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2012 Cultura PoPular Brasileira Prof.ª Emanuele Cristina Siebert Prof.ª Ligia Karina Meneghetti Chiarelli Copyright © UNIASSELVI 2012 Elaboração: Prof.a Emanuele Cristina Siebert Prof.a Ligia Karina Meneghetti Chiarelli Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. 306.4 S5712c Siebert, Emanuele Cristina. Cultura Popular Brasileira / Emanuele Cristina Siebert [e] Lígia Karina Meneghetti Chiarelli. Centro Universitário Leonardo da Vinci – Indaial, Grupo UNIASSELVI, 2012.x ; 194. p.: il Inclui bibliografia. ISBN 978-85-7830-329-7 1. Cultura Popular Brasileira 2. Instituição Cultural I. Centro Universitário Leonardo da Vinci II. Núcleo de Ensino a Distância Impresso por: III aPresentação Caro acadêmico, é um prazer estar com você! Já de antemão, explicitamos que a Cultura Popular é ampla e está em constante movimento. Por isso, não conseguiremos e nem conseguiríamos resumir e exemplificar a Cultura Popular Brasileira que é tão rica em suas formas em algumas páginas, mas trataremos do tema para que você possa, a partir dos conceitos aqui discutidos e exemplos dados, construir suas próprias concepções, incluí-las nos conteúdos escolares e ver todas as manifestações populares a partir de um novo olhar. Na elaboração deste livro didático, realizamos uma parceria interessante, pois ambas somos professoras de artes, no entanto, temos formações em áreas diferentes, uma em Artes Plásticas e outra em Música. Ao longo de todo o livro, esperamos dialogar com as possibilidades de utilização deste conteúdo no ensino da Arte. Um abraço e bons estudos! Prof.a Emanuele Cristina Siebert Prof.a Ligia Karina Meneghetti Chiarelli IV Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfi m, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! NOTA Olá acadêmico! Para melhorar a qualidade dos materiais ofertados a você e dinamizar ainda mais os seus estudos, a Uniasselvi disponibiliza materiais que possuem o código QR Code, que é um código que permite que você acesse um conteúdo interativo relacionado ao tema que você está estudando. Para utilizar essa ferramenta, acesse as lojas de aplicativos e baixe um leitor de QR Code. Depois, é só aproveitar mais essa facilidade para aprimorar seus estudos! UNI V VI VII sumário UNIDADE 1 – CULTURA ................................................................................................................... 1 TÓPICO 1 – CULTURA POPULAR ................................................................................................... 3 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 3 2 CULTURA ............................................................................................................................................ 3 2.1 CULTURA ERUDITA .............................................................................................................. 8 2.2 CULTURA DE MASSA ........................................................................................................... 9 2.3 CULTURA POPULAR ............................................................................................................. 10 3 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ..................................................................................................... 11 RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 12 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 13 TÓPICO 2 – FORMAÇÃO CULTURAL DO POVO BRASILEIRO ............................................ 15 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 15 2 PRIMEIROS HABITANTES ............................................................................................................ 15 3 UMA NOVA CULTURA SE INSTALA .......................................................................................... 17 3.1 A COLONIZAÇÃO ...................................................................................................................... 17 3.2 CHEGADA DA FAMÍLIA REAL ............................................................................................... 20 4 OS AFRICANOS ................................................................................................................................ 20 5 A IMIGRAÇÃO .................................................................................................................................. 26 6 INDUSTRIALIZAÇÃO E URBANIZAÇÃO ................................................................................ 29 7 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ................................................................................................... 30 RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 33 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 34 TÓPICO 3 – EDUCAÇÃO E PLURALIDADE CULTURAL ......................................................... 37 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 37 2 EDUCAÇÃO ....................................................................................................................................... 37 2.1 TEMAS TRANSVERSAIS: PLURALIDADE CULTURAL .................................................. 39 2.2 HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA NA ESCOLA .................... 42 3 LEIS DE INCENTIVO À CULTURA .............................................................................................. 44 4 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ................................................................................................... 45 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 45 RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 48 AUTOATIVIDADE.............................................................................................................................. 49 UNIDADE 2 – ARTE POPULAR ........................................................................................................ 51 TÓPICO 1 – FOLCLÓRICO E POPULAR ........................................................................................ 53 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 53 2 CULTURA POPULAR E FOLCLORE............................................................................................. 53 3 MOSAICO ........................................................................................................................................... 56 3.1 ESPORTE ........................................................................................................................................ 57 VIII 3.2 CULINÁRIA .................................................................................................................................. 58 3.3 BEBIDAS ...................................................................................................................................... 61 3.3.1 Bebidas regionais ................................................................................................................. 64 4 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ................................................................................................... 64 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 66 RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 70 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 71 TÓPICO 2 – MÚSICA POPULAR ..................................................................................................... 73 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 73 2 DEFINIÇÕES ...................................................................................................................................... 73 3 HISTÓRICO DA MÚSICA POPULAR NO BRASIL .................................................................. 74 3.1 ORIGENS ............................................................................................................................. 75 3.2 DA ÉPOCA DE OURO À ERA DOS FESTIVAIS ............................................................. 77 3.3 DA TROPICÁLIA AOS DIAS ATUAIS ............................................................................. 81 4 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ................................................................................................... 83 RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 85 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 86 TÓPICO 3 – ARTE E ARTESANATO ............................................................................................... 89 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 89 2 ARTE X ARTESANATO ................................................................................................................... 90 2.1 O ARTESANATO NO BRASIL ............................................................................................... 93 3 CERÂMICA ......................................................................................................................................... 95 3.1 CERÂMICA UTILITÁRIA ...................................................................................................... 95 3.2 CERÂMICA FIGURATIVA ..................................................................................................... 98 4 TRANÇADOS .................................................................................................................................... 100 5 RENDAS E BORDADOS ................................................................................................................. 101 6 PINTURA PRIMITIVA ..................................................................................................................... 103 7 ENTALHE ............................................................................................................................................ 104 8 GRAVURAS ........................................................................................................................................ 106 9 A ARTE POPULAR E ERUDITA ..................................................................................................... 107 10 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ................................................................................................. 107 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 108 RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 113 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 114 UNIDADE 3 – FOLCLORE ................................................................................................................. 117 TÓPICO 1 – ARQUITETURA, RELIGIOSIDADE E LITERATURA POPULAR ..................... 119 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 119 2 ARQUITETURA ................................................................................................................................. 119 3 RELIGIOSIDADE .............................................................................................................................. 122 3.1 RITOS DE PASSAGEM ...................................................................................................... 126 4 CRENDICES E SUPERSTIÇÕES .................................................................................................... 127 4.1 AMULETOS ........................................................................................................................ 128 4.2 SIMPATIA............................................................................................................................ 128 5 MEDICINA POPULAR ..................................................................................................................... 129 5.1 ERVAS, RAÍZES E FRUTAS ............................................................................................... 130 6 LITERATURA POPULAR ................................................................................................................ 131 IX 6.1 MITOS E LENDAS ............................................................................................................. 132 6.2 DITADOS OU PROVÉRBIOS ............................................................................................ 133 6.3 DÍSTICOS DE CAMINHÃO .............................................................................................. 134 6.4 PARLENDAS....................................................................................................................... 135 6.5 TRAVA-LÍNGUAS .............................................................................................................. 136 6.6 ADIVINHAS .......................................................................................................................136 6.7 CORDEL .............................................................................................................................. 137 6.8 PÃO POR DEUS ................................................................................................................. 139 RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 140 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 142 TÓPICO 2 – FESTAS POPULARES E MÚSICA FOLCLÓRICA ................................................. 145 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 145 2 FESTAS POPULARES ....................................................................................................................... 145 2.1 CARNAVAL ........................................................................................................................ 146 2.2 FESTAS JUNINAS .............................................................................................................. 148 3 MÚSICA FOLCLÓRICA .................................................................................................................. 149 4 INSTRUMENTOS MUSICAIS ....................................................................................................... 153 5 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ................................................................................................... 154 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 155 RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 159 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 160 TÓPICO 3 – PRESERVAÇÂO, TURISMO E PESQUISA .............................................................. 161 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 161 2 PATRIMÔNIOS CULTURAIS DO BRASIL ................................................................................. 161 2.1 PATRIMÔNIOS MATERIAIS ............................................................................................. 162 2.2 PATRIMÔNIOS IMATERIAIS ........................................................................................... 162 3 PATRIMÔNIOS DA HUMANIDADE NO BRASIL ................................................................... 164 4 CULTURA POPULAR E TURISMO .............................................................................................. 165 5 PESQUISA ........................................................................................................................................... 166 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 168 RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 170 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 171 TÓPICO 4 – SALA DE AULA ............................................................................................................. 173 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 173 2 PESQUISANDO NA COMUNIDADE .......................................................................................... 173 3 PORTFÓLIO OU AUTOBIOGRAFIA FOLCLÓRICA ............................................................... 174 4 LIVRETO DE CORDEL .................................................................................................................... 177 5 FOTOGRAFANDO A ARQUITETURA DA CIDADE ............................................................... 179 6 A MISCIGENAÇÃO ÉTNICA E O RESPEITO ÀS DIFERENÇAS .......................................... 180 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 184 RESUMO DO TÓPICO 4..................................................................................................................... 188 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 189 REFERÊNCIAS ...................................................................................................................................... 191 X 1 UNIDADE 1 CULTURA OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir dos estudos desta unidade, você deverá ser capaz de: • definir cultura popular; • diferenciar cultura popular, cultura de massa e cultura erudita; • contextualizar como se deu a formação da cultura brasileira, traçando um paralelo com a cultura contemporânea; • inserir o tema transversal Pluralidade Cultural em seu planejamento de ensino enquanto professor; • conhecer as leis de incentivo à cultura Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade, você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – CULTURA POPULAR TÓPICO 2 – FORMAÇÃO CULTURAL DO POVO BRASILEIRO TÓPICO 3 – EDUCAÇÃO E PLURALIDADE CULTURAL Assista ao vídeo desta unidade. 2 3 TÓPICO 1 UNIDADE 1 CULTURA POPULAR 1 INTRODUÇÃO 2 CULTURA A cultura é um fenômeno em construção, não está acabada em si. Ela se projeta em transformação constante. Vários autores tratam como sinônimas as palavras cultura popular, cultura de massa e folclore. No entanto, compreendemos que são palavras distintas e trazemos aqui alguns autores que nos auxiliarão a conceituar “cultura popular”. Neste tópico, primeiramente, discutiremos o conceito de cultura e, em seguida, a especificidade da cultura popular. A expressão “cultura” é utilizada quando nos referimos ao que é produzido pelo homem em contraposição ao que é dado pela natureza, pois somos seres sociais e aprendemos uns com os outros. Se não convivêssemos com outros indivíduos desde o nosso nascimento, certamente não sobreviveríamos ou nos comportaríamos como animais. Isso porque não nascemos humanos, mas nos tornamos humanos. A presença de outro adulto, geralmente os pais, ensinando- nos a falar, a comer, a brincar, entre outras atividades, permitiu-nos aprender e, independente da idade, continuamos a aprender um pouco a cada dia. Esses ensinamentos e os hábitos que adquirimos são CULTURA. Assim, o que não é dado pela natureza, o que não é biológico, mas que é dado pelo homem, produto da vida coletiva, é cultural (VYGOTSKY, 2003) (SANTOS, 1983). Ou seja, andar, comer e chorar são necessidades biológicas e em qualquer parte do mundo elas estão presentes onde há a presença dos homens. UNIDADE 1 | CULTURA 4 FONTE: <noticias.r7.com/.../files/2009/11/choro.jpg>. Acesso em: 2 maio 2010. Já os demais instrumentos e signos são culturais, pois são criados pelo homem e têm perpassado gerações, por isso sobreviveram. Um exemplo são os instrumentos que usamos para comer, pois, biologicamente, levaríamos a boca até a comida, como o fazem os animais ou comeríamos com as mãos. Todavia, o homem criou instrumentos para comer e que são diferentes em alguns povos. Há povos que, como os japoneses, comem com hashi (palitos de madeira), já há outros, como os europeus, usam o garfo. FONTE: <www.objetosdedesejo.com/.../09/gold_hashi1.jpg> e <quintosabor.files.wor- dpress.com/2008/05/garfo.jpg>. Acesso em: 2 maio 2010. Na história da psicologia, já foram registrados alguns casos de crianças quecresceram fora do convívio com outros seres humanos pelos mais diversos motivos e, no qual, seus corpos resistiram. Porém, consequentemente não aprenderam a falar, a escrever, a serem sociáveis como os demais de sua espécie, FIGURA 1 – O CHORO É UMA NECESSIDADE BIOLÓGICA FIGURA 2 – HASHI E GARFO, EXEMPLOS DE INSTRUMENTOS CULTURAIS USADOS PARA COMER TÓPICO 1 | CULTURA POPULAR 5 ou seja, não adquiriram hábitos culturais comuns a grupos da espécie humana; aprenderam e passaram a ter comportamentos característicos dos animais com os quais conviveram. Segundo EDUC (2010), são expostas histórias de crianças selvagens, criadas por animais em vários lugares do mundo, entre os quais citamos: • A menina portuguesa Isabel, encontrada em 1980, que passou a infância em um galinheiro. Tinha características físicas e comportamentais como as dos galináceos (posição dos braços idênticos às asas da galinha, dentição formada como se fosse um bico e balançava os braços como se fossem asas). • Um menino de 12 anos foi encontrado em 1973 vivendo com um grupo de macacos no Sri Lanka. Ele gruía, uivava, andava de quatro e se sentava como um macaco. Isso que lhe parece improvável em pleno século XXI? Não se engane, leia a seguir a manchete datada de 27 de junho de 2009. FONTE: <http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL1175549-5602,00-MENINA+RUSSA+- QUE+VIVIA+TRANCADA+COM+CAES+E+GATOS+RECUPERASE+DIZEM+MEDICOS.html>. Acesso em: 9 maio 2010. FIGURA 3 – MANCHETE DE JORNAL DICAS Titulo original: (Nell) Lançamento: 1994 (EUA) Direção: Michael Apted Gênero: Drama Sinopse: Uma jovem (Jodie Foster) é encontrada em uma casa na floresta, onde vivia com sua mãe eremita, mas o médico (Liam Neeson) que a encontra após a morte da mãe constata que ela se expressava em um dialeto próprio, evidenciando que até aquele momento ela não havia tido contado com outras pessoas. Intrigado com a descoberta e ao mesmo tempo encantado com a inocência e a pureza da moça, ele tenta ajudá-la a se integrar na sociedade. UNIDADE 1 | CULTURA 6 Segundo Santos (1983, p. 27), a palavra cultura é “de origem latina e em seu significado original está ligada às atividades agrícolas. Vem do verbo latino colere, que quer dizer cultivar”. Ou seja, o que é criado pelo homem e por este cultivado através do repasse pelas gerações, diz respeito ao seu modo de ser e de viver. Portanto, a cultura está relacionada com nosso modo de viver, manusear os bens materiais, morar, comer, pensar etc. Assim, podemos afirmar que onde há agrupamentos humanos, há cultura, pois cada grupo procura uma organização e a cultura surge da necessidade do homem em encontrar soluções para o dia a dia. Para Santos (1983, p. 8), “cada realidade cultural tem sua lógica interna a qual devemos procurar conhecer para que façam sentido as suas práticas, costumes, concepções e as transformações pelas quais passam”. Tomamos, por exemplo, a linguagem que também integra a cultura do homem, de um país ou de uma determinada região. Te dua, Je t’aime, Hum Tumhe Pyar Karte hae, Aishiteru e Te quiero. Você compreendeu algo ao ler? Talvez uma porcentagem irrisória de acadêmicos compreenda as palavras citadas por já terem estudado algum desses idiomas, mas, para a maioria, inclusive para nós autoras, as palavras nos são estranhas por não termos aprendido essas línguas e não fazerem parte do nosso cotidiano. As palavras acima traduzidas para o português, nosso idioma oficial, significam “te amo”, nas respectivamente línguas: albanês, francês, indiano, japonês e espanhol. Se você conseguiu ler até aqui é por que aprendeu a codificar os signos, ou seja, as letras, pois o que está escrito poderiam ser apenas manchas no papel, mas, culturalmente, elas têm um significado. As línguas falada e escrita também são integrantes da cultura, pois são uma convenção de signos entre os integrantes de uma mesma sociedade. Segundo Santos (1983, p. 8): cada realidade cultural tem sua lógica interna, que devemos conhecer para que façam sentido suas práticas, costumes, concepções e as transformações pelas quais passam. É preciso relacionar a variedade de procedimentos culturais com os contextos em que são produzidos. As variações nas formas de família, por exemplo, ou nas maneiras de habitar, de se vestir ou de distribuir os produtos do trabalho não são gratuitas. Fazem sentido para os agrupamentos humanos que as vivem, são resultado de sua história, relacionam-se com as condições materiais de sua existência. Entendido assim, o estudo da cultura contribui no combate a preconceitos, oferecendo uma plataforma firme para o respeito e a dignidade nas relações humanas. Você já estudou cultura no Livro Didático de Psicologia e Sociologia. Vale a pena dar novamente uma olhada! TÓPICO 1 | CULTURA POPULAR 7 Cultura diz respeito à humanidade como um todo e, ao mesmo tempo, a cada um dos povos, pois cada região possui particularidades e uma caminhada histórica. A cultura pode ser subdividida em três áreas: erudita, popular e de massa. São áreas que explicaremos separadamente por serem propagadas por diferentes meios e atingirem diferentes camadas da sociedade, mas que se relacionam entre si, confundindo-se muitas vezes. Conforme a Figura 4, ainda podemos subdividir a cultura popular em folclore. Quanto ao folclore, dedicaremos uma unidade deste caderno à cultura popular. FONTE: As autoras Vejamos o significado de cada uma dessas áreas e seus exemplos. FIGURA 4 – A CULTURA E SUAS DIVISÕES POR ÁREAS DE ABRANGÊNCIA DICAS Sugestão de leitura: O que é Cultura de José Luiz dos Santos. Livro de fácil compreensão que explica como a cultura surgiu e se modificou ao longo da história. UNIDADE 1 | CULTURA 8 2.1 CULTURA ERUDITA A cultura erudita é geralmente associada com as classes dominantes. Há um processo de legitimação, geralmente dado por instituições acadêmicas, tais como universidades e especialistas (engenheiros, advogados, médicos, críticos de arte, historiadores, cientistas etc.). Abrange uma minoria da população e exige estudo e pesquisa. Parte da cultura erudita outrora já foi popular, pois pensamos em muitas obras de arte que foram produzidas por artesãos, mas que na contemporaneidade integram Museus aos quais apenas uma minoria da população tem acesso e compreensão. Outro exemplo que podemos dar é que parte do conhecimento que integra a cultura erudita teve seu início nas crenças populares, pois acerca da criação do universo, a cultura popular tem várias versões, no entanto, os cientistas, antropólogos e arqueólogos já encontraram evidências e desenvolveram pesquisas que dão outras versões, entre os quais está a Teoria do Big Bang. A arte e as questões que a envolvem como a estética, a história da arte, bem como o acesso e a compreensão das obras também são questões culturais que compõem a cultura erudita, pois estas passam por um processo de legitimação e apenas uma pequena parcela da população compreende e tem acesso a essa área de conhecimento. Comumente é na escola que temos acesso à cultura erudita, mas seu acesso também pode ser dado por meio de leituras, documentários, visitas a locais como museus, galerias, bibliotecas etc. FONTE: <http://correiociencia.files.wordpress.com/2009/10/ciencia.jpg>. Acesso em: 30 maio 2010. FIGURA 5 – ESTUDOS CIENTÍFICOS, PESQUISAS E REGISTROS HISTÓRICOS INTEGRAM A CULTURA ERUDITA TÓPICO 1 | CULTURA POPULAR 9 2.2 CULTURA DE MASSA Até o surgimento das tecnologias, falava-se apenas em cultura erudita e cultura popular, mas com as novas tecnologias e o poder de difusão das informações, surge a cultura de massa. Esta não está vinculada a algum grupo específico, pois atinge todas as camadas sociais e é fornecida pela indústria cultural, ou seja, os meios de comunicação entre os quais está o rádio, a televisão, o cinema, as revistas, as músicas, a internet e os jornais. Na cultura de massa, “tais meios de comunicação não só transmitem informações, não só apregoammensagens. Eles também difundem maneiras de se comportar, propõem estilos de vida, modos de organizar a vida cotidiana, de arrumar a casa, de se vestir, maneiras de falar e de escrever, de sonhar, de sofrer, de pensar, de lutar, de amar”. (SANTOS, 1983, p. 69) A cultura de massa pregoa o consumismo, é só pensarmos quando os meios de comunicação divulgam um novo modelo de carro ou estreia uma telenovela, logo, o carro passa a ser o sonho de consumo de muitas famílias e as vitrines das lojas passam a exibir roupas no estilo dos personagens das novelas, influenciando deste o modo de falar até a cor do esmalte. Com certeza você também já foi influenciado pela mídia, pois já deve ter visto uma roupa que lhe pareceu feia, mas que depois de ver seu artista preferido usando, acabou comprando uma peça também; ou ouviu as expressões “cada mergulho é um flash”, “é nóis na fita”, “mármore do inferno”, todas as expressões usadas na televisão, mas que se popularizaram. O poder da indústria cultural é tanto que muitas pessoas acabam perdendo a cultura em que foram criados ou modificam-na drasticamente. A cultura de massa procura homogeneizar a sociedade, fazendo com que todos pensem, se vistam e falem da mesma maneira. Veja a charge a seguir e reflita sobre a influência da mídia e consequentemente sobre a cultura de massas. UNIDADE 1 | CULTURA 10 FONTE: <www.apoioescola.com.br/lumis/portal/file/fileDownload.jsp?fileId>. Acesso em: 20 jun. 2010. 2.3 CULTURA POPULAR A cultura popular diz respeito ao que pertence à maioria do povo, que atinge a maior parte da população e que não é ensinado em espaços formais de ensino. Comumente, dizemos que a cultura popular se opõe à cultura erudita e frequentemente é confundida com cultura de massa. A cultura popular é aquela que surge como resolução de problemas cotidianos e é criada pelo povo e para o povo. Sua construção é histórica e pode abranger crenças, modos de viver, pensar etc. Cada povo produz sua própria cultura e por isso, cada país, estado, cidade ou bairro possui uma cultura própria, diferente, peculiar. Segundo Ayala e Ayala (1987, p. 66): a cultura popular não constitui um sistema, no mesmo sentido em que se pode falar de sua existência na cultura erudita – um conjunto de produções artísticas, filosóficas, científicas etc., elaboradas em diferentes momentos históricos e que têm como referência o que foi realizado anteriormente [...]. As próprias condições de existência dos grupos subalternos das sociedades de classes implicam não só a desigualdade de acesso aos produtos da cultura dominante, FIGURA 6 – CONSUMISMO PROPAGADO PELA MÍDIA E QUE RESULTA NA CUL- TURA DE MASSA – CHARGE DE QUINO COM A PERSONAGEM MAFALDA TÓPICO 1 | CULTURA POPULAR 11 3 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES mas também a falta de meios materiais de registro duradouro de sua produção cultural (desde a escrita aos modernos instrumentos de registro sonoro e visual). A documentação da cultura popular, por conseguinte, depende da memória, que tem seus limites, ou do registro realizado por estudiosos, fragmentário e dirigido por critérios diferentes dos que são próprios aos grupos subalternos. A cultura popular, aqui discutida, limitar-se-á ao limite geográfico do Brasil. Por isso, o Livro Didático foi denominado de Cultura Popular Brasileira. Apesar de geograficamente dividirmos o Brasil em regiões, o conteúdo desta disciplina focará a Cultura Popular Brasileira em geral, pois existem fatores que não permitem uma delimitação cultural, tal como a geográfica. Dentre os fatores estão a migração de pessoas entre as regiões do Brasil e a grande circulação de informações por meio da televisão, internet, revistas, jornais e rádio. Hoje, não podemos dizer que aquele estado tem a cultura X, pois a cultura não é estática e com o grande fluxo migratório, um costume que antes se delimitava apenas ao Nordeste, pode ser praticado e se difundir pelas demais partes do país. Ainda de acordo com Santos (1983), a principal vantagem de estudar a cultura é pelo fato de contribuir para o entendimento dos processos de transformação por que passam as sociedades contemporâneas. É importante ressaltar que, apesar de dividirmos a cultura em áreas, não podemos hierarquizá-las, pois todas surgem em determinados momentos históricos e têm sua devida importância para a história e sua construção social e cultural. O que pode ser perdido na oralidade (cultura popular) fica registrado em livros (através da cultura erudita) e o que poderia ficar restrito a apenas uma camada da sociedade ou região, pode ser difundida e abranger a maior parte da população (cultura de massa). Ao longo da nossa vida temos experiências culturais únicas, visto que o contexto em que estamos inseridos é diferente e nossas experiências também se encaixam no mesmo pensamento. Diariamente nos relacionamos com diferentes grupos culturais, pois há o grupo familiar, há o grupo de amigos, o grupo religioso etc. Cada grupo mantém uma orientação, um modo culturalmente diferente. Essas diferenças podem ser facilmente percebidas quando vamos à casa do vizinho e percebemos que seus hábitos alimentares, sua maneira de tratar os membros da família ou até mesmo o sotaque e algumas expressões da fala são diferentes da nossa família. Convivemos diariamente com outros hábitos culturais e precisamos respeitá-los. Segundo Santos (1983, p. 8): saber em que medida as culturas variam e quais as razões da variedade das culturas humanas são questões que provocam muita discussão [...] e é sempre fundamental entender os sentidos que uma realidade cultural faz para aqueles que a vivem. De fato, a preocupação em entender isso é uma importante conquista contemporânea. 12 Neste tópico, você aprendeu que: • Cultura é o que é produzido pelo homem e por este repassado por gerações, podendo ser a fala, a escrita, o modo de viver, de comer, suas crenças etc. Dizemos também que cultural é o que contrapõe as reações biológicas. • A cultura erudita restringe-se a apenas uma pequena parcela da população e geralmente é o conhecimento legitimado em academias e o que é cientificamente comprovado. Geralmente é registrada por meio de livros ou gravações e seu acesso é restrito. • Cultura de massa surge com as tecnologias e é controlada pela indústria cultural que promove seus produtos e incita ao consumismo. Essa cultura não foca as particularidades culturais e procura uma homogeneização da cultura. • Cultura popular é o conhecimento que integra a maior parte da população, que pertence à maior parte do povo. Sua divulgação dá-se principalmente por meio oral e por vezes perpassa gerações. Surge como solução para problemas diários. RESUMO DO TÓPICO 1 13 1 Com base nas discussões realizadas neste tópico, observe as charges a seguir e pontue algumas considerações acerca da cultura expressa pelas ilustrações: a) AUTOATIVIDADE FONTE: Quino. Toda Malfada: São Paulo: Martins Fontes, 1993. b) c) FONTE: Autor desconhecido FONTE: <http://www.radicci.com.br/tirinhas.asp#nono>. Acesso em: 3 jul. 2010. FIGURA 7 – CHARGES FIGURA 8 – CHARGES FIGURA 9 – CHARGE - NONO 14 2 Agora, a partir das discussões iniciadas neste tópico, reflita sobre as diferentes culturas no espaço escolar e o importante papel da escola perante essas diferenças. Depois, registre suas reflexões para serem discutidas com seus colegas. Assista ao vídeo de resolução da questão 1 15 TÓPICO 2 FORMAÇÃO CULTURAL DO POVO BRASILEIRO UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO 2 PRIMEIROS HABITANTES No último tópico, conceituamos cultura e diferenciamos a cultura popular da erudita e de massa. Neste tópico, abordaremos como se formou o povo brasileiro e consequentemente a cultura brasileira. Você perceberá o quanto recebemos influência dos indígenas que aqui viviam antes do “descobrimento” de 1500, dos europeus que aqui se estabeleceram como colonizadores, dos africanos do período colonial escravista que para cá foram trazidose tratados desumanamente e pela imigração de europeus e asiáticos que vieram como trabalhadores assalariados. Neste tópico, você perceberá que a Cultura Popular Brasileira é o resultado de uma miscigenação de raças e culturas. Sugerimos que você reveja os estudos já realizados na disciplina de arte brasileira, pois não entraremos em pormenores históricos ou artísticos. Focaremos apenas as questões culturais, seja, em relação à culinária, ao modo de vida, língua ou crenças. Os indígenas encontrados no litoral pelos portugueses eram principalmente da tribo tupi. Aqui, eles davam os primeiros passos na agricultura, derrubando árvores com seus machados de pedra, limpando o terreno com queimadas e cultivando milho, batata-doce, cará, feijão, amendoim, tabaco, abóbora, urucum, algodão, cabaças, pimentas, abacaxi, mamão, erva- mate, guaraná, entre muitas outras plantas. Eles também cultivavam dezenas de plantas frutíferas, como o caju e o pequi. A agricultura lhes permitia ter alimentos disponíveis durante todo o ano e dependerem dos alimentos ao acaso, apenas através da caça e pesca. Todos auxiliavam no cultivo, exceto alguns religiosos (pajés e caraíbas) e chefes guerreiros (tuxuás) (RIBEIRO, 1995). UNIDADE 1 | CULTURA 16 Entre as plantas consideradas selvagens e cultivadas pelos indígenas estava a mandioca, que atualmente é conhecida no Brasil também por macaxeira e aipim. Seu cultivo e consumo foram considerados uma façanha por ser uma planta venenosa. Pois, além de cultivar, é preciso retirar o ácido cianídrico para torná-la comestível. A mandioca é considerada uma planta preciosa porque se mantém na terra por meses e não precisa ser colhida e estocada. Da mandioca, os índios produziam o cauim, bebida indígena fermentada com alto teor alcoólico. Atualmente, essa bebida é pouco conhecida no Brasil, sendo consumida apenas no estado do Maranhão (RIBEIRO, 1995). Os indígenas conheciam o poder das plantas e ervas, sendo estas usadas como remédios, estimulantes, tônicos, cicatrizantes, venenos e uso em cerimônias (drogas). Os índios viviam em uma sociedade solidária, tranquila. As mulheres teciam redes ou trançavam cestos. Os homens caçavam e ambos adornavam seus corpos com urucum e plumas. A divisão social era diferente, pois todos recebiam o mesmo tratamento, tinham o mesmo direito e a terra era de todos. Cada aldeia era composta de 4 a 10 ocas, onde viviam cerca de 300 a 400 pessoas de várias famílias, dormindo em redes ou esteiras (RIBEIRO, 1995). UNI UNI Muitas das frutas consideradas típicas brasileiras, como a banana, não são nativas daqui. Entre as nativas estão: caju, cajá, umbu, buriti, babaçu, jatobá, goiaba, pitanga, jabuticaba, jenipapo e maracujá. Existem diversas variedades da mandioca, popularmente elas são divididas em doce e brava, de acordo com a presença do ácido cianídrico que é considerado venenoso e que somente é destruído pelo calor. TÓPICO 2 | FORMAÇÃO CULTURAL DO POVO BRASILEIRO 17 FONTE: <http://www.historiadaarte.com.br/imagens/rede.jpg>. Acesso em: 9 jul. 2010. 3 UMA NOVA CULTURA SE INSTALA 3.1 A COLONIZAÇÃO FIGURA 10 – REDE FEITA COM FIBRA VEGETAL: A “CAMA” DE BOA PARTE DAS TRIBOS Os índios perceberam a chegada do europeu como um acontecimento espantoso, imaginando ser gente do seu deus sol, o criador – Maíra. Porém, para os índios, eram estranhos aqueles homens barbudos, feios e fétidos saídos do mar. Os índios tomavam banho várias vezes ao dia em riachos, lagos e rios, enquanto que os europeus tinham o hábito de ficar dias sem banhar-se. Eles também não conheciam doenças, além da coceira. Os brancos trouxeram desde a cárie dental, as doenças da bexiga, a tuberculose, a coqueluche e o sarampo (RIBEIRO, 1995). Os brancos viviam com as mãos e naus cheias de presentes (machados, facas, facões, canivetes, tesouras, espelhos e também, miçangas cristalizadas). Os índios se encantavam com esses objetos e como não sabiam produzi-los, eles pagavam o preço que os brancos pediam (RIBEIRO, 1995). Para os brancos, a vida era sofrida e todos estavam condenados ao trabalho e subordinados ao lucro. Armados, sentiam-se poderosos e donos do mundo e o que mais desejavam era fornicar com as índias e fazê-las trabalhar em suas roças, enquanto, os índios cortavam e juntavam árvores de pau-brasil (RIBEIRO, 1995). Juntamente aos primeiros europeus, vieram os jesuítas da Companhia de Jesus, que tinham por objetivo principal levar o catolicismo às novas terras, catequizando os índios e ensinando-lhes os costumes europeus. Além dos jesuítas missionários, outras ordens religiosas como os carmelitas, beneditinos e franciscanos também vieram para a América, mas foram os padres jesuítas que tiveram papel fundamental na catequização dos indígenas (PILETTI; PILETTI, 2002). UNIDADE 1 | CULTURA 18 Segundo Ribeiro (1995, p. 81), “a instituição social que possibilitou a formação do povo brasileiro foi o cunhadismo, velho uso indígena de incorporar estranhos à sua comunidade”. Como cada índio poderia ter quantas esposas pudesse sustentar e aqui praticamente quem desembarcou foram apenas homens europeus, estes se casavam com as índias e cada um podia fazer vários desses casamentos. O cunhadismo foi uma das maneiras mais fáceis e vantajosas do branco, ao mesmo tempo recrutar mão de obra para os trabalhos pesados, cortar madeira, transportá-las, carregá-las aos navios e também caçar e amestrar papagaios. Outro fato que incitava o cunhadismo era que, para cá, não vieram mulheres europeias solteiras. Porém, essa prática tinha o defeito de ser acessível a qualquer europeu desembarcado junto às aldeias indígenas (RIBEIRO, 1995). Com o aumento da necessidade da mão de obra, os brancos passaram do cunhadismo às guerras de captura dos índios, tornando os índios escravos. Ainda, segundo Ribeiro (1995), a função do cunhadismo na formação do povo brasileiro foi fazer surgir a numerosa camada de gente mestiça que efetivamente ocupou o Brasil. A língua falada até meados do século XVII era o “nheengatu”, que era uma língua aprendida com os índios e falada com jeito de boca de português (POVO BRASILEIRO, 2010). “No ventre das mulheres indígenas começavam a surgir seres que não eram indígenas, meninas prenhadas pelos homens brancos [...] que sabiam que não eram índios... que não eram europeus. O europeu não aceitava como igual. O que era? [...]. O que significavam eles do ponto de vista étnico? Eles seriam a matéria com a qual se faria no futuro os brasileiros...” FONTE: Ribeiro (1995 apud POVO BRASILEIRO, 2010) TÓPICO 2 | FORMAÇÃO CULTURAL DO POVO BRASILEIRO 19 Como de um lado estavam os jesuítas tentando catequizar os índios, tentando vesti-los, e tirando-os de modos tão rudimentares e cheios de pecados (segundo os parâmetros europeus), do outro, os senhores do engenho que aqui se instalavam e começaram o cultivo da cana-de-açúcar, capturavam e escravizavam- nos. Como resultado: extermínio e fuga dos indígenas para o interior (CASA- GRANDE; SENZALA, 2010). Na busca por mais riqueza, em especial dos minérios e na caçada ao indígena, o interior do Brasil foi explorado e povoado, tendo, assim, seu território ampliado. As bandeiras de exploração, em sua maioria levavam mais de duas mil pessoas. Eram homens e mulheres, famílias inteiras de mestiços que iam fazendo roça de milho e feijão pelo caminho, fundando vilarejos, caçando e pescando pra comer (POVO BRASILEIRO, 2010). Fora de seu habitat natural, o índio não se adaptava como escravo: morria de infecções, fome e tristeza. Para suprir a deficiência da mão de obra escrava, os senhores de engenho começavam a importar negros caçados na África. Agora, as escravas negras substituíam as índias tanto na cozinha como na cama do senhor. Na agricultura, a presença do negro elevava a produção de açúcar e o preço do produto no mercado internacional (CASA GRANDE; SENZALA, 2010). É neste contexto que vive em Portugal o jovem Diogo, pintor que é contratado parailustrar um mapa e, por ser enganado pela sedutora Isabelle, acaba sendo punido com a deportação na caravela comandada por Vasco de Athayde. Mas a caravela onde Diogo está acaba naufragando e ele, por milagre, consegue chegar ao litoral brasileiro. Lá conhece a bela índia Paraguaçu com quem logo inicia um romance temperado posteriormente pela inclusão de uma terceira pessoa: a índia Moema, irmã de Paraguaçu. DICAS Conheça de forma bem humorada o encontro dos costumes indígenas e europeus e também a prática do cunhadismo com o filme “Caramuru: a invenção do Brasil”. Gênero: Comédia Tempo: 85 minutos Lançamento: 2000 Classificação: 12 anos Distribuidora: Columbia Pictures Sinopse: Em 1º de janeiro de 1500 um novo mundo é descoberto pelos europeus, graças a grandes avanços técnicos na arte náutica e na elaboração de mapas. UNIDADE 1 | CULTURA 20 3.2 CHEGADA DA FAMÍLIA REAL 4 OS AFRICANOS Ao transferir a sede do governo de Portugal para o Rio de Janeiro, D. João VI trouxe consigo a família real, parentes e funcionários do reino. Eram cerca de 15 mil pessoas que consigo trouxeram coleções de arte, bibliotecas e documentos, além de objetos e bens pessoais (PILETTI; PILETTI, 2002). A vinda da família real trouxe mudanças significativas na economia do país com a construção de pontes, estradas, liberação dos portos e introdução de novas espécies de plantas para cultivo. Outras mudanças ocorreram na vida cultural da colônia, sendo que foram criados vários cursos como os de química, agricultura, cirurgia, desenho técnico etc. Foi fundada a Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios e foi fundada a Biblioteca Real (PILETTI; PILETTI, 2002). Surge, então, a cultura erudita, destinada apenas a uma pequena camada da população que poderia frequentar e estudar nestes espaços. Os europeus iam à África e faziam grandes expedições de caça aos negros que lá viviam com uma vida muito parecida com a dos índios que aqui se encontram. Eles tinham sua cultura, sua língua, enfim, seu modo de viver. Trazidos do Sudão, da Costa do Marfim, da Nigéria, de Angola e de Moçambique, essa gente marcaria com sua cor e com sua força a fisionomia e a cultura brasileiras. No transporte para cá, em navios, metade morria na travessia, outros tantos na brutalidade da chegada, de tristeza, mas milhões deles incorporaram-se ao Brasil. (RIBEIRO, 1995 apud POVO BRASILEIRO, 2010). FONTE: <http://www.itaucultural.org.br>. Acesso em: 12 jul. 2010. FIGURA 11 – ENGENHO MANUAL QUE FAZ CALDO DE CANA, 1822 (aquarela sobre papel, 17,6 x 24,5 cm. Autor: Debret) TÓPICO 2 | FORMAÇÃO CULTURAL DO POVO BRASILEIRO 21 O Brasil importava da África não somente os escravos que trabalhavam nos canaviais, mas também técnicos para as minas, donas de casa para os colonos, criadores de gado e comerciantes de panos e sabão. Os negros vindos das áreas de cultura africana mais adiantada eram elementos ativos e criadores e se pode dizer que eram questões nobres na colonização do Brasil, degradados apenas pela condição de escravos (CASA GRANDE; SENZALA, 2010). Assim que desembarcavam no Brasil, os negros sobreviventes da travessia eram batizados e recebiam nomes católicos (CULTURA BRASILEIRA, 2010). A escravidão desenraizou o negro de seu meio social e desfez seus laços familiares. Além dos trabalhos forçados, ele era usado como reprodutor de escravos: era preciso aumentar o rebanho humano do senhor de engenho. As crianças nascidas eram logo batizadas e ainda assim consideradas gente sem alma. A Igreja, esteio dos poderosos, agia da mesma forma no tratamento dado ao negro (CASA GRANDE; SENZALA, 2010). As negras mais bonitas eram escolhidas pelos senhores para serem concubinas e domésticas. Muitas vezes, a beleza das negras incomodava a mulher branca, esposa do senhor do engenho e esta aplicava os mais variados castigos, como arrancar os dentes da escrava, caso estes fossem brancos e lhe incomodassem. As escravas na casa do senhor cumpriam as tarefas domésticas que seriam destinadas a uma mãe de família, como cozinhar, limpar a casa e cuidar dos filhos (CASA GRANDE; SENZALA, 2010). “As damas da sociedade se casavam entre os doze e os quinze anos com homens muito mais velhos. O conhecimento que tinham da vida de casada, os acontecimentos de fora do engenho e outras histórias - nem sempre românticas - elas ouviam da boca das mucamas (escravas). O ócio e a vida reclusa faziam das sinhás mulheres amarguradas e ignorantes. Era raro encontrar uma que soubesse ler e escrever. A presença da negra na vida do menino vinha desde o berço, quando ela o amamentava e acalentava o seu sono. A ama de leite ensinava as primeiras palavras num português errado, o primeiro “pai nosso”, o primeiro “oxente”, e amaciava com a própria boca a comida do menino de engenho”. FONTE: Casa Grande e Senzala (2010) UNIDADE 1 | CULTURA 22 FONTE: <http://www.itaucultural.org.br>. Acesso em: 12 de jul. 2010. FIGURA 12 – UMA SENHORA BRASILEIRA EM SEU LAR, 1823 (litografia aquarelada à mão 16 x 22 cm. Autor: Debret) “E esses negros não podiam falar um com o outro, veja esse desafio como é tremendo. Eles vinham de povos diferentes. Então, o único modo de um negro falar com o outro era aprender a língua do capataz, que nunca quis ensinar português. Milagrosa e genialmente esses negros aprenderam a falar português. Quem difundiu o português foi o negro, que se concentrou na área da costa de produção do açúcar e na área do ouro... Mas preste atenção: com os negros escravos vinham as molecas de 12 anos, bonitinhas. Uma moleca daquelas custava o preço de dois ou três escravos de trabalho. E os donos de escravos queriam muito comprar, e os capatazes também. Comprar uma moleca pra sacanagem. Mas essas molecas pariam filhos, e quem era o filho? Era como o filho da índia. Ele não era africano, visivelmente. Ele não era índio. Quem era ele? Ele também era um “zé ninguém” procurando saber o que era. Ele só encontraria uma identidade no dia em que se definisse o que é o brasileiro”. FONTE: Ribeiro (1995 apud POVO BRASILEIRO, 2010) Os senhores de engenho casavam-se sucessivas vezes, sempre preferindo as jovens sobrinhas; exagerava-se, então, o sentimento da propriedade privada. As heranças eram disputadas por filhos legítimos e parentes próximos. Aos filhos bastardos, gerados nas casas-grandes e paridos na senzala, restava a tolerância do senhor, que ao morrer os libertava. Nomes e sobrenomes se confundiam: os escravos mais próximos, que ganhavam a simpatia do senhor, conseguiam adotar o sobrenome dos brancos. Na tentativa de ascensão social, os negros imitavam dos senhores as formas exteriores de superioridade. Todavia, muitos nomes ilustres TÓPICO 2 | FORMAÇÃO CULTURAL DO POVO BRASILEIRO 23 FONTE: <http://www.cliohistoria.hpg.ig.com.br/bco_imagens/eckhout/eckhout. htm#>. Acesso em: 9 jul. 2010. FIGURA 13 – ÍNDIO TARAIURI E ÍNDIO TUPI de senhores brancos vinham dos apelidos indígenas e africanos das propriedades rurais – a terra recriava os nomes dos proprietários à sua imagem e semelhança (CASA GRANDE; SENZALA, 2010). As mães negras e as mucamas, aliadas aos meninos, às moças das casas- grandes e aos moleques corrompiam o português arcaico ensinado pelos jesuítas aos filhos do senhor. A nova fala brasileira não se conservava fechada nas salas de aula das casas-grandes, nem se entregava de todo à maior espontaneidade de expressão da senzala. Porém, o modo carinhoso do brasileiro colocar os pronomes: me diga, me espere vêm do africano. Também do seu modo de falar ficaram as formas diminutivas: benzinho, nezinho, inhozinho (CASA GRANDE; SENZALA, 2010). Era um novo jeito de falar, um novo jeito de andar, um novo jeito de comer... A culinária da senzala aproveitava as sobras de carnes da casa-grande, usava o aipim indígena e às verduras, misturava os temperos africanos, principalmente o dendê e a pimenta malagueta. Surgiam a feijoada, a farofa, o quibebe e o vatapá. Alimentos que combinavamcom a dureza do trabalho no cativeiro (CASA GRANDE; SENZALA, 2010). O artista Albert Eckhout, quando esteve no Brasil, retratou os tipos humanos que aqui encontrou. Observe os tipos brasileiros aqui encontrados, bem como os acessórios que eles carregavam e suas vestimentas. UNIDADE 1 | CULTURA 24 FONTE: <http://www.cliohistoria.hpg.ig.com.br/bco_imagens/eckhout/ eckhout.htm#>. Acesso em: 9 jul. 2010. FONTE: <http://www.cliohistoria.hpg.ig.com.br/bco_imagens/eckhout/ eckhout.htm#>. Acesso em: 9 jul. 2010. FONTE: <http://www.cliohistoria.hpg.ig.com.br/bco_imagens/eckhout/ eckhout.htm#>. Acesso em: 9 jul. 2010. FIGURA 14 – ÍNDIAS TUPI FIGURA 15 – HOMEM MESTIÇO (MAMELUCO) E MULHER MESTIÇA (MAMELUCA) FIGURA 16 – MULHER AFRICANA E HOMEM AFRICANO TÓPICO 2 | FORMAÇÃO CULTURAL DO POVO BRASILEIRO 25 UNI Albert van der Eckhout (1610-1666), a convite do governador-geral do Brasil, o holandês Maurício de Nassau, viaja para o Brasil, onde permanece entre 1637 e 1644. Nesse período, Eckhout realiza sua principal obra, composta de oito representações em tamanho natural de habitantes locais e doze naturezas-mortas de frutas tropicais. Essa coleção, com que, em 1654, Maurício de Nassau presenteou seu primo Frederico III, rei da Dinamarca, pertence hoje ao Museu Nacional da Dinamarca (ALBERT ECKHOUT, 2010). FONTE: Ribeiro (1995 apud POVO BRASILEIRO, 2010). Na religião conviviam a cultura do senhor e a do negro. O catolicismo praticado aqui era uma religião doce, doméstica, de intimidade com os santos. Os padres se vangloriavam de conceder aos negros certas vantagens, como o direito de manifestar suas tradições nas festas do terreiro. Nasciam então as religiões e crenças afro-brasileiras: São Jorge é o orixá Ogum e Nossa Senhora é Iemanjá (CASA GRANDE; SENZALA, 2010). “Desde o princípio houve um partido de jesuítas que tinha uma utopia para os índios. Era fazer dos índios pios seráficos, religiosos, gente tão boa que era a melhor gente do mundo. Eles achavam que era a maneira de fazer o Paraíso na Terra. A religião pegou mesmo foi com as filhas das índias e das negras, as mestiças, que, não podendo satisfazer-se com a religião dos índios e dos negros, aceitavam e gostavam das novenas, das ladainhas, das missas, das procissões... E assim surgiu esse catolicismo santeiro e festeiro, que foi um belo catolicismo do Brasil [...].” FONTE: <http://www.itaucultural.org.br>. Acesso em: 12 jul. 2010. FIGURA 17 – JOVENS NEGRAS INDO À IGREJA PARA SEREM BATIZADAS, 1821 (aqua- rela sobre papel, 18,3 x 23,5 cm. Autor: Debret) UNIDADE 1 | CULTURA 26 A descoberta do ouro mudou totalmente a vida da colônia. A mineração desbancou a indústria açucareira, que era então a principal atividade econômica. A sociedade estava estruturada nos moldes da fazenda – da casa-grande e da senzala – vivendo ao redor do senhor de engenho. O país prosperava graças ao trabalho escravo de três milhões de negros. O açúcar, no entanto, entrava em decadência pela concorrência internacional (POVO BRASILEIRO, 2010). Nestas terras, ricas em ouro e diamante, muitos escravos conseguiram comprar a liberdade e enriquecer. Assim, surgiu uma classe intermediária formada de mulatos e negros libertos, que conseguiram melhorar de vida e se dedicar às atividades de ourives, carpinteiros, ferreiros e artistas (POVO BRASILEIRO, 2010). A riqueza com que as igrejas foram construídas no período do ouro deixa transparecer a importância da religião católica na vida da colônia. Todos iam à missa: brancos, negros libertos, mulatos e escravos. Todavia, cada um frequentava sua própria igreja, decorada a seu modo (POVO BRASILEIRO, 2010). O Brasil só se tornou uma nação com a abolição da escravatura, que concedeu aos negros, ao menos no papel, a igualdade civil. Emancipados, mas sem a terra que cultivaram por quase quatro séculos, os ex-escravos abandonaram as fazendas e logo descobriram que não podiam ficar em nenhum lugar, pois, em 1850 as regras de acesso à propriedade rural mudaram, sendo que a ocupação e cultivo da terra não garantiam sua posse. A terra tinha dono. A maior parte dos escravos concentrou-se na periferia das cidades (POVO BRASILEIRO, 2010). 5 A IMIGRAÇÃO No final do século XIX, a crise econômica que assolava alguns países da Europa trouxe para o Brasil milhões de imigrantes. Eles vinham com o sonho de conseguir um bom emprego, cultivar o próprio pedaço de terra ou assegurar um melhor futuro para os seus filhos. Em sua maioria eles vinham da Itália, da Alemanha, de Portugal e da Espanha e em menor proporção dos países ibéricos (que fazem fronteira com a Europa). Vinham para trabalhar nas plantações de café, o principal produto de exportação da época. Acabaram ocupando o lugar “O negro guardou, sobretudo, sua espiritualidade, sua religiosidade, seu sentido musical. É nessas áreas que ele dá grandes contribuições e ajuda o brasileiro a ser um povo singular. Quando chegam à cidade são capazes de fazer coisas, por exemplo, a cultura do Rio de Janeiro, a beleza do Carnaval carioca, que é uma criação negra, a maior festa da Terra! A beleza de Iemanjá, uma mãe de Deus que faz amor. [...] Isso é uma coisa fantástica! Um povo que é capaz de inventar uma coisa destas! [...] Isso são os nossos negros, os nossos mulatos desse país.” FONTE: Ribeiro (1995 apud POVO BRASILEIRO, 2010). TÓPICO 2 | FORMAÇÃO CULTURAL DO POVO BRASILEIRO 27 dos mestiços e escravos libertos, como mão de obra assalariada. Os europeus se fixaram principalmente em São Paulo e no sul do país, onde renovaram a vida local e promoveram o primeiro movimento de industrialização do país (PROJETO ARARIBÁ, 2006) (POVO BRASILEIRO, 2010). FONTE: <http://www.pinacoteca.org.br/pinacoteca/default.aspx?mn= 153&c=acervo&letra =A&cd=7>. Acesso em: 22 jul. 2010. FIGURA 18 – OS IMIGRANTES, DE ANTÔNIO ROCCO, c.1910. (Óleo sobre tela. 231 X 202 cm. Pinacoteca de São Paulo) Fique atento ao utilizar os temos migração, imigração e emigração, pois há diferença entre eles: Migração: é o ato de se mover de uma região para outra ou estar de passagem em outro país. Imigração: Entrar (num país estranho) para nele viver. Emigração: Mudança voluntária de país. Trata-se do mesmo fenômeno da imigração, mas visto da perspectiva do lugar de origem. ATENCAO Grande parte dos imigrantes instalaram-se nas regiões do Sudeste, em fazendas de café ou nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo – e no Sul – como pequenos proprietários rurais (PILETTI; PILETTI, 2002). “No sul do Brasil, os núcleos de povoamentos se deram em áreas cedidas pelo governo, muitas vezes em terras indígenas. O objetivo era constituir pequenas propriedades familiares, que garantissem a ocupação efetiva do território” (PROJETO ARARIBÁ, 2006, p. 202). O incentivo à colonização estrangeira refletia a visão de alguns setores das elites brasileiras, que influenciados por teorias racistas divulgadas na Europa, UNIDADE 1 | CULTURA 28 acreditavam que os brancos eram superiores e, por isso, o Brasil somente se desenvolveria se houvesse um “branqueamento” (MELANI, 2006). No Sudeste, muitos imigraram sob o sistema de parceria em que o fazendeiro pagava as despesas da viagem e da manutenção das famílias até a primeira colheita de café. Cada família cuidava de determinados pés de café e após a venda da colheita, entregavam ao fazendeiro metade da produção de seus pés de café mais o valor das dívidas contraídas com a viagem, acrescidos a esse valor da dívida os juros de 6%. Muitos problemas dessa parceria surgiram, pois os fazendeiros destinavam aos imigrantes os cafeeiros improdutivos e estes não conseguiam saldar as dívidas, estavam sempre endividados (MELANI, 2006). Já outros imigrantes eram contratados como trabalhadores nas fazendas de café e recebiam salários, mas eles faziam suas compras na venda do patrão, o que quase sempre gerava uma relação de dependência (ENTRE DOIS MUNDOS, 2010). Alguns imigrantes que na Itália eram operáriose artesãos conseguiram se estabelecer na cidade. Porém, alguns patrões continuavam com a mentalidade de que seus empregados eram escravos e chamavam seus colonos de “escravos brancos” (ENTRE DOIS MUNDOS, 2010). Muitos, desencantados, retornavam para a Itália. Outros seguiam de fazenda em fazenda na esperança de melhor sorte, que alguns alcançavam comprando pequenas propriedades (ENTRE DOIS MUNDOS, 2010). Os imigrantes que se estabeleceram no Sul – Rio Grande do Sul e Santa Catarina – em sua maioria receberam terras do governo brasileiro, tornando-se pequenos proprietários. Estes, inicialmente enfrentaram muitas dificuldades, pois não havia estradas, os meios de transporte eram os animais e a alimentação era insuficiente. Todavia, aos poucos começaram a produzir o que precisavam para sobreviver. Desenvolveram assim a agricultura (milho, feijão, batata etc.) e a pecuária (suínos, bovinos etc.), além de pequenas fábricas artesanais (queijos, salame, vinho, cestos etc.); tornando-se praticamente autossuficientes (PILETTI; PILETTI, 2002). “Esses colonos do Sul, que eram pequenos proprietários, desenvolveram um padrão de vida bastante diferente em relação aos colonos assalariados paulistas” (PILETTI; PILETTI, 2002). Permanecer em sua propriedade significava criar condições de sobrevivência e adaptação, através da construção de casas, escolas, templos e cemitérios. Os alemães protestantes, que não podiam enterrar seus mortos junto aos católicos brasileiros, fundaram igrejas e cemitérios protestantes (ENTRE DOIS MUNDOS, 2010). E mais uma vez o Brasil recebeu imigrantes, agora vindos da longínqua Ásia. Eram os japoneses, que desembarcavam já contratados para a lavoura de café. Desde o início, fazendeiros e capatazes duvidavam da capacidade de TÓPICO 2 | FORMAÇÃO CULTURAL DO POVO BRASILEIRO 29 adaptação dos japoneses a terra tão estranha. No entanto, eles se adaptaram rapidamente à vida nos cafezais e permaneceram por mais tempo no campo. Os japoneses, atualmente, são responsáveis pela maior parte da produção de legumes e verduras do estado de São Paulo (ENTRE DOIS MUNDOS, 2010). Todavia, não bastava apenas ficar e sobreviver, era necessário conviver e se relacionar. Era preciso aprender o português. Se para os italianos a conversa era mais fácil, alemães e japoneses tinham dificuldades por causa da própria origem da língua. As crianças, que aprendiam com facilidade, tornavam-se intérpretes dos adultos (ENTRE DOIS MUNDOS, 2010). Esses pioneiros, como aqueles que os seguiram, enfrentaram preconceitos e dificuldades materiais na nova terra; mas com a esperança, a vontade de vencer e a bagagem cultural que trouxeram aos poucos se tornaram parte da paisagem brasileira. Já integrados, sua presença se fez sentir nas artes, na arquitetura, na culinária e no modo de vida. Concretizaram seus sonhos e mudaram a cara do Brasil (ENTRE DOIS MUNDOS, 2010). FONTE: <http://www.tarsiladoamaral.com.br>. Acesso em: 1º jul. 2010. 6 INDUSTRIALIZAÇÃO E URBANIZAÇÃO FIGURA 19 – “OPERÁRIOS” - 1933 (óleo/tela 150 X 205 cm, Assin.: “Tarsila 1933”. Col. do Gov. do Estado de São Paulo) Com a imigração, a base da economia do país passa a ser o produto industrializado e as cidades passam de rurais a urbanas. Assim, as cidades crescem rapidamente e aumenta a migração dentro do país em busca de melhores empregos, principalmente dos habitantes da região Nordeste para o Sudeste e dos que moravam em áreas rurais para as áreas urbanas. UNIDADE 1 | CULTURA 30 O crescimento desordenado acaba criando as favelas nas periferias das cidades, pois a estrutura da maioria destas cidades não consegue atender às necessidades básicas de todos os migrantes, causando impactos sociais e ambientais. Com a grande industrialização do país a partir da década de 1930, surgem os sindicatos e as leis trabalhistas que lutam por melhores condições dos trabalhadores assalariados. Já a partir da segunda metade do século XX, com a abertura do comércio internacional, aumentam as importações e exportações do Brasil. Com a globalização, aumentam as redes de lojas internacionais no país, as redes de fast-food, a construção de shoppings, a compra de carros e produtos importados, enfim, a expansão da comunicação de massa, principalmente da internet após a década de 1990. As informações e produtos chegam facilmente às mais longínquas cidades brasileiras e a influência de culturas internacionais, principalmente a americana, é percebida na música, nas bebidas (coca-cola), nas roupas (Jeans, Legging), nos filmes, seriados e livros. Os produtos importados da China também têm invadido as lojas devido ao seu baixo custo de produção. Sendo assim, você deve ter percebido que a cultura de massa trouxe grandes mudanças na cultura do nosso país e que esta possibilita que todos tenham acesso às informações em menos tempo hábil e de forma homogênea entre as camadas sociais. No entanto, temos que saber separar as informações fornecidas, pois há muito “lixo cultural” e um excesso de informações inúteis. É importante saber separar! 7 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES Neste tópico, não focamos particulares ou regionalismos. Procuramos tratar de maneira geral a formação da Cultura Popular Brasileira. É importante ressaltarmos que o assunto não se esgota aqui, há muitas particularidades que merecem ser discutidas, por isso, se quiser se aprofundar nesses assuntos, sugerimos que você leia as obras nas quais nos fundamentamos. Ainda neste tópico, você deve ter percebido que o Brasil foi sendo explorado por “partes”, primeiramente sendo explorado seu litoral, posteriormente o interior do Sudeste e do Nordeste e por último a região Norte e Sul. Devido a essa formação, você deve ter percebido que as características físicas e culturais das regiões brasileiras são distintas. Hoje, é claro que com a constante migração e as facilidades de locomoção de uma região para outra, bem como as novas tecnologias, essas diferenças tanto físicas como culturais têm-se minimizado. Muitas dos preconceitos ainda existentes na contemporaneidade, apesar de serem inadmissíveis, são resquícios de questões históricas. TÓPICO 2 | FORMAÇÃO CULTURAL DO POVO BRASILEIRO 31 A maioria do povo brasileiro tem em sua raiz familiar uma grande mistura étnica e cultural, mesmo assim, ainda presenciamos manifestações de preconceito de uns para com os outros. Há também os que negam seu passado e o preconceito muitas vezes não vem do outro, mas de si mesmo, ou seja, há um autopreconceito. Agora, queremos incitá-lo fazendo alguns questionamentos, pois é comum vermos movimentos sociais que lutam pela preservação da Cultura Indígena e dos Quilombolas, no entanto: • Será que essas comunidades querem manter suas tradições? • Será que frente às novas tecnologias os indígenas realmente querem acender fogueiras para cozinhar sabendo que há fogões, micro-ondas etc.? • Será que esses grupos culturais querem ser diferentes do homem contemporâneo que vai ao supermercado, ao shopping e assiste à televisão? • É possível na contemporaneidade preservar a cultura de um determinado povo? • Como preservar a origem cultural sem negar as mudanças tecnológicas? São muitos os questionamentos! Como finalização deste tópico, escolhemos uma música cuja letra traz um pouquinho desse grande mosaico de culturas em que se formou um maravilhoso país chamado BRASIL. Lourinha Bombril Olha como ela samba Olha como ela brilha Olha que maravilha Essa criola tem o olho azul Essa lourinha tem cabelo bombril Aquela índia tem sotaque do Sul Essa mulata é da cor do Brasil A cozinheira tá falando alemão A princesinha tá falando no pé A italiana cozinhando o feijão A americana se encantou com Pelé Häagen-dazs de mangaba Chateau canela-preta UNIDADE 1 | CULTURA 32 Cachaça made in Carmo dando a volta no planeta Caboclo presidente Trazendo a solução Livro pra comida, prato pra educação FONTE: Vianna, Herbert. Nove Luas. Carlos Savalla e Paralamas. Riode Janeiro: EMI Music Ltda., 1996. IMPORTANT E No próximo encontro presencial, discutam as questões aqui abordadas em sala de aula e depois postem a opinião de vocês no fórum que será aberto no Ambiente Virtual de Aprendizagem. A tutoria interna abrirá um fórum e fará essa interação com vocês! 33 RESUMO DO TÓPICO 2 Neste tópico, você aprendeu que: • A cultura do povo brasileiro é o resultado de uma miscigenação étnica e cultural, principalmente dos povos indígenas, africanos e europeus. • Os indígenas antes da chegada dos europeus viviam em comunidade. Todos eram donos das terras e os alimentos produzidos e caçados, bem como as tarefas eram divididas. • O cunhadismo foi um forte “instrumento de integração” com os indígenas sendo usados pelos europeus na colonização e exploração das novas terras. • Nas primeiras expedições ao Brasil, a Igreja Católica se fez presente com a Companhia de Jesus, inicialmente com o propósito de civilizar os indígenas. Posteriormente, com a vinda dos escravos africanos nascem as crenças afro- brasileiras, que é a integração de crenças africanas à religião católica. • Os africanos foram afastados do seio cultural em que viviam e trazidos para o Brasil como escravos, sendo aqui torturados e postos a trabalharem nas plantações de cana-de-açúcar e café. • Com a libertação dos escravos e a necessidade de mão de obra para as fazendas de café, o governo brasileiro em parceria com o governo da Itália e Alemanha incentivaram a vinda de imigrantes assalariados ao país. • No Brasil, os imigrantes alemães e italianos se estabelecem na região Sudeste e Sul do país. No Sul, eles cultivavam suas próprias terras, enquanto que no Sudeste trabalhavam como assalariados nas fazendas de café. • Posteriormente, também vieram imigrantes japoneses para trabalharem nas lavouras de café. • Na contemporaneidade, devido à comunicação de massa, é forte a influência da americana na cultura brasileira. 34 AUTOATIVIDADE 1 Cite as principais contribuições culturais dos negros, dos índios e dos europeus na formação do povo brasileiro e que pode ser percebida na contemporaneidade. 2 Faça uma árvore genealógica expondo a origem de seus ascendentes, depois, na correção desta autoatividade no encontro presencial, exponha-a aos colegas. 3 Observe as duas imagens a seguir e teça um comentário partindo das discussões realizadas neste tópico. FONTE: <http://www.moderna.com.br/moderna/didaticos/ei/aventuradeaprender/da- tas/ indio.htm>. Acesso em: 9 ago. 2010. FIGURA 20 – FAMÍLIA DE UM CHEFE CAMACA PREPARARANDO-SE PARA UMA FESTA (Litografia Viagem pitoresca e histórica ao Brasil (1834-1839). Volume 1, prancha 3. © Museu Castro Maia/Div. Iconografia, Rio de Janeiro) 35 FONTE: <http://www.abconlus.it/umanita/21.jpg>. Acesso em: 9 ago. 2010. 4 Como última atividade, observe novamente a litografia Uma Senhora Brasileira em seu Lar, de Debret que se encontra neste tópico e escreva sobre as culturas incorporadas à família brasileira naquele momento histórico. FIGURA 21 – FAMÍLIA INDÍGENA NA CONTEMPORANEIDADE 36 37 TÓPICO 3 EDUCAÇÃO E PLURALIDADE CULTURAL UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO 2 EDUCAÇÃO Agora que já conhecemos os conceitos de cultura e estudamos sobre a formação do povo brasileiro, verificaremos como a legislação educacional brasileira tem tratado estes assuntos. Neste tópico, abordaremos as recentes mudanças na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional no que se refere ao ensino de Artes e as diferentes culturas e o tema transversal Pluralidade Cultural, presente nos Parâmetros Curriculares Nacionais. Uma das funções da escola é sistematizar e disseminar conhecimentos historicamente elaborados, permitindo ao educando apropriar-se dos bens culturais produzidos pela sociedade. Nessa concepção, o processo educativo pode ser compreendido como uma dinâmica de socialização da cultura (DIAS, 2010). A escola é um local privilegiado que responde por uma parte significativa da formação do sujeito. As interações sociais que ali se desenvolvem influenciam a compreensão que crianças e adolescentes terão de si mesmos e dos outros membros da sociedade (DIAS, 2010). Além disso, ao se determinar quais assuntos devem ser trabalhados na escola, de certa forma se estabelece uma hierarquia entre os conteúdos, isso se aplica também à cultura e às formas de expressão artística escolhidas como temas para as aulas de artes. Cada vez mais se apregoa que os conteúdos apresentados na escola precisam estar adaptados às necessidades da sociedade e à realidade de seus alunos. “A intervenção educativa da escola só faz sentido se, de fato, contribuir para a formação das pessoas, dos estudantes. Caso não se preste atenção às diferenças e não se integre no processo pedagógico o saber que as crianças, os adolescentes e os jovens têm sua vida e sua cultura, a escola não poderá contribuir para ampliar o conhecimento e intervir significativamente na educação das pessoas. Pode, até, tornar-se um lugar de negação da educação” (MARTINS, 2007). 38 UNIDADE 1 | CULTURA Reformas na legislação educacional têm buscado democratizar o espaço escolar, apontando a necessidade de se incorporarem elementos que durante muito tempo não foram valorizados nos espaços formais de ensino. Recentemente a Lei nº 12.287/10 alterou o parágrafo referente ao ensino da arte na LDB (Lei nº 9.394/96), pondo em destaque a necessidade da presença de expressões artísticas regionais nas aulas de artes. O texto da lei ficou assim: Artigo 26 § 2. O ensino da arte, especialmente em suas expressões regionais, constituirá componente curricular obrigatório nos diversos níveis da educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos. FONTE: < www.cnfcp.gov.br/pdf/ Patrimonio_Imaterial/Salvaguarda/SalvaguardaPatrimonioImaterial. pdf>. Acesso: 27 jul. 2010. O ensino da arte, assim como a educação em geral, deve acompanhar as transformações históricas e sociais. Analisando o percurso histórico da arte na educação podemos verificar mudanças nas tendências e concepções sobre esse ensino, tivemos períodos em que a arte na escola foi enfatizada enquanto técnica, como livre expressão, como atividade estética e como promotora do desenvolvimento cognitivo. Já há algum tempo tem se destacada a necessidade de um ensino que esteja integrado às realidades socioculturais na qual a escola se insere, reconhecendo o valor das diferentes culturas, das vivências informais dos alunos e dos interesses da comunidade. Importantes alterações na legislação educacional têm sido feitas nos últimos anos com o intuito de promover uma educação que reconheça e respeite FIGURA 22 – BRINQUEDOS DE MIRITI E BUMBA-MEU BOI: EXEMPLOS DE EXPRESSÕES ARTÍSTICAS REGIONAIS TÓPICO 3 | EDUCAÇÃO E PLURALIDADE CULTURAL 39 as diversidades. (Veremos mais sobre essas alterações no decorrer deste tópico). Essas alterações, contudo, não devem se restringir aos conteúdos a serem abordados nas aulas. Devem incluir também o desenvolvimento de atitudes éticas e de respeito às diferentes culturas e suas formas de expressão artística. A escola não pode sozinha acabar com o preconceito e a discriminação, mas pode promover reflexões e incentivar atitudes de respeito à diversidade. 2.1 TEMAS TRANSVERSAIS: PLURALIDADE CULTURAL Os temas transversais são assuntos do dia a dia que devem ser abordados de forma transversal nas disciplinas escolares. Yus, (1998, p. 17) explica que os “temas transversais são um conjunto de conteúdos educativos e eixos condutores da atividade escolar que, não estando ligados a nenhuma matéria particular, pode se considerar que são comuns a todas, de forma que, mais do que criar novas disciplinas, acha-se conveniente que seu tratamento seja transversal num currículo global da escola”. A transversalidade é diferente da interdisciplinaridade. No trabalho interdisciplinar, são mantidos os interesses próprios de cada uma das disciplinas envolvidas, e os
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