Buscar

Classificação do Diabetes Melito

Prévia do material em texto

27/08/2020 
APG 3 – DIABETES 
· Classificação do diabetes melito
O diabetes melito pode ser classificado em alguns tipos, conforme sua causa etiológica. Independentemente do tipo e da causa do diabetes, todos são caracterizados pelo mesmo resultado final: a hiperglicemia. O quadro clínico e o tratamento sofrem variações conforme a causa básica fisiopatológica de cada tipo de diabetes. A seguir, há uma breve explicação sobre cada um dos tipos conforme a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), que serão detalhados nos próximos capítulos desta seção.
■Tipo 1
Corresponde a 5 a 10% dos casos de diabetes melito, sendo causado pela destruição das células beta pancreáticas, que ficam incapazes de secretar insulina de forma suficiente para manter a normoglicemia. É a apresentação mais comum no caso de crianças e adolescentes. Subdivide-se em:
•Tipo 1A: causa autoimune, ou seja, na vigência de autoanticorpos positivos (90% dos casos de diabetes melito tipo 1)
•Tipo 1B: causa idiopática (10% dos casos de diabetes melito tipo 1)
•Diabetes autoimune latente do adulto (LADA): uma forma lentamente progressiva de diabetes por destruição do pâncreas por autoanticorpos.
■Tipo 2
Corresponde a 90 a 95% dos casos de diabetes, causado pela resistência à insulina em um indivíduo com incapacidade pancreática de manter os níveis séricos de insulina altos o suficiente para vencer essa resistência e manter a normoglicemia. Trata-se da causa mais comum de diabetes melito na atualidade, uma vez que estudos mostram que até 25% da população saudável apresenta quadros de resistência à insulina, sendo, portanto, a capacidade de secreção pancreática o fator diferencial entre aqueles pacientes que irão ou não evoluir para a hiperglicemia (ou seja, para o diabetes melito).
■Outros tipos específicos de diabetes
Diabetes da maturidade com início no jovem (MODY). Tipo de diabetes monogênico, herdado de forma autossômica dominante, portanto ligado a alterações genéticas herdadas e que sofre influência de fatores ambientais. Caracterizado pelo surgimento de diabetes em indivíduos jovens, geralmente antes dos 25 anos, na ausência de resistência à insulina, com a ocorrência de indivíduos acometidos em pelo menos três gerações consecutivas da mesma família. As mutações herdadas comprometem a função das células beta, prejudicando a secreção de insulina. Já existem na atualidade mais de dez tipos de MODY descritos (cada um relacionado com uma mutação diferente), sendo o MODY 3 o mais prevalente atualmente.
Diabetes causado por defeitos genéticos na ação da insulina. Outros tipos de diabetes monogênicos, também causados pela herança de genes mutados, que comprometem a sinalização correta do receptor de insulina, portanto, cursando com quadros de resistência à insulina muito graves. Há mais de 70 tipos de mutações descritas no receptor de insulina, e cada mutação pode cursar com quadros mais ou menos graves de diabetes, conforme o grau de comprometimento da sinalização do receptor, incluindo leprechaunismo, síndrome de Rabson Mendehall, resistência à insulina do tipo A, diabetes lipoatrófico, entre outros.
Diabetes causado por doenças pancreáticas. Acometimento do pâncreas por doenças como pancreatites, trauma, tumores de pâncreas, hemocromatose, fibrose cística, entre outras. Podem cursar com destruição do pâncreas endócrino e exócrino e, desse modo, comprometer a capacidade desse órgão em secretar quantidades suficientes e apropriadas de insulina.
Diabetes causado por endocrinopatias. Aumento de hormônios contrarregulatórios da insulina, que reduzem sua secreção e dificultam sua ação, aumentando o risco de aparecimento de hiperglicemia. Entre elas, há doença de Cushing, acromegalia, somatostatinoma, glucagonomas, hipertireoidismo, feocromocitoma e aldosteronoma.
Diabetes secundário a fármacos ou medicamentos. Por redução na produção ou na ação da insulina. Por exemplo: glicocorticoides, hormônios tireoidianos, antipsicóticos, antirretrovirais, interferona-alfa, diuréticos tiazídicos, fenitoína, agonistas beta-adrenérgicos, diazóxido, ácido nicotínico, entre outros.
Diabetes secundário a infecções. Por destruição de células beta, incluindo rubéola congênita, citomegalovírus e vírus coxsackie B.
Formas incomuns de diabetes autoimune. Diabetes pela presença de receptores anti-insulina e diabetes na síndrome da pessoa rígida.
Diabetes associado a síndromes genéticas. Síndromes de Down, de Klinefelter, de Turner e de Prader-Willi.
■Diabetes melito gestacional (DMG): Tem início ou diagnóstico durante a gestação.
· Definição e critérios diagnósticos
O diabetes melito é caraterizado pelo distúrbio no metabolismo de carboidratos, que traz como consequência o aumento nos níveis séricos de glicose. Ou seja, seu diagnóstico exige que seja comprovada a elevação inapropriada da glicemia. Os critérios diagnósticos atualmente aceitos para o diabetes melito são:
•Achado de glicemia randômica > 200 mg/dℓ associada a sinais e sintomas clássicos de diabetes, que incluem poliúria, polidipsia e perda de peso involuntária. Se presente, esse critério é suficiente para estabelecer o diagnóstico, não sendo necessária a confirmação por outro exame laboratorial
•Glicemia de jejum ≥ 126 mg/dℓ
•Curva glicêmica pós-sobrecarga com 75 g de glicose (teste de tolerância de glicose oral – TTGO) com glicemia ≥ 200 mg/dℓ em 2 h
•Hemoglobina glicada (HbA1C) ≥ 6,5%, por um método laboratorial certificado pelo National Glycohemoglobin Standardization Program (NGSP).
Para confirmação do diagnóstico de diabetes melito, são necessários dois exames alterados. Caso um exame venha alterado, o ideal é repeti-lo para excluir erro laboratorial (ou realizar algum outro exame citado anteriormente – glicemia de jejum, hemoglobina glicada, ou curva glicêmica –, não necessariamente o mesmo exame, repetido e confirmado). Exceção a essa regra é a presença de glicemia plasmática randômica > 200 mg/dℓ em paciente sintomático, que não requer confirmação ou outro teste laboratorial para definir o diagnóstico de diabetes melito.
O TTGO é o teste que tem maior variabilidade e menor reprodutibilidade, com variação de até 15% no mesmo indivíduo. A hemoglobina glicada, por sua vez, é o exame mais reprodutível entre todos estes (< 2% de variação). O diagnóstico utilizando os valores de HbA1C foi acrescentado em 2010 pela American Diabetes Association (ADA), sendo os valores definidos pelo risco de retinopatia. Esse critério, entretanto, ainda não foi aceito pela SBD.
Quadros intermediários de alteração na glicemia
Existe um grupo de indivíduos que apresentam níveis alterados de glicemia nos exames laboratoriais, porém essas alterações não são suficientes para o diagnóstico de diabetes melito. Esses indivíduos apresentam um quadro intermediário, muitas vezes chamado de pré-diabetes, uma vez que possuem risco maior de evolução para o diabetes melito e suas complicações. Esses grupos incluem:
•Glicemia de jejum alterada (GJA): glicemia de jejum entre 100 e 125 mg/dℓ
•Intolerância aos carboidratos: glicemia 2 h após o TTGO com 75 g de glicose entre 140 e 200 mg/dℓ
•HbA1C alterada: HbA1C entre 5,7 e 6,4%.
· Quadro clínico do diabetes melito
O diabetes melito, na grande maioria dos pacientes, tem um quadro clínico assintomático, sendo, portanto, uma doença muitas vezes subdiagnosticada. Estima-se que 50% dos portadores de diabetes não tenha ainda o diagnóstico da doença.
Pacientes com hiperglicemia muito descontrolada podem cursar com glicosúria (a urina pode aparecer com odor adocicado) e diurese osmótica, provocando quadro de poliúria e polidipsia (como mecanismo protetor contra a desidratação). A hiperglicemia aumenta o risco de vários tipos de infecções, destacando-se as vulvovaginites e infecções urinárias.
Os pacientes insulinopênicos (diabéticos tipo 1, diabéticos por doença pancreática ou diabéticos tipo 2 em estágio avançado sem reserva pancreática) podem cursar com polifagia e perda progressiva de peso, causadas pela falta da ação anabólica da insulina.
Pacientes com diabeteshá mais de 5 a 10 anos, principalmente aqueles com mau controle glicêmico ou predisposição genética maior às complicações micro e macrovasculares da doença, podem apresentar sintomatologia decorrente das complicações crônicas do diabetes, incluindo: perda de acuidade visual, dor neuropática e parestesias de membros inferiores (e menos comumente acometendo outros nervos), insensibilidade de membros inferiores, sintomas de disautonomia gastrintestinal (retardo no esvaziamento gástrico, constipação intestinal ou diarreia), geniturinária (bexiga neurogênica, infecções urinárias de repetição, disfunção erétil), cardiovascular (taquicardia de repouso, intolerância ao exercício físico, hipotensão postural, síncopes) e sudomotora (sudorese de tronco, hiperidrose gustatória, hipo-hidrose de extremidades), além de sintomatologia causada pela doença aterosclerótica (claudicação de membros inferiores, angina estável ou instável).
· Introdução: O diabetes melito tipo 1 pode ser entendido genericamente como secundário à destruição pancreática resultante de processos imunológicos, sendo mais frequente em pacientes jovens. O diabetes mellitus tipo 1A (DM1A) é uma doença au-toimune mediada por células T e caracterizada por des-truição progressiva das células β pancreáticas, como re-sultado de desencadeadores ambientais em indivíduos geneticamente suscetíveis. Por ocasião das primeiras manifestações clínicas do DM1A, estima-se que pelo me-nos 10% a 20% das células produtoras de insulina ain-da estejam viáveis. O modelo proposto por Eisenbarth1 em 1986 descreve a perda da massa de células β em seis estágios, desde o período pré-clínico assintomático de destruição autoimune das células β até a doença mani-festa com dependência de insulina exógena e peptídeo C indetectável. Entretanto, atualmente não conseguimos quantificar de maneira direta a massa de células β, de modo que a possibilidade de que a perda dessas célu-las se faça de modo contínuo e agudo como o modelo propõe, ou ocorra de modo intermitente com períodos de destruição alternados por períodos de recuperação e remissão do processo autoimune, permanece em discus-são. Assim sendo, a evolução para o DM1A manifesto pode ser heterogênea, como alguns casos clínicos suge-rem, existindo diferentes velocidades de evolução para o DM1A clínico e de massa residual de células β ao diag-nóstico da doença
· Classificação
•Diabetes melito tipo 1A (90% dos casos de diabetes melito tipo 1): imunomediado, autoanticorpos positivos
•Diabetes melito tipo 1B (10% dos casos de diabetes melito tipo 1): não imunomediado (fisiopatologia não conhecida), autoanticorpos negativos.
■Autoanticorpos
Os autoanticorpos são marcadores da autoimunidade, mas não são os diretamente implicados na patogênese da doença, apenas marcam a autoimunidade. A destruição das ilhotas ocorre mediada pelos linfócitos T e não pelos autoanticorpos. Os autoanticorpos podem se tornar negativos ao longo dos anos, de modo que um paciente com diagnóstico de diabetes melito tipo 1 há muitos anos pode ter apresentado autoanticorpos dosáveis ao diagnóstico, mas com a negativação deles ao longo dos anos. Assim, a presença de todos os autoanticorpos negativos em paciente com diabetes melito tipo 1 de longa data não indica necessariamente que se trate de diabetes melito tipo 1B.
A especificidade desses autoanticorpos é alta, porém não é de 100%. Indivíduos hígidos podem ter pelo menos um dos autoanticorpos positivos, sem nenhum significado patológico. Por esse motivo, não há sentido em dosar autoanticorpos como parte de triagem populacional, sua dosagem é apenas indicada para a população que já tem o diagnóstico de diabetes melito tipo 1, visando a avaliar a autoimunidade e o maior entendimento do mecanismo fisiopatológico da doença em cada caso.
Os principais autoanticorpos relacionados com o diabetes melito tipo 1 são:
•Anti-GAD (anticorpo antidescarboxilase do ácido glutâmico): é o autoanticorpo mais sensível (70 a 90% de sensibilidade) e tem excelente especificidade (99%). Pode estar presente também em algumas doenças neurológicas, como a ataxia cerebelar
•Anti-IAA (anticorpo anti-insulina): sensibilidade de 40 a 70%, especificidade de 99%. Sua mensuração não é recomendada após início do tratamento com o uso de insulina, pois podem se tornar positivos com o uso de insulina exógena. Este anticorpo costuma ser o primeiro a aparecer no diabetes melito tipo 1
•Anti-IA2 (anticorpo antitirosina fosfatase): sensibilidade de 50 a 70% e especificidade de 99%
•Anti-ZnTB (anticorpo antizinco): é muito sensível e específico, porém atualmente ainda é pouco utilizado na prática clínica
•Anti-ICA (anticorpo anti-ilhota): na verdade, é um conjunto de anticorpos contra todos os componentes da ilhota, incluindo o anti-GAD, o anti-IA2 e outros anticorpos contra pelo menos dois outros tipos de antígenos diferentes das ilhotas. Os anticorpos anti-ICA foram os primeiros a serem utilizados na prática clínica.
■Histologia pancreática no diabetes melito tipo 1: Portadores de diabetes melito tipo 1 apresentam na realidade destruição seletiva das células beta das ilhotas pancreáticas, e os pacientes recém-diagnosticados apresentam um padrão de lesão heterogênea, com alguns focos com grande destruição e inflamação intercalados com focos de tecido preservado.
Ao longo do tempo, este padrão inflamatório e de destruição celular progride, sendo necessário acometimento de pelo menos 90% das células beta pancreáticas para o surgimento de manifestações clínicas de diabetes melito tipo 1. Após esse período, na avaliação histológica pancreática desses pacientes passa-se a encontrar inúmeras ilhotas pancreáticas com padrão de pseudoatrofia (com ausência de células beta visualizadas), enquanto as células alfa produtoras de glucagon e demais células não produtoras de insulina permanecem intactas.
Nas ilhotas de pacientes portadores de diabetes melito tipo 1A, constatou-se a superexpressão de antígenos leucocitários humanos (HLA) da classe I, interferona-alfa (IFN-alfa) e moléculas inflamatórias com rara expressão de antígenos HLA classe II, sugerindo marcação imunológica específica dessas células.
· Epidemiologia e genética do diabetes melito tipo 1
O diabetes melito tipo 1 é geralmente uma doença decorrente de múltiplos fatores, incluindo a suscetibilidade genética (há descrição de uma série de genes associados a maior risco de diabetes melito tipo 1, cada um atuando isoladamente e aumentando gradualmente o risco de desenvolvimento da doença) e sempre associado a múltiplos fatores ambientais. Trata-se, portanto, de doença poligênica na grande maioria dos casos.
Entre os diversos genes que influenciam o desenvolvimento da doença, atualmente os identificados como de maior risco para diabetes melito tipo 1 são aqueles relacionados com HLA I e II.
■Antígenos leucócitos humanos
O locus gênico mais importante para determinação de risco de diabetes melito tipo 1 situa-se no complexo que sintetiza o complexo de histocompatibilidade principal (MHC), mais precisamente no cromossomo 6, em seu braço curto (6p21), onde se encontram os locais codificadores do HLA das classes I, II e III.
A função do HLA é a apresentação de antígenos aos linfócitos T. A presença de determinados alelos de HLA aumenta o risco de desenvolvimento de autoantígenos nas células beta, sendo os de maior risco os HLA da classe II.
O HLA II é formado por três moléculas: DR, DQ e DP. Cada molécula, por sua vez, é formada por duas cadeias, e cada cadeia é codificada por um gene diferente. Cada indivíduo herda duas moléculas DR, DQ e DP, uma de cada progenitor.
As principais moléculas que, quando mutadas, determinam risco de desenvolvimento de diabetes melito 1 são a DR e a DQ.
Os subtipos conhecidos de cada molécula são:
•DR:
oDRA: não tem variações
oDRB: polimórfico
•DQ:
oDQA: polimórfico
oDQB: polimórfico
•DP:
oDPA: polimórfico
oDPB: polimórfico.
A nomenclatura de cada variante polimórfica das moléculas DR, DQ e DP está descrita a seguir, com o exemplo DRB1*0405:
•DRB1: nome do locus gênico
•04:especificidade sorológica
•05: alelo específico.
Já o HLA I tem menor influência no risco para diabetes melito tipo 1. Este é formado pelos genes Mic-A e Mic-B e pelos genes HLA A, B e C. Os genes HLA A, B e C, por sua vez, são formados por uma cadeia de beta 2-microglobulina ligada a uma cadeia polimórfica.
As diferentes variantes polimórficas de HLA A, B e C são denominadas da mesma maneira que os HLA II, por exemplo, A*0101:
•A: nome do locus gênico
•01: especificidade sorológica
•01: alelo específico.
As diferentes combinações moleculares podem ser relacionadas epidemiologicamente com o risco de desenvolvimento de diabetes melito tipo 1.
Como as moléculas de DR, DQ, DP, A, B e C estão todas muito próximas dentro do cromossomo 6, muitas vezes elas são herdadas em bloco, chamados haplótipos. Ou seja, as combinações gênicas entre elas não são totalmente randômicas, existindo, desse modo, combinações mais prevalentes na população. Um exemplo de combinação frequente é: haplótipo A*0101, B*0801, DRB1*0301, DQA1*0501, DQB1*0201, sendo este um haplótipo associado a alto risco de diabetes melito tipo 1, provavelmente pela presença do DRB1*0301, que por si só é uma molécula mais associada à doença.
· Outros genes que conferem risco de diabetes melito tipo 1
Outros genes envolvidos no risco de diabetes melito tipo 1 são: PTPN11, CTLA4, receptor de IL-2 e interferona-alfa (INF-alfa). Além disso, já foi comprovado que quanto maior o número de repetições de nucleotídios na porção 59 do gene da insulina, menor o risco de desenvolvimento de diabetes melito tipo 1.
Mutações específicas isoladas raramente podem ser causadoras de diabetes melito tipo 1, caracterizando uma espécie da doença de origem monogênica. As duas principais são descritas a seguir:
•Gene AIRE: este gene está envolvido na apresentação de antígenos próprios ao timo, induzindo a tolerância imunológica a estes. Com a mutação deste gene, essa tolerância é comprometida, levando ao surgimento da síndrome poliglandular autoimune do tipo 1, que se caracteriza por: candidíase mucocutânea, hipoparatireoidismo, doença de Addison, diabetes melito tipo 1, além de várias outras possíveis manifestações de autoimunidade. Esta síndrome é fruto de mutação de herança autossômica recessiva, mais presente em populações específicas, como finlandeses, nascidos na Sardenha (na Itália) e judeus iranianos
•Gene FOXP3 (Scurty): causa a ativação de linfócitos que passam a invadir e destruir múltiplos órgãos. A mutação neste gene leva à síndrome conhecida como IPEX/XPID, caracterizada por poliendocrinopatia ligada ao cromossomo X associada à disfunção imune e diarreia. A maioria dos portadores falece no período neonatal ou na infância. Trata-se de uma herança recessiva ligada ao X.
■Risco de repetição de diabetes melito tipo 1 na família
Apesar do conhecido fator genético, a epidemiologia mostra que 85% dos casos da doença são esporádicos, ou seja, sem outro familiar com doença diagnosticada. Estudos mostram que apenas 15 a 20% dos pacientes com diabetes melito tipo 1 têm história familiar positiva. Isto comprova que o risco genético é presente, como demonstrado anteriormente, porém insuficiente quando isolado na maior parte dos casos.
Estudos demonstram que o risco de diabetes melito tipo 1 na população geral americana é de 0,3%. Em filhos de mãe portadora da doença, este risco se eleva para 2%, enquanto em filhos de pai portador da doença, o risco aumenta para 4,6%, e em caso de pai e mãe portadores da doença, chega a 10%.
Em casos de irmão com diabetes melito tipo 1, o risco de um novo filho do casal manifestar a doença é de 3,2%. Se os irmãos forem gêmeos dizigóticos, este risco sobe para 6% (porcentagem maior do que o irmão não gêmeo, refletindo eventualmente fatores ambientais em comum; p. ex., o ambiente gestacional). Já em casos de gêmeos monozigóticos, se um dos irmãos for portador da doença, o risco de o outro irmão desenvolvê-la chega a 50%.
Se outro parente, que não é de primeiro grau, for portador de diabetes melito tipo 1, o risco estimado de que um novo membro da família manifeste a doença é de 1% contra 0,3% da população geral, demonstrando o seu caráter genético.
Outro ponto importante é a idade em que o indivíduo se tornou diabético, e quanto mais precoce a manifestação da doença na família, maior o risco de um novo membro também se tornar.
Por fim, sabe-se que a maioria dos portadores de diabetes melito tipo 1 também desenvolve outras doenças autoimunes, como tireoidopatias, doença celíaca, anemia perniciosa, doença de Addison e vitiligo, que também têm herança autoimune e influências genéticas, sendo necessário o rastreio dessas condições nesses indivíduos.
· Fatores de risco ambientais no diabetes melito tipo 1
Cerca de 40% da população geral é portadora de alelos HLA descritos como de risco para diabetes melito tipo 1, mas não chega a desenvolver a doença, comprovando que a condição genética aumenta o risco, mas não é suficiente para o seu desenvolvimento, sendo necessária a interação com fatores ambientais propícios.
O fator ambiental pode ser exemplificado observando-se o aumento progressivo na incidência de diabetes melito tipo 1 constatada em diversos países, ao longo das últimas décadas, principalmente no Ocidente, onde esse valor quase dobrou em 20 anos. Mudanças de hábitos alimentares e de atividade física nesses ambientes aparentemente justificam esses números, uma vez que a incidência de diabetes melito tipo 1 é 15 vezes maior entre os japoneses vivendo nos EUA, quando comparada à incidência da doença entre população semelhante vivendo no Japão.
Outros fatores ambientais em estudo são:
•Infecções: rubéola congênita é uma infecção que está comprovadamente associada a um maior risco de diabetes melito tipo 1 na criança. Outras infecções em estudo com resultados controversos são: enterovírus, coxsackie, rotavírus, entre outros
•Vacinação: alguns estudos, ainda de maneira controversa, demonstraram associação de alguns tipos de vacinas com desenvolvimento de diabetes melito tipo 1
•Dieta: fatores como introdução precoce de leite bovino na dieta, menor tempo de aleitamento materno, introdução precoce de cereais e deficiência de vitamina D e de ômega-3 são estudados e podem estar associados a maior risco de diabetes melito tipo 1.
· História natural do diabetes melito tipo 1
A história natural do diabetes melito tipo 1, portanto, é uma combinação de fatores, descritos a seguir:
•Predisposição genética: pacientes com haplótipo de maior risco, como DR3DQ2 ou DR4DQ8, costumam desenvolver a doença em idade mais precoce. Outros haplótipos, ditos “de proteção”, tanto de HLA II quanto de HLA I, influenciam de maneira oposta o surgimento da doença, sendo mais tardio o seu desenvolvimento nestes casos. A presença e a quantidade de títulos de autoanticorpos também atuam como fator preditor para início mais precoce do diabetes melito tipo 1
•Progressão metabólica: a destruição de células beta ocorre de forma progressiva, com perda inicial da primeira fase de secreção da insulina e aumento das glicemias pós-prandiais. Progressivamente, a glicemia do paciente aumenta aos poucos, levando a um quadro de glicemia de jejum alterada ou intolerância à glicose. Neste momento, a dosagem do peptídio C é um marcador importante da reserva pancreática residual. Cerca de alguns meses depois, com a progressão da destruição pancreática, o quadro evolui para diabetes melito tipo 1 franco.
· Apresentação clínica
Geralmente a doença acomete crianças, adolescentes e adultos jovens. O pico da incidência ocorre na puberdade, na maior parte dos casos antes dos 35 anos. Acima desta idade pode-se considerar o diabetes autoimune latente do adulto (LADA) ou diabetes tipo 1 de início tardio, a depender do ritmo de evolução da doença.
O quadro clínico pode ser composto por poliúria, polidipsia, polifagia, perda de peso, borramento visual, hálito cetótico e infecções. Na presença de descompensação aguda ou cetoacidose, podem ainda estar presentes dor abdominal, náuseas, vômitos, desidrataçãoe alteração de nível de consciência.
· Principais alterações em exames laboratoriais
- Glicemia de jejum elevada
- Frutosamina e hemoglobina glicada aumentadas
- Elevação de triglicerídios, redução do colesterol das lipoproteínas de alta densidade (HDL-c) e baixa densidade (LDL-c) em níveis normais ou elevados (com moléculas pequenas e densas) – sendo esta a característica típica da dislipidemia diabética (ver o Capítulo 100)
- Em caso de cetoacidose diabética: hiperpotassemia, hiponatremia, acidose metabólica, insuficiência renal aguda de origem pré-renal (desidratação), conforme melhor explicado no Capítulo 119
- Sempre rastrear nos pacientes com diagnóstico de diabetes melito tipo 1:
 *Anticorpo antitireoperoxidase, anticorpo antitireoglobulina e função tireoidiana, pelo risco aumentado de tireoidopatia autoimune
*Hemograma, pelo risco aumentado para anemia perniciosa
*Anticorpo antiendomísio, anticorpo antitransglutaminase e imunoglobulina A (rastreio para doença celíaca)
*Cortisol sérico às 8 h da manhã: se houver sintomas sugestivos de insuficiência adrenal.

Continue navegando