).
3.1 A primeira geração dos Annales:
influência na historiografia
O que chamamos de “Escola” dos Annales, trata-se de um grupo de intelectuais
franceses, sob forte influência das ciências sociais, que publicavam suas pesquisas
na revista Annales d’ Histoire Economique et sociale (Anais de História Econômica e
Social) fundada em 1929 por Lucien Febvre (1878-1956) e Marc Bloch (1886-1944).
Ao longo do tempo o periódico dos Annales mudou de nome algumas vezes,
expressando, inclusive, as mudanças na orientação teórico-metodológica do
grupo, como você pode ver no quadro a seguir:
A partir da década de 1920, a aproximação entre história e ciências sociais foi
ficando cada vez mais intensa na França, sobretudo, sob a chancela da sociologia
durkheimiana. É importante termos em mente, o contexto histórico desse período
pós-primeira guerra mundial, no qual havia um clima de instabilidade e
questionamento do papel da ciência diante dos problemas da realidade
(DELACROIX; DOSSE; GARCIA, 2012). De acordo com o estudioso brasileiro José
Carlos Reis (2000), a primeira geração dos Annales se notabilizou pelas críticas à
historiografia do século XIX. Logo, podemos sintetizar os combates dos pioneiros
da nouvelle histoire (nova história), a partir da tentativa de rompimento com
algumas práticas da chamada “História tradicional”, dentre as quais destacamos:
(a) abandono do pressuposto da história produzida pelo sujeito através do Estado-
Nação; (b) recusa da história política; (c) desvalorização da forma narrativa do
discurso histórico; (d) abandono do pressuposto do tempo histórico como um
fenômeno cronológico, linear, irreversível e evolutivo.
No entanto, antes de prosseguirmos é muito importante fazermos uma reflexão
sobre a pretensa inovação da Escola dos Annales. Sem dúvida, este desejo foi
central na construção de uma identidade intelectual para o grupo. A busca por um
lugar de legitimidade na universidade francesa, alcançando postos de destaque
em Paris, motivou Febvre e Bloch a se apresentaram como os portadores de uma
radical inovação historiográfica (DELACROIX; DOSSE; GARCIA, 2012).  O objetivo
deste projeto é legitimar a pretensa “revolução” dos Annales frente ao “Antigo
Regime” historiográfico. Um bom exemplo disso é a leitura do historiador inglês
Quadro 1 - Os títulos da revista da Escola dos Annales. Fonte: elaborado pelo autor, 2017.
Deslize sobre a imagem para Zoom
Peter Burke para quem “Lucien Febvre e Marc Bloch foram os líderes do que pode
ser denominado Revolução Francesa da Historiografia” (BURKE, 1997, p. 17).
Entretanto, estudos recentes têm mostrado que essa interpretação que destaca
apenas as inovações dos Annales deve ser problematizada, pois não houve um
rompimento total com aspectos da historiografia dita tradicional. Por exemplo, os
Annales compartilham com a história metódica do século XIX a recusa às filosofias
da história que buscavam um sentido último para os acontecimentos
(MASTROGREGORI, 2011).
Marc Leopold Benjamin Bloch foi um dos historiadores franceses mais importantes do século XX.
Fundador da Escola dos Annales, juntamente com Lucien Febvre. Participou ativamente da resistência
francesa contra a invasão nazista. Em virtude de sua ascendência judaica foi preso, torturado e morto
por fuzilamento em 1944. Enquanto estava cativo escreveu Apologia da história, obra inacabada que
começava com seguinte frase: “Papai, então me explica para que serve a história?”
Os fundadores dos Annales, Febvre e Bloch não eram muito inclinados a
teorizações e abstrações filosóficas sobre a história. Aliás, logo no primeiro
editorial da revista isso fica bem claro quando os editores afirmam que sua
proposta de renovação para a história seria construída “não com artigos de
método, dissertações teóricas. Mas pelo exemplo e pelo fato” (FEBVRE; BLOCH,
1929, p. 2). Em virtude disso, não existe nesses historiadores uma teoria
sistemática da historiografia. Entretanto, uma leitura de suas pesquisas e textos
mais metodológicos nos permite captar algumas de suas teorizações sobre a
história. Nesse sentido, destacam-se algumas reflexões de Bloch em Apologia da
História. Neste livro, escrito enquanto o autor estava aprisionado pelos nazistas, a
história é definida não como a ciência do passado, mas como a ciência dos
homens no tempo (BLOCH, 2001). Mas qual a diferença entre as duas concepções?
Para responder a essa pergunta, Bloch usa uma sugestiva metáfora: “o bom
historiador se parece com o ogro da lenda. Onde fareja carne humana, sabe que ali
está a sua caça” (BLOCH, 2001, p. 54). Isso significa que o historiador não está
VOCÊ O CONHECE?
preso ao passado, mas ao percurso humano no tempo, ao diálogo entre o presente
e o passado. No que diz respeito ao tempo histórico, os historiadores da primeira
geração dos Annales legaram uma importante contribuição para o chamado
método retrospectivo: a dialética presente/passado. Tal procedimento consiste,
primeiramente, em uma crítica àquilo que Bloch denominou como “ídolo das
origens”. Isto é, a explicação do mais próximo pelo mais antigo, numa via de mão
única em que o passado explica o presente. Desse modo, as origens aparecem
como um começo que explica todo o desenrolar do processo histórico. No entanto,
segundo Bloch, não basta conhecer a origem para compreendermos o presente. A
proposta contida em A apologia da história, é a de um método retrospectivo em
que o historiador vai do presente ao passado e do passado ao presente. Por um
lado, o passado explica o presente, na medida em que as estruturas sociais e
mentais tendem a moldar a ação no presente. Por outro lado, o presente não é
explicado totalmente pelo passado, pois há um espaço para a iniciativa e uma
propensão a criação de um futuro. Em poucas palavras, de acordo com o método
retrospectivo, o passado não é compreensível a menos que o historiador se dirija
até ele com uma problematização suscitada pelo presente (BLOCH, 2011; REIS,
2000).
Ainda em relação ao tempo histórico existe um perigo que sempre ronda o ofício
do historiador e foi denunciado intensamente por Febvre: o anacronismo. O
fundador da Escola dos Annales, enfrentou esse problema em sua análise sobre o
problema da incredulidade no século XVI. Nesta célebre estudo, Febvre buscou
responder a seguinte pergunta: François Rabelais, ilustre escritor do século XVI, era
ateu? Esta questão, aparentemente simples, se torna mais complexa se levarmos
em conta que, apesar dasduras críticas dirigidas por Rabelais à religião, na sua
época o conceito de “ateísmo” ainda não existia. Ao refletir sobre este ‘problema’,
Febvre, adverte que o historiador deve estar em guarda contra o anacronismo: “O
problema é de estabelecer com exatidão a série de precauções a tomar, das
prescrições a observar para evitar o pecado dos pecados – o pecado entre todos
imperdoável: o anacronismo” (FEBVRE, 2009, p. 33). Em poucas palavras, o
anacronismo é definido como um erro de cronologia que consiste em atribuir a
uma época ou a um personagem histórico, ideias e sentimentos que são de outro
período histórico. Embora, o historiador jamais consiga reconstruir o passado
exatamente como ele se passou, precisa estar atento para diminuir ao máximo, o
grau de anacronismo em suas análises.
Outro ponto importante do programa da primeira geração da Escola dos Annales, é
a proposta de uma história problema. Na verdade, esta proposta consiste em uma
crítica ao caráter narrativo da história tradicional. A estrutura narrativa que está
sendo atacada por Febvre e Bloch é o relato linear, objetivista e factual, que
privilegia os grandes atores políticos. A história-problema não tem a narração de
um enredo com ponto de partida, mas a delimitação de um “problema de
pesquisa”. Segundo Febvre “sem problemas não há histórias, mas narrações,
compilações” (FEBVRE apud REIS, 2000, p. 75). Portanto, a história-problema não
visa narrar os fatos históricos ‘tal como se passaram’, mas procura construir um
objeto de estudo no passado a partir de uma interrogação do presente. O
problema de pesquisa elaborado pelo historiador será o fio condutor na seleção
de documentos e construção de hipóteses. 
Para encerrarmos o tópico, abordaremos outra proposição dos Annales que fez
bastante sucesso entre os historiadores. Na prática, a proposta de um novo
conceito de fonte histórica, significou a ampliação do arquivo do historiador. Ou
seja, o repertório de fontes históricas não deveria se limitar ao documento escrito
e oficial. Pelo contrário, o historiador, assim como o ogro da lenda de Bloch, pode
utilizar todo vestígio que registra a passagem do homem no tempo. Assim, além
Figura 1 - Os combates e propostas da Escola dos Annales. Fonte: Elaborado pelo autor, 2018.
Deslize sobre a imagem para Zoom
do texto escrito, o pesquisador pode utilizar iconografia, estatísticas, materiais
arqueológicos e elementos da cultura material. Vejamos como Febvre expressa
essa ideia em seu livro Combates pela história: 
Faz-se a história com documentos escritos, sem dúvida. Quando eles
existem. Ela porém pode ser feita, deve ser feita, sem documentos escritos
se eles não existirem. Com tudo que a engenhosidade do historiador pode
permitir-lhe utilizar para fabricar o seu mel, na falta das flores habituais.
Portanto, com palavras. Signos. Paisagens e telhas. Formas de campos e
ervas daninhas. Eclipses da lua e cangas. Perícia de pedras executadas por
geólogos e análises de espadas de metal por químicos. Numa palavra, com
tudo o que, sendo do homem, depende do homem, serve ao homem, exprime o homem,
significa a presença, a atividade, os gostos e jeitos do ser do homem. (FEBVRE, s/d, p.
249).
Marc Bloch e Lucien Febvre foram muito influentes na primeira geração dos
Annales, sendo considerados, ainda hoje, como seus “pais fundadores”. Entretanto,
após a segunda guerra mundial, este grupo de historiadores passou por notáveis
mudanças, que estudaremos no próximo tópico. 
3.2 A segunda geração dos Annales:
Fernand Braudel e a longa duração 
No contexto pós-segunda guerra mundial, o grupo ligado aos Annales conseguiu
gradativamente, se consolidar na cena intelectual francesa. O governo francês
estava preocupado em reconstruir o país de forma eficaz e racional após o conflito,
e as ciências sociais poderiam ajudar neste processo, sobretudo, fornecendo
estudos que pudessem auxiliar no projeto de crescimento econômico (DELACROIX;
DOSSE; GARCIA, 2012). A segunda geração do grupo, sob a liderança de Fernand
Braudel (1902-1985), vivenciou o período em que os Annales se consolidaram como
uma importante referência na historiografia contemporânea. Um sinal revelador
do fortalecimento institucional, foi o recebimento de recursos fornecidos pela
fundação Rockfeller e pela fundação Ford.  A partir de 1946, a revisa passou a se
chamar Annales: economies, societés, civilisations (Anais: economia, sociedade e
civilização). O foco das pesquisas concentrou-se, principalmente, em análises de
cunho econômico e demográfico (REIS, 2000; DELACROIX; DOSSE; GARCIA, 2012). 
Na segunda geração dos Annales, entre os anos de 1946 e 1968, houve um
predomínio do quantitativismo. Isto é, podemos observar diversas pesquisas de
história estrutural, serial e quantitativa. As duas principais tendências eram a geo-
história, cujo maior representante será Braudel e a história econômica encabeçada
por Labrousse. Os historiadores passaram a empregar métodos de quantificação e
processamento de dados, para trabalhar uma volumosa série documental. Tabelas
de estatísticas, índices econômicos, análises demográficas e gráficos com curvas
de preço, tornaram-se cada vez mais frequentes nas pesquisas históricas. Desta
forma, houve uma euforia com o “respaldo científico” conferido pelo método
quantitativo, porém, como ressalta José Carlos Reis, “Não se dava muita
importância aos inconvenientes desse excesso de números e gráficos, isto é, a
quantificação deixa de lado importantes setores da história e importantes épocas
da história, aquelas que não oferecem uma documentação estatística” (REIS, 2000,
p. 108).
VOCÊ SABIA?
O termo história serial foi um termo criado pelo historiador Pierre Chaunu em
1960. Braudel se apropriou rapidamente do termo história serial, para se referir às
tendências de longa duração. A história serial se caracteriza pelo estudo de
continuidades e descontinuidades no interior de uma série de dados como, por
exemplo, preços de cereais, data das safras de vinho, nascimentos anuais, dentre
outros.
Para saber mais, leia: BURKE, P. A escola dos Annales 1929-1989. A revolução
francesa da historiografia. São Paulo: Editora Unesp, 1997.
Sem dúvida, uma das principais marcas do paradigma da Escola dos Annales foi a
interdisciplinaridade. Ao mesmo tempo em que estes historiadores buscavam o
afastamento das filosofias da história, eles defendiam uma profunda interação
com o método das ciências sociais. O objeto de estudo da história seria o mesmo
das ciências sociais: o homem e suas relações sociais. Logo, deveria haver um
intercâmbio de conceitos, técnicas, problemas e hipóteses entre as disciplinas.
Num primeiro momento, a nouvelle histoire dialogou, principalmente, com a
economia, a sociologia e a geografia. Posteriormente, o intercâmbio foi ampliado
abarcando também a demografia, psicologia e antropologia. 
VOCÊ SABIA?
A Escola dos Annales é um dos paradigmas historiográficos mais influentes na
academia brasileira. Quando era recém-formado, entre os anos de 1935 e 1937, o
historiador Fernand Braudel participou da chamada “missão francesa” de
intelectuais enviados ao Brasil para auxiliar na criação da Faculdade de Filosofia e
Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.
Para saber mais, leia: MARTINEZ, P. H. Fernand Braudel e a primeira geração de
historiadores universitários da UPS (1935-1956): notas para estudo. Revista de
História, n. 146, 2002, p.11-27.
Um dos grandes legados deixados por Braudel para a historiografia foi sua reflexão
sobre o tempo histórico. No prefácio de sua obra magna, que contava com cerca
de mil e duzentas páginas, O mediterrâneo e o mundo mediterrâneo à época de Filipe
II (1949), o historiador francês expôs sua tese sobre o escalonamento das durações
e a pluralidade do tempo social. Braudel dividiu seu livro em três partes sendo que
cada um deles estava inserido em uma escala de duração temporal distinta. O
primeiro nível é formado por uma “História quase-imóvel”. É a história dos homens
em sua relação com o meio que o cerca, com o espaçogeográfico. Nesta história a
temporalidade é muitíssimo lenta, as transformações demoram muito a acontecer.
Segundo Braudel, o que orienta essa primeira parte da obra é a geografia, mas
uma geografia que está atenta aos dados humanos. O segundo nível é a história
dos grupos, das economias, dos Estados, das sociedades e das civilizações. Na
concepção braudeliana de história, este nível mais profundo interfere e molda o
nível mais superficial, o nível dos eventos e das batalhas. O terceiro é o nível da
História dos acontecimentos. É uma história da “agitação de superfície”, uma
história com oscilações (acontecimentos) breves, rápidas e nervosas. “Assim,
chegamos a uma decomposição da história em planos escalonados. Ou se
quisermos, à distinção, no tempo da história, de um tempo geográfico, de um
tempo social, de um tempo individual (BRAUDEL, 2014, p. 15).
Como dissemos, uma das principais propostas teórico-metodológicas dos Annales
era a interdisciplinaridade com as ciências sociais. Contudo, nem sempre o
relacionamento da história com as ciências sociais aconteceu de modo pacífico e
cooperativo. Já nos anos 1930, quando Braudel e o antropólogo Lévi-Strauss
conviveram na Faculdade de Filosofia da USP, podemos perceber um clima de
rivalidade e confrontação teórica. Cada um deles buscava defender a
superioridade da sua própria disciplina (DOSSE, 2001). Quando ambos estavam de
volta à cena francesa, na década de 1950, protagonizaram uma polêmica acerca do
tempo histórico. Lévi-Strauss defendia a antropologia estrutural como a disciplina
mais legítima das ciências sociais, pois superaria a divisão clássica entre ciências
naturais e ciências humanas. Ele criticava a história afirmando que esta era uma
disciplina muito factual, presa à cronologia e a mera descrição da sucessão dos
acontecimentos. Consciente das críticas que os historiadores lhe dirigiram, Lévi-
Strauss buscou se defender dizendo: “temos sido por vezes acusado de ser
fechado à história, e de lhe conferir um lugar menor em nossos trabalhos. Quase
não a praticamos, mas fazemos questão de lhe preservar os direitos” (LÉVI-
STRAUSS, 1970, p. 58).
As críticas de Lévi-Strauss explicam-se, em certa medida, pela filiação deste
antropólogo ao estruturalismo, importante corrente de pensamento que vigorou,
principalmente, entre os anos 1950 e 1970. Em linhas gerais, o estruturalismo
procurava analisar as grandes regularidades das relações sociais, as estruturas. A
antropologia estrutural de Lévi-Strauss buscava investigar estas permanências que
muitas vezes estão em uma temporalidade tão longa que parecem fora da história:
“Para além da diversidade empírica das sociedades humanas, a análise
Figura 2 - Mapa conceitual sobre a escala das durações temporais segundo Braudel. Fonte: Elaborado
pelo autor, 2018.
Deslize sobre a imagem para Zoom
etnográfica pretende atingir invariantes” (LÉVI-STRAUSS, 2012, p. 289). A estrutura
é algo quase-imóvel. O principal exemplo de estrutura encontrado nas pesquisas
de Lévi-Strauss, é a proibição ao incesto. Segundo ele, a interdição a casamentos
entre pessoas com um certo grau de parentesco pode ser encontrada tanto em
sociedades chamadas de “primitivas”, quanto em sociedades modernas. 
Em resposta ao ataque de Lévi-Strauss, Braudel afirma, no artigo “História e
ciências sociais: a longa duração” (1958), que alguns cientistas sociais pareciam
estar desinformados acerca da história, uma vez que se referiam a ela com base
em métodos que desde os finais dos anos 1920 não eram mais usuais em virtude
da ascensão dos Annales. 
As outras ciências sociais estão muito mal informadas, e a tendência delas é
desconhecer, ao mesmo tempo, os trabalhos dos historiadores e um
aspecto da realidade social do qual a  história é uma boa serva, quando não
mesmo sempre uma hábil vendedora: essa duração social, esses tempos
múltiplos e contraditórios da vida dos homens que não são apenas a
substância do passado, mas também o estofo da vida atual” (BRAUDEL,
2011, p. 89).
Se a história tradicional trabalhava, somente, com um tempo breve ligado aos
acontecimentos e indivíduos, Braudel ressalta que a nova história social e
econômica, a história dos Annales, trabalha, além do tempo curto, com o tempo
semi-longo da conjuntura e o tempo longo da estrutura. Se uma história factual
pode se contentar com unidades de medida temporal mais curtas como os dias,
meses e anos, a história econômica, para analisar curva de preços, progressões
demográficas ou variação de salários, trabalha com medidas bem mais amplas
como décadas e séculos (BRAUDEL, 2011).
O historiador e filósofo José Carlos Reis analisou o debate entre história e antropologia na França,
enfatizando como a resposta de Braudel a Lévi-Strauss foi importante para a reflexão sobre o tempo
histórico.
VOCÊ QUER LER?
Para saber mais, leia: REIS, J. C. História da história (1950/60). História e estruturalismo: Braudel versus
Lévi-Strauss, Revista de História da Historiografia, n. 1, ago. 2008. 
Disponível em: <https://www.historiadahistoriografia.com.br/revista/article/view/1
(https://www.historiadahistoriografia.com.br/revista/article/view/1)>.
Isto é, para se contrapor às críticas de Lévi-Strauss quanto a legitimidade do
conhecimento histórico, Braudel retoma o escalonamento das durações que havia
proposto no prefácio de O mediterrâneo e o mundo mediterrâneo à época de Filipe II.
Desta forma, ele pretende mostrar que o historiador pode trabalhar com o
conceito de estrutura, mas de uma forma menos abstrata. Dizendo de outro
modo, na abordagem historiográfica a estrutura não é uma constante quase fora
da história, mas um fenômeno de longa duração. 
Por estrutura os observadores do social entendem uma organização, uma
coerência, relações suficientemente fixas entre realidades e massas sociais.
Para nós, historiadores, uma estrutura é sem dúvida um agregado, uma
arquitetura, porém mais ainda, uma realidade que o tempo pouco deteriora
e que veicula por um longo período. Certas estruturas, por perdurarem
durante muito tempo, tornam-se elementos estáveis de uma infinidade de
gerações (...) Outras são mais propícias a se desestruturar (BRAUDEL, 2011,
p. 95).
A grande particularidade do uso do termo estrutura por parte dos historiadores, é
que eles não pretendem que ela se situe fora da história. Ou seja, descrever a
estrutura é analisar sua história, levar em conta as mudanças internas e as crises
que levaram ao seu desaparecimento. Retomando o escalonamento em três
níveis, Braudel sustenta que o melhor exemplo de uma estrutura de longa duração
nos estudos históricos, é o meio geográfico. Durante séculos, o homem é
influenciado e determinado pelo clima e pela vegetação. Para que tais estruturas
sejam alteradas é necessária uma longa duração temporal. Outro exemplo citado
pelo autor é o capitalismo mercantil, uma estrutura econômica que vigorou entre
os séculos XIV e XVIII com primazia dos mercadores e papel de destaque para o
acúmulo de metais preciosos. 
https://www.historiadahistoriografia.com.br/revista/article/view/1
Mesmo quando procura compreender alguma estrutura “o historiador nunca sai
do tempo: o tempo se cola a seu pensamento como a terra à pá do jardineiro”
(BRAUDEL, 2011, p. 115). Isso significa que ele pode conjugar o tempo curto dos
eventos ao tempo longo das estruturas. Para o historiador tudo começa e tudo
acaba no tempo. 
Neste tópico, você percebeu que a defesa da interdisciplinaridade entre a história
e as ciências sociais por parte dos Annales, não excluiu a possibilidade de
enfrentamento e disputa entre a história e antropologia. No próximo item, você
verá que na terceira geração dos Annales abriu-se para o diálogo com outros
setores das ciências humanas.
3.3 A terceira geração dos Annales: a
história nova e as mentalidades
A partir de 1968 os Annales experimentaram profundas mudanças. Mais do que
isso, o próprio cenário político e cultural francês estava profundamente agitado
com a greve geral e a revolta estudantil desencadeados a partir de maio de 68.No
campo historiográfico, Braudel não está mais sozinho na direção da revista dos
Annales e passou a contar com a colaboração de jovens historiadores dentre os
quais se destacam Jacques Le Goff, Marc Ferro e Emmanuel Le Roy Ladurie. A
maioria dos estudiosos apontam que a terceira geração da história nova (nouvelle
histoire) foi fortemente marcada pela fragmentação intelectual. Ou seja, se na
primeira geração o centro das atenções estava em Bloch e, sobretudo, em Febvre e
na segunda geração em Braudel, na terceira não há uma única figura a centralizar
o poder no grupo (BURKE, 1997; DOSSE, 2003).  
VOCÊ SABIA?
A terceira geração dos Annales foi a primeira a incluir mulheres no grupo com
destaque para Arlette Farge, Mona Ozouf, Michelle Perrot e Christiane Klapisch. As
duas primeiras gerações dos Annales, foram criticadas pelo movimento feminista
por ter perdido a oportunidade de incorporar as mulheres à história de maneira
mais significativa. Na primeira geração, houve Lucie Varga, estudiosa do fenômeno
religioso, que publicou três artigos na revista dos Annales, escreveu diversas
resenhas e foi professora assistente de Marc Bloch em Paris. 
YAMASHITA, J. G. Lucie Varga: a “desconhecida” historiadora dos Annales (Artigo). In:
Café História – história feita com cliques. Publicado em: 03 Jul 2017. Disponível
em: <https://www.cafehistoria.com.br/lucie-varga-e-os-annales
(https://www.cafehistoria.com.br/lucie-varga-e-os-annales)>.
Para François Dosse, há uma profunda descontinuidade entre a duas primeiras
gerações dos Annales e a terceira. Segundo ele, a nova geração pode ser
caracterizada como uma “história em migalhas”, por ser muito eclética e não
buscar mais compreender a história de forma total como Bloch (a história deve
investigar todo vestígio humano no tempo) ou Braudel (as três durações
temporais). Dessa forma, teria havido uma traição em relação ao projeto dos
fundadores do grupo. A terceira geração, teria renunciado a abordagem que
buscava fazer sínteses de grandes períodos temporais, para se concentrar em
objetos muito plurais. Mais do que elaborar visões globais e sínteses da história, a
preocupação era ampliar o campo de atuação do historiador e multiplicar seus
objetos (DOSSE, 2003; REIS, 2000). 
Um importante marco da terceira geração foi a obra coletiva organizada por
Jacques Le Goff e Pierre Nora intitulada Fazer a história e dividida em 3 volumes:
Novos problemas, Novas abordagens, Novos métodos. Logo na introdução os autores
ressaltam que no espírito dessa obra é possível perceber a influência de Marc
Bloch e Lucien Febvre no que diz respeito à vontade de inovação nos métodos da
história. No entanto, eles advertem, “não há aqui qualquer ortodoxia, mesmo que
fosse a mais aberta” (LE GOFF; NORA, 2011, p. 123). Isso significa que a terceira
geração estava aberta a novos caminhos que não foram trilhados pelos
fundadores dos Annales.
Um setor historiográfico importante que já havia sido explorado por Bloch e
Febvre, mas que ganhou protagonismo na terceira geração dos Annales, foi a
“História das mentalidades”. Segundo François Dosse, os historiadores se voltaram
para o estudo das estáveis estruturas mentais, como uma forma de tentar
compensar o contexto de instabilidade política. “O historiador, na falta de um
projeto coletivo, reflui para a pesquisa dos valores locais, do cotidiano, das
permanências” (DOSSE, 2001, p. 120).  Embora a noção de mentalidade muitas
vezes seja empregada de forma vaga e ambígua, Le Goff destaca que ela foi um
https://www.cafehistoria.com.br/lucie-varga-e-os-annales
importante contraponto à história econômica. Para ele “as mentalidades arejaram
a história” (LE GOFF, 2011, p. 161). A ênfase na dimensão mental, portanto, é uma
reação contra Braudel, uma busca de escape a qualquer determinismo geográfico
ou econômico sobre o comportamento humano (BURKE, 1997). O quantitativo
cede lugar ao qualitativo.
Observam-se então, nos anos 1970, um declínio dos assuntos relacionados
à socioeconomia, um desinteresse relativo pelos temas demográficos da
década anterior (...) Quantos artigos não apareceram, então, sobre a morte,
a sexualidade, a criminalidade ou a delinquência, a sociabilidade, as faixas
etárias, as algazarras, a devoção popular (...) Agora, os testamentos,
especialmente, tornaram-se uma fonte para o estudo das mentalidades
religiosas (ARIÈS, 2011, p. 278).
A defesa da história das mentalidades significou um espaço maior para os
fenômenos culturais em detrimento das análises demográficas e econômicas. Na
primeira geração dos Annales o historiador que mais dialogou com a psicologia
coletiva foi Lucien Febvre que buscou estudar o comportamento coletivo numa
espécie de “psicologia histórica”. Peter Burke sistematiza três características para
adaptação do conceito de mentalidade ao campo da história: (A) Prevalência das
ideias e crenças dos grupos sobre as ideias e crenças dos indivíduos; (B)
Abordagem não apenas da dimensão consciente, mas também da inconsciente;
(C) Abordagem do conteúdo das crenças por meio de símbolos e metáforas e
investigar as relações entre os diferentes sistemas de crenças (BURKE, 1986). 
Um exemplo instigante de investigação acerca da mentalidade religiosa foi
empreendido por Jacque Le Goff. Em um conhecido artigo intitulado “Na idade
média: tempo da igreja, tempo do mercador”, o historiador francês procurou
mostrar como foi necessário acontecer uma mudança na mentalidade em relação
ao tempo, para o surgimento da economia capitalista. Esta mudança aconteceu na
Figura 3 - Mapa conceitual sobre a História das Mentalidades. Fonte: Elaborado pelo autor, 2018.
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Baixa Idade Média com o fortalecimento dos mercadores. O tempo da igreja era
regulado pelo soar do sino que convocava os membros do clero para o serviço
religioso e os fiéis para as cerimônias. Nesta mentalidade a unidade de medida era
mais ampla, o dia era divido em intervalos de três horas. O trabalho dos
camponeses também era regulado por este tempo sem muita precisão, entre o
nascer e o pôr do sol. A princípio, assim como o camponês, o mercador também
estava sujeito ao tempo da natureza. Porém, em virtude do aumento da circulação
de moeda e o consequente crescimento no volume das transações comerciais,
tornou-se necessário medidas de tempo mais precisas, simbolizados nos relógios
construídos em espaços públicos.
Mercadores e artífices substituem este tempo da igreja pelo tempo mais
exatamente medido, utilizável para tarefas profanas e laicas, o tempo dos
relógios. Na ordem do tempo, estes relógios, erguidos por toda parte, face
aos sinos da igreja, são a grande revolução comunal. Tempo urbano mais
complexo e refinado que o tempo simples do campo medido pelos sinos
rústicos (LE GOFF, 1980, p. 53).
Gradativamente, o tempo foi deixando de se referir a uma dimensão sagrada e
passou a ser uma dimensão da vida humana. Na verdade, o mercador fazia uma
distinção: havia o tempo da igreja, que governava suas atividades religiosas e sua
expectativa de salvação eterna, mas, havia também o tempo do trabalho, que
regulava suas atividades comerciais de compra e venda. Dessa forma, tornou-se
possível, inclusive a prática da usura, isto é, a prática do empréstimo de dinheiro
em troca de juros. Antes, quando o tempo era visto como algo estritamente divino,
a Igreja cristã proibia esta prática. O tempo do mercador é mensurável,
quantificável, controlável e, por isso, vendável. O tempo se tornou uma
propriedade dos homens. O tempo da igreja era marcadamente agrário, ligado ao
ritmo da natureza e do trabalho dos camponeses. O tempo do mercador, por sua
vez, era marcadamente urbano, ligado ao ritmo das transações comerciais na
cidade, mensurado pelos relógios mecânicos (LE GOFF, 1980).
Segundo o historiador francês Philippe Ariès (2011), o fortalecimento dos estudos
de história das mentalidades na segunda metade do século XX, está relacionado
ao sucesso da psicanálise. Se a disciplina inaugurada por Freud se preocupava
com o inconsciente individual,a historiografia se ocuparia do inconsciente
coletivo. Mas o que seria o inconsciente coletivo? Para Ariès, o inconsciente
coletivo se refere àquelas estruturas mentais não percebidas por quem vivenciou
determinada época, os lugares-comuns naturalizados e não questionados. A
mentalidade está no nível do cotidiano, do automático, daquilo que escapa aos
sujeitos individuais. Retomando o exemplo de Le Goff podemos afirmar que, ao
longo da Baixa Idade Média, as pessoas não tinham consciência clara da mudança
na mentalidade em relação ao tempo. Assim, uma das funções do olhar
retrospectivo do historiador seria, justamente, esclarecer e explicar os aspectos da
visão de mundo que não foram percebidos por aqueles que vivenciaram os
acontecimentos.
No artigo BARROS, J. A. História, imaginário e mentalidades: delineamentos possíveis. Conexão.
Comunicação e Cultura, UCS, Caxias do Sul, v. 6, n. 11, jan-jun, 2007, você encontra uma comparação
entre os conceitos de “mentalidade” e “imaginário”.
Para encerrar nosso breve olhar sobre a terceira geração dos Annales, vejamos
quais foram as principais objeções lançadas contra a história das mentalidades.
Depois de experimentar um grande sucesso no meio historiográfico a noção de
história das mentalidades passou a ser duramente criticada. Em primeiro lugar, as
críticas incidiam sobre o caráter ambíguo e pouco preciso do conceito. Em
segundo lugar, quando o historiador atribui a uma sociedade uma mentalidade
comum, ele corre o risco de realizar generalizações abusivas, subestimando as
variações individuais de uma mentalidade (DELACROIX; DOSSE, GARCÍA, 2012). 
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3.4 A questão da memória na história
Durante bastante tempo, a história foi vista como uma continuação da memória
em sua tarefa de salvar do esquecimento os feitos humanos realizados no tempo,
como dizia Heródoto, o primeiro historiador na Grécia Antiga. Porém, no início do
século XX a aliança entre história e ciências sociais proposta pelos Annales,
resultou na separação entre história e memória. Assim, a historiografia assumiu
para si a função de criticar e desmistificar algumas construções de sentido para o
passado realizadas pela memória. Os argumentos do sociólogo durkheimiano
Maurice Halbwachs, ilustra bem esse olhar exterior da historiografia em relação à
memória. Halbwachs era um sociólogo da escola de Durkheim, e pretendia
mostrar que a memória não deve ser abordada apenas em sua dimensão
psicológica e individual. Ou seja, sua proposta é uma abordagem sociológica que
entenda a memória como um fato social (HALBWACHS, 1990; CATROGA, 2015;
MENDES, 2016).
Na perspectiva de Halbwachs, que foi muito influente sobre a historiografia
francesa, mesmo as recordações mais individuais estão ligadas à memória
coletiva, uma vez que, para evocar seu próprio passado, o sujeito precisa lançar
mão das lembranças de outras pessoas. Nesse sentido, é importante
compreendermos que na experiência vivida, a memória individual sempre
coexiste, embora nem sempre de modo pacífico, com as memórias da família, dos
grupos sociais, e da nação. Como todo indivíduo está inserido numa sociedade,
essas recordações são transmitidas a ele durante a convivência social e informam
a sua identidade (MENDES, 2016).
Nesta chave de leitura, houve inúmeros esforços na historiografia francesa que
buscaram fazer da memória, um dos objetos da história. A distinção entre história
e memória era tão grande, que Halbwachs afirmava que a história começa onde a
memória termina. Por isso, a memória deveria ser vista apenas como mais uma
fonte que a história interroga de maneira crítica.
CASO
Fernando é professor no ensino médio em uma escola de Ouro Preto,
Minas Gerais e precisa resolver um problema. Seus alunos receberam de
seus ancestrais, a memória coletiva de Tiradentes como um herói nacional.
Para problematizar essa concepção, Fernando trabalhou com seus alunos a
diferença entre a história como ciência dos homens no tempo e a memória
coletiva como uma representação dos eventos do passado, transmitida de
geração em geração e que está ligada a determinados interesses políticos e
sociais. Assim, Fernando procurou mostrar que o historiador não
desqualifica a memória coletiva, mas a utiliza como uma fonte que deve
ser analisada de maneira crítica. No caso da Inconfidência Mineira é
importante salientar que o movimento defendia a independência, apenas,
da província de Minas Gerais e não do país inteiro. Logo, é equivocado
pensar em Tiradentes como um herói nacional.
No contexto de valorização da história cultural ocorrido durante a terceira geração
dos Annales, a memória foi anexada à esfera da cultura para que os historiadores
pudessem analisá-la como mais um de seus objetos. A relação entre história e
memória ganhou destaque a partir do conceito de lugar de memória, proposto
pelo historiador francês Pierre Nora. Os lugares de memória é o título de uma
grande obra coletiva publicada ao longo de 8 anos, entre 1984 e 1992 e, que
contou com a participação de 130 historiadores totalizando mais de seis mil
páginas. Este projeto foi um sucesso editorial e pode ser considerada como um
marco nos estudos que tomam a memória como objeto da história. Mas, o que
seria, afinal, um lugar de memória?
Segundo Nora (1993), os lugares de memória, surgiram na modernidade, porque
neste período a busca incessante pela novidade enfraqueceu nossa relação com a
tradição e com o passado. O lugar de memória busca construir e reforçar uma
determinada identidade coletiva, ele cria a continuidade entre o passado e o
presente. O lugar de memória pode ser material ou imaterial, concreto ou abstrato
e possui um grande significado simbólico (NORA, 1993). Vejamos alguns exemplos
de lugar de memória. Na figura a seguir, podemos ver a Praça Sete, que é a
principal praça do centro de Belo Horizonte. Seu nome original era 12 de Outubro,
numa referência ao descobrimento da América. O nome foi mudado para Praça
Sete de Setembro, em 1922, durante as comemorações do centenário da
independência do Brasil. Assim, seu principal objetivo era reforçar a identidade
nacional. 
É importante destacar que os Lugares de memória não surgem de forma
espontânea ou natural. Eles surgem em meio a disputas pelo poder,
especialmente, em momentos de crise. Nesses momentos, é muito comum que os
sujeitos façam uso do passado para legitimar os seus interesses no presente. Uma
das funções do historiador, é analisar criticamente as representações do passado
veiculadas pelos lugares de memória. Isso significa, estar atento as relações de
força em jogo na sociedade em que o lugar de memória foi instituído. Não existe
nenhum lugar de memória “neutro”, que não esteja relacionado, de uma forma ou
de outra a uma disputa de poder. Por exemplo, na modernidade, vários estados
nacionais utilizaram os lugares de memória, para legitimar seus mitos de fundação
e seus heróis nacionais. Um exemplo disso podemos perceber na imagem abaixo.
A bandeira do Brasil durante o Segundo Reinado, utilizava o brasão da família real
(Bragança) e buscava ligar a identidade do Brasil aos seus laços portugueses. 
Figura 4 - A Praça Sete é um importante lugar de memória de Belo Horizonte. Fonte: Thiago
Fernandes BHZ, Shutterstock, 2018.
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O historiador deve reconhecer as condições históricas de produção dos lugares de
memória, como suportes de relações sociais e pensar o lugar de memória como
instrumento de poder. Isto é, no processo de construção dos lugares de memória,
vários grupos são esquecidos e silenciados. Um bom exemplo disso é a bandeira
nacional da república brasileira, como podemos ver na imagem abaixo. Criada
após a Proclamação da República, a Bandeira Nacional, visa reforçar o sentimento
de pertencimento à história do Brasil e ao mesmo tempo esquecer a tradição
monarquista que utilizava outra bandeira. 
Figura 5 - A bandeira do Brasil-Império é um lugar de memória cujo objetivo era enaltecer a família
real portuguesa como fundadora da nação. Fonte: Filipe Frazao,Shutterstock, 2018.
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A distinção entre história e memória trouxe como um importante resultado a
reflexão sobre os lugares de memória. Entretanto, atualmente, a tendência
predominante busca conciliar história e memória em vez de separá-las
radicalmente. Uma figura de destaque, nesse sentido, é o filósofo francês Paul
Ricoeur com sua obra A memória, a história, o esquecimento, publicada
originalmente em 2000. Um dos objetivos de Ricoeur nesta vasta obra é propor
uma dialética entre memória e história. Deste modo, ele pretendeu fugir ao
dualismo típico da historiografia francesa dos Annales durante um determinado
período no qual a memória aparecia como algo fluido e sentimental, ao passo que
a historiografia figurava como a instância crítica e científica. Porém, sua proposta
também não visa recair em uma simples complementaridade entre história e
memória. Mais do que isso, na perspectiva ricoeuriana, a memória é entendida
como a matriz da história. Mas o que isso significa afirmar que a memória é matriz
e não objeto da história?
Figura 6 - A bandeira brasileira republicana é um lugar de memória nacional. Fonte: Globe Turner,
Shutterstock, 2018.
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A memória é matriz da história, porque ela é um dos modos como produzimos
sentido para o passado. Quanto a isso, é importante destacar que antes de haver
escrita da história, a memória é a nossa primeira via de representação do passado.
Em nossa consciência lembramos, recordamos e também imaginamos os eventos
do passado. A recordação surge com a formação de uma imagem no presente que
simboliza uma experiência ausente. Portanto, a memória é mais do que um objeto
de estudo da história. Ela faz parte da nossa condição humana como seres
temporais e históricos (RICOEUR, 2007).
Síntese
Ao longo deste capítulo realizamos um panorama sobre a Escola dos Annales,
importante corrente historiográfica francesa. Como vimos, estes historiadores
trouxeram relevantes contribuições para a historiografia, principalmente, no que
diz respeito ao tempo histórico e à noção de fonte histórica. Além disso,
observamos as principais características da reflexão sobre a relação entre história
e memória, um dos mais importantes debates historiográficos da atualidade. 
Neste capítulo, você teve a oportunidade de:
entender a dialética da duração proposta por Marc Bloch e Lucien Febvre na
primeira geração dos Annales;
compreender como Braudel construiu sua reflexão sobre a longa duração e
como ela foi importante no debate travado com Lévi-Strauss;
refletir sobre as principais características da chama história das
mentalidades proposta pela terceira geração dos Annales;
compreender as relações entre história e memória com destaque para a
categoria de lugar de memória.
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