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Síndrome dispéptica

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AMBULATÓRIO | Amanda Távora 
Dispepsia ou síndrome dispéptica é um conjunto de 
sintomas que acomete 20-40% da população e pode 
ser classificada em orgânica (associada à úlcera 
péptica ou qualquer outra patologia gastroduodenal, 
excetuando-se a gastrite) ou funcional. A dispepsia 
funcional pode vir associada à DRGE, à síndrome do 
cólon irritável e/ou à dor torácica não cardíaca. 
DEF: Distúrbio da digestão caracterizado por um 
conjunto de sintomas relacionados ao trato 
gastrointestinal superior, como dor, queimação ou 
desconforto na região superior do abdômen, que 
pode estar associado à saciedade precoce, 
empachamento pós-prandial, náuseas, vômitos, 
timpanismo, sensação de distensão abdominal, 
cujo aparecimento ou piora pode ou não estar 
relacionado à alimentação ou ao estresse 
A fisiopatologia da DF permanece desconhecida e, da 
mesma forma que em outros distúrbios funcionais, 
uma série de anormalidades fisiológicas e 
psicológicas tem sido identificada, embora sua real 
importância seja controversa. 
Vários fatores etiológicos são considerados como 
hipersecreção ácida, alterações da motilidade 
gastroduodenal, da sensibilidade visceral, da 
acomodação gástrica, fatores psicossociais, além de 
gastrite associada ao Helicobacter pylori. Importante 
salientar que, em alguns pacientes, vários desses 
fatores etiopatogênicos podem estar presentes e, 
atualmente, acredita-se que uma combinação de 
fatores fisiológicos e psicossociais seja responsável 
pelo quadro clínico. Tabagismo, etilismo e uso de 
anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) não são 
considerados fatores de risco de DF. Contudo, os 
pacientes portadores de DF apresentam maior 
probabilidade de desenvolver sintomas quando 
tratados com AINEs. 
 Alguns novos mecanismos fisiopatológicos têm 
sido propostos, como dispepsia pós-infecciosa 
(sintomas surgem após episódio de gastrenterite, 
particularmente depois de surtos de salmonelose), 
presença de inflamação crônica no duodeno 
(infiltração eosinofílica) e fatores genéticos. O gene 
GN beta-3 tem sido associado com frequência à DF e 
este é um caminho promissor para o entendimento 
da síndrome. 
Dieta 
 Muitos pacientes com DF relatam que 
determinados alimentos, especialmente os 
gordurosos, as frutas cítricas, os condimentos, o café 
e o álcool, promovem o aparecimento de seus 
sintomas, porém existem poucas evidências de que 
esses alimentos possam sempre originar os sintomas 
dispépticos. Um estudo envolvendo 12 pacientes 
cuja sintomatologia dispéptica era diretamente 
relacionada com a ingestão de alimentos gordurosos 
foi incapaz de reproduzir sintomas semelhantes ao 
serem oferecidos os mesmos alimentos, mas de 
forma disfarçada e não identificada. 
 Nos casos mais refratários, é importante avaliar a 
possibilidade de intolerância à lactose e ao glúten 
(doença celíaca ou apenas hipersensibilidade ao 
glúten), especialmente em pacientes com 
sintomatologia agravada pela alimentação. 
Secreção gástrica de ácido 
 Tem sido demonstrada a inexistência de relação 
causal primária entre a secreção gástrica de ácido e 
a DF. Tanto a secreção basal de ácido quanto a 
secreção máxima de ácido pelo estômago são 
normais nos dispépticos, quando comparados com 
indivíduos assintomáticos, não havendo evidências 
de que haja um subgrupo de hipersecretores. Vários 
estudos, no entanto, sugerem que alguns 
dispépticos funcionais possam ter uma sensibilidade 
exagerada a infusões intragástricas de ácido, 
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enquanto, em outros, a injeção de pentagastrina se 
associa à maior frequência de episódios dolorosos. 
Além disso, ensaios terapêuticos controlados 
sugerem que alguns pacientes melhoram com 
antiácidos e/ou antissecretores. 
Motilidade gastroduodenal 
 Existem inúmeras evidências de que a motilidade 
gastrintestinal é anormal em uma grande parcela de 
pacientes com DF. Malagelada e Stanghellini 
encontraram distúrbios de motilidade em 72% dos 
pacientes dispépticos estudados, e mais da metade 
destes pacientes apresentavam dismotilidade 
gástrica isolada; em aproximadamente 40%, 
observaram-se alterações gástricas e intestinais 
associadas. 
 A contribuição de anormalidades motoras na 
geração de sintomas, no entanto, não é 
completamente estabelecida. Distúrbio motor 
(tipicamente retardo) do esvaziamento gástrico de 
sólidos é a alteração motora mais estudada na 
dispepsia. Para responsabilizar as alterações 
motoras pela sintomatologia dispéptica, seria 
necessária, no entanto, a observação temporal 
direta, ou seja, a ocorrência simultânea do distúrbio 
motor e do sintoma, o que raramente é observado. 
Além disso, é também discutível o fato de a 
dismotilidade ser constante e os sintomas 
intermitentes. A importância clínica desses achados 
é, dessa forma, muito controvertida, e a presença de 
sintomas sugestivos de dispepsia tipo dismotilidade 
não indica, com segurança, que esses pacientes 
tenham dismotilidade gastroduodenal e que possam 
beneficiar-se com drogas procinéticas. 
 Gastrite crônica e Helicobacter pylori 
 O papel da infecção pelo H. pylori em pacientes com 
DF permanece controvertido, mas os resultados de 
metanálises recentes sugerem um pequeno 
benefício com a erradicação da bactéria em 
pacientes infeccionados. 
 Embora o microrganismo seja encontrado em cerca 
de 50% dos pacientes portadores de dispepsia 
funcional, tal prevalência não é significativamente 
superior àquela observada em grupos-controles 
adequadamente pareados. Alguns estudos 
demonstram que esta infecção é mais prevalente 
entre os dispépticos tipo úlcera do que entre aqueles 
com dispepsia tipo dismotilidade ou inespecífica, 
sugerindo a possibilidade de que existam 
mecanismos fisiológicos distintos e que o H. pylori 
possa ter importância na patogenia de subgrupos de 
dispépticos funcionais. 
 A erradicação do H. pylori acompanha-se quase 
sempre de normalização histológica da mucosa 
gástrica, mas o efeito sobre a sintomatologia 
dispéptica é, no mínimo, muito controvertido. 
 QUADRO CLÍNICO 
 Dispepsia ou síndrome dispéptica é um conjunto de 
sintomas que acomete 20-40% da população e pode 
ser classificada em orgânica (associada à úlcera 
péptica ou qualquer outra patologia gastroduodenal, 
excetuando-se a gastrite) ou funcional. A dispepsia 
funcional pode vir associada à DRGE, à síndrome do 
cólon irritável e/ou à dor torácica não cardíaca. 
 Os sintomas da dispepsia são: epigastralgia (“tipo 
úlcera”), desconforto epigástrico, náuseas, vômitos, 
saciedade precoce, plenitude pós-prandial, 
distensão abdominal e eructações. 
Os sintomas da dispepsia são: epigastralgia (“tipo 
úlcera”), desconforto epigástrico, náuseas, vômitos, 
saciedade precoce, plenitude pós-prandial, 
distensão abdominal e eructações. Tais sintomas 
podem ser agrupados em três padrões clínicos de 
dispepsia: 
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Dispepsia “tipo úlcera”: predomina a dor 
epigástrica, frequentemente aliviada por antiácidos, 
bloqueadores H2 ou alimento, eventualmente 
despertando o paciente à noite. Tem caráter 
periódico (períodos dolorosos de semanas a meses, 
intercalados com remissões de, no mínimo, duas 
semanas). 
Dispepsia “tipo dismotilidade”: predomina o 
desconforto abdominal, além de saciedade precoce, 
náusea, peso epigástrico pós-prandial, vômito, 
sensação de gases no abdome sem distensão 
abdominal. 
Dispepsia “tipo inespecífica”: sintomas vagos e 
inespecíficos que não se enquadram nos dois tipos 
anteriores. 
O aparecimento da dispepsia ou sintomas 
dispépticos pode estar associado a vários distúrbios 
do trato gastrointestinal superior, como, por 
exemplo, doença ulcerosa péptica, doença dorefluxo gastrointestinal, gastrites, neoplasias do 
trato gastrointestinal superior, doença do trato biliar 
e dispepsia funcional. Dispepsia funcional ou 
dispepsia não ulcerosa ou síndrome dispéptica é 
uma desordem heterogênea caracterizada por 
períodos de abrandamentos e exacerbações, e seu 
diagnóstico é em geral empregado quando, em uma 
avaliação completa em um paciente que apresenta 
dispepsia, não se consegue identificar a causa para 
os seus sintomas. O mecanismo fisiopatológico ainda 
é desconhecido e o tratamento ainda não 
totalmente estabelecido 
DIAGNÓSTICO: 
Para o diagnóstico de dispepsia não ulcerosa, ou 
dispepsia funcional, são necessárias pelo menos 12 
semanas de sintomatologia, não necessariamente 
consecutivas. Diversos estudos foram e estão sendo 
conduzidos para descobrir a patogênese da 
dispepsia não ulcerosa, contudo, existem mais 
dúvidas do que certezas. Atribuir os sintomas a 
determinados alimentos ou ao aumento da secreção 
gástrica de ácido clorídrico não parece ter respaldo 
nas observações de trabalhos controlados. 
 
Apesar de os mecanismos fisiopatológicos não 
estarem totalmente esclarecidos, diferenças 
relacionadas ao gênero foram observadas em vários 
estudos. Algumas investigações mostraram que há 
uma diferença na esfera psicossocial das mulheres 
com dispepsia, tanto relacionadas à sensação de 
bem-estar como com associação à história de abuso 
na infância ou adolescência quando comparados 
com homens com sintomas de dispepsia funcional. 
Diferenças relacionadas ao gênero também foram 
observadas em alguns estudos tanto de prevalência 
dos sintomas como em função motora proximal e 
esvaziamento gástrico anormal na dispepsia 
funcional.1-6 O efeito do gênero no mecanismo da 
dispepsia funcional, na apresentação dos sintomas e 
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na resposta ao tratamento é uma área de crescente 
interesse e de vários estudos. Portanto, apesar de os 
mecanismos fisiopatológicos e a causa não estarem 
totalmente esclarecidos, parece haver algumas 
características específicas relacionadas ao gênero na 
dispepsia funcional.1-6 Esvaziamento gástrico lento 
ou gastroparesia primária ou idiopática é uma 
condição em que ocorre um retardo no 
esvaziamento gástrico na ausência de obstrução 
mecânica. Esta condição pode ocorrer em até 30% 
dos pacientes com diagnóstico de dispepsia 
funcional e pode contribuir para os sintomas. 
Alterações motoras no estômago são encontradas 
em 20-60% dos pacientes com dispepsia funcional, 
não se sabendo, contudo, a relação entre elas e os 
sintomas. As mais encontradas são: hipomotilidade 
antral, relaxamento fúndico inadequado, diminuição 
do número de complexos motores migratórios, 
hipermotilidade intestinal pós-prandial. O achado 
mais consistente nesses pacientes é a 
hipersensibilidade visceral, revelada pela distensão 
de um balão no interior do estômago. Os pacientes 
com dispepsia funcional apresentam maior 
sintomatologia com uma menor distensão, quando 
comparados ao grupo controle. Fatores psicossociais 
provavelmente possuem importante influência 
nesta alteração, regulando a integração neuronal ao 
longo do eixo cérebro-tubo digestivo. 
Embora cerca de 60% dos pacientes apresente 
gastrite crônica pelo H. pylori, esta cifra é 
semelhante à da população assintomática. Existe 
certa controvérsia a respeito da indicação de 
erradicação do H. pylori somente pela presença de 
dispepsia funcional, mas a maioria das referências 
atualmente recomenda o tratamento 
antimicrobiano neste contexto... 
Apesar de as drogas pró-cinéticas melhorarem a 
função motora, não há relação entre a alteração na 
função motora e a melhora dos sintomas na 
dispepsia funcional.7-9 Outros possíveis 
mecanismos fisiopatológicos sugerem distúrbios na 
acomodação gástrica ou relaxamento receptivo, 
hipersensibilidade à distensão gástrica, sensibilidade 
duodenal alterada a lipídios ou ácidos, motilidade 
duodenojenunal anormal, suscetibilidade familiar, 
alterações da função neuro-hormonal, disfunção 
autonômica, hipersensibilidade visceral a ácido ou 
distensão mecânica, infecção por Helicobacter 
pylori, infecções do trato gastrointestinal, co-
morbidade psicossocial e estresse.1-15 H. pylori é 
uma bactéria espiralada Gram-negativa que pode 
estar presente no muco que cobre a superfície do 
estômago identificada por dois pesquisadores 
australianos em 1983, Warren e Marshall, 
ganhadores do prêmio Nobel de Medicina em 2005, 
por demonstrar que esta bactéria poderia ser a causa 
da doença ulcerosa péptica gastroduodenal.16 A 
confirmação da infecção do trato gastrointestinal 
por H. pylori pode ser dada pela pesquisa direta da 
bactéria no material coletado por endoscopia 
digestiva alta (histoquímica, cultura e reação em 
cadeia de polimerase) e por um teste indireto (teste 
rápido da urease), e também por testes que não 
exigem a endoscopia digestiva alta, que são o teste 
respiratório usando ureia marcada com isótopos C13 
ou C14 e a pesquisa de anticorpos no sangue 
O papel da infecção do trato gastrointestinal por H. 
pylori na fisiopatologia dos sintomas na dispepsia 
funcional ainda não está bem esclarecido. Apesar de 
controverso, alguns autores têm recomendado 
prescrever medicamentos para a erradicação do H. 
pylori em pacientes com dispepsia mesmo na 
ausência de sintomas de alarme.14,15,22 Apesar de 
vários estudos epidemiológicos sugerirem uma 
incidência aumentada de infecção por H. pylori em 
países subdesenvolvidos, parece não haver 
nenhuma diferença estatística da melhora dos 
sintomas dispépticos após a erradicação H. pylori em 
pacientes com dispepsia funcional.23 Embora 
nenhum tratamento específico tenha sido 
estabelecido para tratar os sintomas da dispepsia 
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funcional, vários medicamentos com o objetivo de 
aliviar os sintomas têm sido empregados como, por 
exemplo, drogas que inibem a secreção ácida, drogas 
pró-cinéticas, antibióticos indicados para a 
erradicação de H. pylori e antidepressivos, 
associados ou não. 
TRATAMENTO 
O tratamento da dispepsia funcional representa um 
dos maiores desafios dentro da gastroenterologia... 
Uma boa relação médico-paciente continua sendo 
determinante e fundamental no tratamento dos 
transtornos funcionais. 
A primeira conduta é tranquilizar o paciente quanto 
ao caráter benigno de seu quadro, sem desmerecer 
seus sintomas. Quanto à dieta, devemos respeitar as 
intolerâncias específicas de cada paciente. A 
saciedade precoce pode ser aliviada com o 
fracionamento das refeições e a plenitude pós-
prandial, evitando-se alimentos gordurosos e 
condimentos. 
A psicoterapia tem bons resultados em um subgrupo 
de pacientes, especialmente quando os fatores 
emocionais parecem predominar. 
O tratamento farmacológico em geral é pouco eficaz 
quando comparado ao placebo! Vale ressaltar que o 
placebo pode melhorar transitoriamente 30-60% dos 
pacientes, mostrando a necessidade de se 
prescrever algum medicamento para eles... Como já 
enfatizamos, se o H. pylori estiver presente 
recomenda-se instituir o tratamento de erradicação 
da bactéria. Para os pacientes com dispepsia “tipo 
úlcera”, os bloqueadores H2 e os IBP se mostraram 
20% superiores ao placebo, devendo ser prescritos 
por 1-2 meses. A domperidona (Motilium) 10 mg 
12/12h tem sido o procinético mais recomendado na 
dispepsia “tipo dismotilidade”, por apresentar 
vantagens de menor toxicidade em relação à 
metoclopramida e à cisaprida. Os antidepressivos 
tricíclicos (amitriptilina, imipramina) e a fluoxetina, 
em baixas doses, mostraram eficácia em alguns 
estudos. 
 A maneira mais apropriada de tratar o paciente é 
através de uma abordagem ampla e global, tentando 
identificar fatores desencadeantes ou agravantes da 
sintomatologia, inerentes a cada paciente. 
 Uma boa relação médico-paciente continua sendofundamental. É necessário que os pacientes sejam 
esclarecidos de que seus sintomas são decorrentes 
de distúrbios funcionais e não caracterizam 
nenhuma doença grave ou risco de vida, 
assegurando-lhes que o problema será tratado de 
forma interessada e racional. 
 Muitos pacientes obtêm melhora com simples 
mudanças em seu estilo de vida e adoção de hábitos 
salutares em seu cotidiano como a dieta mais 
saudável, atividade física regular e exercícios de 
relaxamento. Devemos sempre recomendar hábitos 
dietéticos saudáveis (comer devagar, mais vezes/dia, 
menor quantidade), evitando-se alimentos 
gordurosos, condimentados, ácidos, café, cigarro e 
álcool em excesso. O empachamento pós-prandial 
em geral melhora com a retirada de alimentos 
gordurosos da dieta, enquanto a saciedade precoce 
pode ser aliviada com o fracionamento das refeições. 
 A utilização de medicamentos está indicada para as 
fases sintomáticas, cuja duração é variável, 
esperando-se pelos períodos de melhora clínica em 
que deverão ser suspensos. O tratamento 
medicamentoso preconizado visa a aliviar o sintoma 
predominante. 
 Os fatores emocionais devem ser abordados em 
todos os grupos de pacientes, através de uma 
conversa franca e aberta, tentando também 
esclarecer ao paciente a provável associação de seus 
sintomas com distúrbios emocionais. Muitas vezes, 
está indicada a psicoterapia, ou outras técnicas que 
objetivem a redução do estresse, sendo observada 
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excelente resposta em alguns subgrupos de 
pacientes. 
 
-Terapêutica atual 
 O tratamento medicamentoso disponível visa 
principalmente a aliviar o sintoma predominante, e 
a estratégia terapêutica vai depender basicamente 
da natureza e intensidade da sintomatologia, do grau 
do comprometimento funcional e dos fatores 
psicossociais envolvidos. 
 Inúmeros estudos demonstraram que a melhora 
clínica, durante e após o tratamento medicamentoso 
tradicional, ocorre em menos de 60% dos 
dispépticos, e em geral não se observa resposta 
uniforme a essa terapêutica. Sabemos que a DF é 
uma síndrome heterogênea e é frequente o relato 
concomitante de pirose ou sintomas gastrintestinais 
baixos, o que dificulta ainda mais a real 
interpretação dos resultados terapêuticos. 
 Deve-se lembrar que a resposta ao placebo é, em 
geral, muito alta. Estudos controlados e duplo-cegos 
demonstram que o placebo é capaz de promover 
melhora dos sintomas em um grande número de 
pacientes (25 a 60%), indicando que a terapêutica 
com drogas nem sempre é necessária. 
 Para o tratamento clássico da DF, podem ser 
utilizados diversos medicamentos, destacando-se, 
entre eles, antiácidos, drogas antissecretoras, 
procinéticos, antibióticos para erradicação do H. 
pylori, ansiolíticos e antidepressivos. 
 
 
 
 Os antissecretores são drogas seguras e se 
constituem em medicação de primeira linha para os 
pacientes com síndrome da dor epigástrica. Tanto os 
bloqueadores H2 como os inibidores da bomba de 
prótons são amplamente prescritos e recomendados 
como terapêutica de primeira linha. Recente 
metanálise sugere que os inibidores da bomba de 
prótons devem ser os escolhidos, pois se mostram 
mais eficazes no alívio da dor ou queimação 
epigástrica. Devem ser utilizados na dose padrão, 1 
vez/dia. Tem sido demonstrado que a prescrição de 
doses mais elevadas não melhora a resposta 
terapêutica nos pacientes com DF. 
 Os procinéticos se mostram superiores ao placebo 
em vários ensaios clínicos, estando indicados em 
especial para os pacientes portadores da síndrome 
do desconforto pós-prandial. Esses medicamentos 
(metoclopramida, domperidona, bromoprida, 
cisaprida, neostigmina, ondasetron e tegaserode, 
além dos motilíneos derivados da eritromicina) são 
potencialmente capazes de melhorar vários 
parâmetros da motilidade gastroduodenal ao 
aumentar o tônus gástrico, a motilidade antral e, 
sobretudo, a coordenação antroduodenal, além de 
alguns deles serem capazes também de relaxar o 
fundo gástrico. 
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 A melhora dos sintomas com o emprego dessas 
drogas tem sido de 20 até 45 pontos percentuais 
maiores que na do placebo, e os procinéticos devem 
ser indicados, de maneira especial, para pacientes 
com sintomas de empachamento pós-prandial. 
Entretanto, Moayyedi et al., em um estudo de 
metanálise, observaram inúmeras falhas 
metodológicas ao avaliar 19 ensaios clínicos que 
utilizaram procinéticos na DF, o que dificulta 
conclusões sobre a real eficácia dessas drogas no 
alívio dos sintomas dispépticos. 
 A decisão de erradicar o H. pylori em pacientes 
dispépticos funcionais deve sempre levar em 
consideração o custo/benefício dessa opção 
terapêutica. Em se optando pela erradicação, o 
esquema terapêutico mais utilizado continua sendo 
IBP na dose-padrão, claritromicina (500 mg) e 
amoxicilina (1 g) antes do café da manhã e antes do 
jantar, durante 7 dias. 
 Resultados bastante promissores têm sido obtidos 
com o emprego de antidepressivos tricíclicos 
(amitriptilina, desipramina e imipramina) e daqueles 
que atuam predominantemente na inibição da 
captação de serotonina dos neurotransmissores 
(fluoxetina, paroxetina, sertralina e citalopram). 
Esses medicamentos têm sido utilizados por 
apresentarem ação analgésica central, sendo 
capazes de bloquear a transmissão da dor do trato 
digestivo para o cérebro. Em recente estudo, a 
venlafexina, no entanto, não se mostrou mais efetiva 
do que o placebo nesses pacientes. 
 A insatisfação com a limitada resposta às terapias 
convencionais utilizadas para o tratamento da DF 
tem estimulado, nos últimos anos, pacientes e 
médicos a buscarem terapias não convencionais que 
possam ser mais eficazes do que aquelas 
tradicionalmente utilizadas. O tratamento 
psicológico (hipnose, psicoterapia e terapia cognitiva 
comportamental) e/ou as terapias alternativas 
(ervas chinesas, japonesas e indianas, acupuntura e 
probióticos) devem ser considerados para pacientes 
com sintomas mais graves, para os que não 
respondem ao tratamento farmacológico e para 
aqueles com doenças psiquiátricas associadas. A 
escola de Manchester, na Inglaterra, tem relatado 
resultados animadores com hipnose no tratamento 
da DF. 
 É necessário ressaltar que a maioria dos estudos 
realizados empregando esse tipo de intervenção 
terapêutica não foi randomizada, controlada com 
placebo e, nem tampouco, apresenta desenho 
metodológico adequado, o que dificulta qualquer 
conclusão sobre a possível eficácia desse tratamento 
na dispepsia funcional. O gastrenterologista deve, no 
entanto, sempre incentivar a prática de atividades 
ou técnicas que envolvam relaxamento físico e 
mental, como ginástica, ioga ou caminhadas, 
respeitando obviamente as preferências de cada 
paciente. 
-Terapias futuras 
 Os novos conhecimentos fisiopatológicos têm 
propiciado o direcionamento das pesquisas na busca 
de novos fármacos capazes de atuar sobre a 
motilidade do TGI (exercendo um efeito procinético) 
e/ou sobre a hipersensibilidade visceral (reduzindo o 
limiar de sensibilidade), resultando teoricamente em 
melhora global dos sintomas. É nítida, entretanto, a 
lacuna ainda existente entre a pesquisa básica e a 
prática médica constatada pela escassez de novos 
fármacos liberados para comercialização. 
 Atualmente, as principais drogas em investigação 
são os novos procinéticos, agentes serotoninérgicos, 
receptores opioides e analgésicos viscerais. Dentre 
os procinéticos, estudos promissores empregando 
mosaprida ou tegaserode demonstraram 
normalização do esvaziamento gástrico nos 
pacientes com DF. Metanálise publicada 
recentemente sugere que a mosapridaé superior à 
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cisaprida no tratamento da DF. Outras drogas como 
o itopride e a levosulpirida mostraram eficácia 
similar à de procinéticos tradicionais em pacientes 
com dispepsia tipo dismotilidade. A fedotozina, 
droga que atua nos receptores káppa opioides, foi 
testada em um estudo multicêntrico preliminar e se 
mostrou superior ao placebo no alívio dos sintomas 
dispépticos. Outro agonista káppa opioide, a 
asimadolina, demonstrou ser eficaz em reduzir a 
plenitude pós-prandial e a saciedade precoce em 
voluntários saudáveis, mas estes achados não foram 
reproduzidos em pacientes com DF após 8 semanas 
de acompanhamento. 
 Uma excelente revisão sobre novos procinéticos foi 
publicada recentemente e trouxe grande otimismo 
quanto à disponibilização de novas drogas capazes 
de atuar tanto na motilidade digestiva como no 
relaxamento do fundo gástrico. Entre essas drogas, a 
acotiamida, os derivados da motilina e da grelina 
têm se mostrado eficazes em ensaios iniciais e 
poderão se constituir, em breve, uma nova classe de 
procinéticos. 
 Novos medicamentos serotoninérgicos também 
estão sendo testados. O alosetron demonstrou ser 
superior ao placebo (54% vs. 43%) no alívio dos 
sintomas em mulheres portadoras de DF. 
 Outras promissoras drogas são as que atuam nos 
receptores do sistema nervoso aferente como os 
antagonistas purinoceptores e antagonistas dos 
receptores N-metil-D-aspartato (dextrometorfan, 
cetamina e memantina) potencialmente capazes de 
reduzir a dor visceral em resposta à distensão em 
animais de experimentação. Receptores capazes de 
modular a mucosa gastroduodenal e a função do 
músculo liso, como a capsaicina, que é um potente 
agonista, apresentam grande potencial terapêutico. 
Outras substâncias estão sendo avaliadas em vários 
centros de investigação como os receptores do canal 
de sódio, os antagonistas da colecistocinina 
(loxiglumide, dexloxiglumide), os antagonistas NK1 e 
NK3 e os receptores da somatostatina (estudos 
iniciais demonstram que o octreotídio é capaz de 
reduzir a sensação de plenitude gástrica em 
voluntários sadios). Também estão em 
desenvolvimento drogas capazes de prevenir a 
sensibilização central, como os antagonistas do 
receptor 1 PGA-2 (EP-1). Estudo duplo-cego, 
randomizado e controlado demonstrou significativa 
superioridade do citrato de tandospirona (agonista 
5-HT1A) sobre o placebo no alívio dos sintomas em 
pacientes dispépticos funcionais.

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