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TEORIA GERAL DO PROCESSO Renata Barros Prieto Noções básicas de Direito processual Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Identificar a diferença entre processo e procedimento. Reconhecer a existência de uma falsa dicotomia entre o Direito pro- cessual e o Direito material. Compreender o sistema da unidade processual diante da aplicação da lei processual no tempo. Introdução Neste capítulo, você vai estudar a forma como o Estado busca a solução dos conflitos que a vida em sociedade acarreta. Para isso, ele se utiliza do processo, meio pelo qual interfere na lide e aplica a lei de acordo com o caso concreto. Você deverá perceber a diferença entre processo e procedimento no ramo do Direito processual e por que existe uma suposta divisão entre o Direito processual e o Direito material. Além disso, verá que, diante da questão de aplicação da lei processual no tempo, em decorrência da vigência de lei nova, haverá alguns sistemas que buscam regular essa aplicação, entre os quais está o sistema da unidade processual. Processo e procedimento A história tem demonstrado que sempre houve confl itos na vida em sociedade, na qual vivem pessoas diferentes, com necessidades diferentes, e há confl itos, sejam eles entre particulares ou entre particular e Estado. Esses conflitos envolvem bens muito importantes para a vida humana: a propriedade, a moral, a liberdade, a segurança e as relações de parentesco. Nessas situações, o Estado interfere no conflito para aplicar a vontade da lei C01_Nocoes_basicas_direito_processual.indd 1 19/06/2018 17:39:20 de acordo com o caso concreto, e para efetivar o Direito, ele se utiliza de um processo (BARROSO, 2007). Processo é um meio de obter a solução para os conflitos e obter a pacificação social. Por meio dele, a parte prejudicada busca uma efetivação para seu direito, surgindo, dessa forma, o Direito processual. O Direito processual é um ramo de Direito público que busca a “[...] re- gulamentação da atividade jurisdicional do Estado e da relação jurídica que se desenvolve, por meio do processo, entre as partes, seus procuradores e os agentes do Poder Judiciário” (BARROSO, 2007, p. 2). Processo do latim procedere significa seguir em frente, o que, por certo tempo, chegou a ser confundido com procedimento, que seria apenas a simples sucessão de atos ou aquele que dá exterioridade ao processo. Segundo Cintra, Grinover e Dinamarco (2009, p. 297), o processo pode ser observado pelos “[...] aspectos dos atos que lhe dão corpo e das relações entre eles e igualmente pelo aspecto das relações entre os seus sujeitos”. O processo é indispensável à função jurisdicional que é exercida, a fim de eliminar os conflitos e fazer justiça mediante a atuação concreta da vontade da lei, portanto, é uma relação jurídica mantida entre juiz e as partes litigantes em busca de uma solução jurídica para o conflito. É por meio do processo que a jurisdição se positiva. Compõem-se de atos dos órgãos jurisdicionais e atos dos sujeitos ativo e passivo e são classificados em três tipos: processo de conhecimento, processo de execução e processo cautelar ou preventivo. O processo de conhecimento é a fase em que o juiz toma conhecimento da lide. Ele ouve as alegações das partes para ficar a par do conflito e, logo após, abre-se a fase de instrução, na qual o juiz analisa as provas apresentadas pelas partes e, ao final, após refletir sobre o caso, prolata a sentença. Nela, o juiz manifesta quem tem a razão perante o conflito. Após, inicia-se a possi- bilidade de apresentar recursos, caso uma das partes esteja inconformada e não concorde com o resultado. Logo, vem a fase de cumprimento de sentença, em que a parte deverá cumpri-la. No processo cautelar, temos uma matéria de urgência, dessa forma, alguma solução urgente precisa ser tomada, sob risco de se perder o Direito material. No entanto, isto só será possível se o juiz verificar que há fumus boni iuris periculum in mora. No processo de execução, apenas se cumpre um direito já declarado ante- riormente, pois ele visa à satisfação de uma obrigação expressa determinada pelo juiz, em título produzido no processo de conhecimento ou em negócio jurídico documentado. Já o procedimento é o meio extrínseco pelo qual o processo se desenvolve. O processo se caracteriza por sua finalidade de exercício do poder, enquanto Noções básicas de Direito processual2 C01_Nocoes_basicas_direito_processual.indd 2 19/06/2018 17:39:21 o procedimento é apenas a coordenação de atos que se sucedem, sendo um aspecto formal do processo. A forma como o processo acontece “[...] é o meio pelo qual a lei estampa os atos e fórmulas da ordem legal do processo” (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2009, p. 297). Portanto, procedimento nada mais é do que a forma como os atos proces- suais são ordenados. Existem dois tipos de procedimento: o procedimento comum e o procedimento especial. O procedimento comum é dividido em ordinário, sumário e sumaríssimo, enquanto o procedimento especial se divide em jurisdição contenciosa e voluntária. O procedimento comum será aplicado em todos os casos em que a lei não dispor de uma forma específica para o caso e tem quatro fases: postulatória, saneatória, instrutória e decisória. O procedimento especial, no entanto, é destinado aos processos que envolvem casos que devem seguir um rito espe- cial, os quais estão previstos no CPC e em leis esparsas, como, por exemplo, ações de família, ação monitória, ação de dissolução parcial de sociedade, etc. Cintra, Grinover e Dinamarco (2009) lembram que, terminologicamente, é muito comum confundir processo, procedimento e autos, pois, embora estejam interligados, não são a mesma coisa. Na realidade, em um procedimento, podem existir vários processos, como ocorre no caso da reunião de processos, assim como pode haver dois procedimentos em um único processo. O procedimento é apenas o aspecto formal do processo, o qual pode ter mais de um procedimento, como, por exemplo, procedimentos em primeiro e segundo grau. Direito processual e Direito material O Direito processual regulamenta a atividade jurisdicional do estado por in- termédio do processo, entre as partes, seus procuradores e os agentes do Poder Judiciário, na busca de aplicar o Direito ao caso concreto e pôr fi m aos confl itos da vida em sociedade. O Direito processual é um ramo do Direito público, tem autonomia legislativa e se propõe ao estudo das regras que norteiam o ordenamento jurídico e a atividade do Estado na busca pela solução das lides. Essa autonomia decorre do fato de o Direito processual gozar de instrumentos normativos próprios e independentes do Direito material (BARROSO, 2007). O Direito material e o Direito processual foram separados pelo legislador e codificados separadamente. Para o Direito material, por exemplo, temos o Código Civil e o Código Penal e para o Direito processual temos o Código de Processo Penal (CPP) e o CPC. Entretanto, alguns códigos ou instrumentos normativos misturam uma parte versa sobre Direito material e outra sobre o 3Noções básicas de Direito processual C01_Nocoes_basicas_direito_processual.indd 3 19/06/2018 17:39:21 processual, é o caso do Código de Defesa do Consumidor (CDC), da Conso- lidação das Leis de Trabalho e da Lei de Locações. Antigamente, os processos eram unicamente orais, o que os tornava mais ágeis, mas também trazia maior insegurança. Com o decorrer do tempo, surgiu o modelo de processo que temos hoje, em que uma parte é escrita e outra é feita por meio de diálogos entre as partes e o juiz na audiência. Esse modelo é muito mais eficiente e seguro. O Direito material também foi evoluindo conforme as circunstâncias históricas e passou a prever os direitos e deveres de acordo com as constituições e as leis infraconstitucionais. Quando um sujeito se encontra diante de uma situação em que um direito seu foi violado,ele deve informar o Estado. Nesse momento, inicia-se a união do Direito processual e do Direito material. Basicamente, o Direito processual nos dita como o processo vai funcionar, mostrando qual parte será responsável pelo julgamento, quais provas poderão ser apresentadas, os prazos para cada ato e as etapas do processo, ao passo que o Direito material menciona o bem jurídico que é protegido pela lei e, consequentemente, violado. Ele está previsto na ordem jurídica e, com base nisso, o advogado pode pleitear a defesa da parte lesada. Então, o Direito material se manifesta no momento em que nos entrega algum direito, ou nos retira algum (que já tínhamos), ou modifica um direito (que também já tínhamos). O Direito processual surge para fazer valer esses direitos e não prejudicar a pessoa sobre a qual corresponde a obrigação. Perceba que o Direito processual só poderá intervir quando o Direito material deixar de ser observado espontaneamente, sendo, portanto, o Direito material essencial para a existência do Direito processual. Portanto, Direito processual é o “[...] complexo de normas e princípios que regem tal método de trabalho, ou seja, o exercício conjugado da jurisdição pelo Estado-juiz, da ação pelo demandante e da defesa pelo demandado” (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2009, p. 46). Ele se caracteriza pelo fato de regular a atividade jurisdicional do Estado, aplicando o Direito material. Assim, as normas processuais são responsáveis pela atividade jurisdi- cional: os atos processuais, os recursos, as espécies de processo, os deveres e as prerrogativas das partes, a função dos magistrados, etc., enquanto o Direito material é o “[...] corpo de normas que disciplinam as relações jurídicas referentes a bens e utilidades da vida (direito civil, penal, admi- nistrativo, comercial, tributário, trabalhista, etc.)” (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2009, p. 46). O que os diferencia é que o Direito processual cuida das relações processuais e da posição dos sujeitos no processo e na forma de proceder aos atos deste, Noções básicas de Direito processual4 C01_Nocoes_basicas_direito_processual.indd 4 19/06/2018 17:39:21 deixando de fora peculiaridades quanto ao bem da vida, o que entraria no âmbito do Direito substancial (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2009). Ele é um instrumento de aplicação do Direito material ao caso concreto e é por isso que se fala em uma falsa dicotomia entre o Direito processual e o Direito material, uma vez que o Direito processual não encontra fim em si mesmo, pois se caracteriza apenas como um meio para a aplicação do Direito material. Sua finalidade é a realização do Direito material, e se assim não fosse, para o exercício desse fim, perderia sua razão de existir. O que vemos aqui é uma dependência recíproca, pois um não poderia existir sem o outro, e o fundamento principal do processo é assegurar o que é prometido pelo Direito material. Norma processual no tempo A lei processual em vigor tem efeito imediato e geral, deve respeitar o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada conforme menciona o art. 6º da Lei de Introdução às normas do Direito brasileiro e o art. 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal. Considerando a sucessão de leis no tempo sobre situações idênticas, surge o problema de definir qual lei deve regulamentar determinada situação. Uma coisa é certa, a nova lei não pode incidir nos processos que já chegaram ao fim, em virtude da proteção da coisa julgada, do ato jurídico perfeito e do direito adquirido. Além disso, os novos processos que vierem a ser iniciados estarão sobre a vigência da nova lei. Mas e os processos que estão em andamento? No momento em que falamos de aplicação da lei processual no tempo em virtude da vigência de lei nova, em relação aos processos em curso, surgem três sistemas que buscam regular essa aplicação, conforme sustentam os processualistas Cintra, Grinover e Dinamarco (2009): a) Unidade processual: nesse sistema, uma única lei deve reger o processo inteiro. Se iniciou com uma lei, deverá terminar com a mesma. b) Fases processuais: nesse sistema, consideram-se as fases processuais como autônomas – postulatória, ordinatória, instrutória, decisória e recursal –, ou seja, cada uma dessas fases poderia ser regida por uma lei diferente. Assim, a lei velha seria utilizada até o final da respectiva fase. c) Isolamento dos atos processuais: nesse sistema, cada ato é regido por uma lei, ou atos já praticados sob a lei velha se mantêm, entretanto, 5Noções básicas de Direito processual C01_Nocoes_basicas_direito_processual.indd 5 19/06/2018 17:39:21 a nova lei tem aplicação imediata, passando a regulamentar os atos futuros. Esse sistema foi adotado pelo nosso ordenamento jurídico, no entanto, conta com algumas exceções. Pelo sistema da unidade processual, uma vez iniciado o processo sobre e conforme uma lei, esta será aplicada até o final, não incidindo, portanto, a lei nova sobre ele. A unidade processual, apesar de ser formada por vários atos, considera o processo como um corpo único, como uma unidade, e por isso deve ser regulada apenas por uma lei. Dessa forma, uma vez que temos um processo pendente e sobrevenha uma lei nova, será aplicada integralmente a lei nova ou então a lei velha. Caso se aplique integralmente a nova lei, os atos já praticados se tornaram ineficazes, fazendo com que a lei processual tenha efeito retroativo. A respeito desse sistema, os doutrinadores dizem que seria o sistema que gera maior segurança. Entretanto, ao adotar tal sistema, seriam desprezadas as inovações legislativas que surgem com o intuito de agilizar o processo e corrigir deslizes que a lei pode apresentar. Talvez por isso o nosso CPC adote a teoria do isolamento dos atos processuais e não o sistema da unidade processual. O sistema do isolamento dos atos processuais consegue viabilizar maior segurança jurídica e modernização do sistema processual, garantindo que a entrada em vigor de uma nova lei não afete o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. Esse sistema foi aderido pela maioria dos doutri- nadores e está expressamente previsto no art. 2º do CPP: “[...] a lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior” (BRASIL, 1941, documento on-line). Esse dispositivo apresenta um princípio geral de Direito processual intertemporal que se aplica também ao Direito processual civil. O próprio CPC reafirma essa regra no art. 1.211, ao mencionar que “[...] ao entrar em vigor, suas disposições aplicar-se-ão desde logo aos processos pendentes” (BRASIL, 2015, documento on-line). Noções básicas de Direito processual6 C01_Nocoes_basicas_direito_processual.indd 6 19/06/2018 17:39:21 Não deixe de assistir ao vídeo Direito material e direito processual, no link a seguir. Nele, o prof. Me. Carlos Eduardo Rangel Xavier explica com maestria e sem juridiquês o porquê de haver separação entre o Direito material e o Direito processual. https://goo.gl/xZSWLk BARROSO, D. Manual de direito processual civil: teoria geral e processo de conhecimento. Barueri, SP: Manole, 2007. v. 1. BRASIL. Decreto-lei nº. 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Bra- sília, DF, 1941. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/ Del3689Compilado.htm>. Acesso em: 05 jun. 2018. BRASIL. Lei nº. 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Brasília, DF, 2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105. htm>. Acesso em: 05 jun. 2018. CINTRA, A. C. de A.; GRINOVER, A. P.; DINAMARCO, C. R. Teoria geral do processo. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. Leitura recomendada LIMA, M. A. G. A teoria do isolamento dos atos processuais e a eficácia da lei processual civil no tempo. 14 fls. 2014. Artigo (Pós Graduação Lato Sensu)- Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,2014. Disponível em: <http://www.emerj.tjrj. jus.br/paginas/rcursodeespecializacao_latosensu/direito_processual_civil/edicoes/ n3_2014/pdf/MarcioAndreGalvaoLima.pdf>. Acesso em: 05 jun. 2018. 7Noções básicas de Direito processual C01_Nocoes_basicas_direito_processual.indd 7 19/06/2018 17:39:21 https://goo.gl/xZSWLk http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/ http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105. http://www.emerj.tjrj/ http://jus.br/paginas/rcursodeespecializacao_latosensu/direito_processual_civil/edicoes/ Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual da Instituição, você encontra a obra na íntegra. C01_Nocoes_basicas_direito_processual.indd 8 19/06/2018 17:39:21 Conteúdo:
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