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MESTRADO PROFISSIONAL EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA EM REDE NACIONAL - PROFIAP EXAME NACIONAL DE QUALIFICAÇÃO 2020 (ENQ 2020) FINANÇAS PÚBLICAS E GESTÃO ORÇAMENTÁRIA Enunciado da questão Raquel é uma gestora pública que está iniciando sua trajetória na Secretaria de Planejamento de seu município. Um dos grandes desafios que terá pela frente envolve a ideia de implementação de mais transparência e participação no processo de orçamentação da prefeitura. Uma das maiores reclamações da população local se relaciona a dificuldade de ter suas demandas atendidas e, para isso, Raquel tem em mente a implementação de uma ferramenta denominada “Orçamento Participativo” (OP). Raquel avalia que quanto mais participação popular, melhor será sua gestão à frente da secretaria. Além do OP, ela planeja implementar, adicionalmente, outras formas de participação. Considerando o cenário desenhado acima, discorra sobre o tema “Orçamento Participativo e Participação Popular no Planejamento Público” abordando: (a) o histórico da experiência do OP; (b) a relação entre o OP e o conceito de democracia direta; (c) as desvantagens ocasionadas pelo excesso de participação. Espelho da 2ª edição do ENQ 2020 Fonte: http://www.profiap.org.br/profiap/profiap-enq-2-2020-espenho-da-prova- site.pdf. http://www.profiap.org.br/profiap/profiap-enq-2-2020-espenho-da-prova-site.pdf http://www.profiap.org.br/profiap/profiap-enq-2-2020-espenho-da-prova-site.pdf Resposta - Discente Andressa Vieira Silva O orçamento público é definido tradicionalmente como uma lei que prevê a receita e fixa a despesa para um determinado período de tempo. Esse conceito se modernizou e atualmente é visto como o programa de Governo de autoria do Poder Executivo que será avaliado e autorizado pelo Poder Legislativo (PALUDO, 2015). Entretanto, o orçamento público sempre foi elaborado apenas pelo Governo, buscando interesses próprios das autoridades sem, muitas vezes, ouvir os anseios e demandas da população. Nesse sentido, de acordo com Pase (2003), com a redemocratização do Brasil, nos anos 70, retomou-se o conceito de cidadania que é o conjunto de direitos e deveres que possibilita que os indivíduos participem de forma ativa no Estado Democrático. Com esse processo de democratização, os movimentos sociais, associações e outros grupos cresceram e passaram a ocupar espaços de poder institucionais favorecendo a democracia e a participação popular (PASE, 2003). O Orçamento Participativo guarda relação direta com a democracia e com o conceito de cidadania. Enquanto a cidadania corresponde aos direitos e deveres dos indivíduos, a democracia é a ferramenta que garante o exercício desses direitos e pode ser classificada em direta, representativa ou participativa. A democracia direta ocorre quando os próprios cidadãos exercem as atribuições de gestão e legislativas, enquanto a democracia representativa é expressada através de eleições para os representantes do povo nos Poderes Legislativo e Executivo. Já a democracia participativa é representada pela inclusão de instrumentos da democracia direta, como o referendo e o plebiscito, com aspectos da democracia representativa, como as eleições para escolher os representantes do povo. A democracia representativa dominou os sistemas democráticos desde a implantação do Estado de Direito, mas vem perdendo a confiança dos cidadãos devido, principalmente, aos crescentes casos de corrupção e pelas incoerências entre ideologias partidárias e suas ações (BALESTERO, 2010). Por isso, a participação direta da população no Estado, como, por exemplo, na elaboração do orçamento público contribui para que o povo volte a se aproximar das instituições democráticas e possa exercer o controle social dos gastos públicos (BALESTERO, 2010). Dessa forma, os governos, principalmente os municipais, buscaram estabelecer instrumentos de gestão mais modernos e que considerassem o cidadão como protagonista na gestão pública como o orçamento participativo, que é uma técnica orçamentária em que ocorre a participação direta da população ou de grupos organizados da sociedade civil no processo de elaboração do orçamento para determinar as prioridades de investimentos e decidir a respeito da alocação de recursos no orçamento público (PALUDO, 2015). No Brasil, as primeiras experiências com o orçamento participativo ocorreram no período da ditadura militar, nos anos 70, em cidades como Boa Esperança/ES, Piracicaba/SP, Lages/SC (ANDRADE, 2020 apud PASE, 2003) e Pelotas/RS. Nos anos 80, esse processo foi ampliado para outros municípios no país, como Diadema/SP, Recife/PE e Vila Velha/ES (GIACOMONI, 2012), especialmente onde o Partido dos Trabalhadores (PT) fora eleito, sendo que o município que obteve maior sucesso com a implantação desse instrumento foi Porto Alegre/RS, no Governo de Olívio Dutra (PASE, 2003). Conforme estudos realizados sobre o caso de Porto Alegre, o Orçamento Participativo viabilizou empreendimentos redistributivos que beneficiaram a população carente, propiciou a participação da sociedade e as relações clientelistas entre o poder público e o povo foram transformadas em relações crescentemente cidadãs (NAVARRO, 1998; ANDRADE, 2000 apud PASE, 2003). Assim, os cidadãos são considerados parceiros do Poder Executivo já que a relação Estado-Sociedade é democratizada e a população tem acesso a várias formas de participação através de lideranças e audiências públicas (MENDES, 2016). A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) traz em seu texto que a participação popular deve ser incentivada, como forma de garantir a transparência, mediante “a realização de audiências públicas durante os processos de elaboração e discussão das leis orçamentárias” (MENDES, 2016, p. 201). Entretanto, como a iniciativa para elaboração das leis orçamentárias é do Poder Executivo, de acordo com a Constituição Federal de 1988 (CF/88), ele deve ouvir a população, mas não é obrigado a agir conforme suas sugestões. A LRF ainda reforça o mecanismo de autorregulação do Orçamento Participativo, pois as regras são continuamente ajustadas pelos participantes com o objetivo de aperfeiçoar o processo e garantir que não fique estagnado (MENDES, 2016). A técnica orçamentária de Orçamento Participativo apresenta muitos benefícios para a população, pois estimula o exercício da cidadania e o comprometimento de todos com o bem público (PALUDO, 2015). Além disso, possui caráter educativo já que a comunidade tem acesso aos principais problemas locais e as limitações orçamentárias existentes (PALUDO, 2015). Por outro lado, como desvantagens pode-se elencar a perda de flexibilidade do processo de elaboração do orçamento, pois nesse tipo de orçamento são necessárias várias reuniões em diferentes regiões para chegar-se a uma conclusão, ou seja, quando a decisão depende de muitas pessoas, uma alteração nas estratégias ou opiniões se torna lenta e mais complexa (MENDES, 2016), e existe o risco de que a participação no processo seja utilizada como forma de manipulação pelos gestores públicos, cooptando líderes e representantes da comunidade. Diante disso, conclui-se que a participação dos cidadãos na gestão pública tem sido cada vez mais utilizada, aperfeiçoada e demandada como forma de fortalecimento da democracia, melhora na transparência da ação pública e como meio que viabiliza o controle social. O Orçamento Participativo possibilita que esses benefícios sejam sentidos pela população, além de propiciar o accountability e que o Poder Público ouça as necessidades da população priorizando suas reivindicações, dentro do possível. Esse instrumento ainda se mostra importante para o fortalecimento da democracia e para a conscientização da sociedade quanto aos problemas do município, e não só da sua localidade, e quanto a escassez dos recursos públicos. REFERÊNCIAS BALESTERO,G. S. O Orçamento Participativo e o papel do Estado. Revista da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 17, n. 28, p. 81-96, 2010. Disponível em: https://www.jfrj.jus.br/sites/default/files/revista-sjrj/arquivo/160-635- 3-pb.pdf. Acesso em: 20 dez. 2020. GIACOMONI, J. Orçamento Público. 16 ed. São Paulo: Atlas, 2012. MENDES, Sérgio. Administração Financeira e Orçamentária: teoria e questões. 6ª ed. São Paulo: Método, 2016. PASE, H. L. Orçamento participativo em municípios predominantemente rurais. Desenvolvimento em Questão, Ijuí, v. 1, n. 1, p. 107-121, janeiro-junho, 2003. Disponível em: https://www.redalyc.org/pdf/752/75210106.pdf. Acesso em: 20 dez. 2020. PALUDO, A. Orçamento Público, AFO e LRF: teoria e questões. 5ª ed. São Paulo: Método, 2015.