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TESE NATUREZA E CONSTRUÇÃO DE REPRESENTAÇÕES SOBRE A PROFISSÃO

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PAGE 181
Waldir Bettoi
Natureza e Construção de Representações Sobre a Profissão 
na Cultura Profissional dos Psicólogos
Tese apresentada ao Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Doutor em Psicologia
Área de concentração: Psicologia Experimental
Orientadora: Profa. Dra. Lívia Mathias Simão
São Paulo
2003
Capítulo 1
A Cultura Profissional Do Psicólogo Como Objeto De Estudo
“Nossa profissão possui o hábito de perscrutar periodicamente o seu próprio destino. São inumeráveis as publicações de natureza acadêmica, bem como dos próprios órgãos de classe, voltadas para o exame da área, quer do currículo dos cursos enquanto análise dos conteúdos, quer da prática e da ciência. Esses trabalhos têm, em geral, características quantitativas, oferecendo possibilidade de organizar um amplo painel da situação profissional. Não faltam, também, livros que desejam dar conta da história da psicologia no Brasil, da história das práticas em suas diversas áreas, da história dos cursos e da profissão. Se pensarmos, além disso, na quantidade de trabalhos voltados à identificação dos paradigmas da ciência psicológica, sejam ou não polêmicos, penso que não existe nenhuma outra profissão ou ciência que mais se exponha ao escrutínio de seus pressupostos, de seus modos de trabalhar, das representações que suscita e dos resultados que obtém. O resultado dessa permanente perquirição é um acúmulo significativo de dados que mostram quanto e por onde caminhamos, desde 1963, com a lei que criou a profissão”. (Mello, 1996, p. 11)
	Este trabalho é mais uma das tentativas que nós, psicólogos, temos feito no sentido de conhecermos nosso “próprio destino”, desde que nossa profissão foi regulamentada e, principalmente, desde que a própria autora do trecho acima, Sylvia Leser de Mello, publicou trabalho (Mello, 1975) que se tornaria ponto de partida e referência constante na maior parte das publicações que viriam a tratar da profissão e da formação do psicólogo no Brasil, nas décadas que se seguiram até a atualidade.
Nossa parte, em meio a essa grande diversidade de trabalhos sobre a profissão, será a busca de compreensão de um aspecto que tem se mostrado de interesse fundamental para os pesquisadores da área: as concepções que psicólogos têm sobre a sua profissão. 
Acreditamos que as concepções que os profissionais têm sobre sua profissão constituem elemento fundamental de sua participação no processo de construção de sua Cultura Profissional. Coletiva e individualmente, as representações que temos de nossa profissão vão se transformando, orientando nossas ações profissionais como indivíduos e como categoria, o que, por sua vez, propiciará novas mudanças. Assim, nossa Cultura Profissional vai se estabelecendo e transformando a cada tempo.
Entretanto, antes de colocar nossa atenção especificamente sobre a questão das concepções dos psicólogos sobre sua profissão e avançar na sua discussão, é necessário que algumas preliminares sejam estabelecidas. 
De início, é importante que alguns aspectos da Cultura Profissional do psicólogo sejam abordados. Segundo Dimenstein (2000),
“Cultura Profissional é o conjunto de idéias, visão de mundo e estilo de vida profissional adotado por um grupo profissional específico, que vem determinando a adesão e preferência por certos modelos de atuação, por certos referenciais teóricos, assim como, por certos padrões, códigos e regras de relacionamento entre os pares e com a comunidade leiga; além de definir suas formas de organização e representação na sociedade” (p. 101).
Ainda que a noção de determinação, presente na definição, possa ser questionada e venha a ser discutida, nos capítulos que se seguem, com contornos próprios, a partir das referências teórico-metodológicas que nortearão estas reflexões, a noção de Cultura Profissional será adotada na forma como foi definida, principalmente porque organiza um conjunto de aspectos importantes relacionados à profissão e formação do psicólogo que serão abordados, constituindo-se no pano de fundo deste trabalho. 
	Dimenstein (2000, p. 101) sugere que a reflexão sobre a Cultura Profissional do psicólogo leve em consideração os seguintes aspectos:
	- História e ideologia da profissão em nossa sociedade
	- Condições de formação profissional
	- Representação social da profissão
	- Características da população de alunos dos cursos de Psicologia.
	Resolveu-se, assim, adotar aquela sugestão, na medida em que a discussão desses tópicos pode ser uma ocasião apropriada para que este pesquisador: (a) contextualize a origem e a relevância de seu problema de pesquisa e (b) contextualize e circunstancie sua posição frente aos vários objetos e eventos discutidos e frente aos vários papéis em que se inclui, como psicólogo, professor e pesquisador.
	Apesar de levarmos em consideração que os aspectos da Cultura Profissional mencionados acima mantêm estreitas relações mútuas, a reflexão sobre eles será feita, na medida do possível, em tópicos distintos (com exceção dos dois últimos itens – representação social e características dos alunos, a serem abordados conjuntamente), objetivando-se uma melhor organização da exposição e discussão que serão apresentadas. 
1.1. HISTÓRIA E IDEOLOGIA DA PROFISSÃO DE PSICÓLOGO NO BRASIL
Os objetivos deste trabalho não permitem que se faça aqui um relato da história da profissão no Brasil. Faremos menção, apenas de forma esquemática, a alguns eventos que são parte dessa história, além de comentar alguns pontos que são salientados na literatura produzida pelos estudiosos da área. Nossa Cultura Profissional já tem parte de sua história registrada em alguns trabalhos, como se observa desde Pessotti (1975), passando por Massimi (1990) e Antunes (1998), que se ocuparam em conhecer a nossa história do período colonial até o início do século XX. Outros relatos históricos dos períodos subseqüentes podem ser encontrados em vários outros autores, como Dimenstein (1998a, 1998b, 2000), em que a autora apresenta descrição e análise detalhadas e bem delineadas de eventos históricos e institucionais do final da década de 70 até a de 80 no Brasil e suas relações com a entrada do psicólogo no mercado de trabalho no serviço público. Outro relato bastante detalhado da história da profissão e, principalmente, da formação do psicólogo pode ser encontrado em Batista (2000). Jacó-Vilela (1999) também nos apresenta alguns aspectos da história da formação profissional no Brasil e nossa história mais recente pode ser encontrada discutida por Bock (1999a). A autora nos apresenta uma descrição de acontecimentos políticos e sociais que estiveram presentes e relacionados à história da profissão no Brasil desde a década de 70 até meados de 90, fazendo uma minuciosa descrição e avaliação, ano a ano, dos movimentos de vários segmentos da categoria profissional dos psicólogos que, de seu ponto de vista, resultaram numa transformação positiva da profissão, especialmente no sentido de uma maior participação no atendimento às necessidades da população e no sentido de uma melhoria da imagem social da profissão.
Batista (2000), ao analisar o desenvolvimento científico e profissional da Psicologia no Brasil, aponta três marcos que pontuam aspectos importantes da nossa história: (a) um primeiro marco, constituído pelas origens históricas da Psicologia, no período colonial e seus primeiros desenvolvimentos, com sua inclusão, como disciplina, nos currículos dos cursos de Medicina no Rio de Janeiro e na Bahia, no final do século XIX, passando pela criação de laboratórios experimentais e por sua aplicação, como Psicologia Científica, em instituições psiquiátricas e educacionais, já no início do século XX; (b) um segundo marco, chamado de fase profissional, inaugurado pela abertura dos cursos de Psicologia (na PUC-RJ, em 1956 e na Universidade de São Paulo, em 1957) e pela regulamentação da profissão, em 1962. Em 1964, a formação e o exercício profissional são regulamentados pelo Conselho Federalde Educação. Salienta-se, no início da década de 70, a expansão no número das escolas de Psicologia, em função da política oficial de abertura do Ensino para a iniciativa privada; (c) um terceiro marco, que se inicia com a inserção dos psicólogos nos serviços públicos de saúde. Segundo Dimenstein (1998a), no final da década de 70, começa o movimento de abertura de mercado para as instituições públicas, com o aumento do número de psicólogos nelas. Esse movimento se expandiu muito lentamente nos anos seguintes, sendo ainda o número de profissionais pouco expressivo, comparado a outras categorias profissionais do setor de saúde e a outras áreas de atuação dos psicólogos. A autora chama a atenção para o fato desse movimento ocorrer em estreita relação com o contexto histórico-político-econômico, salientando as políticas públicas de saúde do final dos anos 70 e década de 80 e a crise econômica e social nos anos 80, levando ao afastamento da clientela dos serviços privados.
 Assim como os psicólogos têm estudado a sua história, as ideologias que nela se constroem têm sido, também, objeto de sua reflexão. Interessa aqui saber os partidos que temos tomado em relação às coisas do mundo, conhecer o que se oculta sob aquilo que temos feito profissionalmente, aos interesses que servimos, com o quê nos comprometemos e o quê nossas ações produzem nos outros. 
Uma das primeiras questões que se colocam diz respeito à nossa função social, como psicólogos, e aos nossos compromissos com a sociedade. Quando se pergunta a quantos e a quem temos atingido com nosso trabalho (isto é, qual a nossa abrangência social) e qual o significado dos efeitos produzidos pela nossa atuação (se contribuem, e como, para a transformação do Homem e da Sociedade), estamos tratando da ideologia que tem caracterizado a nossa profissão. 
Nossa abrangência social tem sido, historicamente, bastante restrita. Para Dimenstein (1998a), a abrangência da atuação do psicólogo não deveria ser avaliada pela variedade de técnicas utilizadas ou pela diversidade das atividades do profissional. Para ela, uma atuação abrangente se dá pela “possibilidade de alcançar uma parcela relevante da população ou de situações em que é potencialmente útil.” (p.29). É consenso, entre os envolvidos com a profissão, que poucos brasileiros têm sido atingidos diretamente pela nossa atuação profissional, constituindo-se eles na parcela mais privilegiada, econômica e socialmente, da nação. Apenas nos anos recentes a Psicologia tem se aproximado das populações mais pobres, através de sua inserção nos serviços públicos de saúde, apesar desta inserção ocorrer de forma bastante paulatina e cercada de problemas, como se verá adiante.
Desde o final da década de 70 e início de 80, observa-se o interesse de estudiosos por uma discussão sobre a função social do psicólogo. Mello (1975), já se utilizava do termo função social, constatava que nossa função social era muito pouco significativa e nos advertia sobre a necessidade de revertemos o quadro para o futuro. Botomé (1979) nos perguntava a quem, “de fato”, servíamos. Carvalho (1982), nos apresentava reflexões bastante interessantes sobre as relações entre a sociedade e a profissão e, ao colocar em discussão a questão das necessidades sociais às quais deveríamos atender, fazia importantes considerações a respeito do fato dessas necessidades não estarem sendo as responsáveis pela abertura de espaços de atuação do psicólogo. Para ela, isso não ocorria em função da pressão exercida pela imagem social da profissão, imagem esta limitada e responsável pela abertura dos espaços limitados a serem ocupados pelos psicólogos. 
Discutindo nossa função social, Campos (1983) nos remete à origem de nossa profissão no contexto das sociedades capitalistas da Europa, no final do século XIX, dominadas pela pressupostos da ideologia liberal, como a noção de liberdade individual, da igualdade de oportunidades, da responsabilidade individual e das aptidões naturais, que serviam à função de mascarar as desigualdades produzidas pela divisão de classes. É nesse contexto que a prática do psicólogo passa a ser requerida, principalmente para exercer a função de adaptação e colaboração à reprodução da dominação de classe[footnoteRef:1]*. A ideologia liberal resulta em um modelo de indivíduo, autônomo, senhor de si e independente, desvinculado dos determinantes de sua cultura. [1: 	 A esse respeito, ver também Bock (2003).] 
Ao longo das décadas de 80 e 90, a função social do psicólogo continuou a ser discutida e isso se deveu principalmente, conforme Campos (1983), Dimenstein (1998a), Jacó-Vilela (1999) e Moura (1999), ao fato de o psicólogo se sentir insatisfeito com sua formação e começar a ter necessidade de aproximar-se de contextos sócio-culturais desconhecidos, em função da saturação do mercado para a área clínica privada. Campos (1983) acredita que, em função dessa saturação do mercado de trabalho, o psicólogo se viu obrigado a prestar seus serviços à população de menor renda e que é neste ponto que o profissional pode encontrar a possibilidade de lutar contra a dominação histórica. Isso se daria na medida em que os profissionais tomassem consciência e refletissem sobre a inadequação das práticas aprendidas aos novos contextos de atuação e fossem capazes de alterá-las.
A necessidade de se pensar sobre a função social ficava, então, mais evidente, principalmente em seus aspectos relacionados à formação do profissional. Nessa medida, encontram-se nas publicações disponíveis ao longo das duas últimas décadas, vários trabalhos abordando aspectos da nossa função social, dos nossos compromissos sociais e das necessidades sociais para as quais os psicólogos deveriam atentar (Del Prette, 1986; Bastos, 1988; Bonfim, 1990; Martin-Baró, 1990; Ozella & Lurdes, 1993; Weber, Botomé & Rebelatto, 1996; Bettoi, 1998; Bock, 1999b; Bettoi & Simão, 2000). 
Para Dimenstein (1998b), a entrada do psicólogo no mercado da saúde pública, em função, entre outros fatores, da retração de sua clientela particular em razão da crise econômica dos anos 80, levou ao questionamento dos modelos de atuação do psicólogo, ineficientes e inviáveis no contexto das instituições públicas. Isso contribuiu para que o alcance social da profissão fosse criticado e produziu uma série de iniciativas, a partir dos anos 80, no sentido de dar à profissão uma função social mais significativa. Os modelos de atuação do psicólogo são, dessa forma, analisados, a distribuição dos psicólogos pelas áreas de trabalho é levantada, seus vínculos empregatícios são identificados e o que se constata é a predominância de um modelo de atuação, que se concretiza na atuação do psicólogo de forma tal, que apenas uma pequena parcela da população é atingida. 
Levantamentos que sistematicamente têm sido feitos pelos órgãos representantes da categoria, para mapear a situação dos psicólogos brasileiros (Sindicato dos Psicólogos no Estado de São Paulo, 1984; Conselho Federal de Psicologia, 1988; Conselho Regional de Psicologia – 6ª, 1995) e outras iniciativas regionais ou institucionais específicas, através de pesquisas feitas por psicólogos independentes (por exemplo, Yamamoto, Siqueira & Oliveira, 1997, no Rio Grande do Norte; Magalhães, Straliotto, Keller & Gomes, 2001, no Rio Grande do Sul) têm mostrado a predominância da atuação do psicólogo como clínico autônomo em consultórios particulares, trabalhando tipicamente de forma individual, com objetivos remediativos, focado nos determinantes internos da vida psíquica dos seus clientes. Dados recentes obtidos através de um levantamento feito pelo Conselho Federal de Psicologia (WHO/CFP, 2001) junto a uma amostra de profissionais representativa dos inscritos nos Conselhos Regionais de todo o país, confirmam basicamente este panorama[footnoteRef:2]*. Para Dimenstein (2000), a Cultura Profissional do psicólogo brasileiro é carregada de uma ideologia individualista, o que explicaria a manutenção, entre grande parte dos profissionais, daquele modelo, como norteador de sua atuação.[2: 	 Dados regionais diferem desta generalização. Por exemplo, Japur & Osório (1998), a partir de uma pesquisa com egressos do curso de Psicologia de uma instituição pública do interior de São Paulo, apresentam indicadores de que a atividade clínica em consultório particular pode estar começando a perder sua hegemonia.] 
Estabelecem-se relações entre a função social do trabalho do psicólogo e aquela forma típica de atuação. Considerado no seu todo, o modelo de atuação impede uma abrangência social significativa porque implica serviços de alto custo, oferecidos na forma de atendimento privado aos quais a população de baixa renda não tem acesso. Requer um treinamento longo, contínuo e especializado, o que também onera seu custo. O caráter basicamente curativo do modelo aplicado impede que amplas faixas da população se beneficiem da profissão, pois não opera com base na lógica e no pressuposto da saúde integral do cidadão. Na medida em que está voltado para o conhecimento dos fatores internos que caracterizam o indivíduo psicológico, impõe-se uma tarefa altamente complexa, o que obriga a uma abordagem individual (igualmente restritiva), contínua, em geral longa. Da mesma forma, a ênfase na busca de compreensão dessa “natureza” psicológica individual, impede que se apreenda o homem e o fenômeno psicológico na sua condição de produto e produtor simultâneo do seu contexto sócio-cultural e histórico. 
Visto dessa forma, o fenômeno que se observa na nossa Cultura Profissional, caracterizado pela predominância da atuação autônoma em clínica particular e pela hegemonia do modelo típico de atuação discutido, resulta em uma abrangência social pequena (são poucos os beneficiados, tomando a população como um todo, e apenas os pertencentes aos segmentos sociais superiores) e pouco significativa, já que não tem contribuído para a transformação social. Pelo contrário, conscientes ou não disto, os psicólogos têm estado a serviço das classes dominantes e da manutenção desse domínio (Dimenstein, 2000).
Como apontamos acima, o trabalho pioneiro de Mello (1975) já estabelecia, há quase trinta anos, estas relações entre a função social do psicólogo e sua forma típica de atuação e inserção no mercado. No entanto, o exame das publicações de todo esse período, até os dias atuais, mostra que a discussão sobre a questão fez alguns avanços, mas ainda há muito a se fazer e pensar sobre o assunto.
O modelo de atuação com o qual o profissional tem saído das faculdades tem sido criticado como inadequado, mas, ao mesmo tempo, ele parece ter se alterado muito pouco no tempo, em desproporção a um outro movimento, que apesar de lento, certamente começou a se processar na década de 80, na medida em que os psicólogos passaram a trabalhar em outras situações diferentes dos consultórios e iniciaram sua entrada nos serviços públicos de saúde. Parece que, com o agravamento da crise econômica nos anos 80 e 90, com a saturação do mercado da clínica e afastamento dos clientes dos consultórios, os profissionais começaram, mais recentemente, a experimentar concretamente aquilo que se vislumbrava como possibilidade ou advertência nos primeiros trabalhos e reflexões produzidas: aquilo que os psicólogos sabem fazer não se coaduna às novas situações a serem enfrentadas, isto é, seus modelos de atuação têm se mostrado inadequados para a prática. Isso pode ser observado em trabalhos de pesquisa recentes (Dimenstein 1998a, 1998b; Batista, 2000), em que os autores estudam especificamente a inserção e a atuação dos psicólogos nos serviços de saúde pública e concluem pela inadequação do modelo. 
Pode-se dizer, então, que a questão da abrangência da nossa função social tem mostrado sinais de mudanças nas últimas décadas, uma vez que aumenta o número de pessoas frente às quais o psicólogo atua e a natureza da classe social atingida deixa de ser exclusiva. Por outro lado, o significado de nossa função social continua em discussão, na medida em que, ocupados os espaços de atuação, o que se faz nele ainda não contribui para a transformação social, provavelmente em função do modelo de atuação utilizado. 
Yamamoto (1996), analisando dados de uma pesquisa que ainda indicavam maior concentração de psicólogos exercendo atividades clínicas em consultório particular, afirma:
“A conclusão possível de extrair-se daqui não é a de que a psicologia não esteja em processo de transformação, ou que não tenha possibilidades para tanto. (...) Se, de fato, as perspectivas de atuação na área da saúde são mais amplas e promissoras, a realidade atual não nos dá muitos motivos para júbilo.” (p. 22).
Para o autor, a barreira que a Psicologia precisa superar
“é aquela do limitado significado social da profissão, na direção de uma prática que tenha uma substantiva contribuição a dar no quadro da brutal iniqüidade social, que é a marca mais pungente da realidade brasileira hoje.” (p. 23).
Na mesma linha, Bock (1999b) afirma que a exigência de que a profissão assuma um compromisso social decorre das péssimas condições de vida da população, que tem gerado sofrimento psíquico de toda natureza. No seu ponto de vista, as transformações na Psicologia, que tem passado a criticar a naturalização do fenômeno psicológico, permitem ver mais claramente a necessidade do compromisso social do profissional. A autora vai além e discute também a questão da definição dos critérios para se considerar uma atuação como compromissada socialmente. Sugere que se pense sobre os seguintes critérios: (a) a atuação deve contribuir para a transformação social, para as mudanças nas condições de vida da população; (b) a atuação deve fugir do modelo médico de doença; (c) atuação deve ser baseada em técnicas novas, criadas a partir das características da população a que se destina.
De fato, a discussão sobre a necessidade de o psicólogo assumir compromissos sociais fica mais em evidência no final da década de 90, o que pode ser notado pelo exame de algumas iniciativas dos órgãos de classe, em especial os Conselhos Federal e Regionais, através de suas publicações, congressos e outros eventos. Como exemplos, pode-se citar as matérias do Jornal do CRP (CRP, 1999), propondo uma reflexão sobre o compromisso social da Psicologia e relatando alguns trabalhos de psicólogos em favelas, comunidades pobres e ruas de São Paulo. O Jornal do CFP (CFP, 1999) publica notícia com a manchete: “Cresce compromisso social dos psicólogos brasileiros”, descrevendo um trabalho realizado por uma psicóloga (Magda Gebrim), junto a um assentamento do Movimento dos Sem Terra no estado de São Paulo. Em 2000, CFP e CRPs promovem a Primeira Mostra Nacional de Práticas em Psicologia, cujo tema era Psicologia e Compromisso Social, em que mais de 1500 trabalhos apresentaram exemplos concretos de atuações frente a contextos sociais e institucionais não tradicionais. Em 2001, o CRP SP publica uma revista (Múltipla), inteiramente dedicada ao tema “Transformação Social: a Psicologia construindo uma sociedade mais justa e solidária”, apresentando relatos de trabalhos de psicólogos em uma grande variedade de contextos sócio-culturais em contato com populações multicaracterizadas, em geral inusitadas aos psicólogos (CRP SP, 2001). 
Pode-se dizer, portanto, que apesar de a profissão ter experimentado alguns avanços nas últimas décadas, no que diz respeito à sua relevância social, estes avanços serviram para que a categoria experienciasse o contato concreto com problemas, de alguma forma já antecipados no trabalho de reflexão de alguns autores sobre a profissão. Isto é, nosso modelo típico de atuação, aplicado na prática, junto aos novos contextos, com populações mais pobres, mostrou-se inviável em muitos aspectos, impedindo que a população se beneficiasse efetivamente com nossa atuação, como alguns estudiosos previam, no início da década de 80. Nossa atuação ainda necessita, portanto, ser objeto de estudos, pesquisas e reflexões para que possa cumprir seu papel na transformação social.
1.2. CONDIÇÕES DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL DO PSICÓLOGO NO BRASIL
	Dadoo que foi exposto no tópico anterior, sobre as relações entre a história e a ideologia da profissão, não causa estranheza que os estudiosos, na tentativa de compreensão das relações entre a profissão e a sociedade, se voltem para a formação profissional do psicólogo, estabelecendo relações entre a sua forma de atuação e a formação que recebeu.
	Desde a década de 70, vários foram os estudos dos psicólogos que abordaram sua formação profissional, em vários de seus aspectos (Mello, 1975, 1989, 1996; Pereira, 1975; Carvalho, 1984; Crochik, 1985; Gomide, 1988; Medeiros, 1989; Duran, 1994; Bastos & Ashcar, 1994; Pardo, 1996; Bock, 1997; Carvalho & Sampaio, 1997; Dimenstein, 1998a, 1998b; Moura, 1999; Batista, 2000; Dias, 2001).
	Desde o estabelecimento do Currículo Mínimo para o curso de Psicologia, quando da regulamentação da formação em 1964, até o final da década de 90 (ver, por exemplo, Campos, Largura & Jankovic, 1999, discutindo o efeito da graduação em Psicologia nas escolhas profissionais de estudantes), pode-se dizer que, grosso modo, o conjunto de disciplinas presente no curso privilegia a formação em clínica, e contribui para a cristalização do modelo de atuação individual e autônomo. Isso tem levado alguns estudiosos a uma avaliação crítica dos nossos cursos de formação. Segundo Bock (1997), “temos formado nossos psicólogos na perspectiva do individualismo, da naturalização do homem e do fenômeno psíquico”. (p.41). Para Moura (1999), a formação do psicólogo no Brasil tem se caracterizado por um compromisso tácito com o sistema político vigente, ao enfatizar um modelo tecnicista e reducionista. Este compromisso se dá na forma de uma cumplicidade entre o sistema que “amplia e facilita a emergência dessa prática profissional” (p.13), ganhando, em troca, o silêncio dos psicólogos, manifesto na crença de que o fenômeno psicológico não se articula com os sociais. Dimenstein (2000) acredita que o ensino de Psicologia historicamente esteve sempre atrelado a uma visão normatizadora e adaptativa dos indivíduos, o que facilitaria a manutenção da dominação social. 
	Segundo Dimenstein (1998a) a formação que temos proporcionado aos nossos alunos se caracteriza por: 1. padrões tecnicistas de atendimento e a reprodução da despolitização do psicólogo, ampliando a distância entre a Psicologia e os problemas objetivos da sociedade, fazendo com que haja um descompasso entre as necessidades sociais e o saber técnico oferecido ao psicólogo e o desconhecimento da função ideológica de seu trabalho (adaptação e ajustamento); 2. um currículo inadequado que não habilita o profissional a atuar em áreas emergentes; 3. uma imagem social da profissão com o modelo de profissional liberal autônomo.
	A pequena abrangência social da profissão, para Batista (2000), se relaciona diretamente à formação profissional dos psicólogos, já que esta é um dos fatores que contribuem para que ele não esteja preparado para atender às necessidades sociais. Segundo ela, há uma dicotomia entre a universidade e a realidade social. Em pesquisa na qual conclui pela inadequação da formação do psicólogo para a atuação em serviço público de saúde mental com população de baixa renda, a autora caracteriza a formação do profissional como tecnicista, sem contato com as necessidades sociais, sem oportunidade de exercer a reflexão crítica frente a essa realidade. Para ela, as origens dessa formação inadequada se encontram no desenvolvimento da Psicologia como ciência e profissão no Brasil e nas políticas educacionais (que não podem ser dissociadas do desenvolvimento social, político e econômico) vigentes no país nas últimas décadas, que resultaram no modelo de formação tecnicista, fundamentado em referenciais teóricos sem vinculação com a prática em uma realidade social concreta.
	Análises como as apresentadas, examinadas sob a luz das mudanças ocorridas na sociedade brasileira e nas condições de mercado da profissão nos anos recentes, parecem contribuir para que nossa atenção se volte, novamente, para a questão das necessidades sociais às quais a profissão deveria atender. Como dissemos anteriormente sobre a profissão, se já em 1975 e 1982, trabalhos como os de Mello (1975) e Carvalho (1982), quase que em tese, chamavam nossa atenção para o fato de que as necessidades da sociedade deveriam ser levadas em conta nos cursos de formação de psicólogos, nos anos que se seguiram, com a entrada gradual dos profissionais em novos ambientes de trabalho e com as dificuldades ai experimentadas, na prática, o psicólogo constata que os modelos de atuação aprendidos durante sua formação não o habilitam para enfrentá-la. A formação deveria oferecer aos alunos, portanto, a oportunidade de aprender novas formas de atuação, mais apropriadas aos desafios profissionais que eles virão a enfrentar.
	A partir dos anos 90, assim, a questão das necessidades sociais relacionadas à formação do psicólogo volta à baila. O Professor Isaias Pessotti, sendo entrevistado pelo Jornal do CRP (1996), ao ser indagado sobre a crise do mercado de trabalho para o psicólogo, respondeu: “Isso ocorre porque os cursos não levam em conta o que a sociedade está precisando (...). A escola deve responder às carências sociais. Senão ela forma um psicólogo para uso e gozo de si mesmo.” (p. 4). Na mesma direção, Dias (2001) propõe que haja um compromisso ético com os alunos na elaboração dos currículos de Psicologia, questionando-se, principalmente, sobre as necessidades sociais frente às quais estes atuarão, dentro de uma realidade sócio-cultural específica.
	Sobre as necessidades sociais, no entanto, Mello (1996) adverte, citando palavras de David Cooper, em A Linguagem da Loucura (p. 45): 
“Hoje é um exercício acadêmico muito à moda tornar-se perito em necessidades humanas. As pessoas têm necessidades e estas necessidades que se julga que as pessoas têm, têm respostas que podem ser satisfeitas por uma grande variedade de peritos: economistas, sociólogos, psicólogos, psiquiatras, educadores, arquitetos, urbanistas e assim por diante. Assim, deparamos na sociedade burguesa com o desenvolvimento de uma tecnologia das necessidades – os técnicos inventam as necessidades que as pessoas têm para poderem ser os que satisfazem essas necessidades”. (p.12).
Uma visão tecnicista do Homem e da profissão, portanto, precisa ser evitada, sem, no entanto, desconsiderar a importância da técnica como forma de intervenção profissional. A esse respeito, Mello (1996) acrescenta: “Os cursos deveriam esforçar-se no sentido de formar técnicos que sejam intelectuais capazes de refletir conscientemente sobre as implicações sociais de sua atividade (p. 15)”, discutindo as dimensões éticas dessa prescrição. A questão da competência técnica versus o compromisso político do psicólogo é abordada com clareza em Del Prette & Del Prette (1990). Esses autores propõem que a tradicional dualidade entre competência técnica e compromisso político seja repensada e transformada, concluindo sobre a necessidade da formação de profissionais competentes tecnicamente e comprometidos politicamente, ficando os formadores responsáveis pela articulação entre os dois elementos. Segundo os autores,
“isto significa formar profissionais capazes de atividade científica e de reconhecer a dimensão política dessa atividade em suas implicações sociais, sem cair no pragmatismo imediatista, porém sem ignorar o contexto social em que esta atividade está ocorrendo. Significa também, por outro lado, formar profissionais competentes em seu compromisso, ou seja, capazes de colocar o seu saber científico a serviço da produção de conhecimento nas diversas áreas da Psicologia de onde provêm as demandas sociais e, nesse processo, contribuir para a compreensão dos fenômenos e desenvolver e aperfeiçoar estratégias eficientes de intervenção sobre eles.” (p. 27).
	Vale acrescentar que a preocupação com a formação de profissionais preparados para lidar com as necessidades sociais aparece igualmente em outros países, tanto da Europa quanto, especialmente, na América Latina.Di Domenico (2001) sintetiza as várias propostas de modificações na formação do psicólogo, comuns a várias entidades profissionais de psicólogos fora do Brasil, incluindo entre elas: “recomenda-se atenção às demandas sociais, entendida muitas vezes como vinculação com o meio, o que se expressa tanto a partir de aspectos acadêmicos como a partir de aspectos políticos e/ou ideológicos.” (p. 2)
 	A questão da formação, no final da década de 90, ganha um elemento novo importante: a promulgação da nova Lei de Diretrizes e Bases (LDB) para a Educação Nacional, em 1996, determinando o término da vigência do Currículo Mínimo e estabelecendo a formação de comissões de especialistas para o desenvolvimento de Diretrizes Curriculares para os cursos de graduação em Psicologia. As Diretrizes estabelecidas pela comissão de especialistas em 1999 têm suscitado análise e discussão, parecendo ainda não ter desencadeado efetivamente mudanças nos currículos das faculdades de Psicologia no Brasil. Feitosa (1999), participante da equipe de especialistas responsável pelo estabelecimento das Diretrizes para o Curso de Psicologia, oferece informações importantes sobre trâmites da Lei e identifica alguns desafios a serem vencidos para a sua implementação, dos quais se destaca: a necessidade de adaptação às novas diretrizes para a formulação do currículo, como sua linguagem e os referenciais usados para a análise e planejamento e implementação do processo ensino-aprendizagem; definição das novas modalidades de atuação a serem enfatizadas no curso. Com os mesmos propósitos, Yamamoto (2000) apresenta excelente material para informação e reflexão dos psicólogos a respeito da LDB, em que aspectos da lei são descritos, questões políticas são levantadas e analisadas, bem como são discutidas implicações para a formação do psicólogo como, por exemplo, a possibilidade de serem realizadas “experiências curriculares inovadoras“, há tanto almejadas.
	A discussão sobre a formação profissional, continua, portanto, em aberto e muito necessária, neste momento em que os envolvidos com a formação do psicólogo podem efetivamente propor e implementar mudanças nessa formação. Não faltam, nessa ampla variedade de trabalhos escritos sobre a profissão e formação dos psicólogos nos últimos 25 anos, elementos para que as discussões continuem, para que se parta para a concretização de experiências educacionais inovadoras e para que continuemos a refletir sobre o significado social da nossa profissão.
 
1.3. A REPRESENTAÇÃO SOCIAL DA PROFISSÃO DE PSICÓLOGO
	A discussão deste tópico nos coloca mais perto do objeto central de estudo deste trabalho: as concepções do psicólogo sobre sua profissão. A conceituação teórica de representação social não será feita aqui, mas em capítulos posteriores, uma vez que entendemos que no quadro geral de trabalhos que têm sido produzidos sobre o assunto, que serão objeto de discussão no presente tópico, o fenômeno da representação nem sempre aparece fundamentado teoricamente, assumindo denominações diferentes (por exemplo, imagem social, concepção, percepção, visão, conceito, etc.) embora tenham em comum o sentido usual que assumem, na linguagem cotidiana, como sinônimos.
	As décadas de 80 e 90 foram fartas em trabalhos produzidos com o objetivo de identificar as representações que alunos de Psicologia, psicólogos e, em menor número, a população, tinham sobre a profissão de psicólogo e a Psicologia, representações essas abordadas sob diversos aspectos (podemos citar como exemplos, os trabalhos de Carvalho & Kavano, 1982; Lázaro, Oliveira & Marques, 1986; Lisboa, Santos & Takahachi, 1987; Lordelo & Bastos, 1988; Dobrianskyi, 1988; Leme, Bussab & Otta, 1989; Carvalho, 1989; Santos, 1989, 1992; Weber, 1991; Weber, Rickli & Liviski,1994; Santos & Oliveira, 1995; Gomes e cols., 1996; Yamamoto e cols., 1997; Bettoi, 1998; Magalhães e cols., 2001). O conjunto desses trabalhos, na sua maior parte e em geral, aponta para um tipo de representação da profissão e do psicólogo, que parece não ter sofrido mudanças significativas ao longo dessas quase três últimas décadas: a representação da profissão que alunos de psicologia, psicólogos e a sociedade têm, está intimamente ligada ao modelo clínico de atuação que temos aqui discutido. 
Pode-se dizer que existe estreita ligação na origem, desenvolvimento e produção dessa representação entre alunos, psicólogos e sociedade (ou, pelo menos, segmentos desta). Já em 1975, Mello (1975) dizia que a nossa “auto-imagem profissional condiciona nossos objetivos e define o âmbito de ação dos psicólogos” (p. 76). Da mesma forma, afirmava que a produção de uma imagem adequada da profissão na população dependia exclusivamente da ação do profissional, isto é, a representação social da profissão é fruto daquilo que a população efetivamente encontrar o profissional fazendo. A auto-imagem profissional do psicólogo, por sua vez, também passa pela influência de seu curso de formação – ele mesmo também afetado pela representação social da profissão – que tem reforçado a imagem com a qual o aluno entra nos cursos de Psicologia. Sendo assim, estabelece-se, segundo a autora, um círculo vicioso envolvendo a atuação e a formação do psicólogo, resultando em uma imagem social da profissão que não se altera: a imagem do profissional como a de um clínico que atua em consultório particular, com objetivos remediativos. Carvalho (1982), amplia a discussão iniciada por Mello e inclui naquele círculo de relações alguns elementos novos, como o fato do curso também ser afetado pelas imagens e expectativas de seus alunos e aponta, com base em suas pesquisas, para a importância das características e preferências pessoais do aluno sobre a sua escolha por atuar segundo o modelo clínico. O trabalho da autora reitera a importância da representação social da profissão, na medida em que discute como os espaços de atuação do psicólogo são estabelecidos principalmente com base nessa representação. Quase 20 anos depois, Dimenstein (2000) retoma a mesma discussão e apresenta conclusões não muito diferentes das que estamos apontando. Para ela, o aluno de Psicologia entra na faculdade querendo trabalhar com indivíduos de sua própria classe social (média urbana[footnoteRef:3]*) e quer aprender clínica para trabalhar individualmente em consultório particular. Os cursos reforçam estas expectativas e estão carregados da ideologia dominante, especialmente o individualismo, são psicologizantes (no sentido de promoverem uma representação de ser humano reduzida à sua natureza psicológica) e afastam o aluno dos aspectos sociais da profissão. Os cursos valorizam o modelo de profissional liberal, favorecendo uma atuação que, por sua vez, promove uma imagem social da profissão equivalente e que afetará aqueles que procurarão o curso futuramente. [3: 	 A origem sócio-econômica atual dos alunos, pelo menos a população que teve sua entrada facilitada nas faculdades particulares nos últimos 5 anos, seja pela oferta de vagas nos cursos noturnos, seja pela “flexibilização” nos “processos seletivos” vestibulares, segundo nossas observações informais, revelam um aumento no número de alunos trabalhadores, originados de extratos mais pobres da população, que tentam (mas nem sempre conseguem), arcar com os custos das mensalidades ou cumprir as exigências acadêmicas para aprovação nas disciplinas (seja por falta de tempo para estudar, seja por dificuldades intelectuais devidas à formação escolar anterior inadequada). Tais observações, na nossa opinião, mereceriam atenção dos pesquisadores da área, na medida que poderiam fornecer indicativos importantes para que se compreenda a atuação futura do psicólogo.
] 
	Vilhena, Dimenstein & Zamora (2000) analisam e discutem o impacto produzido, na atuação profissional, pela concepção que o psicólogo tem de indivíduo - típica da ideologia individualista - concepção esta que norteia sua atuação e que se construiu com base em valores que constituem sua Cultura Pessoal e Profissional. Segundo as autoras, via deregra, esses valores mantêm algum tipo de vínculo com sua formação universitária (como também apontou Bock, 1997), seja porque ali se originam, seja porque a formação contribui para a manutenção desses valores, pré-existentes. A análise se refere a uma pesquisa em que se discutiu a diferença entre os valores característicos da Cultura Profissional dos psicólogos e os valores da cultura na qual se insere sua clientela, especialmente a encontrada nos serviços públicos. O trabalho conclui que a oposição entre esses valores pode estar na origem de alguns dos problemas para a atuação profissional do psicólogo em serviços públicos de saúde. Na ideologia individualista, o sujeito psicológico é visto como “pessoa que se pensa com os atributos de cidadania, dignidade, autonomia, liberdade, capacidade de utilizar o potencial criativo, moralmente autônomo e pré-social” (p. 136), desvinculado dos determinantes de sua cultura[footnoteRef:4]*. No âmbito da Cultura Profissional do psicólogo, isso se cristaliza na forma do modelo de profissional liberal autônomo, gerando “uma supervalorização do modelo de atuação privada, centrado na ação isolada, focada no caráter curativo e assistencialista, com reduzido poder de intervenção e transformação social” (p. 139). O caráter assistencialista da concepção da profissão, geralmente é identificado na expectativa do aluno em “ajudar”, tanto a si quanto ao outro, freqüentemente apontada pelos alunos como razão para a escolha da profissão (Yamamoto e cols., 1997; Magalhães e cols., 2001). [4: 	 Uma discussão aprofundada do conceito de individualismo pode ser encontrada em Bock (1999).] 
	Sendo assim, mais uma vez podemos perceber, como uma das características de nossa Cultura Profissional a identificação “precoce” de problemas importantes que estão na base das relações entre a profissão e a sociedade, sem que, apesar disso, se observem no futuro, efetivamente, as modificações no sentido esperado – aqui, uma profissão que contribua, de fato, para a transformação social. De qualquer maneira, observam-se avanços, principalmente na qualidade e nível de aprofundamento de algumas questões levantadas. Mais uma vez se conclui sobre a necessidade de se continuar na investigação delas. No caso específico do tópico que estamos discutindo – a representação social da profissão – ainda há bastante a se compreender sobre essas representações em si (por exemplo, como se originam, como se desenvolvem) e suas relações com a atuação do psicólogo (por exemplo, como lidar com elas na formação do profissional).
1.4. O AUTOR E SUA POSIÇÃO FRENTE AOS ASPECTOS DA CULTURA PROFISSIONAL ABORDADOS
	
A leitura dos tópicos anteriores pode ter revelado aquilo que parece inevitável na presente situação: a Cultura Profissional, na forma como foi abordada e discutida representa o resultado da seleção e da significação que este pesquisador atribui a determinados aspectos daquela cultura, em contato com ela ao longo destes 30 anos de profissão. Em função disso, optei por apresentar a seguir um relato pessoal de minha trajetória profissional, para que se possa ter uma percepção mais clara dos prováveis referenciais orientadores que estiveram presentes ao longo daquele trajeto e que poderiam estar na base das reflexões e discussão que foram apresentadas e o serão nos próximos capítulos.
	Tornei-me profissional em 1972, aos 23 anos de idade, a um semestre do término de meu curso de Psicologia na Universidade de São Paulo, em São Paulo, contratado como professor de um curso de Psicologia que estava começando a funcionar em uma faculdade particular recém-inaugurada. Minha história profissional começa, portanto, no momento em que a Educação Superior no Brasil assumia um rumo novo em função da política educacional vigente, com a facilitação da entrada da iniciativa privada no setor de ensino. Estávamos no final do governo Médici (1969-1974), e a ditadura pregava o desenvolvimento do país (e o aumento do número de brasileiros com curso superior seria um dos importantes indicativos disto), a um preço que depois se mostrou extremamente alto para a população. Se, seis anos antes, quando prestei o vestibular, eram três as escolas que ofereciam cursos de Psicologia na capital, sendo 30 o número de vagas disponíveis na USP e 40 na PUC-SP, eu teria, no meu primeiro emprego como professor de Psicologia, que “enfrentar” classes de 200 alunos, tarefa para a qual, evidentemente, eu não tinha sido preparado durante a minha formação. De qualquer forma, um novo mercado de trabalho se abria para os profissionais – a docência – com a expansão do número de escolas de Psicologia em São Paulo e arredores. 
Apesar disso, Carvalho (1982), uma década depois, encontra entre os psicólogos participantes de sua pesquisa, formados em quatro faculdades de Psicologia em São Paulo, a atividade docente sendo desempenhada quase exclusivamente como atividade paralela (à clínica, em geral), como “bico”, segundo a autora. Talvez estejamos falando de professores despreparados para a atividade de ensinar, para quem a própria atividade de docência eventualmente não fosse objeto de reflexão e crítica. Não refletindo sobre sua atuação, poderiam alimentar não intencionalmente as expectativas exclusivamente clínicas dos alunos, na medida em que, por exemplo, buscavam na sua própria experiência clínica os exemplos a serem dados em sala de aula, as situações a serem analisadas, etc. Apesar disso, não era esse o meu caso particular, interessado e satisfeito que estava com a atividade docente, sem interesse pelo exercício clínico (que só se manifestou tempos depois e temporariamente). 
Trinta anos depois, permaneço como professor da mesma instituição, desde o final da década de 80 reconhecida como Universidade, em contato com alunos de primeiro ano de Psicologia, responsável pela disciplina Psicologia Geral, e meu interesse e disposição para a atividade continuam, não obstante as mudanças pelas quais minha atividade profissional foi passando em função de alguns dos eventos relatados aqui.
Refletindo sobre meu desempenho profissional retrospectivamente, posso dizer que na minha primeira década como professor, minha atividade envolvia objetivos educacionais bastante restritos, no sentido de que a reflexão sobre o meu trabalho não abrangia questões mais amplas, como o papel que, como educador, eu estaria exercendo na formação do psicólogo. Naquele momento, parece que se configurava como mais proeminente a minha própria aprendizagem da docência, sendo eu apenas um esforçado “assistente” de professores mais gabaritados e experientes, sem participação ativa na decisão sobre rumos maiores da disciplina Psicologia Geral. Esta disciplina, como era praxe na época (e, eventualmente até hoje em muitos cursos de Psicologia), tinha como objetivo ensinar aos alunos os chamados processos psicológicos básicos (percepção, motivação, emoção, etc.), além de formar neles uma “atitude científica”, de orientação positivista e comportamental, o que viria a mudar mais tarde. No final desse primeiro período de minha profissionalização, comecei, no entanto, a ficar insatisfeito com os resultados e com a relevância do meu trabalho. Entre as razões para isso, identifico minha insatisfação, na época, em relação ao conteúdo que era ensinado na disciplina, na medida em que eu percebia que eles eram, como se dizia, assimilados mecanicamente pelos alunos: a Psicologia que era ensinada parecia ser diferente da representação de Psicologia com a qual os alunos entravam no curso. “Atitude científica” parecia ser apenas uma “matéria” e, em várias oportunidades o aluno fazia afirmações de cunho psicológico com base em seu senso comum, além de freqüentemente manifestar sua ansiedade por estar “demorando muito” a hora em que ele iria aprender “a” Psicologia, entendida exclusivamente em seu aspecto clínico, como o contato com a intimidade do outro, a possibilidade de uma relação de ajuda íntima com aquele que sofre, etc. Destaco aqui esta experiência porque me parece que ela começou a produzir as sementesque estariam na constituição do meu interesse pelas concepções dos alunos sobre a profissão, no momento em que ingressavam no curso de Psicologia. Esse interesse iria se manifestar na próxima década de trabalho, nos anos 80, em que a disciplina Psicologia Geral mudou radicalmente seus objetivos e conteúdo.
	A partir de 1981, a disciplina passa a ter como objetivo a preparação do aluno para seu contato com a Psicologia que ele encontraria nos anos seguintes do curso, e para a profissão, uma vez que a experiência anterior tinha evidenciado a ausência, nos calouros, de informações básicas sobre a atuação do psicólogo, além de uma imagem restrita dela, já que estes pareciam desconhecer outras formas de atuação, além da clínica particular. Para atingir esses novos objetivos, acreditávamos que seria importante que o aluno entrasse em contato direto com o trabalho dos psicólogos, não só em clínica, mas, especialmente, em outras áreas de atuação. Resolveu-se, então, que no segundo semestre do curso, os alunos sairiam a campo, para fazer entrevistas com psicólogos de diversas áreas de atuação, sobre as quais fariam um trabalho escrito a ser apresentado para a classe. Ao longo das duas décadas seguintes, a disciplina foi passando por mudanças significativas, especialmente porque a ênfase, que no seu início era dada apenas ao contato do aluno com informações sobre a profissão, passava a ser acompanhada, nos anos seguintes, por um conjunto de atividades educacionais visando, além do contato com informações, a reflexão sobre elas. Isto é, a disciplina começa a assumir cada vez mais um papel ideológico e ético, na medida em que passa a pretender uma alteração no conjunto de imagens dos alunos sobre a profissão, supondo, desta forma, contribuir para a formação de psicólogos capazes de uma atuação cuja função social fosse abrangente e significativa. É evidente que essas mudanças na disciplina ocorreram paralela, e conjuntamente, às mudanças que se processavam no corpo de nossa Cultura Profissional, especialmente através do contato que tínhamos com muitos dos trabalhos citados aqui, nos tópicos anteriores. A atividade de entrevistar profissionais e o texto de Mello (1975), especialmente o capítulo II, sobre a imagem da profissão, que os alunos liam e discutiam, estiveram sempre presentes no curso, mesmo décadas depois, agora acompanhados de outros textos mais recentes, de mesma natureza. A questão da função social do psicólogo, levantada pela autora, passa, então, a ser elemento chave nesse processo em que eu, como professor, me modifico e passa, cada vez mais, a ser a figura central nas decisões sobre os critérios segundo os quais minha disciplina se organiza. 
	Ao longo do tempo, a disciplina vai se estruturando e minhas freqüentes reflexões sobre a questão da formação e da função social do psicólogo vão fazendo com que o curso revele a minha própria concepção da profissão e meus compromissos ideológicos e éticos relacionados a ela. Vai se organizando uma imagem de profissional de referência, em que este é concebido como alguém que detém conhecimentos resultantes de uma formação específica e que ocupa espaços de atuação profissional criados para atender a necessidades da sociedade, nos quais intervém sob a orientação de seus conhecimentos teóricos e práticos, participando ativamente do processo de construção do seu conhecimento profissional, no qual teoria e prática se constituem mutuamente. Esse profissional deve refletir sobre sua atuação, seu trabalho deve atingir a toda a sociedade, sem distinções, e contribuir para a transformação social. 
Se a análise do desenvolvimento da disciplina na última década pode revelar uma posição política e ideológica clara em relação à profissão, isso não acontecia nos meus primeiros anos de atividade docente. Analisando retrospectivamente minha formação na USP, desde 1967 até 1972, período em que a atividade política na universidade, especialmente nos primeiros anos, era efervescente (até ser dizimada pela ditadura), noto, no entanto, que a consciência política que adquiri (e não sei se isso aconteceu com todos os alunos) não passava pela Psicologia e, muito menos, pela profissão. Não tenho na memória situações no contexto da universidade, dentro ou fora das aulas, em que nossos estudos e nossa análise tivessem a própria profissão como objeto, como é o caso dos meus alunos hoje. De qualquer forma, a experiência política na universidade provavelmente me ofereceu condições para que, como cidadão, eu ansiasse e me comprometesse com a transformação social, o que mais tarde, viria a se amalgamar e transformar nas minhas concepções sobre a profissão.
A descrição, a ser feita a seguir, da estrutura e do funcionamento da disciplina como tradicionalmente tem sido ministrada e a análise que faço dela, hoje, parecem necessárias, neste ponto. Em função disso, de forma resumida[footnoteRef:5]*, poderíamos dizer que a disciplina parte da constatação de que os alunos chegam à faculdade de Psicologia com uma concepção restrita sobre a profissão que, na iminência de não ser ampliada pelo curso de Psicologia, como um todo, poderia ser um dos fatores a contribuir para levá-los, no futuro, a uma atuação desvinculada das necessidades sociais, com uma função social possivelmente pouco abrangente e pouco significativa. Em vista disso, a disciplina planeja um conjunto de atividades educacionais, nas quais os alunos entram em contato com alguns indicadores da Cultura Profissional do psicólogo que, em interação com suas concepções sobre a profissão (e não só com elas, mas com o conjunto de suas representações sobre o mundo e si mesmo), deveriam contribuir para a canalização daquelas concepções na direção de representações mais apropriadas, no sentido explicitado acima. [5: 	 Uma descrição detalhada da disciplina, seus objetivos e atividades, pode ser encontrada em Bettoi (1998).] 
As atividades dos três primeiros bimestres envolvem a leitura e discussão de textos sobre a profissão, seja com o objetivo de propiciar aos alunos informações relevantes (por exemplo, descrição de atividades em diversas áreas de atuação, locais de trabalho, terminologia técnica), seja com o objetivo de colocar o aluno em contato com dados de pesquisa e reflexões críticas sobre a profissão (por exemplo, textos que tratam da função social do psicólogo e da representação social da profissão). Discute-se um texto não-publicado, de minha autoria, redigido para fins didáticos no final da década de 80 e que passou por sucessivas modificações, no qual é feita uma exposição de critérios a partir dos quais se faz a reflexão sobre a atuação do psicólogo. Como se verá adiante, aquelas modificações se processavam à medida que minha trajetória profissional e pessoal também se modificava.
Esquematicamente, o texto propõe que essa reflexão seja feita com base em dois pressupostos: (a) de que a atuação de um profissional deve atender as necessidades sociais e contribuir para a transformação do indivíduo e da sociedade e (b) de que a atuação do profissional sempre tem uma função social, cuja abrangência (quem e quantos atinge com seu trabalho) e significado (transformador ou mantenedor) precisam ser considerados. 
O conceito de necessidades sociais, mencionadas no pressuposto acima (e nos estudos sobre a profissão e a formação, aos quais me referi nos tópicos anteriores), não engloba a especificação de quais necessidades o psicólogo deveria atender. Aliás, pelo que se viu nos tópicos anteriores, nossa profissão apenas recentemente começou a entrar em contato com contextos antes desconhecidos, sobre os quais a profissão raramente se debruçou. Sendo assim, é compreensível que tais necessidades não estejam amplamente identificadas. Um delineamento menos vago das necessidades sociais pode ser esperado no futuro, na medida em que o profissional começar a refletir sobre aqueles novos contextos e sobre seus modelos de atuação neles. A tarefa de definir as necessidades sociais (difícil, como já antecipava Mello, 1975), deveria também passar pelaformação dos psicólogos, como propunha Carvalho (1982), na medida em que o curso pudesse “expressar ou ser afetado pelas necessidades sociais em relação à profissão” (p. 16). Isso seria possível através de atividades educacionais que aproximassem curso e sociedade mais direta e concretamente. Segundo a autora, entre essas atividades estariam a pesquisa sobre as necessidades às quais o profissional deveria atender, o desenvolvimento de instrumentos para esse atendimento, além do contato do aluno com condições concretas de atuação dos profissionais, especialmente as não convencionais. A definição das necessidades sociais, portanto, será um tarefa a ser constantemente desempenhada pelos profissionais, à medida em que forem refletindo sobre sua atuação em novos contextos. Como Pardo (1996), acreditamos que o conhecimento das necessidades sociais será adquirido pelos profissionais na medida em que atuarem sobre elas. Acreditamos, também, que a possibilidade de se conhecer as necessidades sociais será tanto maior quanto mais ampla for a inserção do psicólogo nas várias áreas e nas diversas instituições em que a atividade humana se manifesta, como a escola, as organizações de trabalho, as comunidades, etc. Para tanto, continua a necessidade do profissional reivindicar a abertura de espaços de atuação que estejam além daqueles tradicionalmente abertos em função de uma imagem social restrita da profissão. Supomos, como Carvalho (1982), que as relações entre a sociedade e a profissão seriam saudavelmente modificadas se os espaços de atuação do psicólogo fossem efetivamente abertos pelas necessidades da sociedade. Esta por sua vez, deveria ser abordada amplamente, isto é, nenhum extrato social deveria ser privilegiado pela atuação do psicólogo, em detrimento de outro. Além disso, especialmente face à discussão que se processa quanto ao modelo de atuação tradicional do psicólogo ser voltado para o indivíduo, acreditamos ser necessário que este modelo de atuação pressuponha não um indivíduo dotado de uma natureza psicológica independente e autônoma, que não se vincula à sua cultura e à sua história. Pelo contrário, quando falamos em necessidades da sociedade, nos referimos às necessidades das coletividades humanas que em constante interação constroem-se mutuamente, sendo seus componentes elementos ativos dessa construção. Sociedade, dessa forma, não deveria ser entendida como um mero agrupamento de indivíduos, ou grupos de indivíduos estaticamente distribuídos em categorias, mas um conjunto dinâmico de relações entre pessoas que participam de uma construção coletiva, historicamente situada. As necessidades sociais, assim, definem-se por critérios dinâmicos construídos conjuntamente pelo indivíduo e pelos outros. Espera-se que a disciplina, nesse conjunto de relações, seja parte importante de todo o processo, com as reflexões que proporciona sobre as necessidades sociais e, especialmente, através de sua atividade de entrevistar profissionais, em que o aluno é colocado em interação com psicólogos que falam de sua atuação em situações concretas de trabalho. Isto é, um delineamento mais claro das necessidades sociais pode ocorrer, uma vez que elas podem se presentificar, de alguma forma, através dos indivíduos entrevistados. 
O pressuposto de que a atuação do profissional deveria contribuir para a transformação do indivíduo e da sociedade parte da constatação de que as condições de vida de grande parte da população brasileira têm sido, historicamente, de baixa qualidade. O compromisso que o psicólogo deveria assumir para a superação dessas condições deveria se refletir em ações profissionais que, independentemente de sua especificidade, pudessem contribuir, de alguma forma, para que os indivíduos tomassem consciência de sua condição humana, cultural e histórica, passando essa consciência pela identificação das relações que sua existência mantém com os contextos culturais, políticos e econômicos dos quais fazem parte. Essa consciência se constituiria numa condição pré-requisito para que pudessem exercer seu papel de transformadores da realidade, no sentido de uma sociedade mais justa, com condições de vida digna para todos. Nessa medida, o profissional não seria, ele mesmo, o agente transformador, mas sua atuação profissional junto à sociedade poderia resultar no estabelecimento de condições favorecedoras daquela transformação. Relatos recentes, especialmente veiculados pelos órgãos de classe (por exemplo, CRP SP, 2001) dão conta de atuações inovadoras de psicólogos junto a comunidades, organizações não-governamentais e outras instituições. Pode-se citar como exemplos, a participação do profissional de Psicologia em projetos de educação inclusiva; em projetos de promoção de desenvolvimento humano e auto-gerenciamento de associação de pequenos agricultores; em projetos comunitários com populações que experimentaram violência, através do desenvolvimento e reconhecimento de suas habilidades artísticas; em projetos coletivos, nos quais equipes multiprofissionais exercem o papel de “incubadoras”, assessorando a criação e a gestão de cooperativas, e etc. Exemplos como esses podem mostrar que elementos importantes das concepções do psicólogo sobre sua profissão, como suas expectativas e seus compromissos éticos, podem balizar sua atuação profissional e representar uma contribuição relevante nos processos de transformação social. 
Quanto à abrangência e o significado da função social, na forma como são explicitados na descrição dos pressupostos da disciplina, é importante apontar que a noção de abrangência da função social do psicólogo (isto é, quantos e quem são os beneficiados por sua atuação), precisa ser abordada cuidadosamente junto aos alunos, para evitar generalizações ou conclusões equivocadas. 
Assim, quantidade e natureza da população atingida pelo trabalho do profissional, são dimensões importantes que não podem ser consideradas de maneira simplista, na medida em que mantêm mútuas relações, além de estarem vinculadas ao significado mantenedor ou transformador da atuação profissional. Além disso, a ênfase em tais dimensões não se desvincula de um posicionamento ético, já mencionado acima, segundo o qual uma profissão deveria, sem distinções, beneficiar a sociedade, como um todo, sem exclusões. O caráter relativo do conceito de quantidade, precisa, então, ser abordado, na medida em que vários fatores precisam ser considerados na avaliação da abrangência da atuação do psicólogo. Por exemplo, o potencial de influência sobre outros que os beneficiados têm, o que implicaria em efeitos multiplicadores maiores ou menores dessa atuação. Além disso, como dissemos, é importante considerar também a natureza social dos atingidos pelo trabalho do psicólogo, isto é, a que classe social pertencem. Considerando que, historicamente, as classes de menor poder aquisitivo não têm sido beneficiadas pela nossa atuação profissional, acreditamos que nossa abrangência social deveria ser avaliada em relação, principalmente, aos segmentos sociais beneficiados por ela. Portanto, a quantidade e a qualidade dos atingidos pelo trabalho do psicólogo precisam ser examinadas cuidadosamente, incluindo as relações que mantêm entre si. Por outro lado, não faz sentido considerar apenas a abrangência social da atuação profissional sem levar em conta a natureza do resultado dessa atuação. Isto é, poderíamos dizer que no modelo de profissional que adotamos, não basta atingirmos grandes parcelas da população, especialmente as mais pobres. Além de abrangente, nossa atuação deve contribuir para a transformação social, como já explicitamos. Exercer um papel profissional que contribua para a manutenção da dominação, como critica Dimenstein (2000), não se inclui no modelo de profissional que estamos propondo. 
 Partindo da discussão desses pressupostos, então, apresentam-se aos alunos algumas reflexões a respeito de alguns fatores que poderiam ser relacionados à abrangência e ao significado da função social do psicólogo, a saber: 
(a) seu modelo de atuação(definido pelo seu foco no indivíduo ou na coletividade; seu caráter remediativo ou preventivo; sua ênfase na busca do conhecimento sobre os determinantes internos ou externos dos fenômenos psicológicos[footnoteRef:6]*); [6: 	 Como se verá mais adiante, o aspecto dicotômico dessa caracterização foi se transformando à medida em que o curso foi se estabelecendo ao longo dos anos.] 
(b) a representação social da profissão; 
(c) a formação recebida pelo psicólogo. 
Com base nesses critérios de análise, mutuamente relacionados, o aluno passa, então, a refletir sobre o trabalho do psicólogo nas várias áreas de atuação e estabelecer relações entre essa atuação e sua função social.
No último bimestre da disciplina, os alunos realizam as entrevistas com os psicólogos e apresentam um trabalho final, escrito para o professor e oralmente para a classe, contendo as informações coletadas e as reflexões feitas. 
Em termos dos efeitos que o contato com a disciplina produzia, inicialmente nada tínhamos para avaliá-los, senão uma grande receptividade da parte dos alunos e ex-alunos, que manifestavam sua satisfação pelo contato com “a realidade” da profissão, especialmente através das entrevistas feitas com profissionais “de verdade”, e os elogios freqüentes dos próprios entrevistados, admirados e satisfeitos pelo fato de alunos do primeiro ano “já” estarem entrando em contato com a profissão. Entretanto, minha formação de pesquisador não permitia que esse feedback fosse suficiente como indicativo de que eu, como profissional, estava desempenhando uma função social adequada ou de que o curso atingia os objetivos esperados. Ainda que, naquele momento, meus referenciais teórico-metodológicos como pesquisador pudessem me conduzir a uma visão de que as condições de ensino do curso se constituíssem em variáveis independentes cujos efeitos deveriam ser investigados, estava clara a impossibilidade de uma avaliação do atingimento dos objetivos do curso, especialmente por dificuldades metodológicas, na medida em que o controle de variáveis naquela situação seria inviável: a disciplina, em si, se constituía em um grande conjunto de condições de ensino interagentes, difíceis de serem isoladas como variáveis. Além disso, constituía-se em apenas uma disciplina, em um conjunto de mais seis, no primeiro ano, que seriam sucedidas por muitas outras disciplinas até o último ano do curso. Um outro conjunto de variáveis complexas, como aquelas resultantes do desenvolvimento pessoal do aluno ao longo dos seus cinco anos de curso, e as condições do mercado e do país no futuro, constantemente em mudança, reiteravam a impossibilidade de uma investigação experimental sobre os efeitos da disciplina sobre a atuação profissional do psicólogo. Como se verá, essas perspectivas do professor-pesquisador vieram a ser alterar, teórica e metodologicamente, mas, mesmo assim, naquele momento, foi-se construindo a necessidade de que eu realizasse um estudo e uma reflexão mais sistemáticos sobre essa disciplina. Essa necessidade se tornava mais premente, à medida em que a disciplina começava, em função do crescimento da própria instituição de ensino, a ser ministrada em todas as suas unidades, ficando eu responsável pela sua implementação em todas elas (da forma mais “homogênea” possível, segundo as exigências da instituição). Atualmente, a disciplina é dada em mais de 23 unidades da capital de São Paulo, do estado e do país, com número variável de alunos em cada uma delas). Aquela necessidade de estudar e refletir sobre a disciplina me trouxe de volta à USP, em 1994, ano em que comecei o curso de pós-graduação.
O contato que tive com as várias disciplinas cursadas, com o estudo de inúmeros textos e com a orientação recebida, aliado a mudanças pelas quais passei e passaram o país e a profissão, ao longo da minha trajetória profissional, foi sendo acompanhado de um conjunto significativo de transformações na minha forma de ver o mundo, a Psicologia e, conseqüentemente, minha própria profissão. Minhas reflexões sobre a Psicologia passaram a ser orientadas por uma nova abordagem teórica que vim a conhecer nesta nova fase da minha vida acadêmica. A identificação pessoal experimentada no contato mais estreito com as idéias de autores como Bakhtin, Vygotsky, Valsiner e Wertsch, para citar apenas alguns, foi me fazendo aproximar mais de algumas das várias formas de construtivismo em Psicologia, especialmente de um construtivismo semiótico e sócio-cultural, que será abordado nos próximos capítulos.
Como Figueiredo (1992), acreditamos que a escolha que fazemos por uma abordagem teórica não resulta de um processo consciente e racional. Segundo ele, nunca temos a isenção, o conhecimento e a liberdade para fazer essa escolha: “o que percebo é que somos escolhidos: somos como que fisgados, atraídos por uma trama complexa de anzóis e iscas, das quais algumas nunca serão completamente identificadas”. (p. 22) 
Nessa minha volta à universidade como aluno, assim, foi se construindo em mim um interesse que se voltava para dois importantes aspectos da minha formação em psicologia: de um lado, o contato com a discussão sobre modelos de investigação em Psicologia, me permitia identificar claramente, em minha formação anterior, a adoção do modelo das ciências naturais, com sua distinção clara entre o sujeito que conhece e o objeto do conhecimento e sua visão do fenômeno psicológico, como fenômeno natural. Ao mesmo tempo, o contato com os pressupostos de um outro modelo, que poderia ser aqui genericamente chamado modelo das ciências humanas, novo para mim, parecia me “fisgar”, especialmente quando argumentava sobre a impossibilidade do pesquisador separar-se objetivamente do fenômeno humano investigado, revelando nessa medida, para mim, uma nova forma de ver o Homem e a Natureza. De outro lado, eu aprendia sobre a epistemologia construtivista e se delineava em mim uma concepção de um Homem ativo que constrói seu conhecimento em interação coletiva com seus outros culturais e históricos. Se, em um primeiro momento da minha trajetória como psicólogo, razões teóricas e metodológicas me faziam “fugir” de concepções como mente e cognição, nesta fase nova minha relação com essas concepções acontecia de forma tranqüila e receptiva. Isto é, meu interesse pelos fenômenos cognitivos, especialmente a construção do conhecimento, passa a se revelar como genuíno. 
Enquanto essas novas orientações teórico-metodológicas se organizavam, no meu cotidiano profissional elas se refletiam de alguma forma. No caso, esse reflexo foi se evidenciando à medida em que alguns aspectos da estrutura da disciplina foram se alterando, pelo menos na forma como eu os via, o que foi resultando, também, em alterações na forma como alguns pressupostos do curso eram abordados junto aos alunos. Isso foi acontecendo, principalmente, em relação aos critérios de reflexão sobre a profissão descritos no desenvolvimento do presente tópico. 
Em primeiro lugar, uma noção geral de determinação linear entre fenômenos parecia estar presente na estrutura daquele conjunto de relações entre a função social do psicólogo e seu modelo de atuação (com suas características específicas), sua representação social e sua formação, na forma como eram apresentadas aos alunos. Na medida em que, teoricamente, começamos a conceber uma relação bi-direcional entre o homem e seus outros culturais e sociais, a relação implícita na disciplina entre a ação do psicólogo e aqueles outros fatores parecia extremamente unidirecional e linear, o que nos levou a introduzir nas discussões com os alunos a reflexão sobre esse aspecto. Na realidade, como apontamos anteriormente, a própria concepção sobre o papel da disciplina, na formação do aluno, foi modificada em função disso. É certo que não concebemos todo esse conjunto de atividades educacionais oferecidas pela disciplina, como variáveis que irão “determinar” uma ação profissional futura apropriada. Os significados que serão construídos pelos alunos em interação com essas atividades educacionais nãoserão previsíveis, poderão ser objetos de investigação e compreensão, mas esta compreensão será sempre uma construção do pesquisador a respeito das possibilidades de mudanças representadas pela disciplina. Não obstante sua imprevisibilidade, posso supor que essas mudanças serão engendradas em um processo no qual aluno e disciplina (entendida aqui no seu sentido mais geral), entrarão em interação de dupla mão. Nessa interação, aspectos da Cultura Profissional serão internalizados, isto é, passarão a fazer parte da Cultura Pessoal desse aluno com os sentidos que este lhes atribuir, dentro de um campo de possibilidades de sentidos. Essas possibilidades serão balizadas pelas várias sugestões sociais e culturais às quais o aluno está exposto, e por suas crenças, valores, desejos, afetividade, etc, e, espera-se, pelos aspectos específicos da Cultura Profissional que são veiculados na disciplina. No caso do presente trabalho, nosso interesse será focado especialmente naqueles aspectos da Cultura Profissional que se expressam no discurso dos entrevistados e que podem se constituir em uma das possibilidades balizadoras da Cultura Pessoal do aluno, isto é, a entrevista com os profissionais amplia o espectro de seus possíveis balizadores. À medida em que vão sendo transformados e vão se constituindo na Cultura Pessoal do aluno, aspectos da Cultura Profissional aparecem, por sua vez, externalizados através de suas ações junto aos vários contextos sociais com os quais interage, especialmente aqueles relacionados à Psicologia, contribuindo, dessa forma, para a transformação da Cultura Profissional coletiva e também da representação social da profissão. Nessa medida, espera-se que a concepção de função social, central para a disciplina, se constitua e se mantenha como uma baliza relevante para Cultura Profissional e Pessoal dos futuros psicólogos, considerando-se as transformações de sentido pelas quais vai passando.
Um outro aspecto daqueles critérios oferecidos aos alunos para a reflexão sobre a profissão, que foi sendo modificado ao longo do tempo, diz respeito às dicotomias que aparecem nas relações estabelecidas entre os vários fatores especificados. Diz-se que o caráter da atividade do psicólogo pode ser remediativo ou preventivo, que seu foco de interesse pode ser o indivíduo ou a coletividade, que sua atenção ao analisar os fenômenos psicológicos pode estar voltada para seus determinantes internos ou externos, que sua atuação pode ser mantenedora ou transformadora das condições sociais. Estas questões passaram a ser abordadas com muito cuidado junto aos alunos, principalmente porque a análise da atuação do profissional com base nesses critérios poderia ser equivocada (além de poder facilitar, como apontamos acima, a formação de uma concepção de relações lineares entre fenômenos igualmente equivocada). A própria concepção do aluno sobre a Psicologia Clínica precisa ser abordada com cuidado e constantemente, para evitar uma possível tendência a transformar a área no “lobo-mau” da profissão. Reiteradamente se afirma aos alunos a posição da disciplina em relação à questão, isto é, a crítica que se faz à profissão relaciona-se à predominância da área em relação às outras, em vários aspectos, especialmente em relação à concentração de psicólogos no desempenho de uma forma específica de psicologia clínica, a exercida em consultório particular, ficando outras áreas, e portanto outras necessidades sociais, a descoberto. Ou seja, a disciplina compromete-se, por princípio, com a pluralidade de atuações do psicólogo, assim como a da própria Psicologia.
Em relação ao caráter aparentemente dicotômico da atividade do psicólogo (remediativo ou preventivo), por exemplo, sempre seria possível dizer que uma atuação que o aluno identifica como remediativa, em função da atividade ter como objetivo imediato a resolução de um problema trazido pelo cliente naquele momento, poderia ter um caráter preventivo no futuro, considerando-se a chance menor de problemas semelhantes ocorrerem ou, mesmo, considerando-se que supostamente ele estaria melhor preparado para interações mais saudáveis com sua realidade. Ou, seria possível dizer que um efeito mantenedor das condições sociais, produzido pela atuação do psicólogo, pode, dialeticamente, gerar condições de contradição que eventualmente evoluirão para a transformação social. O mesmo se pode dizer quanto à oposição “externo-interno” em relação aos fatores que, na concepção do psicólogo, afetam a constituição do fenômeno psicológico, que é apontada na disciplina como um critério para se avaliar a abrangência da função social do profissional. Há que ser cuidadoso com os alunos para que não se contribua para uma concepção na qual o psicólogo “escolhe” trabalhar com “determinantes” internos (“psicológicos”) ou externos (ambientais) dos fenômenos psicológicos e, portanto, terá uma função social menos ou mais abrangente, respectivamente. O que se deveria discutir é a inadequação de uma concepção de um indivíduo dotado uma natureza psicológica interna que não se vincula aos contextos sócio-culturais em que existe. Isso, entretanto não elimina a existência de uma subjetividade particular em estreita relação mútua com aqueles contextos, o que significa que a dicotomia sugerida pela disciplina não se sustenta e precisa ser tematizada.
Enfim, poder-se-ia dizer que a própria disciplina passa a ser objeto de reflexão de alunos e professor, à medida em que os estudos na pós-graduação do professor se desenvolvem. Na realidade, não são apenas essas dicotomias específicas que passaram a ser vistas criticamente pelo professor. À medida em que se construía em mim uma nova concepção do fenômeno psicológico, balizada pelos pressupostos ontológicos e epistemológicos do construtivismo, foi sendo possível identificar no conjunto de elementos definidores da disciplina a necessidade de algumas reformulações ou re-explicitações, principalmente em relação à noção de indivíduo e de coletividade implicitamente presente nela. Na forma como eram abordadas na disciplina, as relações entre indivíduo e coletividade poderiam ser vistas pelos alunos como dicotômicas, o que não faria sentido, contrariando o princípio fundamental daquela abordagem, exigindo, nessa medida, reformulações. 
Enquanto todas essas transformações iam se processando, realizamos uma pesquisa, apresentada originalmente como Dissertação de Mestrado, que buscou conhecer mais de perto as expectativas e concepções dos alunos sobre a profissão e suas possíveis interações com a disciplina descrita. Uma das concepções dos alunos que é examinada é a de profissional, revelando que ao entrar no curso o aluno o concebe como alguém basicamente dotado de qualidades pessoais, não se fazendo menção à dimensão social da sua ação. Isto é, quando o aluno entra no curso, seu conceito de profissional não inclui a noção de alguém que pratica ações profissionais dirigidas ou voltadas para outros, daí o artigo (Bettoi & Simão, 2000), em que publicamos parte dos resultados, ter sido intitulado “Profissionais para si ou para outros?”. Ao final do contato com a disciplina, no entanto, observam-se mudanças naquela concepção, embora ainda o profissional seja predominantemente concebido em termos de suas características pessoais. Agora, porém, aumenta o número de concepções de profissional que mencionam novos atributos importantes, relacionados à sua competência técnica, à sua ação profissional propriamente dita e, principalmente ao beneficiário da sua ação. Isso faz supor que a interação de suas concepções iniciais com o conteúdo da disciplina propiciou a oportunidade de aquelas concepções serem modificadas na direção de um profissional que se relaciona efetivamente com a sociedade. O papel das entrevistas com profissionais, em sua interação com as concepções dos alunos sobre a profissão, foi discutido em detalhe em outro artigo (Bettoi & Simão, 2002), concluindo-se que essas entrevistas representam um atividade de ensino-aprendizagem desejável na formação de psicólogos.
Terminado

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