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Autor
Paulo Augusto Seifert
FILOSOFIA 
DAS CIÊNCIAS SOCIAIS
Todos os direitos reservados.
IESDE Brasil S.A.
Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482 • Batel 
80730-200 • Curitiba • PR
www.iesde.com.br
Capa: IESDE Brasil S.A.
Imagem da capa: IESDE Brasil S.A.
© 2008 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor dos 
direitos autorais.
S459 Seifert, Paulo Augusto. / Filosofia das Ciências Sociais. / 
Paulo Augusto Seifert. — Curitiba : IESDE Brasil S.A. ,
2008.
128 p.
ISBN: 978-85-7638-927-9
1. Ciências – Filosofia. 2. Teoria do conhecimento. 3. Epistemo-
logia – Ciências. I. Título. 
CDD 121
Sumário
Conhecimento, crença e fé | 7
Sabemos o que julgamos saber? | 7
O que é epistemologia? | 8
Noções básicas em epistemologia: conhecimento, crença e fé | 10
Conclusão | 13
Conhecimento e ceticismo | 15
Anatomia do ceticismo | 15
A dúvida cartesiana | 16
Como responder ao cético? | 20
Condições para o conhecimento | 20
Teorias epistemológicas | 25
Fundacionalismo | 25
Coerentismo | 30
Antifundacionalismo | 31
A epistemologia e as ciências sociais | 32
Relação entre ciências sociais e ciências naturais | 37
Quantos tipos de ciência há? | 37
Diferença de grau e de tipo | 41
Naturalismo | 42
Antinaturalismo | 43
Natureza humana e liberdade | 47
É possível uma ciência da natureza humana e da sociedade? | 47
Possibilidade e necessidade | 48
Tipos de liberdade | 51
Determinismo, indeterminismo e ciência | 57
O problema | 57
Determinismo | 58
Indeterminismo | 63
Explanação científica | 67
Explanação e leis | 67
Indutivismo | 68
Esclarecimentos conceituais | 71
Dedutivismo | 72
Holismo e individualismo | 77
Totalidades e partes | 77
Entes sociais e indivíduos | 77
Holismo metodológico | 78
Individualismo metodológico | 80
Causalidade e realidade | 85
O que significa dizer que A causou B? | 85
Critérios de causação | 87
Condições necessárias e suficientes | 88
Ciência e realidade | 89
O sujeito e o objeto | 95
Objetividade e subjetividade | 95
Sobre o que é e o que deve ser | 96
A origem dos valores | 98
Os valores e os estudos sociais | 102
O comportamento significativo | 107
Peter Winch e a idéia de uma ciência social | 107
A organização da sociedade | 108
Motivos, razões e propósitos | 111
Estudo de caso: a Teoria da Ciência de Lakatos | 115
Falsificacionismo dogmático | 116
Falsificacionismo metodológico | 117
Falsificacionismo sofisticado | 118
Referências | 123
Anotações | 127
Apresentação
Ciência é hoje sinônimo de conhecimento, não só etimológica, mas também 
descritivamente. As pessoas se acostumaram a considerar que as explicações 
que provêm da Ciência são melhores e mais verdadeiras do que aquelas 
explicações que provêm do senso comum. Ou, por outro lado, que a Ciência 
comprova aquilo que já se sabia de forma empírica ou intuitiva, e, assim 
fazendo, atesta o conhecimento popular. Como na sentença, por vezes 
utilizada em meios de comunicação, “a Ciência provou aquilo que nossas avós 
sabiam”. Embora isto seja também um elogio ao conhecimento das avós, a 
força da sentença se encontra no sujeito e no verbo. Ora, o termo “ciência”, 
nesses contextos, designa uma atividade organizada, metódica, experimental, 
executada por pessoas treinadas em determinadas áreas e metodologias. Esta 
confiança na Ciência e nos cientistas é relativamente recente na história da 
humanidade, data de aproximadamente 500 anos, e vem crescendo desde o 
surgimento do que se chama ‘ciência moderna’. Parte significativa da confiança 
está relacionada com os efeitos práticos, com os sucessos obtidos por diversas 
ciências em melhorar a vida das pessoas. Não se pode duvidar, sensatamente, 
que a vida é em geral melhor hoje do que era há mil anos ou mais. Por outro 
lado, problemas gerados pelo desenvolvimento científico, como poluição, 
aquecimento global, novas doenças, serão resolvidos, pensam muitos, com 
mais Ciência.
 Desde o século XIX, costuma-se dividir as diversas ciências em naturais e 
sociais. Se ciência, então, é sinônimo de conhecimento, ciências sociais são 
aquelas que nos possibilitam um conhecimento mais preciso, “científico”, da 
sociedade, isto é, das instituições e fenômenos sociais. Vivemos, e precisamos 
viver, em sociedade; para tanto, saber como agir e interagir com outros é 
fundamental, e todos temos, em maior ou menor grau, saberes sociais. Neste 
livro, consideramos o saber social organizado nas ciências sociais de uma 
perspectiva filosófica. Nosso assunto é justamente se e em que medida as 
ciências sociais fornecem conhecimento confiável sobre a sociedade. Os textos 
têm caráter introdutório, e foram pensados para estudantes universitários 
que pretendem se dedicar às ciências sociais. A estrutura aqui observada é a 
seguinte: inicialmente, considerações gerais sobre teoria do conhecimento, que 
ocupa os capítulos 1 a 3; a partir do capítulo 4, a especificidade das ciências 
sociais é levada em conta. Nesse capítulo, apresentam-se as duas concepções 
gerais acerca da relação entre ciências sociais e ciências naturais. Os capítulos 
5 e 6 tratam de questões filosóficas e metafísicas que dizem respeito aos seres 
humanos, a saber, se somos livres em nossas ações. Dos capítulos 7 a 10, tópicos 
importantes para as ciências sociais são considerados: como explicações 
científicas são produzidas (cap. 7); a relação entre indivíduos e sociedade (cap. 
8); a relação entre Ciência e realidade (cap. 9); a relação entre quem conhece 
e aquilo que é conhecido (cap. 10). Para finalizar, nos dois últimos capítulos, 
discutem-se duas visões contrastantes de como fazer ciência social: a de que 
o conhecimento da realidade social exige uma epistemologia e metodologias 
exclusivas, diferentes das aplicadas nas ciências naturais (cap. 11); e a de que 
a epistemologia e o método científico é basicamente o mesmo, independente 
do objeto estudado (cap. 12). Espera-se que o futuro cientista social tenha, por 
meio destes textos, contato inicial com um conjunto de questões, algumas 
simples outras extremamente complexas, mas todas interessantes, acerca 
da possibilidade e necessidade de um conhecimento científico da realidade 
humana e social.
Paulo Seifert
* Mestre em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Bacharel em Filosofia pela Universidade Federal do 
Rio Grande do Sul (UFRGS). Professor de Filosofia na Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), em Canoas/RS.
Conhecimento, crença e fé
Paulo Augusto Seifert *
Sabemos o que julgamos saber?
O famoso filósofo grego Platão conta, em um de seus livros, intitulado A República, uma estória co­
nhecida como o Mito da Caverna. De acordo com esta alegoria, um grupo de pessoas vive preso den­
tro de uma caverna e, em razão de certas circunstâncias, tudo que eram capazes de ver se restringia às 
sombras projetadas no fundo da caverna. Essas sombras eram de seus próprios corpos, bem como de 
objetos e dos corpos de outras pessoas que viviam fora da caverna. As imagens desses objetos e corpos 
eram projetadas no fundo da caverna em razão de uma fogueira que se encontrava na entrada da caver­
na. Como as pessoas dentro da caverna só viam tais sombras elas julgavam que as sombras correspon­
diam ao real, e aquilo lhes parecia verdadeiro. Quando uma delas consegue se libertar e sair da caverna, 
fica inicialmente aturdida pela luz do sol e pela visão dos objetos reais. À medida que se acostuma, per­
cebe então serem as coisas que ela vê fora da caverna o verdadeiramente real, e aquilo que via quando 
estava dentro da caverna eram apenas sombras.
Esta alegoria sugere que nem sempre aquilo que acreditamos ser verdadeiro realmente o é, e po­
demos estar enganados naquilo que nos parece óbvio. Todos nós julgamos que sabemos certas coisas, 
especialmente aquelas que nos são familiares, aquelas das quais temos experiências constantes, repe­
tidas, cotidianas.Tais experiências nos parecem confiáveis. Mas será que elas realmente são confiáveis? 
Um exemplo simples pode nos mostrar que talvez não, ou que, pelo menos em algumas situações, tal 
confiabilidade pode ser posta em dúvida. Aprendemos que há boas razões científicas para dizer que, 
contrário às aparências, o Sol não se move em torno da Terra, mas o inverso é verdadeiro. A Terra des­
creve um movimento elíptico ao redor do Sol. Mas não é isto que percebemos. Percebemos que o 
Sol ora está em um lugar, ora em outro. Quanto à Terra, não vemos e nem sentimos que ela se move. 
Contudo, como a ciência nos ensina, aquilo que vemos é falso, e aquilo que nem vemos e nem sentimos 
é, neste caso, verdadeiro. Como isto pode ser? Não deveríamos nos fixar em nossas próprias percepções, 
e nelas acreditar? Acreditar somente naquilo que podemos ver ou sentir?
8 Filosofia das Ciências Sociais 
Acontece que nós temos, também, experiência de que nossos sentidos nos enganam, e que, por 
vezes, vemos coisas que não estão realmente ali, ou nos enganamos sobre as características dos objetos 
que percebemos. Quem já não passou pela experiência de, no entardecer, julgar que certo objeto visto 
era um pequeno animal (um cachorro, digamos), e ao se aproximar, perceber que era um arbusto. Cada 
um de nós pode pensar e lembrar de diferentes momentos em que nos enganamos quanto a sensações 
que tivemos; pode­se lembrar ainda a experiência de sonhos ou pesadelos intensos, de cujo caráter ilu­
sório só nos damos conta ao despertarmos. E, se a situação é assim no que diz respeito a sensações co­
muns, fica ainda mais complicado quando se tratam de teorias científicas, seja em ciências naturais ou 
em ciências sociais. Por exemplo, se tomarmos uma ciência social como a história, podemos estender 
esta dúvida da qual estávamos falando, e perguntar: como saber o que aconteceu em um passado dis­
tante (antiga Roma, por exemplo) se dependemos dos testemunhos de outras pessoas, e de seu teste­
munho escrito já que não mais estão vivas, e testemunhas não são muito confiáveis, e textos podem ter 
sido adulterados, e assim por diante?
O que é epistemologia? 
Epistemologia geral
Questões como as do parágrafo anterior são tratadas pela epistemologia. Quando são questões 
gerais que se referem a qualquer área da ciência, da moral, da religião, da filosofia, constitui o que se 
pode chamar de epistemologia geral. Por exemplo, a questão acerca da natureza e dos limites de nos­
so conhecimento (o que podemos saber?; o que podemos provar?) é desse tipo. Os filósofos costumei­
ramente distinguem três tipos básicos de conhecimento, relacionados à forma como usamos o termo 
“conhecer” ou “saber”: a) conhecimento proposicional ou conhecimento de que algo é assim ou as­
sado. Quando alguém diz: “eu sei que Jesus Cristo era judeu”, ela está usando o verbo saber em seu 
sentido proposicional1; b) conhecimento direto ou por familiaridade, conhecimento este ligado geral­
mente à observação de algo. Se alguém diz: “Eu conheço Salvador”, ele está nos dizendo, mesmo que 
indiretamente, que lá esteve, visitou a cidade, e assim por diante. Aqui, o termo “conhecer” é usado 
em sentido não­proposicional; c) conhecimento como habilidade, aquele relacionado com a capaci­
dade de fazer algo. Se eu digo “sei nadar”, estou afirmando possuir uma certa habilidade. Essas são 
formas diferentes de conhecimento. Como se relacionam? Um desses tipos é mais fundamental, dele 
dependendo os outros?
1 “Proposição” é o termo usado pelos filósofos para distinguir uma certa espécie de sentença de outras, a saber, proposição é aquela sentença 
passível de atribuição de um valor­de­verdade. Pode­se dizer de uma proposição que ela é verdadeira ou falsa; aplica­se a ela o princípio do 
terceiro excluído. Assim, uma sentença como “Está chovendo agora” pode ser verdadeira ou falsa; é, portanto, uma proposição. Já a sentença 
“Feche a janela” não pode ser verdadeira nem falsa, pois é uma ordem, não afirma nem nega algo; é, portanto, uma sentença não­proposicio­
nal. Da mesma forma, quando expressamos sentimentos, estamos usando a linguagem de modo não­proposicional. Por exemplo, quando o 
enamorado diz à amada, “você partiu­me o coração em pedaços”, essa sentença não é verdadeira nem falsa.
Conhecimento, crença e fé 9
Mesmo que não se assuma explicitamente que o chamado conhecimento proposicional é o 
mais fundamental, geralmente as discussões epistemológicas giram em torno deste tipo. E se faz es­
pecialmente uma distinção em dois subtipos: conhecimento proposicional a priori e conhecimento pro-
posicional a posteriori. O conhecimento a posteriori é o conhecimento empírico, aquele dependente 
da experiência perceptual. Embora não se possa simplesmente equiparar percepção com sensação 
(pense na alegação de que há percepção extra­sensorial ou de que há intuição), a experiência senso­
rial é tida, neste contexto, como o modelo privilegiado de experiência e fundamento do conhecimen­
to empírico. Assim, por exemplo, quando se pede pelas evidências de que algo é verdadeiro, a pessoa 
frequentemente está solicitando que se apresentem elementos ligados às sensações, como algo que 
se viu, ou ouviu, ou se tocou, assim por diante. O conhecimento a priori é o conhecimento racional 
 independente da percepção, aquele conhecimento cuja comprovação não precisa fazer referência al­
guma a uma experiência sensorial ou de outro tipo, se houver. Aquilo que nós sabemos antes (no sen­
tido lógico) de qualquer experiência, ou, como alguns preferem dizer, o conhecimento inato em nós. 
Um dos mais importantes debates na epistemologia ocorre em referência a esta distinção entre 
o a priori e o a posteriori, ou, como também é chamado, as verdades de razão e as verdades de fato. Um 
exemplo de verdade de razão é “algo é igual a si mesmo”; um exemplo de verdade de fato é “Machado 
de Assis escreveu Dom Casmurro”. Esse debate opõe os empiristas aos racionalistas. Segundo o em-
pirismo, todo e qualquer conhecimento depende, em última análise, da experiência sensorial. Se não 
for possível, em relação a qualquer fato ou objeto que se diz conhecer, apontar para alguma experi­
ência a ele relacionado, tal suposto conhecimento é ilusório ou fantasioso. As verdades de razão não 
são inatas, mas adquiridas, e consistem em relações de idéias, não em um saber acerca da realidade. 
Já para o racionalismo, nem todo conhecimento depende da experiência sensorial; pelo contrário, as 
verdades mais fundamentais sobre a realidade são não­sensoriais, e as percepções devem ser julga­
das por meio dessas verdades, ou desses conhecimentos fundamentais. Assim, em oposição aos em­
piristas, os racionalistas concebem as verdades de razão como inatas, e elas se referem à realidade tal 
como é e não apenas às nossas idéias. O que significa que podemos obter algum conhecimento sobre 
o mundo também raciocinando, sem necessidade de ter experiências ou fazer experimentos. A mes­
ma distinção é expressa em outros pares de opostos, como verdades necessárias/verdades contingen­
tes, juízo analítico/juízo sintético.
Epistemologia aplicada
Quando questões como as mencionadas acima são tratadas em relação a alguma área espe­
cífica das ciências, ou a um tópico específico de uma ciência determinada, constitui o que podemos 
chamar de epistemologia aplicada. Por exemplo, a questão acerca do papel da memória no conheci­
mento histórico, ou o assunto deste livro, epistemologia das ciências sociais. A epistemologia apli­
cada não difere essencialmente, portanto, da epistemologia geral, nem aplicada aqui significa algo 
técnico. Apenas que há problemas epistemológicos que afetam qualquer área de conhecimento e 
outros que dizem respeito a determinadas áreas, mas não a outras. Há uma diferença, por exemplo, 
no que se refere à epistemologia da matemática e no que se refere à epistemologia da religião. Uma 
importante questão diz respeito a se existe alguma diferença epistemológica, e qual é, no que se re­fere às ciências naturais (como a Física, a Química, a Biologia) e às ciências sociais (como a Sociologia, 
a História, a Antropologia).
10 Filosofia das Ciências Sociais 
Episteme e doxa
Epistemologia é um termo que provém do grego, e pode ser traduzido por “discurso sobre o co­
nhecimento” ou “teoria do conhecimento”2. A palavra grega episteme significa conhecimento, mas em 
um sentido forte (como era usual para os gregos, mas não o é para nós), o que hoje chamaríamos de co­
nhecimento absoluto, aquele do qual somente um tolo duvidaria. Os gregos usavam esse termo para di­
ferenciá­lo de um outro tipo de saber, aquele que chamavam de doxa, termo cuja tradução apropriada é 
opinião. E justamente, desde lá, consiste a tarefa fundamental da epistemologia, seja geral ou aplicada, 
em determinar a diferença entre conhecimento (episteme) e opinião (doxa), especialmente opinião ver­
dadeira. Os gregos perceberam que ter uma opinião que corresponde aos fatos não é necessariamente 
conhecer os fatos. Como assim?
Noções básicas em epistemologia: conhecimento, crença e fé
Para um melhor entendimento do que se discute em epistemologia, convém diferenciar inicial­
mente as noções ligadas aos termos conhecimento, crença e fé. As distinções e relações que seguem não 
são exaustivas, e não pretendem cobrir todo o espectro do uso e significado de tais termos, mas somen­
te esclarecer alguns pontos importantes e fundamentais para que possamos adequadamente diferen­
ciar ciência e opinião.
Crença e conhecimento
O termo crença pode ser usado em um sentido lato (amplo) e/ou em um sentido estrito. No sen­
tido lato, inclui o conhecimento; no estrito, freqüentemente é usado em contraposição a conhecimento. 
Quando digo que conheço algo (por exemplo, que sei que 3 . 3 = 9), então é também verdade que acre-
dito nisto. Não faz sentido dizer que sei que 3 . 3 = 9, mas ao mesmo tempo dizer que não acredito que 
3 . 3 = 9. Por outro lado, faz sentido dizer que acredito que Maria tem menos de 30 anos, mas não o sei, 
ou, como algumas pessoas também se expressam, que não tenho certeza. Qual a diferença?
Segundo muitos filósofos, quando digo que sei que uma certa sentença é verdadeira, três elemen­
tos pelo menos devem estar presentes: primeiro, que eu penso ser ela verdadeira; segundo, que ela é de 
fato verdadeira; e terceiro, que há evidência suficiente para produzir o assentimento de qualquer pessoa 
racional (a quem as mesmas evidências estejam disponíveis). Por exemplo, se digo que sei que Maria tem 
menos de 30 anos, e apresento como evidências sua certidão de nascimento, o testemunho de seu pai, 
sua carteira de identidade e outras provas similares, então qualquer pessoa racional deveria concordar co­
migo. Isso, entretanto, não exclui a possibilidade de que eu esteja errado. Se restringirmos a aplicação do 
termo conhecimento tão somente àquelas sentenças em relação às quais é impossível logicamente que es­
tejamos errados, de pouca coisa poderíamos dizer que as conhecemos. Por exemplo, consideremos a sen­
tença: “se penso, existo”; ou, na sua formulação clássica: “penso, logo existo”. Para qualquer um que afirma 
uma tal sentença, é impossível, sob qualquer circunstância imaginável ou concebível, que ele esteja erra­
do; pois não há como alguém dizer “penso, mas não existo”. Ao dizer isto, a pessoa se contradiz, isto é, diz 
2 Composto por duas outras palavras: episteme + logos
Conhecimento, crença e fé 11
algo e logo após diz o contrário do que disse. Isso não faz sentido. É como se nada dissesse. Contudo, tal 
peculiaridade não ocorre com a maioria das coisas que dissemos ou nas quais acreditamos. Quando digo 
“Maria tem menos de 30 anos”, isto pode ser falso, ou poderia ser diferente, ou pode ter sido verdadeiro no 
passado, mas agora não é mais. Em suma, posso estar enganado.
Assim, se evidências posteriores alterarem a situação, eu não poderia continuar dizendo que sei, 
ou sabia, que Maria tem menos de 30 anos, mas deveria então dizer que, dadas as evidências disponí­
veis naquele momento, eu estava justificado em dizer que sabia. Por exemplo, se alguém mostrar que 
a certidão de nascimento de Maria é falsificada, e que o testemunho do pai dela depende do testemu­
nho da mãe, já falecida (pois ele só veio a conhecer a menina quando já crescida, digamos, com um ano 
e meio), então teria eu agora evidências que excluem as evidências anteriores nas quais baseava minha 
crença, mesmo que seja efetivamente verdadeiro, objetivamente considerado, que Maria tem menos de 30 
anos. Esse importante ponto mostra como o segundo elemento, mencionado antes (a saber, que quan­
do dizemos saber algo, que este algo seja realmente verdadeiro) é problemático.
A diferença fundamental, portanto, entre conhecimento e crença (no sentido estrito) está no grau 
de evidência disponível. Uma crença não é necessariamente algo em que acredito sem ter nenhuma 
razão para tal, mas algo em que acredito sem possuir evidências suficientes (e estou disto ciente) para 
compelir ao assentimento qualquer pessoa racional. Daí ser adequado falar em graus de crença. Esses 
graus de crença seriam estabelecidos de acordo com sua relação às evidências, o que se chama de prin-
cípio de proporcionalidade. Repetindo, o grau de uma crença, isto é, a força probatória que a sustenta, 
está em proporção direta com as evidências, com as razões que são apresentadas em seu favor, e inver­
samente proporcional às contra­evidências, as razões apresentadas contra ela. Quanto maior a evidên­
cia a favor, mais forte (objetivamente) a crença.
Agora, nem todas as crenças podem ou devem ser provadas; nem todas as crenças exigem evi­
dências. Porque, se fosse necessário provar cada uma de nossas crenças, esta seria uma tarefa infinita: 
seria necessário apresentar a prova de uma crença, a prova da prova, a prova da prova da prova, e assim 
por diante, sem fim. Estaríamos na situação daquele personagem mítico, cuja tarefa era rolar uma pedra 
até o topo de uma montanha, mas, pouco antes de conseguir, a pedra rolava montanha abaixo, e ele ti­
nha de recomeçar tudo de novo, sem fim.
O que fazer então? Parece haver três alternativas possíveis. Primeiro, manter que há crenças auto­
evidentes, isto é, cuja verdade é conhecida por si mesma e não necessita, portanto, de prova alguma. Já 
mencionamos um exemplo: “penso, logo existo”. Alguns filósofos argumentaram que somente quando 
nossas crenças se baseiam em tais verdades auto­evidentes podem elas ser consideradas conhecimen­
to, no sentido próprio do termo. Ou, como preferem alguns, na esteira da concepção grega, conhecimen-
to absoluto. Somente nesses casos especiais não haveria diferença entre crer e conhecer.
A segunda alternativa consiste em, numa certa altura do processo de prova, simplesmente nos 
darmos por satisfeitos com as evidências apresentadas, e aceitar a crença mesmo não tendo certeza ab­
soluta de que é verdadeira. Essa aceitação pode se dar de dois modos: ou se aceita a crença plenamente, 
ou se aceita a crença provisoriamente3. Se a crença for aceita plenamente, julga­se que ela é verdadeira 
e confiável, e somente se volta a considerá­la se alguém apresentar uma contra­evidência forte. Muitas 
das crenças que as pessoas têm são deste tipo: crenças acerca das propriedades dos objetos (de que cor 
são, que cheiro têm, qual seu tamanho etc.), crenças baseadas na memória (o que ocorreu ontem, o que 
3 Conforme a classificação proposta por Mikael Stenmark, no texto “Racionalidade e compromisso religioso”, publicado na revista Numen, v. 
2, n. 2, jul. dez. 1999.
12 Filosofia das Ciências Sociais 
os outros disseram etc.), crenças baseadas no costume (que o Sol aparecerá novamente, que o leite ali­
menta, que o fogo queima etc.). Se a crença for aceita provisoriamente, não se recusa a crença, mas se 
julga que há necessidade de investigá­la mais, mesmo se ela própria é tomada como ponto de partida 
da investigação. Nesse caso, é possível proceder de duas maneiras: a)buscar ativamente contra-evidên-
cias, isto é, provas de que a crença está errada; b) buscar ativamente novas evidências a favor da crença. 
As teorias científicas são normalmente, ou pelo menos inicialmente, desse tipo. Por exemplo, quando 
os astrônomos no século XVI passaram a aceitar a teoria copernicana (o heliocentrismo), a crença em 
tal teoria era inicialmente provisória. Usando elementos da própria teoria no processo de investigação, 
os cientistas encontrarão poucas contra­evidências e muitas evidências novas a favor da teoria; assim, a 
crença em tal teoria passou a ser plena. Isso é o que os filósofos chamam de conhecimento provável ou 
conhecimento probabilístico.
A terceira alternativa possível diante da questão acerca dos fundamentos de nossa crença consiste 
em simplesmente reconhecer que algumas crenças não têm fundamento e nem são auto­evidentes: ou 
as consideramos verdadeiras ou as consideramos falsas. Alguns as chamam de crenças fundamentais, e se 
justificam somente por fé. Um exemplo desse tipo de crença é a de que existem objetos físicos reais, inde­
pendentes da forma como os percebemos, e com características realmente similares àquelas que as nossas 
sensações desses objetos nos fazem crer. Isso se chama crença na existência do mundo exterior. Há filóso­
fos que, ao considerar o valor epistemológico desta crença, argumentaram que ela não pode ser provada e 
nem é auto­evidente. Logo, concluíram que aceitamos tal crença porque temos fé na sua verdade.
Crença e fé
Conforme o argumento do parágrafo anterior, fé seria um tipo de crença. Mas precisamos estar 
atentos aqui, especialmente tendo em vista as associações usuais com o termo fé. Neste contexto pode 
levar a ambigüidades epistemologicamente indesejáveis; mas, mesmo assim, ele é apropriado, bastan­
do que tenhamos certos cuidados. Por fé muitas vezes se entende aquela crença que envolve intensi­
dade no assentimento4, e liga­se emocionalmente à pessoa, de forma que, se estiver errada ou se for 
atacada, provocará sério desapontamento. Geralmente, o termo está ligado a crenças religiosas, mas 
não é exclusivo delas. 
Levando em consideração o que foi dito até aqui, sendo a fé uma forma de crença, embora mais 
intensa, não se deve julgar de imediato que fé é algo irracional. Este tópico, sobre a racionalidade ou ir­
racionalidade da fé (e quando é discutido, geralmente os filósofos estão se referindo à fé religiosa), é 
complexo, pois o termo fé é normalmente aplicado a um conjunto bastante amplo de sentenças (por 
exemplo, quando se fala na fé cristã), e pode ser o caso de serem algumas destas sentenças racionais e 
outras irracionais. Se considerarmos o conceito fé de um ponto de vista estritamente epistemológico, e no 
contexto da discussão feita aqui, a fé não é racional nem irracional. No limite, uma crença seria irracional 
se a pessoa que a mantém não é capaz de produzir evidência alguma em seu favor, e há diversas contra­
evidências disponíveis. Mas uma crença pode ser racional sem que seja aceita por todas as pessoas racio­
nais que a discutem. Ela não constituiria assim um conhecimento, a não ser em um sentido derivado.
4 Veja o texto de John Locke na seção “Texto complementar”.
Conhecimento, crença e fé 13
Conclusão
Podemos, então, concluir que uma das tarefas principais da epistemologia consiste em esclare­
cer o uso da idéia de conhecimento, quais os critérios que precisamos utilizar para não confundi­lo com 
crença em sentido estrito ou com fé, quais os seus componentes, como obtemos conhecimento e qual 
o seu alcance. Não devemos supor, no entanto, que as respostas a essas questões serão exatamente cor­
respondentes em qualquer área de conhecimento. Por essa razão, quando procuramos compreender 
epistemologicamente as ciências sociais, sem dúvida temos de considerar questões epistemológicas ge­
rais, mas não precisamos supor previamente que não há diferenças importantes entre esta e outras áre­
as de conhecimento.
Texto complementar
(LOCKE, 1990, p. 687-688)
“Fé nada mais é que um forte assentimento da mente, o qual, se bem conduzido, conforme nos­
so dever, não pode ser dado a qualquer coisa a não ser tendo­se boas razões [...] Aquele que crê, sem 
ter qualquer razão para crer, pode estar enamorado de suas próprias fantasias. Mas não procura a ver­
dade como deve nem presta a devida obediência a seu Criador, que deseja faça ele uso das faculda­
des de discernimento que recebeu para evitar o erro e o prejuízo. Quem não faz isso usando o melhor 
possível suas faculdades, se às vezes atinge a verdade é antes por acaso do que por estar certo; e eu 
não sei se a sorte do acaso (acidente) excusará a irregularidade do procedimento.” 
John Locke, Um Ensaio sobre o Entendimento Humano, livro IV, capítulo XVII, parágrafo 24. Locke 
(1632­1704), um dos mais importantes filósofos ingleses e considerado um dos principais criadores da 
epistemologia contemporânea. A tradução é feita do original inglês. 
Atividades
1. Considerando o que você viu até o momento sobre epistemologia, explique que uso ou aplicação 
pode ter tal estudo na área das ciências sociais.
14 Filosofia das Ciências Sociais 
2. Faça uma lista de 20 crenças que você aceita, das quais dez você julga ter conhecimento e dez 
você aceita por fé. Compare com as listas de outros dois colegas e procure determinar as seme­
lhanças e diferenças.
3. Por que é importante ter uma definição de conhecimento?
Conhecimento e ceticismo
Anatomia do ceticismo
Atualmente, o termo “ceticismo” é usado como antônimo de “conhecimento”, e cético é aquele in­
divíduo que descrê da possibilidade de se conhecer algo, ou, conforme alguns se expressam, que não 
somos capazes de determinar se nossas crenças são verdadeiras ou não. Por vezes, o termo é também 
usado como sinônimo de incredulidade. Como na história da humanidade, a maioria das pessoas creu 
ou crê em Deus (sejam os deuses muitos ou um só), e tal crença não é considerada como uma mera opi­
nião, mas se refere a um Ser que realmente existe; aquele que duvida da verdade de tal crença é cha­
mado de cético. Nesse caso, é um cético religioso, como há outras modalidades de ceticismo, relativos à 
moral, à ciência etc. O que interessa para nós, nesse contexto, é um tipo de ceticismo mais básico, que, 
de alguma forma, sustenta outros ceticismos: o ceticismo epistemológico; aquele que consiste em ne­
gar a possibilidade de conhecimento ou mesmo de crença racional. Essa negação pode se referir a um 
tópico específico (no exemplo, a possibilidade de crença racional na existência de Deus) ou a todos os 
tópicos. O primeiro tipo é mais comum, e alguém pode ser cético com respeito a uma área de conheci­
mento, embora não o seja em relação à outra área qualquer. O segundo tipo é mais raro, embora alguns 
filósofos tenham defendido um ceticismo abrangente. 
Ceticismo não deve ser confundido com discordância de opiniões, embora o cético discorde da­
quele que afirma saber algo. A discordância de opiniões pode existir sem o menor vestígio de ceticismo. 
A certeza da falsidade de uma crença ou explicação baseada na certeza da veracidade de uma cren­
ça ou explicação oposta constitui antes um tipo de dogmatismo. Ocorre que a coexistência de dogma­
tismos excludentes suscita dúvida em relação à possibilidade mesma de se alcançar a verdade acerca 
do tópico, como mostra, por exemplo, a história da cosmologia no mundo grego ou a história das reli­
giões nas sociedades em que o pluralismo religioso é permitido. Situação similar ocorreu no início da 
Idade Moderna, em que se verificavam diversos conflitos em áreas diferentes: na religião, os movimen­
tos reformistas; na ciência, a disputa entre geocentrismo e heliocentrismo; na filosofia, a disputa entre 
os defensores da filosofia praticada à época nas universidades (cujo método fora elaborado no período 
medieval) e os proponentes da nova filosofia. 
16 Filosofia das Ciências Sociais
Quando concepções céticas se apresentam, especialmente se adúvida é argumentada e não 
apenas fruto de um desespero teórico, é preciso aceitá­las ou responder a elas. Pois não se tratam apenas 
de dúvidas particulares (por exemplo, se o objeto que vejo sobre a mesa é uma caneta ou um lápis), mas 
dúvidas gerais sobre a confiabilidade das formas em que adquirimos, testamos e raciocinamos sobre 
nossas crenças (por exemplo, se nossos sentidos nos dão acesso direto à realidade). Uma das formas 
históricas mais interessantes e influentes de considerar o desafio cético encontramos na epistemologia 
de Descartes.
A dúvida cartesiana
René Descartes (1596­1650), cientista e filósofo francês, é considerado por muitos historiado­
res como o fundador da filosofia moderna. Uma das principais razões para lhe atribuir tal designati­
vo está justamente na ênfase posta por ele no problema epistemológico. Embora não fosse um cético, 
Descartes fez uso sistemático da dúvida no intuito de obter conhecimento seguro. Aqui mostra sua ori­
ginalidade: diferente de seus predecessores, que procuraram refutar as dúvidas céticas por meio de ar­
gumentos contrários, ele propõe levar o princípio cético até suas últimas conseqüências e reconhecer 
como conhecimento seguro somente aquilo que resiste a qualquer dúvida possível, e assim fundamen­
tar a ciência em solo seguro e inabalável. Em uma de suas principais obras, intitulada Meditações (1641), 
ele apresenta seu plano filosófico e diz: 
Há já algum tempo eu me apercebi de que, desde meus primeiros anos, recebera muitas falsas opiniões como verda­
deiras, e de que aquilo que depois eu fundei em princípios tão mal assegurados não podia ser senão mui duvidoso e 
incerto; de modo que me era necessário tentar seriamente, uma vez em minha vida, desfazer­me de todas as opiniões 
a que até então dera crédito, e começar tudo novamente desde os fundamentos, se quisesse estabelecer algo de firme 
e constante nas ciências. (1.ª Meditação, parágrafo 1. DESCARTES, 1983, p. 85.).
Na consecução de tal propósito, Descartes elabora um método que ficará conhecido na história do 
pensamento como “dúvida cartesiana” ou “método da dúvida”. Consiste ele em testar nossas pretensões 
de conhecimento contra o pano de fundo de hipóteses de dúvida, hipóteses estas que colocariam em xe­
que, especialmente, as fontes (ou princípios) por meio dos quais nós justificamos nosso conhecimento, e 
não aspectos particulares daquilo que se supõe ou afirma saber. Questionar cada uma de nossas opiniões 
particulares sobre cada objeto ou evento particular seria uma tarefa infinita e impossível, caso necessária. 
Contudo, como bem percebe e argumenta o filósofo francês, tal procedimento é desnecessário, pois se 
formos capazes de mostrar que as fontes ou princípios de nossas opiniões são duvidosos ou seguros, todo 
o resto que deles decorre ou neles se fundamenta segue o resultado daquela investigação. Por exemplo, 
se alguém não está certo de que o objeto que vê a uma certa distância é uma bicicleta ou uma motocicle­
ta, esta é uma dúvida particular, cuja resolução usualmente supõe que, no geral, o sentido da visão nos for­
nece informações confiáveis sobre a realidade, e que pode, conforme o caso, ser auxiliado por algum outro 
sentido (do tato, digamos). Uma dúvida mais ampla seria aquela acerca da confiabilidade da visão como 
tal; ou, ainda mais geral, dos sentidos (já que a visão é apenas um deles).
Para que nós entendamos adequadamente o que Descartes pretendeu fazer, três pontos são impor­
tantes. Primeiro, os argumentos que ele apresenta são nada mais que hipóteses de dúvida. Não está ele 
afirmando ou supondo que isto é realmente o caso. Segundo, as hipóteses de dúvida são abrangentes, e 
se referem não a conhecimentos particulares, mas aos princípios do conhecimento. Terceiro, constituem 
Conhecimento e ceticismo 17
uma dúvida metódica, dirigida a entender em que nossas opiniões se baseiam ou como se justificam, e 
não uma dúvida prática, relacionada a nossas ações. Quanto a estas, Descartes adota uma postura pruden­
cial, julgando conveniente orientar as ações pelos usos e costumes da sociedade em que se vive.
Como ele constrói essas hipóteses de dúvida? O procedimento é relativamente simples: usar 
como ponto de partida algo geralmente aceito, acrescentando algumas modificações, conforme ne­
cessário, para o propósito da dúvida metódica, e então ampliar o alcance da situação inicial. O único li­
mite para esta experiência de pensamento (ou experimento mental) está na admissibilidade lógica da 
suposição, por mais absurda que possa parecer ao senso comum ou do ponto de vista moral. Importa 
também perceber que uma hipótese de dúvida, assim construída, não é um argumento positivo, que 
efetivamente pretende estabelecer uma conclusão. Se assim fosse, o propósito mesmo da dúvida me­
tódica seria de início abortado, pois em lugar de estender a dúvida o mais longe possível para verificar 
quais crenças resistem, já começaria apresentando algumas crenças como certas, isto é, aquelas pro­
postas na hipótese de dúvida. Assim, quando lemos as suposições cartesianas, não devemos nos deixar 
levar pela idéia de que Descartes estaria realmente afirmando que, por exemplo, tudo é um sonho; bas­
ta que seja possível. Essa é outra diferença significativa entre o método por ele utilizado e a forma em 
que o ceticismo se apresentou anteriormente na história da epistemologia.
Hipótese do engano dos sentidos
Essa é a hipótese cética mais usual e relacionada à experiência comum. Em algum momento, to­
dos nós passamos pela experiência de crer, mesmo momentaneamente, em algo que subsequente­
mente se mostrou ser uma ilusão sensorial. Não nos enganamos muitas vezes quando julgamos acerca 
do tamanho dos objetos que se encontram distantes de nós? E quanto à sua cor? Não ouvimos por ve­
zes palavras que não foram ditas? E, conforme as condições ambientais ou de nosso corpo, não senti­
mos os objetos ora de uma forma ora de outra? Aquilo que sob uma luminosidade nos parece preto, sob 
outra nos aparece azul. Aquilo que, conforme nossas disposições corporais, nos parece doce em uma 
ocasião em outra nos parece amargo. E assim por diante. A hipótese do engano dos sentidos consiste 
em ampliar essa experiência comum e indagar: se os sentidos nos enganam algumas vezes, o que nos 
garante que não nos enganam sempre ou na maioria das vezes?
Além do mais, a ciência física que estava sendo elaborada a partir do século XVI, e da qual 
Descartes é um dos criadores e defensores, mostrava com clareza que a confiabilidade posta nos sen­
tidos, e a crença nas informações sobre o mundo deles derivadas, parecia equivocada; muitas das teo­
rias e desenvolvimentos na astronomia e na óptica, por exemplo, explicavam os fenômenos por meio 
de descrições que contrariam nossos sentidos. Uma importante distinção, reconhecida largamente, ain­
da hoje, foi feita entre as qualidades secundárias e as qualidades primárias dos objetos físicos. Aquelas 
propriedades dos objetos diretamente acessíveis à percepção, às propriedades sensoriais imediatas (es­
pecialmente as ligadas a um único sentido), foram sendo desqualificadas como propriedades essenciais 
explicativas dos objetos. Chamadas de qualidades secundárias, as cores, as sensações táteis, os cheiros, 
os sons, os gostos deixam de ser consideradas propriedades intrínsecas das coisas para serem concebi­
das como uma espécie de ação exercida pelas coisas sobre nós, seres sentientes. Assim, por exemplo, 
quando vejo um objeto azul (um sofá, digamos), o azul que vejo não se encontra no sofá, mas na inte­
ração dos elementos que o compõem com a minha estrutura perceptiva. Para muitos dos pensadores 
da Idade Moderna, tal interação é explicada como uma forma de ação causal exercida pelo objeto sobre 
18 Filosofia das Ciências Sociais
nossa sensibilidade. E, se nenhum ser percipiente existisse, não haveria cores, sons, sabores etc. Como 
diz Galileu: “ [...] muitas sensações, que são reputadas qualidades ínsitas nos sujeitos externos [os obje­
tos físicos],não possuem outra existência a não ser em nós, não sendo outra coisa senão nome fora de 
nós”. Nessa passagem, Galileu utiliza como exemplo a sensação de calor, e argumenta que o calor não é 
uma propriedade real do fogo, mas a ação de suas propriedades reais (como figura, número, movimento) 
sobre nós. “Mas que exista, além da figura, número, movimento, penetração e junção, outra qualidade no 
fogo, e que esta qualidade seja o calor, eu não acredito; considero que o calor seja uma característica tão 
nossa que, deixado de lado o corpo animado e sensitivo [no caso, o corpo humano], o calor torna­se sim­
plesmente um vocábulo” (GALILEI, 1987, p. 121). Essas propriedades reais foram chamadas de qualidades 
primárias, sendo as principais a figura, número e movimento, e somente essas podem ser estudadas cien­
tificamente. Não que as conhecemos independentemente dos sentidos, mas temos delas noção mais cla­
ra em razão do exercício de reflexão e argumentação sobre os dados sensoriais.
Apesar de a hipótese do engano dos sentidos pôr em dúvida muito do que consideramos verda­
deiro em relação aos objetos físicos, permanecem ainda confiáveis aquelas sensações mais próximas, 
como a que tenho ao ver minhas mãos escrevendo este texto no computador. Além do mais, sobra todo 
conhecimento relativo às qualidades primárias e o relativo ao que independe dos sentidos, como as ver­
dades lógicas e as verdades matemáticas.
Hipótese do sonho
Assim como a hipótese anterior, a do sonho é extraída de uma experiência comum. Há sonhos 
cuja intensidade faz parecer durante algum tempo que o sonhado, mesmo depois de acordarmos, re­
almente ocorreu; em alguns casos, permanece uma sensação corporal relacionada a algum evento no 
sonho. Somos, no entanto, capazes de fazer a distinção entre a vigília e o sonho, pelo menos para propó­
sitos da vida usual. Contudo, conforme a intensidade e repetição de alguns sonhos, podem esses exer­
cer uma influência importante sobre a vida desperta, que pode ser positiva ou perniciosa. Essa força dos 
sonhos fez com que se julgasse serem alguns deles mensagens divinas ou premonições, antecipações 
do real. O que mostra que a separação entre o sonho enquanto fantasia e a vida cotidiana enquanto re­
alidade não é radical. E quando refletimos ou lembramos do sonho, nos damos conta de que aquilo que 
acontecia enquanto sonhávamos era, dentro do próprio sonho, real. Se nos damos conta de que é um 
sonho, já estamos pelo menos semidespertos.
A hipótese do sonho consiste em ampliar o alcance desta experiência e indagar: o que me garan­
te que não estou agora, ou sempre, sonhando? O que garante a você, leitor, de que isto que está fazen­
do agora: lendo este texto, provavelmente sentado em alguma cadeira, ouvindo algum som ao redor, 
não seja parte de um sonho? Pois mesmo as coisas comuns que fazemos no cotidiano são muitas vezes 
também sonhadas. Assim como no cotidiano vejo mesas, livros, canetas, computador, também vejo as 
mesmas coisas em alguns de meus sonhos. Então, como eu sei que agora estou desperto e não sonhan­
do? Se penso cuidadosamente nisso, diz Descartes, não há critérios suficientemente claros para distin­
guir a vigília do sono. Digamos que acordo, e isto me permite fazer a diferença; mas pode ser também 
ilusório, e este despertar faz parte de um sonho maior, e dentro deste sonho maior temos sonhos me­
nores e aparência de vigília. Essa hipótese não é absurda, logicamente considerada; é perfeitamente 
possível que seja verdadeira. O cinema contemporâneo, graças aos recursos tecnológicos hoje disponí­
veis, tem produzido filmes que trabalham essa possibilidade, como Matrix. Em um famoso romance, O 
Conhecimento e ceticismo 19
Mundo de Sofia, a personagem principal, Sofia, descobre em um determinado momento que ela não é 
uma menina que realmente existe (como achava até aquele momento), mas uma personagem em uma 
história. Essa descoberta não faz com que ela se torne uma pessoa real, mas faz com que ela procure 
meios de sair de dentro da história. E se esse fosse o caso de cada um de nós? Como tal descoberta afe­
taria nossas crenças?
Admitindo­se a hipótese do sonho, embora muitas de nossas crenças comuns (especialmente 
aquelas relativas ao que consideramos que seja a realidade sensível do cotidiano) sejam abaladas, per­
manecem ainda garantidas as crenças relacionadas às qualidades primárias, às crenças matemáticas, às 
regras do raciocínio. Por exemplo, o sonho deixa intacta a crença de que 3 . 3 = 9; mesmo que eu admita 
a possibilidade de que esteja agora sonhando, e não posso então estar seguro de que os objetos físicos 
ao meu redor têm as características que me parecem ter, ou mesmo que existam, o meu conhecimento 
matemático não se altera, e uma multiplicação não muda sua regra, esteja eu acordado ou sonhando.
Hipótese do Gênio Maligno
Essa hipótese é construída a partir de uma determinada concepção de Deus, a concepção teís­
ta. De acordo com o teísmo, Deus é um Ser existente, infinito, onisciente, onipotente, onibenevolente, 
que criou e mantém todos os demais seres. Imagine­se, sugere Descartes, que haja um Ser que corres­
ponda a essa descrição com exceção de um atributo: o da veracidade. Assim, imaginemos que haja um 
deus onisciente, onipotente, onipresente, que se deleita em nos enganar. Toda vez que julgamos saber 
algo, esse Gênio Maligno (Descartes assim o chama) está a nos iludir. Assim, se pensamos que a árvore 
que vemos é verde, é o Gênio Maligno que produz esse pensamento em nós, enquanto na realidade a 
árvore é azul; se pensamos que os objetos físicos possuem dimensão, é o Gênio Maligno que produz em 
nós esse pensamento, e não há realmente objetos físicos; se pensamos que 4 . 4 = 16, esse pensamen­
to é em nós produzido pelo Gênio Maligno, com o propósito de nos enganar, e o resultado correto po­
deria ser 14 ou 18. E assim por diante, em relação a cada tipo de conhecimento, seja das propriedades 
secundárias como das propriedades primárias dos objetos, da existência mesma dos objetos, da verda­
de das relações matemáticas. De todos esses “conhecimentos” podemos nos sentir seguros e não per­
ceber onde estaria o erro. Contudo, se a hipótese do Gênio Maligno é possível (logicamente falando), 
essa certeza é fútil.
Essa hipótese de dúvida é mais abrangente que as anteriores. Será que ela é total e de nada é possí­
vel haver conhecimento? O que resta? Resta o sujeito que está pensando nessas coisas. Será que o Gênio 
Maligno é tão poderoso a ponto de me fazer crer que penso e existo, quando na verdade não existo nem 
penso? Aqui, Descartes julga ter encontrado a primeira verdade, indubitável, resistente a qualquer argu­
mento cético: “Penso, logo existo” (sentença conhecida na história como “o Cogito”, em razão de sua ver­
são em latim: Cogito, ergo sum). Essa verdade não pode ser enganação do Gênio Maligno, pois para ser 
enganado preciso1 pensar que algo é verdadeiro, e se penso, pelo menos enquanto penso, existo. A isso 
se acrescentam os pensamentos outros que tenho. Isto é, se penso que a árvore é verde, posso estar certo 
de que penso que a árvore é verde, embora não de que a árvore é verde. O problema dessa descoberta, por 
mais interessante que seja, está em sua limitação. A certeza aqui adquirida não vai além do pensar pre­
1 Aqui se usa a primeira pessoa do singular, mas não é uma referência pessoal. É um eu abstrato, aplicável a qualquer indivíduo que refaça 
esse argumento.
20 Filosofia das Ciências Sociais
sente e da minha existência enquanto penso. Mesmo a memória de haver tido um pensamento há pouco 
(pensei há pouco que a árvore é verde) está sob influência do Gênio Maligno. Como isso nos ajudaria em 
relação ao conhecimento da realidade, às ciências? Como sair do pensamento para o mundo real, como 
construir uma ponte entre esses dois “mundos”? Embora a solução proposta por Descartes não ter sido 
largamente aceita, a forma como ele colocou o problema estabeleceu o pano de fundo das investiga­
ções epistemológicas durantemuito tempo (REID, 2002) e ainda exerce influência.
Como responder ao cético?
O cético merece uma resposta, não apenas porque aquele que crê deve estar preparado a dar as 
razões de sua crença a quem o questiona, mas porque, em certo sentido, o cético somos nós mesmos. A 
resposta dependerá de que tipo de ceticismo se trata; contudo, o que não devemos fazer é repetir dog­
maticamente nossa crença. O dogmatismo (a afirmação convicta de uma crença mesmo diante de ob­
jeções razoáveis) fornece alimento ao ceticismo; são ambos, como disse Hume (1984, p. 220), razões “da 
mesma espécie, embora contrárias em suas operações e tendências. Desse modo, quando [o dogmatis­
mo] é forte, encontra no [ceticismo] um inimigo com a mesma força; e, como suas forças de início eram 
iguais, elas continuam iguais, enquanto uma das duas subsiste”.
Sem dúvida, podemos propor uma resposta geral ao ceticismo, mostrando que, a não ser que fique 
calado, o cético faz uso em sua argumentação das regras comuns de raciocínio, pressupondo­as, portanto. 
E, ao fazê­lo, já enfraquece sua própria posição. Mas isso é insuficiente, como foi insuficiente, mas não inútil, 
a demonstração cartesiana do Cogito. Se quisermos responder ao cético, devemos considerar atentamente 
seu argumento, e ceder onde for preciso ceder. E, se não nos tornarmos também céticos e ainda defender­
mos, como parece razoável, a possibilidade de conhecimento, que aprendamos a atitude cética, saudável no 
caminho da ciência e contra a superstição, e não imaginar que sabemos o que não sabemos2.
Condições para o conhecimento
Como distinguir o conhecimento efetivo da aparência de conhecimento? Se examinarmos a his­
tória da Ciência, um ponto logo chama a atenção: aquilo que era considerada uma teoria científica acei­
ta em uma determinada época, em um tempo posterior foi substituída ou complementada por outra 
teoria. Um exemplo fácil de compreender, mesmo para quem não tem formação científica estrita, pode 
ser encontrado na Astronomia. Durante muito tempo, acreditava­se que a teoria geocêntrica descrevia 
o mundo tal como ele é. Não que essa crença fosse um mito, um preconceito popular que a ciência fí­
sica viria a refutar, como muitos outros mitos; essa era uma teoria científica. E um de seus enunciados 
principais era: “o Sol gira ao redor da Terra”. No entanto, como hoje se sabe, tal teoria foi substituída pelo 
heliocentrismo, no qual um dos enunciados principais é “a Terra gira ao redor do Sol”. Esse é um caso em 
que há incompatibilidade básica entre duas teorias alternativas, pois as sentenças mencionadas não são 
periféricas a cada teoria respectivamente, mas fazem parte de seu núcleo central. Assim, se uma teoria 
2 Para uma exposição detalhada e bem argumentada dos benefícios e malefícios do ceticismo, ver a Seção XII, “Da Filosofia Cética ou Acadê­
mica”, do livro Investigação sobre o Entendimento Humano, de David Hume (1984). 
Conhecimento e ceticismo 21
constitui conhecimento efetivo, a outra constitui apenas aparência de conhecimento. Então, voltando 
à pergunta inicial, e adaptando­a ao exemplo: como determinamos que o heliocentrismo constitui co­
nhecimento, enquanto o geocentrismo apenas aparência de conhecimento?
Uma resposta natural seria: porque sabemos agora que a teoria heliocêntrica é verdadeira, enquan­
to a teoria geocêntrica é falsa. E isso parece sensato, pois a verdade é uma das condições necessárias do 
conhecimento. Como já se tornou usual dizer, para que eu possa dizer “sei que p”3, e não apenas “acho 
que p”, três condições precisam ser satisfeitas: a) “eu acredito que p” (crença); b) “p é verdadeiro” (verdade); 
c) “tenho razões (ou evidências) adequadas para crer que p” (justificação). E, à primeira vista, não parece 
complicado estabelecer a segunda condição; mais complicado seria estabelecer a terceira. Parece óbvio 
que se alguém diz “a árvore é verde” (p), p é verdadeiro se for realmente o caso que a árvore é verde. Assim, 
o que nós deveríamos fazer é verificar se p é verdadeiro. Contudo, isso não é tão simples, especialmente 
quando lidamos com hipóteses e teorias. Além do que, a noção de verdade tem sido compreendida de 
maneira diferente. Há três principais teorias filosóficas sobre a noção de verdade: a) teoria da correspon­
dência; b) teoria da coerência; e c) teoria pragmática. Vamos aqui apenas mencioná­las resumidamente.
Segundo a primeira (a), uma sentença é verdadeira se corresponde aos fatos, é como uma có­
pia da realidade. Tal explicação, além de simples, concorda com o que normalmente as pessoas, inde­
pendente de qualquer reflexão epistemológica, responderiam à pergunta: o que é a verdade? Então, o 
procedimento consiste em comparar aquilo que é dito com aquilo que é real. Mas fatos, e as coisas de 
que são fatos, são sempre individuais, particulares. E muito do que afirmamos, e que nos interessa em 
Ciência, constituem sentenças gerais, como é o caso de hipóteses e teorias. Quando Newton enunciou, 
em 1686, a terceira lei do movimento, “A uma ação sempre se opõe uma reação igual, ou seja, as ações 
de dois corpos um sobre o outro sempre são iguais e se dirigem a partes contrárias” (NEWTON, 1974, p. 
20), não estava se referindo a algum evento que testemunhou, mas a qualquer evento, inclusive aque­
les que viriam a ocorrer. A comparação já não é tão simples. Assim, se essa teoria é correta, precisa espe­
cificar como, através de que processos, justificamos a correspondência.
Já para a segunda (b), o que importa é que as sentenças (ou as crenças expressas pelas senten­
ças) sejam consistentes, isto é, possam ser verdadeiras ao mesmo tempo. Assim, o sistema de crenças, 
que inclui teorias, hipóteses, sentenças experienciais, forma um todo coerente. Embora surpreendente 
à primeira vista, expressa um procedimento também usual. Se duas afirmações opostas são apresenta­
das, julgamos que pelo menos uma delas é falsa. Por exemplo, se alguém, em um discurso, afirma “um 
percentual pequeno de inflação gera emprego”, e, mais adiante, “o desemprego se combate eliminando 
a inflação”, há uma inconsistência, e pelo menos uma das sentenças é falsa. Por outro lado, se a verdade 
está na coerência somente, como optar entre alternativas igualmente coerentes? 
Por fim, a terceira teoria da verdade (c) admite que verdade significa a concordância de nossas 
idéias com a realidade. Contudo, concordar com a realidade, por sua vez, significa fazer diferença prática 
na vida, na experiência do sujeito. Deve­se perguntar: qual diferença concreta esta crença terá na vida 
de alguém? Ou como coloca o filósofo pragmatista William James (1981, p. 92): “Idéias verdadeiras são 
aquelas que podemos assimilar, validar, corroborar e verificar. Idéias falsas são aquelas que não pode­
mos [fazer estas coisas]” (tradução do autor). Também essa concepção responde a um hábito. Quando 
ouvimos um discurso que parece nada ter a ver com a prática, tendemos a considerá­lo falso ou inútil. 
Por outro lado, como mostra a história das ciências sociais, idéias opostas podem ser assimiladas, vali­
dadas, corroboradas e verificadas. Como optar entre elas?
3 A letra “p” substitui uma sentença qualquer, por exemplo, ”a laranja é doce’”, “o valor de uma mercadoria reflete a quantidade de trabalho 
envolvida em sua produção.”
22 Filosofia das Ciências Sociais
Cada uma dessas teorias tem sido elaborada por diferentes epistemólogos de forma a tentar res­
ponder às objeções que são apresentadas. Em geral, procura­se incluir as outras duas como elementos 
dentro da concepção defendida, de modo que, assim fazendo, não sejam consideradas inconsisten­
tes. Assim, alguém que sustente a teoria da verdade como coerência pode admitir que em alguns ca­
sos uma sentença é verdadeira se corresponde aos fatos (por exemplo, “o som é dó menor” é verdadeira 
se realmente o som é dó menor), mas isso porque é consistente com outra crença mais fundamental, a 
saber, que a realidade sensível é percebida pelos sentidos. Até o momento, nenhuma delas se mostroucompletamente satisfatória, embora a teoria da correspondência continue sendo a mais promissora e 
provavelmente correta, já que dá conta de procedimentos que normalmente usamos para distinguir a 
verdade da falsidade.
Texto complementar
(HUME, 1984)
Há uma espécie de ceticismo, anterior a todo estudo e filosofia, que é muito inculcado por Des­
cartes e outros como preservativo soberano contra o erro e o juízo precipitado. Esse ceticismo reco­
menda uma dúvida universal não só das opiniões e princípios que até então perfilhávamos, como 
também de nossas próprias faculdades. Dizem os nossos filósofos que devemos assegurar­nos da ve­
racidade dessas opiniões e princípios por uma cadeia de raciocínio deduzida de algum princípio ori­
ginal que absolutamente não possa ser falaz ou ilusório. Mas, ou não existe nenhum princípio original 
dessa sorte que tenha prerrogativa sobre os outros princípios convincentes e evidentes por si mesmos 
ou, se os houvesse, não poderíamos avançar um passo além deles a não ser pelo uso dessas mesmas 
faculdades de que nos aconselham a suspeitar. A dúvida cartesiana, portanto, se pudesse ser alcança­
da por alguma criatura humana (o que evidentemente não pode), seria de todo incurável; e nenhum 
raciocínio nos poderia conduzir jamais a um estado de segurança e de convicção a respeito de qual­
quer assunto.
Deve­se confessar, contudo, que essa espécie de ceticismo, quando cultivada com mais mode­
ração, pode ser entendida num sentimento muito razoável e é um preparo necessário para o estu­
do da Filosofia, pois preserva a necessária imparcialidade em nossos julgamentos e expurga nossa 
mente de todos os preconceitos que nos possam ter sido incutidos pela educação e pela opinião 
precipitada. Começar por princípios claros e evidentes em si mesmos, avançar com passos seguros 
e cautelosos, revisar freqüentemente as nossas conclusões e examinar com exatidão as suas conse­
qüências, embora sejam tão reduzidos quanto vagarosos os progressos que por tal meio faremos 
em nossos sistemas, são os únicos métodos que jamais nos poderão dar a esperança de alcançar a 
verdade e atingir uma razoável estabilidade e certeza em nossas determinações.
Conhecimento e ceticismo 23
Atividades
1. Em uma coluna, relacione dez crenças suas que você julga que são duvidosas; em outra, dez cren­
ças que você julga absolutamente verdadeiras. Compare com as de um colega, e procure explicar 
as semelhanças e diferenças.
24 Filosofia das Ciências Sociais
2. Pesquise em livros e internet textos sobre filosofia antiga, o nome de algum cético grego ou ro­
mano e tente resumir algum argumento cético por ele proposto (10 linhas no máximo). Em segui­
da, procure responder o argumento com suas próprias idéias.
3. Leia o texto complementar, e, conjuntamente com um colega, identifiquem o que parece ser seus 
pontos fortes e pontos fracos. 
Teorias epistemológicas 
Se o conhecimento difere da opinião por constituir crença verdadeira justificada, uma das princi­
pais tarefas de uma teoria epistemológica, embora não a única, está em explicar como tal justificação se 
obtém e em que ela consiste. Desde o início da filosofia moderna com Descartes, tal tarefa tem sido com­
preendida como fundamental para as ciências, especialmente em razão dos argumentos céticos contra 
a possibilidade de haver conhecimento. E se o cientista pretende apresentar uma descrição verdadeira 
da realidade, que se oponha e substitua qualquer forma de superstição, parece óbvio a uma considera­
ção atenta da situação que há necessidade de mostrar não somente que as teorias científicas correspon­
dem (de alguma maneira) aos fatos, mas como tal relação se estabelece. 
Historicamente, há diversas teorias epistemológicas que procuram explicar a possibilidade de co­
nhecimento, as quais diferem em detalhes, mas podem ser agrupadas de acordo com certas idéias sig­
nificativas. Vamos considerar, então, três destes agrupamentos: o fundacionalismo, o coerentismo e o 
antifundacionalismo. 
Fundacionalismo1
Teorias fundacionalistas têm uma longa história no pensamento filosófico. Segundo tais teorias, 
a relação justificadora entre crenças tem a seguinte estrutura: algumas (ou muitas) crenças encontram 
sua evidência em outras crenças, que por sua vez se baseiam em outras crenças, e assim por diante. Mas 
não é possível ir ao infinito nesta estrutura: é preciso encontrar o fundamento último, a saber, crenças 
que não dependem de outras crenças, mesmo que dependam de alguma outra coisa. Uma metáfora 
freqüentemente utilizada é a da construção de uma casa. Não é possível começar uma casa pelo teto; 
é preciso pôr antes um fundamento. E, adaptando uma sentença de Jesus Cristo, a casa construída so­
bre fundamentos instáveis (areia) rapidamente cairá, mas aquela construída sobre fundamentos firmes 
1 O termo “fundacionalismo” vem de fundação, no sentido arquitetônico desta palavra. Seu uso é recente na história da epistemologia. Alguns 
dos mais importantes fundacionalistas (Aristóteles, Descartes, Leibniz, Locke) não usavam esta palavra, embora seu ponto de vista seja ade­
quadamente expresso por ela. A palavra passou a ser utilizada no século XX para designar tais teorias, especialmente no âmbito lingüístico 
anglo­saxão. O termo em inglês é foundationalism, que, por vezes, é também traduzido por fundacionismo. Ambos os termos em português 
são apropriados. Aqui utilizaremos o substantivo “fundacionalismo” e correlatos.
26 Filosofia das Ciências Sociais
e seguros (rocha) permanecerá. Assim, para as teorias fundacionalistas, uma das tarefas primordiais da 
epistemologia, qualquer que seja o campo de conhecimento em consideração, está em identificar esses 
fundamentos firmes e seguros. Por exemplo, suponhamos que alguém hoje acredite que “Jesus Cristo 
foi traído por Judas Iscariotes com um beijo na face”. Esse é um conhecimento histórico. Qual o seu fun­
damento, como ele é justificado?
Em se tratando de uma crença quanto a um fato histórico remoto, não há testemunhas vivas, mas 
apenas relatos escritos por ou baseados na palavra das testemunhas. Quem acredita no exemplo aci­
ma, o faz porque acredita que os relatos são confiáveis, e os que produziram o relato acreditaram que as 
testemunhas eram confiáveis, e as testemunhas acreditavam nisto porque se lembravam do que viram. 
Essa seqüência explicativa pode ser complexificada, e tem de ser quando se trata não apenas de uma 
sentença histórica, mas de uma teoria histórica. Em qualquer dos casos, entretanto, a seqüência terá a 
mesma estrutura, de crenças servindo de base evidência para outras crenças, até se chegar a uma crença 
cuja base não é outra crença. Segundo o fundacionalismo, todo conhecimento exibe esse tipo de estru­
tura. Daí que uma distinção importante é a distinção entre crenças básicas e crenças não­básicas. Uma 
crença não­básica2 é aquela justificada por meio de outra crença, que por sua vez é justificada por outra 
crença, e assim por diante, até se atingir uma crença cuja justificação não se encontra em qualquer outra 
crença. Esta última é uma crença básica. Também as crenças básicas precisam ser justificadas; eu tenho a 
obrigação de explicar porquê creio nelas. A diferença é que não creio nelas com base em outras crenças, 
mas em algo diferente (como uma experiência, uma intuição, uma percepção, na memória etc.). 
Se a estrutura do conhecimento depende de crenças básicas, importa determinar como adquiri­
mos estas crenças básicas, e se as adquirimos corretamente. Não é suficiente dizer que cremos em algo 
de forma básica, como se não fosse necessário apresentar razões; é preciso mostrar que estas crenças 
têm objetividade, e não dependem apenas das preferências individuais ou grupais. Em razão dessa exi­
gência3, o fundacionalismo procura identificar também os fundamentos das crenças básicas, e, justa­
mente nesse ponto, aparecem divergências entre concepções alternativas. Os candidatos mais usuais 
são as verdades auto­evidentes (favorecidas pelo racionalismo)e as percepções sensoriais imediatas (fa­
vorecidas pelo empirismo). Como exemplos das primeiras, temos: “o todo é maior que a parte”; “algo é 
igual a si mesmo”; “tudo que ocorre tem uma causa”. Como exemplos das segundas, temos: “sinto dor 
de cabeça”; “aquilo que parece amarelo”; “lembro de ter ido ao cinema”. Geralmente, concorda­se que as 
condições para que uma crença seja básica são: não dependem de outras crenças, são indubitáveis, in­
corrigíveis, inalteráveis. Assim, por exemplo, se eu acredito que estou com dor de cabeça, não creio isto 
com base em alguma outra crença; creio diretamente. E também ninguém pode me dizer: “não é verda­
de que você está com dor de cabeça”4. 
Aceito isto, como as crenças não­básicas são justificadas pelas crenças básicas? A resposta é que a 
relação de base entre esses diferentes tipos de crença se liga às formas possíveis de nosso raciocínio: a jus­
2 A maioria de nossas crenças são não­básicas. Aquilo que acreditamos porque lemos em jornais, vimos na televisão, mas não presenciamos 
nem conversamos diretamente com uma testemunha, constitui exemplo disto. Para a maior parte das pessoas, o que elas acreditam acerca de 
um governo, por exemplo, depende da credibilidade que elas depositam nos meios públicos de informação.
3 Isso é bem expresso por John Stuart Mill, filósofo inglês (1806 – 1873), um dos principais fundacionalistas históricos. Leia o texto dele incluído 
na seção “Texto complementar”
4 A não ser que a pessoa queira dizer que eu estou mentindo. Mas daí se trata de outra situação. O ponto aqui é que não é possível estar enga­
nado quanto a sentir uma dor de cabeça, como é possível estar enganado acerca da cor de um certo objeto. Este tipo de percepção sensorial, 
tida pelos empiristas como fundamento privilegiado de crenças básicas, é também chamada experiência imediata (às vezes, também intuição), 
isto é, refere­se a nossas próprias sensações internas, independente se a elas correspondem objetos físicos externos. Um argumento funda­
cionalista típico consiste em concluir que minha crença na existência de objetos físicos depende de minhas crenças acerca destas sensações 
imediatas.
Teorias epistemológicas 27
tificação pode ser dedutiva ou indutiva. Toda justificação epistemológica consiste em apresentar um argu­
mento, em que um conjunto de sentenças é apresentado como exibindo um certo tipo de relação lógica, 
em que algumas servem de razão para aceitar outras. Conforme a amplitude do argumento, este entrela­
çamento de sentenças pode ser curto ou longo, mas sua estrutura será sempre similar. Usualmente, admi­
te­se que há duas formas estruturais, mesmo que se discorde acerca da importância ou do valor de cada 
uma delas na constituição das ciências, naturais ou sociais. Estas formas são: a dedução e a indução.
Dedução
Para esclarecer os pontos básicos da dedução enquanto justificatória, utilizemos um exemplo sim­
ples. Digamos que alguém acredite que “os preços dos automóveis irão cair”, e perguntado por que acre­
dita nisso, ela responde: “se a produção de qualquer bem aumenta, o seu preço unitário cai, e todas as 
montadoras aumentaram sua produção”. Aqui temos um exemplo de argumento dedutivo, que pode 
ser assim reformulado:
(1) Se a produção de qualquer bem aumenta, o seu preço unitário cai.::::
(2) A produção de automóveis aumentou.::::
(3) Logo, os preços dos automóveis irão cair.::::
Em lógica, as sentenças (1) e (2) são chamadas “premissas”, e a sentença (3) é chamada “conclu­
são”. As premissas são as razões para aceitar a conclusão. O que caracteriza qualquer argumento dedu­
tivo válido é a relação de implicação entre as premissas e a conclusão. Dizer que uma sentença implica 
outra significa que se uma é verdadeira, a outra também é5. Não há como afirmar uma e negar a outra. 
Considere o exemplo na nota abaixo: a sentença “ela é uma adolescente” (A) implica a sentença “ela tem 
menos de 20 anos” (B), isto é, se alguém disser “ela é uma adolescente e fez 25 anos ontem” (A e não­B), 
esta pessoa está se contradizendo, ou não sabe o significado da palavra “adolescente”. Compare com o 
que ocorre se nós invertermos a relação entre as duas sentenças. A sentença “ela tem menos de 20 anos” 
não implica a sentença “ela é uma adolescente”; aqui, B não implica A. Por que não? Porque é possível 
que ela tenha menos de 20 anos e não seja uma adolescente; por exemplo, se tiver 5 anos; nesse caso, é 
verdade que tem menos de 20 e não é verdade que seja uma adolescente, pois é uma criança. Importa 
observar, contudo, que há aqui, entre B e A, uma outra relação importante: a consistência. Duas senten­
ças são consistentes quando podem ser verdadeiras ao mesmo tempo. Assim, para que haja implicação, 
é preciso haver antes consistência: se uma sentença deve ser verdadeira porque outra o é, então ambas 
podem ser verdadeiras ao mesmo tempo, mas o inverso não ocorre necessariamente: duas sentenças 
podem ser consistentes e não terem mesmo relação alguma6. Aplicando estes conceitos ao argumento 
acima, ela não pode aceitar as premissas (crer nelas) e recusar a conclusão, pois as premissas implicam a 
conclusão; por outro lado, a negação da conclusão é inconsistente com as premissas. A saber, se ela crer 
o oposto de (3), que “os preços dos automóveis não irão cair”, (1) ou (2), ou ambas, devem ser falsas.
Contudo, nem todo argumento dedutivo possui essa relação de implicação. No parágrafo ante­
rior, falou­se de argumento dedutivo válido. Há também argumentos dedutivos inválidos, isto é, aque­
5 Cuide­se para não fazer confusões lingüísticas. No discurso lógico, não se fala que “algo implica em...” ou, menos ainda, que “implica com...” 
Nenhuma dessas preposições é adequada aqui. Diz­se simplesmente, “A implica B”, em que A substitui uma sentença qualquer, assim como B. 
Por exemplo, ela é uma adolescente “implica” ela tem menos de 20 anos”. 
6 Por exemplo, a sentença “Pedro Álvares Cabral descobriu o Brasil” e a sentença “Inflação alta produz desemprego” são consistentes, mas uma 
e outra não tem qualquer outro tipo interessante de relação.
28 Filosofia das Ciências Sociais
les em que se pretende haver uma relação de implicação, mas não há. Mas como fazer a diferença? A 
diferença está na forma do argumento, não no conteúdo. Para saber se o argumento é válido, temos de 
prestar atenção em sua forma lógica. Frequentemente nós intuímos a forma lógica de um argumento, 
e sabemos se é válido ou não. Se queremos, porém, fazer e compreender hipóteses e teorias científicas, 
precisamos ter um treino mais adequado; parte deste treino pode ser providenciado pela lógica. O pro­
cedimento que melhor nos educa neste assunto é a simbolização, como ocorre na Matemática. Sabemos 
calcular melhor e mais rápido em razão da notação matemática (1, 2, 3, 4...), independente do que está 
sendo calculado. No exemplo acima, isto é fácil de fazer. Se nós substituirmos cada sentença simples7 
por uma letra, teríamos o seguinte:
p = a produção de automóveis aumentou (ou, a produção de qualquer bem aumenta).::::
q = os preços dos automóveis irão cair (ou, o seu preço unitário cai).::::
As sentenças em parênteses têm o mesmo significado, no contexto, do que as outras às quais se 
referem; portanto, não é necessário simbolizá­las diferentemente. Feito isto, podemos reformular o ar­
gumento usando os símbolos, e teremos:
(1) Se p, então q
(2) q
(3) Logo, p.
Fazendo isto, podemos ver claramente o que significa dizer que as premissas implicam a conclu­
são, ou, conforme outra maneira de se expressar, que a conclusão se segue necessariamente das premis­
sas. Pois a primeira premissa diz: se p é verdadeiro, então q também é verdadeiro; e a segunda premissa 
diz, q é verdadeiro. Daí, a única conclusão possível é p também é verdadeiro. O esquema simbólico aci­
ma é a forma lógica do argumento. Esta é uma das formas lógicas mais básicas, que usamos constante­
mente no cotidiano e nas ciências; seu nome é modus ponens (afirmação do antecedente)8.
Para mostrarum argumento inválido, podemos usar o mesmo exemplo, apenas invertendo a se­
gunda premissa e a conclusão, colocando uma no lugar da outra. Teríamos, então, o seguinte: 
(1) Se a produção de qualquer bem aumenta, o seu preço unitário cai;::::
(2) Os preços dos automóveis caíram;::::
(3) Logo, aumentou a produção de automóveis.::::
Nesse caso, a forma lógica deste argumento é: se p, então q; q; logo, p. É chamada de afirmação do 
conseqüente. O argumento é inválido, pois, mesmo sendo as premissas verdadeiras, a conclusão pode 
ser falsa; (3) também pode ser verdadeira, mas, se for, não o será por causa de (1) e (2), o que seria neces­
sário para o argumento ser válido. Pois podemos perfeitamente especificar outras razões para os preços 
terem caído sem que haja produção maior. Por exemplo, pode ser que ninguém estava comprando au­
tomóveis novos, e, para acabar com o estoque, as montadoras resolveram abaixar os preços. Outra técni­
ca que nos permite mostrar que esta forma lógica é inválida encontramos na técnica da substituição. Se 
a forma for válida, qualquer substituição sensata resultará em uma conclusão verdadeira, admitidas as 
7 Sentença simples é uma sentença que não pode ser decomposta em duas ou mais sentenças. Por exemplo, “a laranja é doce”. Sentença 
complexa é aquela que pode ser decomposta em uma ou mais sentenças. Por exemplo: “a laranja é doce, mas muito cara”, que pode ser de­
composta em: “a laranja é doce’” e “a laranja é cara”.
8 Em qualquer proposição hipotética, do tipo “se...então”, a sentença que vem após o “se” e antes do “então“ é chamada antecedente, e a que 
vem depois do então é chamada conseqüente.
Teorias epistemológicas 29
premissas. Se a conclusão nos parecer falsa ou inaceitável, teremos que negar uma ou todas as premis­
sas. Mas nas formas inválidas, podemos manter as premissas e negar a conclusão. Considere o seguinte 
exemplo: se alguém é mãe, então é mulher (se p, então q); esta pessoa é uma mulher (q); logo, esta pes­
soa é mãe (p). É fácil de ver que a conclusão não se segue das premissas, pois sabemos que há mulheres 
que não são mães.
Indução
Em argumentos indutivos, a relação entre as premissas e a conclusão não é de implicação, mas 
de probabilidade. Diferente da idéia de implicação (ou implica, ou não implica), probabilidade vem em 
graus: uma conclusão pode ser mais ou menos provável em relação às premissas que a sustentam. Isto 
porque a conclusão excede o que está contido nas premissas. A razão para tal se encontra no objetivo 
de obter uma conclusão a partir da qual se possam fazer previsões, geralmente por meio, então, de um 
argumento dedutivo, o que mostra a conexão entre estas duas formas de raciocínio. Se voltarmos ao 
exemplo utilizado no tópico sobre dedução, esta conexão se torna visível. Consideremos a premissa hi­
potética (1): “se a produção de qualquer bem aumenta, o seu preço unitário cai”. No argumento deduti­
vo, ela é suposta verdadeira. Mas, e se perguntarmos: como sabemos disto? A resposta a esta pergunta, 
acerca da justificação daquela premissa hipotética, pode ser encontrada em um argumento indutivo, 
construído como segue e tendo em mente que a proposição hipotética pode ser formulada categorica­
mente9: “sempre que aumenta a produção de um bem, seu preço unitário cai”.
(1) Em 1974, a produção de automóveis aumentou e, em razão disso, as montadoras diminuí­::::
ram o preço;
(2) Em 1984, a produção de automóveis aumentou e, em razão disso, as montadoras diminuí­::::
ram o preço;
(3) Em 1994, a produção de automóveis aumentou e, em razão disso, as montadoras diminuí­::::
ram o preço;
(4) Em 2004, a produção de automóveis aumentou e, em razão disso, as montadoras diminuí­::::
ram o preço;
(5) Logo, sempre que aumenta a produção de um bem, seu preço unitário cai.::::
Se quiséssemos reforçar esta conclusão, poderíamos acrescentar outras premissas, relativas a ou­
tros tipos de bens, em que a relação aumento de produção e queda de preço foi também observada. 
Assim, por exemplo:
(1”) Em 1995, o aumento na produção de computadores fez o seu preço unitário cair;::::
(2”) Em 2005, o aumento na produção de computadores fez seu preço unitário cair;::::
(:::: 5) Logo, sempre que aumenta a produção de um bem, seu preço unitário cai.
O acréscimo de 1” e 2”, torna (5) mais provável do que antes. Mesmo assim, a conclusão tem uma 
generalidade que vai muito além do observado nas premissas, e se refere não só a casos do passado e 
do presente que não chegaram a ser observados, como a casos futuros. Assim, não carrega ela a certeza 
9 Uma proposição categórica é aquela formulada afirmativa ou negativamente: “todos os homens são mortais”; “nenhum político é corrupto”. 
Uma proposição hipotética é aquela formulada condicionalmente: “se os homens são animais, então são mortais”.
30 Filosofia das Ciências Sociais
que uma conclusão de um argumento dedutivo válido possui, e basta acrescentar uma outra premissa 
verdadeira, não oposta às já existentes, para destruir o argumento. Por exemplo, se acrescentarmos:
(3”) Em 2000, o aumento da produção de hortigranjeiros ocasionou sua subida de preço unitário.::::
Essa sentença não é o oposto de qualquer uma das outras premissas, mas seu acréscimo no ar­
gumento falsifica a conclusão. Isto não acontece na dedução: o acréscimo de qualquer outra premissa, 
desde que não oposta a uma já presente no argumento, não altera o valor­de­verdade da conclusão. 
Compare com o seguinte argumento dedutivo simples: todos os homens são mortais; Sócrates é ho­
mem; logo, Sócrates é mortal. Qualquer outra proposição que eu acrescente, desde que não seja oposta 
a uma das premissas (não poderia ser “Sócrates é um deus”), em nada altera a conclusão. Por exemplo, 
se acrescentamos: o anjo Gabriel é imortal, ou cachorros são mortais, ou Platão é homem; nada disso 
afeta a conclusão.
Considerando a plausibilidade inicial de uma explicação fundacionalista, e sua tentativa de satisfazer 
um de nossos desejos mais profundos – o de estarmos certos sobre algo – sofre ela de uma séria desvanta­
gem: a de que, usando dedução e/ou indução a partir de crenças básicas (indubitáveis), pouca coisa se po­
deria saber, e muito daquilo que justamente recebe o nome de Ciência nada mais seria que “adivinhação”. 
Coerentismo
Teorias coerentistas procuram justificar a aceitabilidade de uma crença sem sair do sistema de 
crenças, e sem estabelecer entre elas diferença quanto a seu papel na justificação do conhecimento. 
Uma metáfora freqüentemente utilizada é a da rede, em que os diversos pontos estão entrelaçados em 
um todo, não havendo um ponto que sirva de suporte a outro ponto sem, por sua vez, ser suportado 
por outro ponto, e assim por diante até chegar ao primeiro ponto considerado. Também não importa 
por onde se começa. Assim, a distinção, tão importante para o fundacionalismo, entre crenças básicas e 
crenças não­básicas perde sentido. Todas as crenças, do ponto de vista de seu lugar na estrutura cogni­
tiva, têm o mesmo estatuto. O que as valida é sua compatibilidade mútua, sua coerência.
Embora reflitam um elemento importante da maneira como nós avaliamos aquilo que nos é pro­
posto como verdadeiro, teorias coerentistas não encontram muitos defensores. O elemento é a idéia de 
que a verdade está, de algum modo, ligada à consistência. Considere o caso de uma investigação poli­
cial. Suponha que tenha ocorrido um crime na rua A, e é perguntado ao vigia do prédio B, localizado na­
quela rua perto do local do crime, se viu alguma coisa e se conhecia a vítima. Ele nega ambas as coisas. 
Posteriormente, o detetive recebe a informação, do garçom de um restaurante a duas quadras do pré­
dio B, que o vigia e a vítima ali jantaram juntos uma vez por mês, regularmente, durante o último ano. De 
imediato, o detetive se dará conta de que há uma inconsistência entre os dois relatos, o do vigia e o do 
garçom, e não é possível crer em ambos. Não sabe ele, neste momento, qual dos relatos é falso, e pode 
ser que ambos o

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