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Luiza de Souza Nunes ABDOME AGUDO FORMULANDO UMA LISTA PARA O DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Após a anamnese minuciosa, o examinador deve fazer uma lista inicial de possíveis diagnósticos diferenciais, e utilizar os achados do exame físico subsequente para testar as várias hipóteses diagnósticas. A faixa etária e o sexo do paciente ajudam a orientar as possibilidades diagnósticas. Nos jovens, a adenite mesentérica pode ser confundida com apendicite; problemas ginecológicos complicam a avaliação da dor abdominal nas pacientes em idade fértil; e doenças malignas e vasculares são mais comuns nos idosos. O conhecimento das causas comuns de dor abdominal e de sua incidência nas diversas populações também é útil. Colecistite aguda, apendicite, obstrução intestinal, câncer e doenças vasculares são as causas comuns de abdome agudo cirúrgico em pacientes em idade mais avançada. Nas crianças, a apendicite responde por um terço dos quadros de dor abdominal e a dor abdominal inespecífica, por boa parte dos demais. As causas de abdome agudo refletem os padrões de doença das populações nativas, e o conhecimento das causas mais comuns na população local aumenta a acurácia diagnóstica. EXAME FÍSICO A tendência a se concentrar no abdome deve ser deixada de lado em favor de um exame físico metódico e completo. Deve-se iniciar o exame com uma avaliação dos sinais vitais. O paciente com sinais sistêmicos de choque deve ser agressivamente reanimado concomitantemente com a avaliação em curso. A ausculta cardíaca e pulmonar deve ser realizada como parte da avaliação pré-operatória e para afastar a possibilidade de doenças torácicas (esofágicas, cardíacas, pulmonares) como origem da dor abdominal. O exame do abdome deve ser feito com o paciente em posição supina. Uma abordagem sistemática ao exame do abdome é essencial para o sucesso. O exame físico permite ao médico procurar sinais específicos que confirmem ou descartem hipóteses diagnósticas. Etapas no exame físico do paciente com abdome agudo 1. Avaliação global, sinais vitais 2. Inspeção 3. Ausculta 4. Dor com tosse 5. Percussão 6. Palpação • Defesa ou rigidez • Palpação local • Dor de rebote • Dor à palpação profunda • Dor com trepidação • Massas 7. Sinais Específicos 8. Hérnias externas e órgãos genitais masculinos 9. Exame do reto 10. Exame da pelve Luiza de Souza Nunes 1. Observação geral – A observação geral dá uma ideia bastante confiável da gravidade da situação clínica. A maioria dos pacientes, embora com desconforto, se mantém calma. A inquietação dos pacientes com dor visceral (p. ex., cólica intestinal ou ureteral) contrasta com a rigidez e a imobilidade daqueles com dor parietal (p. ex., apendicite aguda, peritonite generalizada). A redução das respostas aos estímulos ou a alteração do nível de consciência sugerem doença mais avançada ou grave e podem anunciar colapso cardiopulmonar iminente. 2. Sinais sistêmicos – Os quadros rapidamente progressivos ou avançados de abdome agudo geralmente são acompanhados por sinais sistêmicos. Palidez extrema, hipotensão, hipotermia, taquicardia, taquipneia e diaforese sugerem grande hemorragia intra-abdominal (p. ex., ruptura de aneurisma da aorta ou gravidez tubária). Na presença desses achados, deve-se prosseguir rapidamente com o exame e com quaisquer exames para excluir causas extra- abdominais e iniciar o tratamento. Se houver sido excluída doença extra-abdominal, esses achados são marcadores de doença intra-abdominal grave ou rapidamente progressiva e indicadores de laparotomia de emergência. 3. Febre – Febre baixa constante é comum em quadros inflamatórios como diverticulite, colecistite aguda e apendicite. Febre alta com dor à palpação do abdome inferior em mulher jovem sem sinais de doença sistêmica sugere salpingite aguda. Desorientação ou letargia extrema combinada com febre muito alta (> 39 °C) ou febre com calafrios e tremores indica choque séptico iminente. As causas mais comuns são peritonite avançada, colangite aguda ou pielonefrite. Contudo, a febre frequentemente é baixa ou ausente em idosos, indivíduos cronicamente enfermos ou pacientes imunossuprimidos, mesmo em caso de abdome agudo grave. 4. Exame do abdome agudo (a) Inspeção – O abdome deve ser minuciosamente inspecionado antes da palpação. Deve-se procurar por cicatrizes, hérnias, evidências de traumatismo, estigmas de doença hepática, massas evidentes, distensão e sinais de peritonite. Um abdome tenso e distendido com cicatriz antiga sugere a presença e a causa (aderências) de obstrução de intestino delgado. Um abdome escafoide e contraído é encontrado em casos de úlcera perfurada; em pacientes magros, é possível identificar peristalse visível em caso de obstrução intestinal avançada; e em casos de íleo paralítico inicial ou de trombose mesentérica, observa-se plenitude pastosa e mole. Luiza de Souza Nunes (b) Ausculta – A ausculta do abdome também deve preceder à palpação. Ondas peristálticas sincrônicas com a cólica são audíveis em caso de obstrução do intestino delgado e no início de pancreatite aguda. Elas diferem do som mais agudo do peristaltismo aumentado não relacionado com dor em cólica observado nos casos de gastrenterite, disenteria e colite ulcerativa fulminante. O abdome silencioso, exceto por guinchos raros, caracteriza obstrução intestinal tardia ou peritonite difusa. Exceto por esses padrões mais extremos, as muitas variações nos quadros abdominais tornam a ausculta, em grande parte, inútil para um diagnóstico específico. (c) Tosse para despertar a dor – Deve-se solicitar ao paciente que tussa e aponte para a área com dor máxima. A irritação peritoneal assim demonstrada pode ser confirmada posteriormente sem causar desconforto desnecessário com manobras para testar a presença de dor à descompressão súbita. Essa mesma localização pode ser obtida ao pedir que o paciente bata o pé no chão. Diferentemente da dor parietal da peritonite, a cólica é uma dor visceral e raramente se agrava com inspiração profunda ou com tosse. (d) Percussão – A percussão tem vários objetivos. A dor à percussão é análoga à manobra de descompressão rápida: ambas refletem irritação peritoneal e dor parietal. Em caso de víscera perfurada, o ar livre acumulado sob o diafragma pode eliminar a macicez normal sobre o fígado. A presença de som timpânico próximo da linha média em abdome distendido indica sequestro de ar no interior de alças intestinais distendidas. A presença de líquido livre na cavidade peritoneal pode ser detectada por meio de macicez de decúbito. (e) Palpação – A palpação deve ser realizada com o paciente confortável em decúbito dorsal. Deve-se observar se há hérnia incisional e periumbilical. A dor à palpação que indica inflamação localizada do peritônio é o achado mais importante em pacientes com abdome agudo. A extensão e a intensidade são determinadas primeiramente por meio de palpação com um ou dois dedos, com início longe da área apontada como dolorosa com a manobra de tosse para gradualmente avançar em sua direção. Em geral, a dor à palpação é bem demarcada nos casos de colecistite aguda, apendicite, diverticulite e salpingite aguda. Se houver sensibilidade dolorosa mal-localizada não acompanhada por defesa, deve-se suspeitar de gastrenterite ou outro processo inflamatório intestinal sem peritonite. Em relação ao grau de dor, a sensibilidade vagamente localizada ou inesperadamente fraca à palpação ocorre em casos de obstrução não complicada de víscera oca, perfurações de parede visceral localizadas profundamente (p. ex., apendicite retrocecal ou fleimão diverticular) e em pacientes muito obesos. A dor intensa desproporcional ao exame indica isquemia mesentérica. A dor de rebote é desencadeada aplicando-se pressão suave à área preocupante para então descomprimi-la rapidamente. Trata-se de sinal de inflamação peritoneal, mas sua interpretação pode ser confundida se o pacientefor sobressaltado pela liberação abrupta, o que pode ser confundido com dor. A defesa é avaliada posicionando-se ambas as mãos sobre os músculos do abdome e aplicando pressão suave com os dedos. Quando apropriadamente realizada, a manobra é reconfortante para o paciente. Se houver espasmo voluntário, deve-se sentir o músculo relaxar quando o paciente inspirar profundamente pela boca. Com o verdadeiro espasmo involuntário, o músculo se manterá tenso e rígido (em tábua) por toda a respiração. Exceto para raros distúrbios neurológicos – e, por razões desconhecidas, na cólica renal –, apenas a inflamação peritoneal produz rigidez dos músculos retos do abdome. Diferentemente do que ocorre na peritonite, a cólica renal induz espasmo restrito ao músculo reto ipsolateral. Quando o paciente levanta sua cabeça do leito, os músculos do abdome são tensionados. A dor persiste nos quadros da parede abdominal (p. ex., hematoma do músculo reto do abdome), enquanto a dor peritoneal profunda causada por doença intraperitoneal tende a diminuir (teste de Carnett). É possível encontrar hiperestesia nos distúrbios da parede Luiza de Souza Nunes abdominal ou em caso de peritonite localizada, mas o sintoma é mais evidente nos pacientes com herpes-zóster, compressão de raiz espinal e outros problemas neuromusculares. A presença de um ponto de gatilho da dor, a sensibilidade dolorosa no gradil costal e a dor agravada por movimento da coluna vertebral indicam problemas na parede do abdome que melhoram muito após infiltração de anestésico. Massas abdominais geralmente são detectadas por palpação profunda. Lesões superficiais, como distensão de vesícula biliar ou abscesso de apêndice, frequentemente têm consistência macia e limites definidos. Massas mais profundas podem estar aderidas às paredes lateral e posterior do abdome e muitas vezes estão parcialmente cobertas e isoladas pelo omento e pelo intestino delgado sobrejacentes. Consequentemente, suas bordas são mal-definidas e a palpação produz apenas uma dor surda. Exemplos incluem o fleimão pancreático e o aneurisma aórtico roto. (f) Manobras – Mesmo quando uma massa não for percebida diretamente, sua presença pode ser inferida por outras manobras. Um abscesso volumoso do psoas pode causar dor quando o quadril é passivamente estendido ou ativamente flexionado contra resistência (sinal do psoas ilíaco). A rotação interna e externa da coxa em flexão exerce pressão dolorosa (sinal do obturador) sobre uma alça de intestino delgado que esteja encarcerada dentro do canal do obturador (hérnia obturatória). A sensibilidade à percussão sobre o gradil costal inferior indica quadro inflamatório afetando diafragma, fígado, baço ou suas estruturas adjacentes. A dor referida ao ponto de McBurney a partir da palpação do quadrante inferior esquerdo (sinal de Rovsing) está associada à apendicite aguda. Quando houver suspeita de que a defesa possa estar mascarando a inflamação aguda da vesícula biliar, deve-se proceder à palpação da região subcostal direita enquanto o paciente inspira profundamente. A inspiração será suspensa abruptamente por dor (sinal de Murphy) ou será possível sentir o fundo da vesícula batendo contra os dedos do examinador durante o abaixamento do diafragma. A dor no ombro indica irritação do diafragma por líquidos como sangue, pus, conteúdo gástrico ou fezes. O sinal de Kehr é descrito como dor no ombro esquerdo associada ao hemoperitônio. Na pielonefrite aguda, a sensibilidade dolorosa no ângulo costovertebral é comum. Como não estão invariavelmente presentes, esses sinais específicos são úteis junto com história compatível e achados físicos relacionados. (g) Anéis inguinais e femorais; órgãos genitais masculinos – Os anéis inguinais e femorais em ambos os sexos e os órgãos genitais de pacientes do sexo masculino devem ser examinados. (h) Exame retal – O exame retal deve ser realizado na maioria dos pacientes com abdome agudo. A sensibilidade dolorosa ao toque é inespecífica, mas a sensibilidade do lado direito do reto acompanhada por dor de rebote no abdome inferior indica irritação peritoneal causada por apendicite pélvica ou abscesso pélvico. Outros achados úteis incluem tumor retal, fezes manchadas de sangue ou sangue oculto nas fezes (detectado por teste do guaiacol). (i) Exame da pelve – O diagnóstico equivocado de abdome agudo é mais frequente nas mulheres, particularmente nas mais jovens. O exame da pelve é essencial nas mulheres com leucorreia, dismenorreia, menorragia ou dor no quadrante inferior esquerdo. Um exame da pelve bem-realizado é inestimável para diferenciar entre doenças inflamatórias agudas da pelve que não requerem tratamento cirúrgico e apendicite aguda, torção de cisto ovariano ou abscesso tubo-ovariano. EXAMES COMPLEMENTARES Com a anamnese e o exame físico, chega-se ao diagnóstico em dois terços dos casos de abdome agudo. Exames laboratoriais e radiológicos complementares são indispensáveis para o diagnóstico de muitos dos quadros cirúrgicos, para exclusão de causas passíveis de tratamento Luiza de Souza Nunes clínico e para auxiliar no preparo pré-operatório. Mesmo na ausência de um diagnóstico específico, é possível que haja informações suficientes que sirvam de base para tomar decisões racionais sobre a conduta. Exames complementares são úteis quando provavelmente possam alterar de maneira significativa ou aprimorar as decisões terapêuticas. Justifica-se o uso mais liberal de exames diagnósticos em idosos ou em pacientes gravemente enfermos, nos quais os achados na história clínica e no exame físico possam ser menos confiáveis. A disponibilidade e a confiabilidade de determinados exames varia entre os hospitais. Ao optar por um exame, devem ser considerados invasividade, riscos e custo-efetividade. Os resultados dos exames devem ser interpretados à luz do contexto clínico de cada caso. Exames básicos devem ser solicitados em todos os pacientes, exceto naqueles em estado críticos, enquanto outros exames menos vitais podem ser deixados para mais tarde de acordo com a necessidade. Exames laboratoriais A. Exames de sangue Hemoglobina, hematócrito e contagens global e diferencial de leucócitos realizados à admissão são muito informativos. Leucocitoses crescente ou acentuada (> 13.000/µL), assim como leucopenia (< 5.000/µL), indicam infecção grave. As contagens diferenciais devem ser revisadas, uma vez que o aumento de neutrófilos (desvio à esquerda) pode sugerir infecção, mesmo com contagem global de leucócitos normal. Ademais, a presença de bastões pode indicar infecção grave. As dosagens séricas de eletrólitos, nitrogênio ureico e creatinina são importantes, sobretudo quando há suspeita de hipovolemia (i.e., em caso de choque, vômitos ou diarreia abundantes, ou de apresentação tardia). Considera-se imperativa a dosagem de creatinina sérica antes de realizar exames radiológicos com contraste iodado, em razão da possibilidade de lesão renal. A gasometria arterial e a dosagem de lactato devem ser obtidas em pacientes com hipotensão, peritonite generalizada, pancreatite, suspeita de isquemia intestinal e septicemia. Níveis séricos elevados de lactato indicam isquemia intestinal devido à correlação com o metabolismo anaeróbio. Entretanto, o resultado não é específico, podendo haver aumento em outros quadros clínicos, como desidratação, uso de cocaína ou falência hepática. Acidose metabólica inesperada pode ser a primeira pista para a descoberta de uma doença grave. O aumento da amilase ou, mais especificamente, da lipase sérica corrobora o diagnóstico clínico de pancreatite. Valores moderadamente aumentados de amilase devem ser interpretados com cautela, uma vez que níveis anormais frequentemente acompanham quadros de estrangulamento ou isquemia intestinal, torção de cisto de ovário ou úlcera perfurada. A lipase é mais específica para a pancreatite. Nos pacientes em que se suspeita de doença hepatobiliar, os exames defunção hepática (bilirrubina, fosfatase alcalina, aspartato aminotransferase, alanina aminotransferase, albumina e globulina séricas) são úteis para diferenciar entre distúrbios hepáticos cirúrgicos e clínicos e para avaliar a gravidade da doença parenquimatosa subjacente. Os estudos da coagulação (contagem de plaquetas, tempo de protrombina e tempo parcial de tromboplastina) podem ser solicitados em determinados pacientes em antecipação ao procedimento cirúrgico. Eles devem ser avaliados em pacientes fazendo uso de anticoagulantes, como a varfarina, para assegurar níveis terapêuticos ou para alertar o clínico sobre a necessidade de correção antes da intervenção cirúrgica. O tempo de protrombina também é um marcador da função de síntese do fígado nas pacientes com doença hepática avançada. Deve-se considerar a possibilidade de realizar esfregaço de sangue periférico se a história indicar alguma anormalidade hematológica (cirrose, petéquias, etc.). A velocidade de hemossedimentação, muitas vezes inespecificamente elevada nos quadros de abdome agudo, tem valor diagnóstico duvidoso; valores normais não excluem quadros graves com indicação cirúrgica. Uma amostra de sangue coagulado deve ser enviada para prova cruzada sempre que for antecipada uma cirurgia urgente ou quando houver suspeita de hemorragia. A dosagem Luiza de Souza Nunes sérica de βhCG é rotineiramente realizada em muitas instituições em vez do exame de urina. A dosagem deve ser feita em todas as mulheres em idade fértil. B. Exame de urina O exame de urina é fácil de realizar e pode revelar dados úteis. Urina escura ou com aumento de densidade indica desidratação leve nos pacientes com função renal normal. A hiperbilirrubinemia pode fazer a urina ter cor de chá preto e espumar quando agitada. Hematúria ou piúria microscópicas ajudam a confirmar cólica ureteral ou infecção urinária e evitam uma cirurgia desnecessária. Exames com fita (para albumina, bilirrubina, glicose e cetonas) podem revelar uma causa clínica para o abdome agudo. Devem ser solicitados exames de gravidez em todas as pacientes em idade fértil caso não tenha sido realizada a dosagem sérica. C. Exame de fezes Sangramento gastrintestinal não é uma característica comum do quadro de abdome agudo. De qualquer forma, a pesquisa de sangue oculto nas fezes deve ser rotineiramente solicitada. O exame positivo indica lesão de mucosa que pode ser responsável por obstrução do intestino grosso ou por anemia crônica, ou carcinoma até então imprevisto. Devem ser enviadas amostras de fezes para cultura nos pacientes sob suspeita de gastrenterite, disenteria ou cólera. A infecção por Clostridium dificile deve fazer parte do diagnóstico diferencial de qualquer paciente recentemente tratado com antimicrobiano. Exames de imagem As imagens radiográficas tornaram-se uma ajuda inestimável para avaliação, diagnóstico e, até mesmo, tratamento do abdome agudo. É muito importante que o cirurgião, familiarizado com o quadro clínico do paciente, reveja todas as imagens. Deve ser lembrado que pacientes com suspeita de “catástrofe abdominal” podem ser levados ao centro cirúrgico sem qualquer imagem confirmatória. A. Radiografias torácicas simples Uma radiografia torácica com o paciente de pé é essencial em todos os casos de abdome agudo. Não apenas é vital para a avaliação pré-operatória, como também pode demonstrar doenças supradiafragmáticas capazes de simular abdome agudo (p. ex., pneumonia de lobo inferior ou ruptura de esôfago). A elevação de hemicúpula diafragmática ou a presença de derrame pleural chamam atenção para lesões inflamatórias subfrênicas. A presença de ar sob o diafragma sugere perfuração de víscera e talvez postergue a necessidade de imagens adicionais. Para detecção de ar livre na cavidade peritoneal, a radiografia torácica com o paciente de pé é mais sensível do que a radiografia simples do abdome. B. Radiografias abdominais simples As radiografias abdominais com o paciente em decúbito dorsal devem ser solicitadas apenas em casos específicos. Em geral, as imagens com o paciente de pé (ou em decúbito lateral) contribuem com poucas informações adicionais, exceto nos casos suspeitos de obstrução intestinal, e raramente eliminam a necessidade de outros exames de imagem. As radiografias simples estão indicadas em pacientes com sinais e sintomas de obstrução intestinal ou em pacientes com suspeita de ingestão de corpo estranho; não devem ser realizadas em gestantes, indivíduos instáveis nos quais já existam sinais físicos evidentes para indicar laparotomia, ou naqueles com dor leve e inespecífica. Ao examinar as radiografias simples, deve-se observar o padrão de distribuição dos gases nas vísceras ocas; um padrão anormal de gases intestinais sugere íleo paralítico, obstrução intestinal mecânica ou pseudo-obstrução. As obstruções intestinais geralmente são acompanhadas por achados de distensão gasosa, níveis Luiza de Souza Nunes hidroaéreos, distensão do ceco e escassez de ar no reto. A dilatação colônica é encontrada no megacolo tóxico ou no volvo. As “impressões digitais” na parede colônica são observadas em metade dos pacientes com colite isquêmica. Densidades radiopacas podem ser encontradas em caso de cálculos biliares, renais ou ureterais, assim como em caso de corpo estranho. Embora os cálculos renais e biliares possam ser vistos em radiografias simples, quase sempre há indicação de outros exames de imagem, o que torna desnecessária a realização de radiografias. A presença de gás livre sob o hemidiafragma sugere perfuração de víscera, embora não identifique a fonte. Sua presença em aproximadamente 80% das úlceras perfuradas corrobora o diagnóstico clínico. Nas perfurações de colo, observa-se pneumoperitônio massivo. A presença de ar na árvore biliar indica comunicação biliar- entérica, como no íleo biliar. O ar delineando o sistema venoso porta caracteriza a pileflebite. C. Ultrassonografia A ultrassonografia tem se tornado mais comum na avaliação inicial de dor abdominal e pode ser utilizada à beira do leito por médicos treinados. É um dos primeiros exames para dor no quadrante superior direito de natureza biliar. A ultrassonografia tem sensibilidade diagnóstica de cerca de 80% para apendicite aguda e é especialmente útil em gestantes devido à segurança e ao baixo custo. Torna-se tecnicamente mais difícil no terceiro trimestre em razão do tamanho do útero gravídico. A ultrassonografia também é importante na investigação de diversas causas ginecológicas de dor abdominal. Utilizando exames com Doppler colorido, pode-se distinguir cistos avasculares e massas torcidas de processos inflamatórios e infecciosos. A ultrassonografia com Doppler também pode ser usada para avaliar o fluxo nos vasos mesentéricos. D. Tomografia computadorizada Atualmente, a tomografia computadorizada (TC) do abdome em geral é rápida e facilmente disponível. Esse exame mostrou-se extremamente útil na investigação de queixas abdominais em pacientes que não tenham indicação bem-definida de laparotomia ou laparoscopia. A TC tem excelente acurácia diagnóstica. A opção pelo uso de contraste deve ser cuidadosamente ponderada a cada caso. A administração intravenosa (IV) de contraste pode ser limitada pela dosagem de creatinina. O contraste oral é útil para distinguir entre intestino e o restante do conteúdo abdominal. Ele pode ser administrado pelas vias oral ou retal; a administração oral implica aumento substancial no tempo para obtenção das imagens e talvez não seja apropriada nos pacientes em estado grave. Com os novos aparelhos, o uso de contraste oral frequentemente é desnecessário, exceto quando se suspeita de perfuração intestinal ou de vazamento de anastomose. Os novos aparelhos de TC de baixa dose estão se tornando disponíveis, reduzem a exposição à radiação e são vantajosos na obtenção de imagens em pacientes pediátricos. Os exames de TC devem ser utilizados com prudência nasgestantes em razão do risco que a radiação impõe ao feto, especialmente no primeiro trimestre. Durante a gravidez, a ultrassonografia e a ressonância magnética (RM) são as técnicas de imagem preferenciais. Com a TC, é possível identificar pequenos volumes de gás livre na cavidade peritoneal e sítios de doença inflamatória que indiquem cirurgia imediata (apendicite, abscesso tubo-ovariano) ou posterguem sua indicação (diverticulite não complicada, pancreatite, abscesso hepático). O exame não deve substituir ou atrasar a cirurgia em pacientes cujos achados não irão alterar a decisão de operar. A TC mostrou-se útil no diagnóstico de apendicite, especialmente quando o exame e os dados laboratoriais não estavam claros, e é recomendada nas mulheres, já que outras doenças pélvicas podem explicar a presença de dor no quadrante inferior direito. E. Angiografia A angio-TC (ATC), a angiografia invasiva ou a angiorressonância magnética (ARM) são exames indicados em caso de isquemia intestinal ou quando se suspeita de hemorragia em curso, e Luiza de Souza Nunes devem preceder qualquer estudo contrastado gastrintestinal que possa atrapalhar a interpretação das imagens. A angiografia seletiva é um método confiável para diagnóstico de infarto mesentérico. A angiografia de emergência pode confirmar a ruptura de adenoma ou carcinoma hepático ou de aneurisma de artéria esplênica ou outra artéria visceral. Além disso, ela pode ser terapêutica para instalação de mola ou para embolização de doença aneurismática. Nos pacientes com sangramento massivo do trato gastrintestinal inferior, a angiografia é capaz de identificar o sítio do sangramento, sugerir o provável diagnóstico (p. ex., ectasia vascular, poliarterite nodosa) e auxiliar na terapêutica, caso se opte por embolização. A angiografia tem pouco valor nos casos de ruptura de aneurisma aórtico ou quando há achados peritoneais francos (peritonite). Está contraindicada em pacientes instáveis em choque ou com sepse e raramente é indicada quando outros achados ou exames já tenham determinado a realização de laparotomia ou laparoscopia. A função renal do paciente deve ser avaliada antes de administrar contraste. A ARM é útil quando o paciente não puder usar contraste IV (em razão de disfunção renal ou de alergia ao agente de contraste). Também é utilizada como modalidade alternativa para obtenção de imagens em gestantes. F. Estudos radiológicos contrastados do trato gastrintestinal Os estudos radiológicos contrastados do trato gastrintestinal não devem ser solicitados rotineiramente como exames de rastreamento. Eles são úteis apenas se alguma doença específica a ser considerada puder ser confirmada ou tratada por meio de exame radiológico contrastado. Em caso suspeito de perfuração do esôfago ou da região gastroduodenal sem pneumoperitônio, dá-se preferência a um meio de contraste hidrossolúvel (p. ex., diatrizoato de meglumina). Se não houver evidência clínica de perfuração intestinal, com o enema baritado, pode-se identificar o nível da obstrução do intestino grosso e até reduzir o volvo ou a intussuscepção de sigmoide. Os exames contrastados no trato gastrintestinal superior também podem ser úteis para investigar extravasamento ou esvaziamento da bolsa gástrica. G. Cintilografias A utilização de cintilografias foi muito reduzida pela disponibilização rotineira de exames de TC em ambiente de urgência. As cintilografias de fígado-baço, com ácido iminodiacético hepatobiliar (HIDA, do inglês Hepatobiliary iminodiacetic acid) e com gálio podem ser usadas para localizar abscessos intra-abdominais em casos raros. Com radionuclídeos para avaliar pool de sangue ou com coloide de enxofre marcado com tecnécio, é possível identificar a origem de sangramentos intestinais lentos ou intermitentes. Os exames com pertecnetato de tecnécio podem revelar mucosa gástrica ectópica em pacientes com divertículo de Meckel. Endoscopia A proctossigmoidoscopia está indicada em qualquer paciente sob suspeita de obstrução de intestino grosso, com sangue vivo evidente nas fezes ou massa no reto. Deve-se utilizar volume mínimo de ar para insuflação intestinal a fim de reduzir a chance de perfuração intestinal iatrogênica. Além de permitir a redução de volvo do sigmoide, a colonoscopia também pode localizar a fonte de sangramento em casos de hemorragia do trato gastrintestinal inferior que tenha cessado. A gastroduodenoscopia e a colangiopancreatografia endoscópica retrógrada (CPER) geralmente são realizadas de forma eletiva para avaliar quadros inflamatórios menos urgentes (p. ex., gastrite, doença péptica) em pacientes sem sinais de alarme abdominais. Entretanto, pode-se indicar CPER de urgência em casos suspeitos de colangite. Luiza de Souza Nunes Paracentese Embora a paracentese esteja se tornando cada vez mais rara, é importante saber que, em pacientes com líquido livre na cavidade peritoneal, a aspiração de sangue, bile ou conteúdo intestinal indica enfaticamente a realização de laparotomia. Por outro lado, a obtenção de líquido ascítico infectado pode definir o diagnóstico de peritonite bacteriana espontânea, peritonite tuberculosa ou ascite quilosa, quadros que raramente requerem cirurgia. Laparoscopia A laparoscopia é uma modalidade terapêutica e diagnóstica. A participação da laparoscopia foi ampliada para que se tornasse uma modalidade útil no tratamento das emergências abdominais. Em determinados casos, foi associada à redução na dor e ao menor tempo de recuperação. Seu uso depende da experiência do cirurgião e do equipamento e da equipe no centro cirúrgico. Em casos de diagnóstico incerto, a laparoscopia ajuda a orientar o planejamento cirúrgico e evita laparotomias desnecessárias. Em mulheres jovens, a laparoscopia ajuda a distinguir entre problemas não cirúrgicos (ruptura de folículo de Graaf, doença inflamatória pélvica, doença tuboovariana) e apendicite. Em pacientes obesos, permite incisão menor e menos agressiva. Em pacientes obnubilados, idosos ou em estado crítico, que frequentemente têm manifestações enganosas de abdome agudo, ela pode facilitar o tratamento mais precoce nos pacientes com achados positivos e evitar a morbidade adicional de uma laparotomia nos casos negativos. Todos os pacientes sendo submetidos à laparoscopia devem estar preparados e aptos à conversão para procedimento aberto, se necessário. A laparoscopia tornou-se o padrão de atenção no tratamento cirúrgico da apendicite e da colecistite. Para a colecistite aguda, a laparoscopia, realizada nas primeiras 48 horas desde a instalação dos sintomas, reduz o risco de conversão para procedimento aberto, o que reforça a importância do diagnóstico precoce. A laparoscopia também pode ser utilizada para tratamento de obstruções de intestino delgado, podendo resultar em menor morbidade e retorno mais rápido à dieta normal. INCERTEZA DIAGNÓSTICA À medida que o cirurgião reúne dados, o diagnóstico diferencial é restringido e a condução do caso se esclarece. O plano de ação depende de o paciente ter indicação de: Ir diretamente para o centro cirúrgico; Ser admitido para observação com expectativa de intervenção cirúrgica; Ser admitido para observação cirúrgica ou para investigação diagnóstica complementar ou; Ser admitido para tratamento clínico em caso de dor abdominal não cirúrgica. Diversas populações de pacientes podem não ter a apresentação esperada para o quadro de abdome agudo. O quadro clínico inicial frequentemente é pouco claro. As seguintes observações devem ser consideradas: 1. Dor abdominal aguda que persiste por mais de 6 horas deve ser considerada potencialmente cirúrgica e requer investigação em regime de internação. Dor bem-localizada e sensibilidade dolorosa à palpação geralmente indicam quadro cirúrgico. Hipoperfusão sistêmica com dor abdominal generalizada raramente é não cirúrgica; 2. Apendicite aguda e obstrução intestinal são os diagnósticos finais mais frequentesem casos inicialmente considerados erroneamente como não cirúrgicos. O diagnóstico de apendicite deve ser mantido como principal possibilidade em pacientes sob suspeita de sepse ou lesão inflamatória. É a causa mais comum dos achados peritoneais bizarros que causam íleo ou obstrução intestinal. A apendicite pélvica com dor abdominal leve, vômitos e diarreia com evacuações frequentes simula gastrenterite. Durante a gravidez, são encontradas apresentações atípicas de apendicite; Luiza de Souza Nunes 3. Salpingite, dismenorreia, lesões ovarianas e infecção do trato urinário complicam a investigação de abdome agudo em mulheres jovens. Erros de diagnóstico podem ser evitados com história ginecológica minuciosa, além de exame da pelve e análise da urina. A solicitação de um exame de gravidez sempre deve ser considerada; 4. Tipos incomuns ou manifestações atípicas de obstrução intestinal facilmente passam despercebidos. Vômitos, distensão abdominal e níveis hidroaéreos na radiografia podem ser desprezíveis na hérnia de Richter, nas obstruções proximais ou de alça fechada de intestino delgado e na fase inicial de volvo cecal. A ocorrência de obstrução intestinal em mulher idosa que não tenha sido previamente operada sugere hérnia femoral encarcerada ou, raramente, hérnia obturatória ou íleo biliar; 5. Pacientes idosos ou cardíacos com dor abdominal difusa que não cede, mas sem sinais peritoneais, podem estar tendo isquemia intestinal. Deve-se dosar o pH arterial e o lactato, e há indicação para realização rápida de angiografia ou de ATC das vísceras abdominais; 6. As causas clínicas de abdome agudo devem ser consideradas e excluídas antes de proceder à laparotomia exploratória. Pode-se encontrar dor no abdome superior em casos de infarto do miocárdio, quadros pulmonares agudos, pancreatite e hepatite aguda. Em pacientes com febre reumática aguda, poliarterite nodosa e outras vasculopatias, pode-se encontrar desconforto abdominal generalizado ou migratório. Bursite aguda e doenças da articulação coxofemoral podem produzir dor irradiando para os quadrantes inferiores; 7. Deve-se ter atenção para a possibilidade de colecistite aguda, apendicite aguda e úlcera péptica perfurada em pacientes já hospitalizados em razão de uma doença que afete outro sistema de órgãos. Luiza de Souza Nunes POPULAÇÕES ESPECÍFICAS Idosos Considerando o crescimento da população de idosos, os médicos devem esperar encontrar mais pacientes dessa faixa etária. Os pacientes idosos que se apresentam com abdome agudo têm maior probabilidade de requerer intervenção cirúrgica. Esses pacientes com frequência apresentam uma ou mais comorbidades complicando sua apresentação. Por exemplo, os pacientes com doença cardiovascular, diagnosticada ou não, têm maior probabilidade de apresentar isquemia mesentérica como causa de dor abdominal. Uma das causas mais frequentes de dor abdominal aguda em idosos é a obstrução intestinal. A etiologia dessas obstruções intestinais difere daquela das populações mais jovens, com câncer e hérnias sendo mais prováveis no diagnóstico diferencial. Os pacientes idosos tendem a se apresentar mais tardiamente no curso da doença. Muitos terão história cirúrgica que dificultará tecnicamente a intervenção atual. Embora a intervenção cirúrgica para abdome agudo seja segura e necessária, as taxas de mortalidade e morbidade são mais altas, em grande parte pelas comorbidades clínicas e por terem menor reserva funcional. Bariátricos A obesidade vem tendo prevalência crescente nos Estados Unidos, e a cirurgia bariátrica tornouse relativamente comum. Essa população de pacientes apresenta diagnóstico diferencial específico para abdome agudo e dificuldades anatômicas peculiares para o cirurgião. Os achados do exame físico podem ser vagos em razão da compleição física do paciente. A taquicardia é um sinal nefasto que não deve ser negligenciado. Entre as causas comuns de abdome agudo na população bariátrica estão úlceras marginais, obstrução causada por hérnia interna ou por aderências e complicações da banda gástrica. Em razão da formação comum de cálculos biliares após perda ponderal rápida, a colecistite é outra causa frequente de abdome agudo em pacientes após derivação gástrica. Gestantes As gestantes podem se apresentar com sintomas dúbios. A gestação normal pode estar associada à náusea e vômitos ou a uma leucocitose leve. O exame físico também pode causar confusão em razão do deslocamento de órgãos pelo útero aumentado. A causa mais comum de abdome agudo em gestantes é apendicite. Na gestante, a apendicite pode se apresentar com dor de localização atípica em razão do deslocamento produzido pelo útero. A dor pode estar localizada no quadrante superior direito ou, se o apêndice tiver sido empurrado no sentido posterior, a paciente pode não manifestar dor peritoneal. Uma vez diagnosticada, indica-se intervenção precoce, considerando que a ruptura do apêndice aumenta o risco de morte fetal. Imunocomprometidos Os pacientes imunocomprometidos são únicos na medida em que sua resposta imune não determinará a mesma apresentação clínica de pacientes saudáveis. Essa população inclui pacientes com HIV/Aids, diabetes melito, pacientes em tratamento quimioterápico, pacientes transplantados e pacientes em tratamento com corticosteroides. Nos pacientes imunossuprimidos, o diagnóstico diferencial é mais amplo e inclui muitas etiologias clínicas obscuras, como diversas infecções oportunistas. Em razão da falta de reação inflamatória, o exame físico pode não parecer preocupante. O examinador deve estar ciente da possibilidade de um “exame inocente” em um cenário clínico, de resto, preocupante. Esses pacientes frequentemente não evoluem com a leucocitose esperada. O diagnóstico tardio pode ser devastador quando os pacientes se apresentam com doença avançada, em choque ou com peritonite, com reserva funcional reduzida. Luiza de Souza Nunes INDICAÇÕES PARA CIRURGIA DE URGÊNCIA EM PACIENTES COM ABDOME AGUDO: • Achados físicos: Defesa ou rigidez involuntária, especialmente se estiver se estendendo Sensibilidade dolorosa localizada à palpação crescente ou intensa Distensão tensa ou progressiva Massa abdominal ou retal dolorosa com febre alta ou hipotensão Sangramento retal com choque ou acidose Achados abdominais ambíguos acompanhados por septicemia (febre alta, leucocitose intensa ou crescente, alteração no nível de consciência ou aumento da intolerância à glicose em paciente diabético) Sangramento (choque ou acidose sem explicação, queda do hematócrito) Suspeita de isquemia (acidose, febre, taquicardia) Deterioração do estado com tratamento conservador • Achados radiológicos: Pneumoperitônio Distensão abdominal de grande importância ou progressiva Extravasamento do meio de contraste na cavidade peritoneal Lesão de massa no exame de imagem, com febre Obstrução mesentérica na angiografia • Achados endoscópicos: Perfuração ou lesão com sangramento incontrolável INDICAÇÕES PARA INTERVENÇÃO CIRÚRGICA A necessidade de cirurgia é evidente quando o diagnóstico é certo, mas, algumas vezes, a cirurgia é necessária antes que se chegue a um diagnóstico preciso. A Tabela 21-6 lista algumas indicações de laparotomia ou laparoscopia com urgência. Entre os pacientes com dor abdominal aguda, aqueles com mais de 65 anos requerem cirurgia com maior frequência (33%) do que os mais jovens (15%). Sugere-se uma política liberal de exploração em pacientes com diagnóstico inconclusivo, mas com dor persistente no quadrante inferior direito. A dor no quadrante superior esquerdo raramente requer laparotomia urgente e, na maioria das vezes, sua causa pode esperar por exames eletivos confirmatórios. CONDUTA PRÉ-OPERATÓRIA Após a avaliação inicial, há indicação de uso de analgésicos por via parenteral para alívio da dor. Em doses moderadas, os analgésicos não obscurecem os achados físicos nemmascaram sua evolução subsequente. De fato, massas abdominais podem tornar-se evidentes uma vez que o espasmo dos músculos retos seja aliviado. A dor que persiste apesar de doses suficientes de opioides sugere quadro grave que muitas vezes requer intervenção cirúrgica. A ressuscitação em pacientes agudamente enfermos deve ser feita com base no déficit de volume intravascular e no quadro sistêmico. Os medicamentos devem ser restritos às necessidades essenciais. Deve-se dar atenção especial a fármacos cardiovasculares e corticosteroides e ao controle do diabetes. Antimicrobianos estão indicados para algumas doenças infecciosas ou como profilaxia perioperatória. Há indicação de colocação de sonda nasogástrica nos pacientes com hematêmese ou vômitos copiosos, naqueles sob suspeita de obstrução intestinal ou íleo paralítico. Essa precaução pode evitar aspiração em pacientes com Luiza de Souza Nunes superdosagem de drogas ou intoxicação alcoólica, nos comatosos ou muito debilitados, ou em pacientes idosos com redução do reflexo da tosse. Há indicação de instalação de cateter urinário nos pacientes com hipoperfusão sistêmica. Em alguns pacientes idosos, o cateter elimina a causa da dor (distensão aguda da bexiga) ou revela sinais abdominais importantes. Talvez haja dificuldade de obter consentimento informado para a cirurgia quando o diagnóstico for incerto. É prudente discutir com o paciente e a família sobre possibilidades como múltiplas cirurgias, estomas intestinais temporários ou permanentes, impotência ou esterilidade e ventilação mecânica pós-operatória. Sempre que houver incerteza sobre o diagnóstico exato – especialmente em pacientes jovens ou muito fragilizados –, uma discussão pré-operatória franca sobre o dilema diagnóstico e sobre as razões para a indicação de laparotomia ou laparoscopia reduzem ansiedades e mal-entendidos no pós-operatório. QUESTÕES DE MÚLTIPLA ESCOLHA 1. Das seguintes causas de dor abdominal, qual ocorre com maior frequência em pacientes com menos de 50 anos em comparação com os mais idosos? A. Obstrução intestinal. B. Colecistite. C. Apendicite. D. Diverticulite. E. Isquemia mesentérica. 2. Qual das seguintes alternativas está correta em relação ao papel das radiografias simples do abdome na investigação do abdome agudo? A. Elas podem afastar a possibilidade de doença grave. B. São mais úteis quando a obstrução intestinal faz parte do diagnóstico diferencial. C. São parte importante da rotina de investigação nos pacientes que se apresentam para atendimento de emergência com dor abdominal. D. São os exames mais sensíveis para diagnóstico de víscera perfurada. E. São altamente sensíveis para detecção de doenças, incluindo apendicite, colecistite, litíase renal e sangramento gastrintestinal. 3. Um paciente de 65 anos é levado para atendimento de emergência com quadro de dor abdominal aguda de instalação abrupta. O paciente mostra-se desconfortável e está gemendo. Sinais vitais: PA 110/88 mmHg; FC 125 bpm e irregular; frequência respiratória 24 irm. O exame do abdome chama atenção pela ausência de distensão e ausência de sensibilidade dolorosa à palpação. Qual das seguintes alternativas seria a próxima etapa mais útil? A. Internação para observação. B. Teste de provocação oral. C. Exames laboratoriais básicos, incluindo hemograma, painel metabólico básico, amilase e lipase. D. Radiografia simples do abdome com o paciente de pé. E. Gasometria e dosagem de lactato. 4. Uma paciente de 32 anos, gestante de 30 semanas, chega ao setor de emergência com queixa de náusea, um episódio de vômito e dor no quadrante inferior direito. A ultrassonografia não foi capaz de visualizar o apêndice. A paciente está com 14.000 leucócitos no sangue periférico. A próxima etapa seria: A. Internação hospitalar para observação. B. TC de abdome/pelve com contraste VO/IV. C. RM de abdome/pelve. D. Laparoscopia exploratória. E. Laparotomia exploratória. Luiza de Souza Nunes 5. Todas as seguintes alternativas são indicações de intervenção cirúrgica urgente, EXCETO: A. Paciente do sexo masculino, 49 anos, com dor no quadrante inferior direito com 12 horas de evolução, e 17.000 leucócitos. B. Paciente do sexo feminino, 45 anos, com diabetes melito, com 18 horas de evolução de dor no quadrante superior direito, 12.000 leucócitos e ultrassonografia revelando a presença de líquido pericolecístico, vesícula biliar com parede espessada e cálculos biliares. C. Paciente do sexo masculino, 52 anos, com 2 dias de evolução de dor no quadrante inferior bilateralmente e defesa abdominal ao exame físico, 18.000 leucócitos e TC de abdome/pelve revelando atenuação da gordura perirretal e gás extraluminal. D. Paciente do sexo masculino, 65 anos, com 1 dia de evolução de dor abdominal leve e relato de sangue vivo eliminado pelo reto. Pressão arterial normal, mas com hematócrito de 24% à admissão (contra hematócrito anterior de 42%). E. Paciente do sexo feminino, 78 anos, entubada, FC 110 bpm, PA 95/60 mmHg. A radiografia tor para confirmar o posicionamento da sonda endotraqueal revela a presença de ar subdiafragmático.
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