Buscar

daniel-stern-o-momento-presente

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 152 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 152 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 152 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

D A N I E L N. S T E R N
0 M O M E N T O P R E S E N T E
NA PSICOTERAPIA E NA VIDA COTIDIANA
Tradução de 
CELIMAR DE OLIVEIRA LIMA
Revisão técnica de 
MARIA DE MELO
___ A
E D I T O R A R E C O R D
RIO DE JANEI RO • SÃO PAULO
2007
CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte 
Sindicato Nacional dos Editores dc Livros, RJ.
Stem, Daniel N., 1934- 
S858m O momento presente na psicoterapia e na vida cotidiana / Daniel N.
Stem; tradução de Celimar de Oliveira Lima; revisão técnica de Maria 
de Melo. - Rio de Janeiro; Record, 2007.
Tradução de; The Present Moment in Psychotherapy and Everyday 
Life
Apêndice
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-01-07816-2
I. Stem, Daniel N., 1934- . 2. Psicoterapia. I. Título.
CDD - 616.8914 
07-1221 C D U - 615.851
Título original
THE PRESENT MOMENT IN PSYCHOTHERAPY AND EVERYDAY LIFE
Copyright © 2004 by Daniel N. Stem, M.D.
Publicado mediante acordo com Lennart Sane Agency AB
Capa: Olga Loureiro Design
Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, armazenamento ou 
transmissão de partes deste livro, através de quaisquer meios, 
sem prévia autorização por escrito.
Direitos desta tradução adquiridos pela 
EDITORA RECORD LTDA.
Rua Argentina 171 - Rio de Janeiro, RJ - 20921-380 -Tel.: 2585-2000 
que se reserva a propriedade literária desta tradução
Impresso no Brasil 
ISBN 978-85-01-07816-2
PEDIDOS PELO REEMBOLSO POSTAL 
Caixa Postal 23.052 
Rio de Janeiro, RJ - 20922-970 e d i t o r a a f i l i a d a
Em memória de Jerry
Para ver o mundo num grão de areia 
e o paraíso numa flor-do-campo 
Guarda o Infinito na palma de tua mão 
E a Eternidade numa hora
WlLLIAM BLAKE
Sumário
Prefácio 11 
Agradecimentos 19
Parte I EXPLORANDO O MOMENTO PRESENTE
1. O problema do “agora” 25
2. A natureza do momento presente 45
3. A arquitetura temporal do momento presente 63
4. O momento presente como uma história vivida: 
sua organização 77
Parte II CONTEXTUALIZANDO O MOMENTO PRESENTE
5. A matriz intersubjetiva 97
6. A intersubjetividade como um sistema motivacional 
básico e primário 119
7. Saber implícito 135
8. O papel da consciência e a noção de consciência 
intersubjetiva 145
O MOMENTO PRESENTE
Parte III VISÕES DO PONTO DE VISTA CLÍNICO
9. O momento presente e a psicoterapia 159
10. O processo de seguir adiante 175
11. O entretecer do implícito com o explícito na 
situação clínica 213
12. O passado e o momento presente 223
13. Mudança terapêutica: um resumo e algumas implicações 
clínicas gerais 247
Apêndice A ENTREVISTA MICROANALÍTICA 257
Glossário 271
Referências bibliográficas 277 
índice remissivo 297
Prefácio
MUITAS d a s IDÉIAS para escrever este livro teimaram em seguir-me 
por várias décadas, algumas desde o início de minha carreira, e ou­
tras desde que consigo lembrar.
Talvez a mais insistente delas, que permeia todo o livro, seja o 
foco nos pequenos acontecimentos momentâneos que formam nos­
sos mundos de experiências. O meu interesse aumenta quando esses 
momentos penetram a consciência de alguém e são compartilhados 
entre duas pessoas. Essas experiências constituem os momentos- 
chave de mudança na psicoterapia e os pontos nodais nos relacio­
namentos íntimos cotidianos. Esses são os momentos presentes do 
título.
Ressalto que este livro não trata do significado no sentido clíni­
co mais comum de explicar o presente em termos do passado e de 
estabelecer ligações associativas que possam ser interpretadas. Ele 
aborda a experiência no momento em que está sendo vivida. É es­
sencial ter isso em mente.
Meu interesse pelo momento presente surgiu nos anos 1960-70, 
quando comecei a usar filmes e vídeos, que funcionaram como uma 
espécie de microscópio, para estudar a interação mãe-bebê e vê-la 
se desdobrar. Um mundo fascinante se abriu. Aos poucos percebi 
quantas coisas acontecem em apenas poucos segundos. Comecei a 
pensar nesses momentos como os blocos de construção básicos da 
experiência. Quando passei a dominar essas técnicas (por exemplo,
11
0 MOMENTO PRESENTE
congelamento da imagem, câmera lenta, repetições de segmentos), 
pude usá-las, de forma não sistemática, em tempo real, por perío­
dos breves, para ver meus pacientes de psicoterapia de modo dife­
rente. Eu estava apenas iniciando minha carreira de terapeuta.
Alguns momentos na terapia começaram a revelar aspectos do 
processo terapêutico diferentes dos que eu estava treinado para ver. 
Minhas anotações durante um encontro com uma paciente em 1969 
ilustram isso: “Ela entra no consultório e senta-se na cadeira. Desa­
ba sobre ela. A almofada afunda rapidamente e ela leva mais cinco 
segundos até se acomodar. Ela claramente espera por isso, mas, 
antes que a almofada exale seu último suspiro, cruza as pernas e 
transfere o peso de quadril. Novamente a almofada se esvazia e se 
reequilibra. Esperamos que ela termine. Na verdade, ela espera, 
está ouvindo, sentindo. Estou pronto desde que ela chegou, mas 
agora aguardo também. É difícil saber quando a almofada exauriu 
todo o ar. Mas tudo espera. Será que ela sente que está esperando, 
ou ganhando tempo? Tudo espera que ela esteja pronta. Percebo 
que estou restringindo meus movimentos até que ela termine. Qua­
se como se eu tivesse de prender a respiração para apressá-la, para 
melhor julgar quando o ponto de quietude for atingido e a sessão 
puder ‘começar’. Quando finalmente penso que seu corpo e a al­
mofada estão prontos, que o som e a sensação de acomodamento 
cessaram, começo a me mexer na poltrona, em antecipação, respi­
rando mais livremente. Mas ela ainda está ouvindo o som refluir e 
ainda não está pronta. Minha mudança de posição é interrompida 
pela espera dela. Sinto como se tivesse sido surpreendido numa brin­
cadeira de ‘estátua’. É ridículo. E posso perceber uma irritação cres­
cer em mim por ter meus ritmos tão perturbados e controlados. 
Devo deixar que ela continue? Comentar o assunto? Ela nem ima­
gina que já encenamos os temas principais da sessão, e um tema 
importante da vida dela.”
Antes da minha experiência com o mundo micromomentâneo 
dos acontecimentos implícitos, nada disso viria para o primeiro plano. 
Passaria despercebido, esperando que ela falasse.
12
PREFACIO
Tais experiências me levaram a criar a entrevista microanalítica 
como um modo de chegar mais perto da experiência subjetiva vivi­
da no nível micromomentâneo. É claro que ninguém consegue che­
gar a essa experiência e nela permanecer enquanto fala sobre ela. 
Mas isso não me impede de pensar sobre ela nem de me aproximar 
o máximo possível.
Este livro é sobre a experiência subjetiva — especialmente aquelas 
que acarretam mudanças. Como as experiências fazem isso? De que 
são feitas? Quando é que acontecem? A natureza da experiência é 
um tópico vasto. Meu interesse se limita a um pequeno quadrante: 
a saber experiências que provocam mudanças na psicoterapia e nos 
relacionamentos pessoais da vida cotidiana.
O pressuposto básico é o de que a mudança baseia-se na experiên­
cia vivida. Compreender, explicar ou narrar algo verbalmente, por 
si só, não é suficiente para provocar alterações. É preciso também 
que haja uma experiência real, um acontecimento vivido subjetiva­
mente. Um acontecimento precisa ser vivido, com sentimentos e 
ações ocorrendo em tempo real, no mundo real, com pessoas reais, 
num momento de presentidade. Dois exemplos simples de uma 
experiência vivida são: olhar nos olhos de outra pessoa que está 
olhando para você e respirar fundo enquanto está falando com al­
guém. Ambas são ações com sentimento.
A idéia de presentidade é chave. O momento presente que pro­
curo é o da experiência subjetiva na hora em que ela ocorre — e 
não quando é remodelada por palavras mais tarde. O momento 
presente é a unidade de processo das experiências que nos interes­
sam mais. Um primeiro passo em direção à compreensão da expe­
riência é explorar e compreender esse momento. Este livro narra 
essa exploração, que objetiva modificar sua visão sobre o que está 
acontecendo numa sessão de psicoterapia e, por conseguinte,mu­
dar sua forma de abordá-la e mostrar o que você pode fazer duran­
te essa sessão.
Um esboço das alterações que fiz no título do livro enquanto o 
escrevia pode ajudar a prepará-lo para essa compreensão. Os títu­
0 MOMENTO PRESENTE
los provisórios capturam a idéia central que é o foco da atenção 
num determinado período e numa fase específica de um trabalho. 
Considerados em conjunto, os títulos provisórios deste livro reve­
lam as idéias por trás dele. Embora seja em parte um resumo de 
algumas idéias nas quais trabalhei durante anos, acrescido de ou­
tras recentes, o livro é, sobretudo, uma nova integração. A medida 
que essa integração evoluía, um novo título substituía o anterior.
Ao considerar o micromundo do momento presente, pensei pri­
meiro no título preliminar Um mundo num grão de areia, de William 
Blake. Além de poético, capturava a dimensão do pequeno mundo 
revelado pela microanálise e ao mesmo tempo atraía a atenção para 
o fato de que muitas vezes é possível ver o panorama mais amplo 
do passado e da vida atual de alguém nos pequenos comportamen­
tos e atos mentais que compõem esse micromundo. Além do mais, 
e de importância vital, ver o mundo nessa escala de realidade muda 
o que pode ser visto e, portanto, muda as nossas concepções básicas.
O micromundo experimentado sempre penetra a consciência 
perceptiva, mas só às vezes penetra a consciência (consciência per- 
ceptiva verbalizável). Trata-se muito mais de um saber implícito do 
que um conhecimento explícito e verbalizado. Quando a importân­
cia do mundo implícito tornou-se mais evidente para mim, brin­
quei com o título A face obscura da Lua, numa referência à natureza 
do saber implícito.
O aspecto temporal do momento presente (como o mundo num 
grão de areia) precisa ser abordado. O que a arquitetura temporal 
de tais momentos nos diria? E como a experiência fenomenal da 
presentidade poderia ser discutida? Afinal, a presentidade da expe­
riência vivida é essencial. Essa pergunta lançou-me numa extensa 
viagem de aprendizado ao reino da filosofia fenomenológica, um 
terreno novo e estranho para mim. Foi então que veio à tona o fato 
oculto, mas óbvio, de que estamos psicológica e conscientemente 
vivos apenas agora. O que mais me intrigou foi a seguinte indaga­
ção: por que a psicologia clínica não tomou como ponto de partida 
a experiência vivida diretamente no presente? (Os terapeutas o fi­
14
PREFÁCIO
zeram mais recentemente.) Isso é, certamente, um desvio radical do 
caminho historicamente seguido pela maioria das psicologias, que 
dão ênfase ao passado e a sua influência. Também implica que a cons­
ciência, mais do que o inconsciente, é o mistério-chave, outro desvio 
radical (possibilitado pelo enorme volume de trabalhos já realizados 
sobre o funcionamento do inconsciente).
A luz desse questionamento, o título seguinte foi Uma visão 
fenomenológica da experiência psicoterapêutica. Entretanto, a 
fenomenologia era somente uma perspectiva necessária e útil, e não 
o assunto do livro.
Outra característica do momento presente que me intrigava era 
o fato de ele ter um trabalho psicológico a fazer. É preciso aglome­
rar e entender o momento enquanto ele está passando, e não de­
pois, e voltar para a próxima ação. Com isto em mente, o título 
seguinte foi Kairos, a palavra grega para o momento propício ou o 
momento em que algo vem a ser. Kairos é uma unidade de tempo 
tanto subjetiva quanto psicológica. Claramente, o momento pre­
sente precisa ter aspectos de kairos porque necessita entender o que 
aconteceu no passado, o que está acontecendo agora e como agir 
em relação a isso. Ele requer uma completa apreensão dos aconte­
cimentos no instante em que eles se desdobram. Isso reforçou a 
necessidade de examinar a arquitetura temporal do momento pre­
sente e de ver que ele compõe uma breve “história vivida” emocio­
nal. Kairos também era atraente como título porque sugere o 
encontro de elementos independentes e não relacionados num de­
terminado ponto do tempo, fazendo emergir momentos especiais. 
E isso é exatamente o que o Boston Change Process Study Group 
(BCPSG) estava descobrindo no processo clínico à medida que pro­
curávamos momentos que levassem à mudança terapêutica. Entre­
tanto, kairos não poderia ser um título, pois normalmente nasce no 
âmbito de uma psicologia individual. E eu estava verificando em 
nosso trabalho no Boston Group que o material clínico é ampla­
mente co-construído — que estamos lidando com uma psicologia 
de duas pessoas.
0 MOMENTO PRESENTE
Daí o título seguinte, O momento de encontro. Em nosso traba­
lho clínico conjunto, a importância da subjetividade (ou seja, a mente 
lendo os pensamentos, sentimentos ou intenções do outro) era cada 
vez maior. Motivações intersubjetivas mostravam-se responsáveis 
pelo fluxo de pequenos movimentos dos parceiros durante uma 
sessão. Além disso, O momento de encontro descrevia a natureza da 
co-criatividade e a ampliação do campo intersubjetivo servindo de 
contexto principal para outras mudanças no tratamento. A medida 
que eu buscava a importância da intersubjetividade na terapia e em 
toda experiência íntima e bem coordenada de grupo, ficava claro 
que a intersubjetividade era um útil processo intermental e também 
constituía em si mesma um sistema motivacional importante, es­
sencial para a sobrevivência humana — semelhante ao apego ou ao 
sexo. As implicações de elevar a subjetividade a tal status não pode­
riam ser completamente analisadas sem que eu escrevesse um livro 
diferente.
As reflexões sobre a intersubjetividade como matriz de uma psi­
cologia de duas pessoas também levaram ao conceito de uma possí­
vel nova forma de consciência: a “consciência intersubjetiva”, um 
modo de reflexividade que surge quando nos tornamos conscientes 
do conteúdo de nossa mente por ser este refletido para nós pela 
mente do outro, simultaneamente.
O momento de encontro tinha outra grande vantagem como 
título. Ele reunia o momento presente, a noção de kairos, a inter­
subjetividade e a co-criação no processo terapêutico. Além disso, 
por ser um acontecimento que se desenrola no presente, fica claro 
que algo afetivo tem de acontecer e ser compartilhado naquele 
momento a fim de alterar o campo intersubjetivo implicitamente 
sentido. O que é compartilhado num momento de encontro é uma 
história vivida. Ela é física, emocional e implicitamente partilhada, 
e não apenas explicada. As noções de “afetos de vitalidade” e de 
“viagens de sentimento compartilhadas”, apresentadas mais adian­
te no livro, foram necessárias para dar substância à idéia de uma 
história vivida de forma compartilhada. Eu precisava de tais mo­
16
PREFÁCIO
mentos, também, para chegar a um tipo de consciência que fosse 
terapeuticamente utilizável. Aqui, surgiu a consciência intersubjetiva 
que acompanha a viagem de sentimentos compartilhada.
Em última análise, porém, o momento de encontro é apenas um 
tipo especial de momento presente. Então cheguei ao título O mo­
mento presente na psicoterapia e na vida cotidiana, que continuava 
a reaparecer quando outros títulos provisórios eram abandonados. 
E o mais abrangente deles, englobando todos os outros, e o que 
melhor mantém o foco na integração dessas diversas idéias e no 
papel do tempo e da presentidade. Reflete, ainda, com precisão, a 
noção de que o ponto de vista do livro é microanalítico e fenome- 
nológico. Essa visão granular talvez seja a característica mais exclu­
siva das descrições fornecidas. A realidade fenomenal do momento 
presente captura isso.
Todos os passos na evolução dessas idéias estão representados 
no plano do livro. Cada capítulo tenta estabelecer um aspecto es­
sencial do momento presente como a unidade de processo de expe­
riências que pode conduzir a mudanças.
Eis o plano:
A parte I do livro é uma exploração do momento presente. O 
primeiro capítulo trata do problema do “agora”. Afinal, é quando 
um momento presente acontece. O capítulo 2 aborda a natureza 
do momento presente, enquantoo capítulo 3 examina a arquite­
tura temporal do momento presente e o capítulo 4 discute sua 
organização.
A Parte II contextualiza o momento presente, explorando três 
das noções mais importantes para situá-lo no processo terapêutico: 
intersubjetividade, conhecimento implícito e consciência.
Duas (ou mais) mentes podem se interpenetrar e compartilhar 
quase as mesmas experiências. São capazes de intersubjetividade 
(especialmente entre paciente e terapeuta). Os momentos presentes 
de mais interesse ocorrem quando duas mentes se encontram. O 
capítulo 5 descreve a intersubjetividade penetrante na qual os trata­
mentos são conduzidos e a vida social é vivida. O capítulo 6 sugere
0 MOMENTO PRESENTE
a importância adaptativa da intersubjetividade tanto para a evolu­
ção como para a psicoterapia.
Muito do que é apreendido no momento presente pertence ao 
domínio do conhecimento implícito. Conseqüentemente, é neces­
sário olhar de perto essa forma de conhecimento. Este é o assunto 
do capítulo 7.
Por fim, a posição do momento presente ao longo da dimensão 
da consciência é essencial para quem deseja examinar como as ex­
periências que estão ocorrendo “agora” podem ser recordadas, in­
fluenciadas, verbalizadas e narradas. Isso é discutido no capítulo 8.
A parte III compreende uma visão de como o momento presen­
te opera na situação clínica. O capítulo 9 apresenta a operação do 
momento presente no setting clínico. No capítulo 10 é explorado o 
que ocorre numa sessão, momento a momento. Discute a im- 
previsibilidade e a “desordem” do processo terapêutico e suas duas 
mais importantes propriedades emergentes resultantes: o momento 
agora e o momento de encontro. Isso envolve uma descrição fiel do 
que acontece no nível local e no micronível do momento presente. 
Esses são os aspectos práticos do fluxo de uma sessão. O capítulo 
11 fala do entretecer do implícito com o explícito. Muito do que 
acontece em psicoterapia é explicado na linguagem, inclusive nas 
interpretações. As influências mútuas entre o implícito e o explícito 
são exploradas. O capítulo 12 discute o passado e o momento pre­
sente. Analisa como o momento presente é influenciado pelo passa­
do e debate a necessidade de ser capaz de abarcar um passado assim 
como um presente, sem o qual não há base para um pensamento 
psicodinâmico, examinando as maneiras de realizar isso. Finalmente, 
o capítulo 13 resume o papel do momento presente na mudança 
psicoterapêutica e fornece implicações clínicas.
Devo começar, então, pelo problema do agora como o primeiro 
passo na exploração do momento presente, nosso microscópio para 
observar como a mudança acontece.
18
Agradecimentos
M eu PRIMEIRO CONTATO com o arauto do momento presente se deu 
quando comecei a aprender sobre o mundo micromomentâneo da 
interação mãe-bebê que ocorre naturalmente. Na época, muitas 
décadas atrás, eu conhecia alguns outros pesquisadores e clínicos 
que estavam explorando esse pequeno mundo com técnicas de ci­
nema e TV. Entre eles encontravam-se Lou Sander, Colwyn 
Trevarthen, Berry Brazelton, Ed Tronick e Beatrice Beebe. Este pe­
queno grupo mantinha contato e compartilhava um entusiasmo 
comum. Afora isso, era um trabalho solitário, mas sou grato a eles 
por encorajarem-se mutuamente e ajudarem a formar uma massa 
crítica que explorou o micromundo.
Quase simultaneamente, conheci um grupo de coreógrafos de 
Nova York que estava fazendo experiências com técnicas semelhantes 
na dança: repetições de seqüências curtas, imagens congeladas, apre­
sentação retroativa dos acontecimentos etc. Eles iam ao meu labo­
ratório na Universidade de Colúmbia, no Instituto Psiquiátrico do 
Estado de Nova York, para assistir a algumas de minhas análises de 
filmes sobre a interação mãe-bebê, e eu ao centro da cidade, obser­
var o trabalho que eles desenvolviam com os bailarinos que, à pri­
meira vista, me pareceu pouco promissor em termos de aprendizado 
e inspiração. Mas não a um segundo olhar mais atento. Nesse con­
texto, tive a sorte de fazer amizades duradouras com o coreógrafo 
Jerome Robbins e com o ator de teatro Robert Wilson, o que me
19
O MOMENTO PRESENTE
permitiu ver espetáculos de dança e de teatro tomarem forma des­
de sua concepção, passando pelos ensaios, até a estréia. Seguiu-se 
uma troca que durou décadas. Para mim foi uma incrível oportuni­
dade de aprender sobre os reinos não verbais. Quero agradecer tudo 
que eles me ensinaram.
Então, nove anos depois, alguns de nós deram início a uma 
rica colaboração. Os campos da psicoterapia, psicanálise, psicolo­
gia do desenvolvimento e pediatria estavam representados. E sur­
giu o Boston Change Process Study Group. Durante o tempo em 
que formulei e escrevi o livro, os membros do grupo eram: Nadia 
Bruschweiler-Stern, Alexandra Harrison, Karlen Lyons-Ruth, 
Alexander Morgan, Jeremy Nahum, Louis Sander e Edward 
Tronick. Muitas das idéias importantes inseridas neste livro emer­
giram dessa colaboração.
Tornou-se evidente que, quando trabalhávamos em grupo — 
o que fazíamos intensivamente — um poderoso processo de co- 
criação se instalava. Retrabalhávamos uma idéia que havia se ori­
ginado de um de nós, transformando-a num conceito diferente ou 
mais elaborado, ou ligando-a a uma idéia que viera de outra pes­
soa para formar uma noção completamente nova. Ficava impossí­
vel desembaraçar sua história. É por esse motivo que decidimos 
publicar trabalhos coletivamente após nossos dois primeiros li­
vros. Como estávamos examinando o processo de co-criação em 
psicoterapia, talvez não fosse surpreendente encontrar o mesmo 
processo em nosso trabalho conjunto. Ou quem sabe não seria o 
caminho inverso?
O material clínico é o que mais diretamente deriva de nosso tra­
balho conjunto, particularmente mostrado nos capítulos 10 e 11, que 
se baseiam amplamente em nossas publicações coletivas. Entretanto, 
dei a esse material um viés bem diferente, e muitos dos conceitos ou 
ênfases não estão necessariamente de acordo com os que o grupo 
pode ter desenvolvido. Além disso, alguns membros podem discor­
dar das fontes de onde obtive dados. A fim de respeitar as contribui­
ções do grupo e de seus membros individualmente, tentei mencionar
20
AGRADECIMENTOS
da forma mais cuidadosa possível as publicações tanto do grupo como 
de seus membros isoladamente, conforme elas se relacionam com o 
assunto em pauta. Agradeço profundamente a esses colegas e expres­
so o prazer que tive ao trabalhar com eles. Este livro teria sido dife­
rente sem o Boston Change Process Study Group.
Duas pessoas de grande conhecimento leram o livro em está­
gios preliminares: Elizabeth Fivaz-Depeursinge, em Lausanne, e 
Daniel Siegel, em Los Angeles, e suas críticas, sugestões e incentivo 
tiveram valor inestimável.
Quero agradecer em especial à minha editora, Deborah Malmud. 
Depois de ler a primeira versão, ela me escreveu uma carta de sete 
páginas, em espaço simples, repleta de sugestões, questionamentos, 
pedidos de esclarecimentos e idéias para a reordenação das seções. 
Ainda assim, era encorajadora. A princípio fui pego de surpresa e 
não fiquei muito contente. Após muitas leituras, comecei a apreciar 
a carta, mas não exatamente a gostar dela. Quando voltei ao traba­
lho, levando em conta o que ela escrevera, passei a me apoiar cada 
vez mais em seus conselhos. Acabei não só por gostar da carta, mas 
também por considerá-la um brilhante trabalho de edição. Graças a 
ela, o livro ficou mais fino e mais claro.
Por fim, agradeço o estímulo dado por minha família, parti­
cularmente minha mulher, Nadia, que lê partituras com grande sen­
sibilidade e um ouvido soberbo, tanto para o tom quanto para o 
conteúdo.
21
EXPLORANDO O 
MOMENTO PRESENTE
Capítulo 1 
O PROBLEMA DO "AGORA"
A IDÉIA DE UM MOMENTO PRESENTE é proposta como uma forma de 
lidar com o problema do “agora”. É notável como sabemos pouco 
sobre as experiências que estão ocorrendo exatamente neste instante. 
Essa ignorância relativa é especialmente estranha à luz do seguinte:Primeiro, estamos subjetivamente vivos e conscientes apenas 
agora. E agora é quando vivemos nossa vida diretamente. Em tudo 
mais há uma separação de segundo ou terceiro grau. A única hora 
de realidade subjetiva crua, de experiência fenomenal, é o momen­
to presente.
Segundo, a maioria das psicoterapias concordam em que o tra­
balho terapêutico no “aqui e agora” tem maior poder de provocar 
mudanças. Isso significa onde e quando se dá um contato mutua­
mente consciente entre a mente do terapeuta e a do paciente. Além 
disso, nos relacionamentos cotidianos, os eventos nodais que alte­
ram o curso da vida normalmente ocorrem num momento que é 
experimentado como chave, não só depois que aconteceu, mas tam­
bém enquanto está ocorrendo. Apesar disso, ainda precisamos fa­
zer a pergunta: o que é o agora}
Terceiro, as teorias psicodinâmicas de mudança terapêutica ba- 
seiam-se na idéia de que o passado tem papel fundamental na deter-
O MOMENTO PRESENTE
minação do presente e, num certo sentido, está no centro do palco. 
Conseqüentemente, sabemos muito sobre como eventos passados 
influenciam a experiência atual. Mas não prestamos a mesma aten­
ção à natureza da experiência atual quando ela está sendo influen­
ciada e está acontecendo. Como ficariam a psicoterapia e a mudança 
terapêutica se o momento presente assumisse o centro do palco?
E é exatamente isso que este livro faz. Posiciona o momento 
presente no centro do palco e o conserva ali. Isso empresta outra 
aparência ao processo de psicoterapia e altera nossas concepções 
sobre como se dá a mudança terapêutica. A maneira pela qual con­
duzimos a psicoterapia vai se modificar, porque nossa visão sobre o 
que está acontecendo será diferente. Também podemos descobrir 
que nossa visão da experiência diária se enriquece. Estes são os ob­
jetivos do livro.
Entretanto, antes de passar a esses objetivos mais abrangentes, 
precisamos explorar a natureza da experiência atual e depois aplicá- 
la à situação clínica. A pesquisa começa com algumas questões im­
portantes sobre o momento presente ou a agoridade. Quando é o 
agora? O que é o agora? O agora existe e, se existe, o quanto ele 
dura? Como o agora está estruturado? O que ele faz? Como se 
relaciona com a consciência e com o passado? Como conduz a sig­
nificados? Por que ele ocupa um lugar tão especial na psicoterapia? 
E, relacionado a estas indagações, como o agora é experimentado 
quando é co-criado e compartilhado com alguém? Finalmente, que 
papel o agora desempenha na mudança? Em resumo, como imagi­
namos um momento presente?
Existe outro aspecto do agora subjetivo que é tanto surpreen­
dente quanto óbvio. O momento presente não passa zunindo e se 
torna observável apenas depois que se foi. Na verdade, ele cruza o 
palco mental mais devagar, levando alguns segundos para se desdo­
brar. E, durante sua passagem, encena um drama emocional vivido 
que, à medida que se desenrola, traça uma forma temporal, como 
uma frase musical transitória. Como veremos, isso é de grande im­
portância, porque o momento presente devolve tempo à experiência.
26
0 PROBLEMA DO "AGORA'
“Devolver o tempo à experiência” é uma frase curiosa. Eis o 
que se encontra por trás dela: é fácil pôr um tempo linear, de reló­
gio (chronos), em histórias sobre nós mesmos — o antes, o depois e 
o meio-tempo de nossas narrativas. Mas não é tão claro como se 
faz para se colocar o tempo subjetivo (o que quer que isso se revele 
ser) nas experiências que estão acontecendo agora. E sem ele é im­
possível ligar os muitos acontecimentos seqüenciais que ocorrem 
durante o momento presente e formam uma experiência coerente 
inteira. A vida seria descontínua e caótica mesmo na pequena esca­
la temporal do presente.
A questão do agora tem uma história mais longa. Na verdade, 
esta é somente uma parte da história maior do tempo. Não entrarei 
neste tema extenso a não ser para demonstrar certos pontos relacio­
nados com o problema do agora subjetivo. Primeiro, vemos o tem­
po como algo que surge de nossas sensibilidades humanas. Ele é 
uma invenção da nossa mente. Nada sabemos sobre o tempo das 
coisas, se é que se pode imaginar algo assim. Nas ciências naturais e 
no gerenciamento da programação diária da vida, usamos a antiga 
concepção grega de chronos, que é a idéia de tempo objetiva usada 
não só na ciência mas também na maioria das psicologias. No mun­
do do chronos, o instante presente é um ponto em movimento no 
tempo em direção apenas a um futuro. Não importa se seu curso é 
visto como uma linha reta ou um círculo ou uma espiral, pois ele 
está sempre em movimento. Enquanto se move, devora o futuro e 
deixa o passado em seu rastro. Mas o instante presente em si é 
muito curto. E uma fatia quase infinitesimal de tempo durante a 
qual muito pouco pode acontecer sem tornar-se passado de imedi­
ato. Efetivamente, não existe presente.
Há outras construções humanas de tempo. No tempo narrati­
vo, a ordenação dos eventos é criada pelo narrador de uma histó­
ria, independentemente da seqüência cronológica (Ricoeur, 
1984-1988). O complexo tempo psíquico de Freud despreza a su­
cessão linear, troca a velocidade de passagem, dá meia-volta e do­
bra-se para a frente sobre si mesmo — um tempo que Green (2002)
27
0 MOMENTO PRESENTE
chamou de fragmentado. Existem várias formas de heterocro- 
nicidade com diversos tempos paralelos. E há estados meditativos 
nos quais o tempo não se move, mas passa da existência para um 
“agora” homogêneo e contínuo.
No entanto, quando se considera a psicoterapia e a vida como 
normalmente vivida, essas concepções apresentam problemas. O pro­
blema com chronos é que, se não existe um agora longo o bastante 
para que algo se desenvolva dentro dele, não pode haver experiência 
direta. Isso não é aceitável em termos intuitivos. Além disso, a vida- 
como-vivida não é experimentada como um fluxo inexoravelmente 
contínuo. Na verdade, ela é sentida como descontínua, feita de inci­
dentes e eventos separados no tempo mas também conectados de 
algum modo.
A idéia de tempo da narrativa também apresenta problemas, 
pelo menos para os nossos propósitos. As narrativas selecionam 
episódios da vida e os marcam no tempo: antes, depois, de novo e 
assim por diante. Os episódios são então rearrumados, não neces­
sariamente em ordem histórica, mas para contar a história mais 
coerente sobre como foi a vida. As narrativas visam à verossimi­
lhança da vida, não à verdade histórica. Dessa forma, nos devolvem 
a sensação de continuidade na vida. Elas domam chronos, fazem a 
passagem do tempo parecer familiar e tolerável, e fazem-nos sentir 
coerentes ao longo dessa dimensão infinita (Bruner, 1990, 2002b; 
Ricoeur, 1984-1988). Entretanto, elas não domam o momento pre­
sente. Apesar da grande façanha de fazer a narrativa, o agora não 
cabe num relato narrativo, exceto como ponto de referência. Numa 
narrativa, o agora do qual se fala já aconteceu. Ela cria uma relação 
entre os agoras passado e futuro. Não é uma experiência direta.
•VApenas a narração está acontecendo agora.
No tempo psíquico fragmentado de Freud, assim como no tem­
po narrativo, pouca atenção é dada à estrutura temporal do agora. 
Ele não é visto como temporalmente dinâmico, dentro dele mesmo
— isto é, traçar um perfil temporal de pequenas mudanças à medi­
da que ele se desenrola. No tempo psíquico, o principal interesse
•jh
O PROBLEMA DO "AGORA'
no agora reside em sua relação com outras partes do tempo, não 
em sua própria natureza.
Assim, o que deve ser feito com o agora enquanto a vida está de 
fato sendo experimentada — enquanto o presente ainda está se des­
dobrando? A concepção subjetiva de tempo dos gregos, kairos, pode 
ser útil aqui. Kairos é o momento transitório no qual algo acontece 
à medida que o tempo decorre. E o nascimento de um novo estado 
de coisas, e isso ocorre num momento de consciência perceptiva. 
Ele tem suas próprias fronteiras e transcende a passagem do tempo 
linear ou dela escapa. No entanto, também contém um passado.É 
um parêntese subjetivo destacado de chronos. Kairos é um momen­
to de oportunidade, quando os acontecimentos exigem ação ou são 
propícios para agir. Os acontecimentos se reuniram nesse momen­
to e o encontro penetra a consciência perceptiva de tal forma que 
uma medida tem de ser tomada, agora, para alterar o destino de 
alguém — seja pelo minuto seguinte ou pela vida inteira. Se nada 
for feito, o destino será mudado mesmo assim, mas de modo dife­
rente, porque a pessoa não agiu. E uma pequena janela de devir e 
oportunidade. Uma das origens da palavra provém de pastores ob­
servando as estrelas. A medida que a noite avança e as estrelas per­
correm o céu, elas parecem nascer e depois se esconder no horizonte. 
O momento em que uma estrela atinge o apogeu e parece mudar de 
direção de ascendente para descendente é o seu kairos (Kathryne 
Andrews, comunicação pessoal, 23 de novembro de 2000).
Tanto na vida real como na situação clínica, um momento pre­
sente poderia ser chamado de um momento de microkairos, por­
que apenas decisões menores sobre o curso da vida e caminhos curtos 
do destino estão em jogo. Este livro tenta mostrar por que todos os 
momentos presentes são também momentos de kairos, qualquer 
que seja sua magnitude.
A narrativa nos proporciona um caminho psicológico para ajus­
tar a vida à realidade de chronos. Vamos explorar o momento presen­
te como uma abordagem psicológica para compreender a experiência 
de kairos.
O MOMENTO PRESENTE
O PONTO DE PARTIDA
Dada a posição única e fundamental da “agoridade” subjetiva na 
experiência de todos nós, a proposta é começar uma exploração da 
prática e da teoria clínicas, bem como da vida subjetiva cotidiana, 
posicionando o “agora” fenomenal no centro — como nosso ponto 
de partida. A teoria existencialista e algumas teorias da Gestalt por 
certo fizeram exatamente isso, mas em grandes pinceladas. Estamos 
propondo fazê-lo no micronível do momento presente que está pas­
sando. À primeira vista, iniciar tal investigação tendo o momento 
presente como a lente de aumento para observar a psicoterapia e a 
experiência cotidiana parece difícil e improvável. Mas o momento 
presente é nossa realidade subjetiva primária, então, por que não 
começar por ele? Por onde mais? Pode ter implicações interessantes 
não apenas para as psicologias clínicas mas também para as neu- 
rociências.
Essa concepção do momento presente se apóia em grande parte 
em uma perspectiva fenomenológica. A fenomenologia é o estudo 
das coisas como elas aparecem à consciência, como elas se apresen­
tam na mente. Inclui: percepções, sensações, sentimentos, lembran­
ças, sonhos, fantasias, expectativas, idéias — o que quer que ocupe 
o palco mental. Esse estudo não se concentra na maneira pela qual 
essas coisas se formaram ou surgiram na mente. Também evita qual­
quer tentativa de explorar a realidade externa que corresponda ao 
que está na mente. Diz respeito apenas à aparência das coisas como 
elas se apresentam ou se mostram à nossa experiência. Trata da 
paisagem mental que vemos e em que nos encontramos em deter­
minado momento. Isso é realidade fenomenal (ver Moran [2000] 
para uma introdução abrangente). Portanto, este livro aborda os 
pequenos mas significativos acontecimentos afetivos que se desdo­
bram nos segundos que formam o agora.
Existe, porém, uma ampla questão. O momento presente, en­
quanto é vivido, não pode ser apreendido pela linguagem que o 
(re?)constitui pós-fato. O quanto a versão lingüística é diferente da
30
originalmente vivida? Neste ponto, mesmo as neurociências podem 
fazer apenas sugestões limitadas. Mesmo assim, grande parte do 
livro é sobre o momento presente inatingível. Essa experiência vivi­
da tem de existir. E o referente experiencial sobre o qual a lingua­
gem se constrói. E o inapreensível acontecer da nossa realidade. 
Portanto, tem de ser explorado exaustivamente, para pensarmos 
melhor sobre ele e imaginar abordagens terapêuticas.
A entrevista analisada a seguir é exatamente uma dessas abordagens.
Há cerca de 15 anos, comecei a realizar um tipo especial de 
entrevista que ajuda a identificar momentos presentes e os aconteci­
mentos afetivos que ocorrem durante eles. Inicialmente denominada 
“entrevista do café-da-manhã”, hoje chamada de entrevista micro- 
analítica. (Uma explicação mais extensa sobre como conduzir uma 
entrevista microanalítica encontra-se no Apêndice.) Eis como ela 
acontece. Pergunto aos indivíduos: “Que experiências vocês viveram 
hoje no café-da-manhã?” (Faço esta pergunta diversas horas depois 
do fim do desjejum.) Em geral, eles respondem: “Bom, para dizer a 
verdade, nada.” Eu insisto até que se lembrem de algo. Procuro por 
qualquer acontecimento que tenha início e fim claros (boas frontei­
ras). Este é um exemplo do que eles podem recordar: “Eu me lembro 
de ter pego o bule para me servir de chá. Na verdade, não me lem­
bro de pegá-lo, mas devo ter feito isso. Enfim, enquanto estava me 
servindo, lembrei-me de algo que aconteceu na noite passada. Nes­
se instante, o telefone tocou e tomei consciência de estar servindo o 
chá porque me perguntei se eu devia terminar de encher a xícara ou 
pousar o bule e atender ao telefone. Pousei o bule, levantei-me e 
atendi ao telefone.” (Tudo isso levou cerca de cinco segundos.)
Em seguida, faço uma entrevista de, aproximadamente, uma hora 
e meia, sobre o que foi experimentado naqueles cinco segundos. 
Pergunto o que fizeram, pensaram, sentiram, viram, ouviram, em 
que posição seu corpo estava, quando mudou, se posicionaram-se 
como ator ou como observador em relação à ação, ou entre um e 
outro. Peço-lhes que criem um filme da experiência, como se pu­
déssemos fazer uma montagem do que estava em seu palco mental.
0 PROBLEMA DO "AGORA"
31
0 MOMENTO PRESENTE
Eles são o diretor, e eu, o operador de câmera, e têm de me dizer o 
que fazer com ela. Essa tomada é um close-up ou um plano geral? 
Como devo cortar de uma cena para a seguinte? Onde está po­
sicionada a câmera e qual o seu ângulo em relação à ação? Em ou­
tras palavras, questiono sobre qualquer coisa que me passar pela 
cabeça a fim de capturar sua experiência subjetiva do modo mais 
completo possível.
A entrevista se desenrola de um modo especial. Os sujeitos do 
estudo e eu tentamos desenhar ou representar num gráfico a expe­
riência ao longo de uma linha de tempo, onde esse tempo se esten­
de no eixo horizontal e a intensidade, o esforço e a plenitude do 
evento/sentimento/sensação/pensamento/afeto/ação são delineados 
no eixo vertical. O resultado surge em diversas curvas, cada uma 
um contorno temporal da distribuição da intensidade do que quer 
que tenha sido vivido ao longo do tempo (ver Figura 1.1). Conduzo 
os sujeitos por muitas passagens através da experiência. Por exem­
plo, pergunto se alguma lembrança foi evocada durante a experiên­
cia. Se a resposta for positiva, a lembrança é acrescentada ao gráfico. 
Indago-lhes que experiências afetivas tiveram. Estas são desenha­
das pelos sujeitos com um contorno ao longo do tempo que repre­
senta as mudanças na intensidade do afeto à medida que este ocorria. 
Esses contornos do afeto são então também adicionados ao gráfico. 
A cada passagem, todo o desenho pode ser revisto, se necessário. E 
normalmente é. Depois de muitas passagens, obtemos um registro 
que se parece muito com uma partitura musical sinfônica com mui­
tas coisas acontecendo simultaneamente.
Continuidades e descontinuidades são registradas com cuidado 
e divididas nas seguintes unidades: Episódios de consciência são 
períodos contínuos de consciência separados por buracos no fluxo 
da consciência, non-CS holes, e feitos de um ou mais momentos 
presentes demarcados por uma mudança na cena (lugar, tempo, 
personagens, ação) ou no ponto de vista da narrativa. A identifica­
ção de momentos presentes e as fronteiras entre eles são escolhidas 
pelos sujeitos.
32
O PROBLEMA DO "AGORA"
Vale notar que os momentos presentes no gráfico não são os 
originais. Na verdade, sãolembranças contadas de fatos ocorridos, 
mais cedo, naquela manhã, momentos presentes vividos realmente. 
Obviamente, não se pode obter um relato verbal de uma experiên­
cia no instante em que ela ocorre sem interrompê-la. O objetivo é 
desenhar um quadro com que um momento presente provavelmen­
te se pareça.
Mais uma observação: no relato, existem na verdade os dois 
momentos presentes envolvidos, o momento presente original e não 
narrado, vivido durante o café-da-manhã, e o momento presente 
da narração que me foi feita, mais tarde. Por enquanto, estou inte­
ressado somente no momento presente originalmente vivido. Pos­
teriormente abordarei o momento presente da narração.
À medida que a entrevista prossegue, insisto veementemente que 
o sujeito faça a distinção entre o que deve ter acontecido e o que foi 
realmente experimentado conscientemente naquela manhã (só o úl­
timo é registrado no gráfico). A entrevista chega ao fim quando o 
indivíduo sente que o registro gráfico tem a verossimilhança adequa­
da ao que ele se recorda de ter experimentado.
Esse processo pode parecer entediante, mas na verdade gera 
grande interesse e curiosidade tanto no sujeito quanto em mim, 
apesar da aparente banalidade dos eventos. Embora comuns, os 
momentos presentes são acionados pela novidade, pelo inesperado 
ou por uma perturbação ou problema em potencial. Deles são fei­
tos os pequenos dramas diários. Buscamos o desvelar com uma es­
pécie de cumplicidade entusiasmada crescente. E ficamos cada vez 
mais espantados com tudo que é recordado como acontecido em 
períodos tão breves de momentos da vida cotidiana e como os 
microdramas são resolvidos.
A seguir, apresento quatro exemplos de momentos presentes, 
que na verdade apenas se aproximam furtivamente do fenômeno 
do momento presente por motivos que se tornarão evidentes mais 
adiante. Entretanto, esclarecem algumas das questões-chave. Os dois 
primeiros são de situações nas quais eu estava conduzindo entrevis­
33
O MOMENTO PRESENTE
tas microanalíticas. O terceiro é um exemplo clínico, e o quarto, 
um exemplo tirado da vida comum.
EXEMPLO 1*
Momento presente 1
(O sujeito entrou na cozinha, ligou o rádio e foi até a geladeira. 
Abriu a porta da geladeira, procurando a manteiga para passar no 
pão. Fez tudo isso de modo automático, sem estar especificamente 
consciente de seus atos. Então começou seu primeiro momento de 
consciência.) Percebi que o chanceler Kohl, da Alemanha, estava sen­
do entrevistado no rádio, ouvi a voz dele, depois desviei-a da minha 
cabeça. Procurando na geladeira, não encontrei a manteiga. Pensei 
comigo mesma: “Não tem manteiga.” Ao ver que não achava a man­
teiga comecei a sentir uma frustração leve, porém crescente, e uma 
espécie de sentimento negativo, algo entre a decepção e a irritação. 
Esses sentimentos aumentaram. (Isso durou cerca de três segundos. 
Depois houve uma transição para o momento seguinte sem quebra 
da continuidade da consciência.)
Momento presente 2
Então pensei: "Ah, tudo bem, melhor para a minha dieta.” Quando 
pensei isso, a frustração e a irritação passaram e experimentei uma 
onda de alívio que continuou a crescer um pouco. (Isso durou três 
segundos, aproximadamente. Em seguida ela passou a agir fora da 
consciência por um período. Logo depois, começou a recordar um 
terceiro momento de consciência.)
* 0 itálico é usado para indicar tudo que o sujeito relatou como sua experiência conscien­
te. Tudo de relevante que deve ter acontecido mas não penetrou na sua consciência, prova­
velmente porque era algo rotineiro e automático demais, foi descrito entre parênteses. 
Consulte a Figura 1.1 à medida que o diálogo se desenrola.
34
O PROBLEMA DO "AGORA'
Momento presente 3
Pensei comigo: “Posso colocar m el.” (O mel estava no lugar da 
manteiga. Normalmente, ela só comia mel aos domingos. Era 
uma tradição familiar. O mel era algo especial, e não para os 
outros dias. Era terça-feira.) Perguntei a mim mesma: “Será que 
eu ouso pegar o mel?” Primeiro, quando pensei nisso, senti uma 
onda de surpresa diante dessa idéia inesperada. Depois, uma sen­
sação de bem-estar me invadiu, e começou a crescer, por ter re­
solvido o problema da falta da manteiga. Enquanto isso acontecia, 
vi em minha mente o pote de mel em seu lugar de costume, no 
armário atrás de mim (e fora da vista), em sua exata posição na 
prateleira. (Ainda sem se voltar.) Decidi então agir e pegar o mel. 
(Ela se virou, abriu a porta do armário e apanhou o pote de mel, 
mas sem estar consciente desses atos rotineiros.) Depois, com o 
mel na mão, comecei a sentir uma culpa cada vez maior e uma 
sensação de cobiça porque ia comer mel numa terça-feira. (Este 
momento demorou cerca de cinco segundos. Houve então uma 
lacuna na consciência de sua experiência e depois ela ficou cons­
ciente de novo.)
Momento presente 4
Estou segurando uma fatia de pão, ainda sem o m el Mas o pão é de 
um tipo diferente do que costumo comprar. Sinto-me estranha e isso 
me surpreende. Penso: “O que faço com este pão?” Um sentimento 
negativo discreto aparece. (Este momento durou em torno de três 
segundos. Ela então espalha mel no pão sem estar conscientemente 
atenta ao ato. Um novo momento começa, adjacente ao anterior.)
Momento presente 5
Estou ciente de morder o pão com mel. Gosto da textura e penso: 
“Até que não é ruim. ” E com isso começo a me sentir melhor. De­
35
O MOMENTO PRESENTE
pois tomo novamente consciência da entrevista no rádio. (Este mo­
mento demorou três ou quatro segundos.)
Este breve exemplo, por banal que possa ser, ilustra algumas das 
questões sobre a experiência que precisam ser abordadas. E verda­
de que o relato é (re)construído após o evento e é uma narrativa de 
experiências recordadas reunidas de maneira incomum, e não uma 
narrativa espontânea. Nem jamais foi ensaiada. Foi desmembrada e 
reconstruída peça por peça em passagens sucessivas. É uma narrati­
va desconstruída e progressivamente co-construída em seguida, re­
formada em camadas progressivas. Apesar desses problemas e com 
a cautela apropriada, podem ser feitas as seguintes afirmativas so­
bre momentos presentes vividos enquanto se desdobram, e não en­
quanto são recordados e narrados.
• Momentos presentes são incrivelmente ricos. Embora durem 
apenas um curto espaço de tempo, muitas coisas acontecem.
• Momentos presentes ocupam o agora subjetivo. O momento pre­
sente é visto como o que quer que esteja na mente agora, seja 
objeto da atenção mental real ou virtual. (A visualização da loca­
lização do mel às costas dela foi uma experiência virtual.)
• O momento é um acontecimento completo, uma gestalt. O tema 
psicológico é o todo, não as pequenas unidades que o compõem.
• Ela experimentou esses eventos num agora que identificou e li­
mitou com fronteiras.
• O momento presente é breve. Neste caso, cada um dos cinco mo­
mentos presentes durou entre três e cinco segundos, como esti­
mado pelo sujeito.
• A consciência é o principal critério utilizado para identificar epi­
sódios contendo momentos presentes. Neste exemplo, eles pro­
vavelmente acionaram a consciência por serem violações do 
esperado. Eram inovações, e isso constituía um problema.
• Os sentimentos experimentados (por exemplo, frustração e pra­
zer) traçam uma forma-de-tempo (um perfil temporal) com ele­
36
O PROBLEMA DO "AGORA"
vações e quedas analógicas. Em outras palavras, são afetos de 
vitalidade realizados (formas-de-tempo-dinâmicas) que contor­
nam a experiência temporalmente.
• Uma história vivida se desenrola dentro de cada momento pre­
sente. Ela é feita de muitas experiências pequenas reunidas no 
presente subjetivo. O enredo, ainda que mínimo, desloca-se so­
bre a forma de sentimento temporal dos afetos contornados. A 
micro-história que se desdobra resolve a novidade ou o pro­
blema.
• Tais momentos não são separados do restante da vida, isola­
dos e desconectados. Na verdade, eles capturam um sentido 
do estilo, da personalidade, das preocupações ou dos confli­
tos do sujeito— em outras palavras, de suas experiências do 
passado. Cada um desses momentos é psicodinamicamente 
relevante.
Este último ponto merece uma discussão mais extensa. Veja o 
exemplo da manteiga. O sujeito pareceu confeccionar pares afetivos/ 
morais:
• Não tem manteiga. Isso é ruim. / Ah, sim, estou de dieta, então é 
bom.
• Posso usar mel. Ficaria gostoso. / Ah, mas seria pecado.
• Que pão esquisito é este? / Ah, até que não é tão ruim.
Ela está constantemente tentando equilibrar bom/ruim, moral/ 
imoral, agradável/desagradável. Será que manter essa espécie de 
balancete é um modo característico de ser consigo mesma no mun­
do? Não sabemos, mas ela deu essa impressão fora do experimen­
to. (Dados externos à experiência presente não são necessários para 
estabelecer um momento presente. São necessários, porém, para 
estabelecer a relação do momento presente com o passado ou com 
eventos psicológicos contínuos.)
37
O MOMENTO PRESENTE
<................ EPISÓDIO DE CONSCIÊNCIA A ................ >
j 0(< ......MOMENTO PRESENTE 1 ......> .< ......MOMENTO PRESENTE 2 ....>
I “Ah, tudo bem - imlhof [>«n «
3 legtindoi 3 Mga»do«
<______ EPISÓDIO DE CONSCIÊNCIA B ............ >
io r|< ............................ MOMENTO PRESENTE 3
J “Pttiio eolwif mal1
Ação
"3
s 1.
S itjtmdoi
EPISÓDIO DE CONSCIÊNCIA C ..................>
' ° J < .....MOMENTO PRESENTE .....MOMENTO PRESENTE 5 ....> j
J v *0 qm f«jo mbi litl pio?"
-8 Surprm _____
■tf j
SlIfjHH
Rifiitinelí
to |
"Até qu« iiio ̂ruim" RUU 
tUtMtjMJaitljH» Ch.K»kU
3 lijundoi 3 «agundot
Figura 1.1. Uma representação esquemática de episódios de consciência e mo­
mentos presentes conforme recordados e co-construídos usando uma entrevista 
microanalítica. A ordenada é a intensidade subjetiva da experiência numa escala 
que vai de 1 a 10. A abscissa é o tempo estimado conforme recordado pelo 
sujeito. O início e o fim de cada episódio de consciência e de momento presente 
são determinados pelo sujeito. Onde as curvas ficam mais grossas, ele está relati­
vamente certo de ter tomado consciência do acontecimento. E comum o sujeito 
dizer: “Sei que estava sentindo isso e aquilo antes (ou depois), mas mais ou me­
nos aqui isso penetrou a consciência [a linha engrossa] ou deixou a consciência [a
linha afina].”
O PROBLEMA DO "AGORA"
EXEMPLO 2
Este exemplo demonstra melhor como o momento presente é uma 
amostra de padrões passados e futuros, que ganham importância 
quando o momento presente desempenha um papel numa concep­
ção psicodinâmica abrangente. Em uma “entrevista do café-da-ma- 
nhã”, G.S., um jovem aluno de pós-graduação, contou dois momentos 
presentes que se destacaram durante a manhã. Eis uma transcrição 
parcial.
G.S.: Bom, abri a porta da geladeira, assim. (Ele fez um gesto mos­
trando como abriu a porta.)
D.S.: (Fiquei intrigado quando ele fez um gesto para mostrar como 
abriu a porta. Normalmente, a abertura da porta de uma ge­
ladeira não exige explicação gestual.) Por que você me mos­
trou como abriu a porta? Há algo especial nisso?
G.S.: Há, sim. A porta está meio quebrada. Se eu a puxo muito 
devagar, ela fecha sozinha. E se eu a puxo com força demais, 
ela abre até o fim e bate no armário ao lado. Então tenho de 
abri-la com a força exata, nem muito fraco, nem muito forte, 
para que fique aberta, repousando num ponto de equilíbrio. 
Estou consciente ao fazer isso porque é como um jogo que 
requer atenção. [Pausa] Depois acho que apanhei o suco de 
laranja. Não me lembro disso, mas é automático. Devo ter 
levado o suco até a mesa, pegando um copo no caminho.
D.S.: Sim.
G.S.: A próxima coisa de que estava consciente foi de pôr suco no 
copo.
D.S.: Ah. E como faz isso?
G.S.: Normalmente encho o copo ao máximo, mas não até a bor­
da. Numa altura suficiente para que esteja cheio, mas não 
tanto que derrame quando levá-lo à boca. Isso exige que eu 
aja conscientemente.
D.S.: Ah.
O MOMENTO PRESENTE
G.S.: É uma espécie de jogo.
O que é interessante sobre esses dois momentos é que eles são re­
presentações do mesmo tema: saber encontrar o exato equilíbrio 
entre ir longe demais e não ir longe bastante. Curiosamente, G.S. per­
cebeu isso espontaneamente e mencionou que na noite anterior a 
esse café-da-manhã ele estava tentando terminar o capítulo de dis­
cussão de sua tese de doutorado. O que estava dificultando a reda­
ção era o fato de não conseguir se decidir sobre até que ponto ele 
ousava levar suas descobertas e conclusões. Pensara nisso a noite 
inteira. Ele disse: “É como a porta da geladeira e o copo de suco.”
Vale acrescentar o que sei sobre esse rapaz, que foi um sujeito 
de pesquisa e ex-aluno, não um paciente. Ele tinha uma tendência 
forte e saudável de levar quase tudo ao limite, de ousar e ver até 
que ponto podia ir. Era uma vantagem mas também tinha o poten­
cial de criar problemas.
Portanto, os dois momentos de consciência (porta e suco), sua 
preocupação da noite anterior e seu temperamento (e talvez seus 
conflitos), todos diziam o mesmo: “Eu testo e brinco com a frontei­
ra entre o de mais e o de menos. Estico os limites. Existe nisso algo 
intrigante e importante para mim.” Isso não é um mundo sendo 
refletido num grão de areia?
Eu estava preparado para ver o comportamento presente como 
uma representação de padrões psicológicos e comportamentais mais 
amplos. Essa é a essência da hipótese psicodinâmica. Entretanto, 
fiquei surpreso ao ver padrões psicodinâmicos mais amplos refleti­
dos em unidades tão pequenas quanto momentos presentes. Perce­
ber isso abriu-me o caminho para considerar o momento presente, 
assim como o sonho, um fenômeno que merece ser explorado mais 
profundamente com fins terapêuticos. Tal visão acrescenta mais um 
caminho para seguir clinicamente. Retomarei este ponto nos capí­
tulos que tratam de aplicações clínicas.
Este livro aborda amplamente determinados momentos que 
podem mudar o curso da psicoterapia, assim como a vida normal.
40
O PROBLEMA DO "AGORA'
Olhar mais de perto tais momentos proporciona uma visão dife­
rente do processo de psicoterapia, que será explorada por suas im­
plicações clínicas e teóricas.
EXEMPLO 3
Um terapeuta que conheço tinha o hábito de apertar a mão dos 
pacientes quando entravam no consultório. Era um modo de dizer 
olá antes de começarem a trabalhar. E, ao fim de cada sessão, quan­
do o paciente se preparava para sair, apertavam-se as mãos nova­
mente como despedida. Um dia, o paciente contou uma série de 
eventos muito comoventes que o afetaram (assim como ao terapeuta) 
profundamente. O paciente estava triste e quase prostrado. Ao fim 
da sessão, durante o aperto de mão de despedida, o terapeuta pou­
sou a mão esquerda sobre a mão direita do paciente, que ele já 
estava apertando, num aperto de duas mãos. Eles se olharam. Nada 
foi dito. O episódio durou alguns segundos. Também não foi men­
cionado em sessões subseqüentes. Entretanto, o relacionamento 
havia se deslocado em seu eixo. Algo vital foi somado ao que quer 
que tenha sido dito na sessão — alguma coisa tão essencial que toda 
a sessão foi alterada. O momento penetrou a consciência e foi me­
morável. Na verdade, aquele aperto de mão pode se destacar como 
um dos momentos mais memoráveis de toda a terapia. Muitas ve­
zes quando perguntamos a alguém, cinco ou dez anos após a con­
clusão de uma terapia bem-sucedida, quais foram os momentos mais 
importantes ou nodais da terapia que mudaram as coisas, podemos 
muito bem ouvir: “Um aperto de mão que trocamos certo dia, quan­
do eu estava de saída.”
Quero assinalar diversos pontos deste caso que vão se somar ao 
que foi descrito para as entrevistas do café-da-manhã:
• O que quer que tenha ocorrido nesse momento foi entendido 
implicitamente por ambos e nunca precisou ser discutido para
41
O MOMENTO PRESENTE
ter efeito. Criou-se um conhecimento implícito sobre o relacio­
namento deles.
• Cada um sentiu a experiência do outro, e ambos sentiram a par­
ticipação mútua na experiência do outro. Houve, nesse sentido, 
uma interpenetraçãode mentes — um novo estado de inter- 
subjetividade foi criado entre eles.
• Embora o momento tenha sido preparado por múltiplos eventos 
nos minutos e provavelmente semanas e meses precedentes, o 
exato instante de seu aparecimento não foi planejado nem previ­
sível. Surgiu espontaneamente. A vida muda em saltos.
• Durante o momento em questão, uma história se desenrolou, 
ainda que muito curta, mínima e concentrada. Ela foi direta­
mente experimentada, e não escrita ou contada. O momento criou 
um “mundo num grão de areia” que nasceu no instante em que o 
momento era vivido, e não depois.
• O momento ficou gravado na mente de ambos. Mesmo sem ser 
verbalizado, penetrou na memória, pôde ser recordado e tornar- 
se consciente.
EXEMPLO 4
Este exemplo é muito menos carregado; na verdade, é bastante ba­
nal. Aconteceu depois que um grupo de desconhecidos e eu teste­
munhamos uma divertida discussão entre um talentoso mímico de 
rua e uma transeunte. Eu estava sentado nos degraus de um museu, 
virado para a calçada, onde o mímico andava atrás de diversos tran­
seuntes por dez ou vinte metros (vários segundos), imitando o an­
dar, a postura e o aparente estado de espírito das pessoas — 
rapidamente “capturando” algo a respeito delas. Os transeuntes nor­
malmente não se davam conta de que estavam sendo imitados e que 
eram alvo de uma brincadeira. Continuavam caminhando. Então o 
mímico parava, dava meia-volta e seguia o próximo passante, vol­
tando na direção contrária. E assim por diante, para a frente e para
42
O PROBLEMA DO "AGORA"
trás. As pessoas sentadas nos degraus se divertiam. Ele então seguiu 
uma mulher. Mas ela logo percebeu o que estava acontecendo, e 
parou, voltou-se, encarou o mímico e começou a repreendê-lo. Ele 
começou a imitar a repreensão. E ela, a imitar a imitação que ele 
estava fazendo dela. Ele prosseguiu até que os dois caíram na gar­
galhada. Trocaram um aperto de mão e se separaram. Todos aplau­
diram. (Isso não é o exemplo — embora pudesse ser, pois um 
momento foi compartilhado entre o mímico, a mulher e os especta­
dores. Isso é apenas o prólogo.) A essa altura levantei-me para ir 
embora e um casal desconhecido, sentado à minha esquerda, fez o 
mesmo. Nós nos entreolhamos, sorrindo, levantamos as sobrance­
lhas, inclinamos a cabeça de um jeito engraçado, fizemos uma espé­
cie de expressão facial indescritível e abrimos as mãos, as palmas 
viradas para o céu — como se disséssemos: “É um mundo louco e 
divertido.” Eles seguiram seu caminho e eu, o meu.
O importante sobre o momento presente que compartilhei com 
o casal foi que um contato particularmente humano havia sido fei­
to — um contato que reafirmou minha identificação com membros 
da minha sociedade, mental, afetiva e fisicamente. Eu não estava só 
na Terra, eu era parte de algum tipo de matriz humana intersubjetiva 
e psicológica. O efeito durou pouco. Mas foi um bom quebra-galho.
Este livro é sobre esses momentos, particularmente sobre como 
operam na psicoterapia para provocar mudanças.
Diversas características da abordagem adotada aqui são relati­
vamente únicas. Primeiro, o livro explora o arquipélago de ilhas da 
consciência, os momentos presentes, que formam nossa experiência 
subjetiva, mais do que a cadeia montanhosa submarina inconscien­
te (seja ela a psicodinâmica ou a circuitaria neural) que ocasio­
nalmente perfura a superfície para formar as ilhas, que são o primeiro 
plano psicológico, a realidade primária da experiência. O presente 
e a consciência são os centros de gravidade, não o passado e o in­
consciente.
A exploração que o livro faz do processo terapêutico é mi- 
croanalítica e ajustada ao tamanho do momento presente. Vai de
43
0 MOMENTO PRESENTE
um pequeno evento a outro na escala dos segundos. É aí que o 
momento presente é revelado e onde vamos encontrar uma visão 
das coisas diferente.
Finalmente, meu maior interesse reside nos momentos presen­
tes que surgem no contexto da interação de duas os mais pessoas. 
Afinal, nosso interesse principal é o processo psicoterapêutico que 
envolve duas pessoas. Os exemplos da entrevista do café-da-manhã 
se referiam a alguém só. Mas, mesmo quando está sozinha, essa 
pessoa está dirigindo sua atividade mental consciente a outro al­
guém. Pode ser a uma platéia imaginária, a um outro específico ou 
a um de seus selves dependentes de contexto.
A idéia central sobre momentos de mudança é a seguinte: du­
rante esses momentos uma “experiência real” emerge, inesperada­
mente. Essa experiência acontece entre duas (ou mais) pessoas. Diz 
respeito ao seu relacionamento. Ocorre num período de tempo 
muito breve que é experimentado como agora, que é um momento 
presente com uma duração na qual um microdrama, uma história 
emocional, sobre esse relacionamento se desdobra. Essa experiên­
cia vivida em conjunto é compartilhada mentalmente, no sentido 
de que cada pessoa intuitivamente toma parte na experiência do 
outro. Esse compartilhar intersubjetivo de uma experiência mútua 
é apreendido sem precisar ser verbalizado, e se torna parte do co­
nhecimento implícito do relacionamento. O compartilhar cria um 
novo campo intersubjetivo entre os participantes que altera seu re­
lacionamento e lhes permite tomar direções diferentes juntos. O 
momento penetra uma forma especial de consciência e é codificado 
na memória. E, muito importante, reescreve o passado. As mudan­
ças na psicoterapia (ou em qualquer relacionamento) ocorrem por 
meio desses saltos não-lineares nos modos-de-estar-com-o-outro.
A idéia geral é desenhar uma figura da experiência vivida um 
pouco diferente do que normalmente é encontrado no processo 
psicoterapêutico. Eu espero que essa nova visão, através do espelho 
do momento presente, mude muitos aspectos de como pensamos e 
praticamos a terapia.
44
Capítulo 2
A NATUREZA DO MOMENTO PRESENTE
A PRESENTIDADE DA VIDA SUBJETIVA parece evidente. Como poderia 
ser diferente? Entretanto, a noção permanece problemática. As pes­
soas encaram a idéia de viver subjetivamente apenas no presente 
como algo contra-intuitivo. Por exemplo, quando nos lembramos 
de um acontecimento passado, podemos ficar ligeiramente surpre­
sos ao nos darmos conta de que toda a experiência de recordar está 
ocorrendo agora. Podemos estar revivendo algo, mas o reviver está 
acontecendo agora. Intuitivamente sentimos que não estamos de 
volta àquela época. Mesmo a narração de algo que acabou de acon­
tecer está na verdade ocorrendo agora. A narração é uma experiên­
cia do agora, ainda que se refira a um momento presente que ocorreu 
no passado. Temos expectativas em relação ao futuro, mas elas, 
também, estão sendo experimentadas agora. O mesmo vale para 
fantasias, sonhos e revisões pós-fato. Esse estrito confinamento da 
experiência no presente é um aspecto básico de qualquer aborda­
gem fenomenológica.
O sentido de presentidade propõe um desafio às neurociências. 
Como sabemos que algo ocorreu no passado, e quando? Como re­
conhecemos o agora presente? Como o futuro está marcado? Como 
o marcador temporal é inserido no traço de memória e em que
0 MOMENTO PRESENTE
lugar do cérebro isso ocorre? Estes são velhos problemas suscita­
dos de várias formas por muitos, por mais de um século (Bergson, 
1896/1988; Husserl, 1964; James, 1890/1972; Merleau-Ponty, 
1945/1962).
Recentemente, Dalla Barba (2001), entre outros, propôs que a 
consciência não é uma dimensão unitária, mas um conjunto de 
modos distintos de abordar o objeto da consciência. Ele sugeriu 
dois modos: a consciência conhecedora e a consciência temporal. A 
primeira aborda o objeto a fim de conhecê-lo. Já a segunda aborda 
o objeto a fim de temporalizá-lo, em termos de passado, presente e 
futuro. Outros fizeram sugestões semelhantes (por exemplo, 
Chalmers, 1995; Damasio, 2002). É provável que os distúrbios pato­
lógicos de memória resultem de uma dissociação desses dois modos.
São inícios promissores, mas provavelmente a mais difícil tarefa 
de marcação de tempo será saber que estamos no presente.Há muitas 
perguntas sobre a fenomenologia da presentidade para as quais uma 
base neural se mostraria interessante.
A presentidade é algo semelhante a um afeto existencial. As 
neurociências precisam entendê-la e enfrentá-la. Isso é de grande 
importância clínica porque estados de dissociação patológicos po­
dem influir no senso de presentidade. O enactment de memórias 
traumáticas é um caso relevante. Parece haver uma perda do senso 
existencial de ser num presente ou passado sentidos.
O sentido de presentidade parece também exigir um senso de 
self. E o que é isso neurofisiologicamente? (Retornarei em breve a 
esta questão.)
É comum que alguém se sinta apenas parcialmente no mo­
mento presente. Mas, então, onde mais está você? Por exemplo, 
você pode estar presente num compromisso qualquer, aqui e ago­
ra, mas ao mesmo tempo estar preocupado com algo que aconte­
ceu ontem ou está acontecendo agora na sala ao lado. Nessas 
ocasiões, você se sente apenas ligeiramente no momento presen­
te, como se parte de você estivesse em outro lugar, em algum ou­
tro espaço temporal. Mas não existe nenhum outro espaço de
A NATUREZA DO MOMENTO PRESENTE
tempo subjetivo. Você ainda está no momento presente, só que 
existem duas experiências (pelo menos) acontecendo em parale­
lo, como um dueto. Uma experiência pode colidir com aquela que 
está em primeiro plano e empurrá-la para o segundo plano, mas 
você não escapou do presente. Fenomenologicamente, não há como 
se esquivar. Na verdade, experiências no presente podem ser 
polifônicas ou politemporais.
O momento presente é uma unidade de processo subjetiva e 
psicológica da qual se está ciente. A maneira como ele começa e 
termina pode às vezes ser difícil de definir. Merleau-Ponty (1945/ 
1962) descreveu a chegada de um momento presente diante de nós 
como a irrupção de um presente novo em folha — a repentinidade 
de uma lembrança ou um novo pensamento ou nova percepção. 
Não estamos cientes de como ele chegou ali porque o compusemos 
inconscientemente, intuitivamente. Essa irrupção também pode es­
tourar sobre nós como uma onda, ou aparecer quase sem aviso e 
depois desaparecer como uma ondulação no mar.
A DURAÇÃO DO AGORA
Como pode o agora ter uma duração longa o suficiente para algo 
acontecer dentro dele? Ou: como pode devolver o tempo ao mo­
mento presente para que ele seja um acontecimento vivido 
analogicamente em tempo real? A duração do agora depende de 
como concebemos a passagem do tempo. Aqui, precisamos retornar 
à distinção entre chronos e kairos. Em geral, tanto a psicologia quanto 
a psicanálise têm sido capazes de viver com a concepção do presen­
te descrita por chronos. Entretanto, a experiência comum — nosso 
senso objetivo da vida como vivida no nível local do segundo-a- 
segundo — não se dá bem com a idéia de que o presente não tem 
espessura temporal. A experiência de ouvir música, assistir a dança 
ou interagir com alguém requer um presente com uma duração (con­
forme veremos), e assim também a vida no nível local.
47
O MOMENTO PRESENTE
Momentos presentes psicológicos precisam ter uma duração na 
qual coisas aconteçam e ao mesmo tempo ocorrer durante um agora 
único e subjetivo. Um exemplo de música esclarece essa aparente 
contradição: uma frase musical curta é a unidade de processo básica 
da experiência de ouvir música. Uma frase é o análogo musical de 
um momento presente da vida comum. Uma frase musical é intuiti­
vamente apreendida como uma unidade global com fronteiras. Tem 
a duração que é sentida (normalmente entre dois e oito segundos). O 
mais interessante é que a frase musical, quando ouvida, é sentida 
como se ocorresse durante um momento que não é instantâneo, ou 
tampouco parcelado no tempo em pedaços seqüenciais como as ano­
tações escritas. Na verdade, é um todo contínuo e analógico que flui 
durante um agora. Normalmente, apesar de não estarmos cientes da 
passagem do tempo durante um agora, o fluxo de tempo está sendo 
registrado de alguma maneira fora da consciência.
A frase constitui uma entidade global que não pode ser dividida 
sem perder sua gestalt. Não se pode tirar o equivalente a uma foto­
grafia de uma frase musical ouvida no instante em que ela passa. 
Não é um sumário das notas que a formam. A mente impõe à frase 
uma forma à medida que ela se desenrola. Na verdade, seus finais 
possíveis são intuídos antes que ela seja concluída, enquanto ainda 
está passando. Isso eqüivale a dizer que o futuro está implícito em 
cada instante da viagem da frase através do momento presente.
O mesmo se aplica a agrupamentos semelhantes a frases no com­
portamento verbal e não-verbal observado na vida cotidiana e na 
psicoterapia.
Mas retornemos ao problema de encontrar tempo suficiente 
dentro do presente em movimento para que um momento presente 
dure e se desdobre. Como podemos arrombar chronos para criar 
um presente longo o suficiente para acomodar kairos?
Durante séculos esta questão preocupou vários filósofos, entre os 
quais Santo Agostinho (1991), Husserl (1964), Heidegger (1927/ 
1996), Merleau-Ponty (1945/1962), Ricoeur (1984-1988) e Varela 
(1999). Husserl (1913/1930/1980, 1930/1989, 1931/1960, 1962,
48
A NATUREZA DO MOMENTO PRESENTE
1964) forneceu a concepção-chave para encarar o problema. Ele pro­
pôs um momento presente que tem uma duração e que se compõe de 
três partes: um presente-do-momento-presente (não muito diferente 
do instante presente de chronos, o ponto passageiro do tempo em 
movimento), um passado-do-momento-presente e um futuro-do- 
momento-presente. Husserl chamou o passado-do-momento-presente 
de “retenção”. Trata-se de um passado imediato que ainda está eco­
ando no instante atual. Ele o descreveu como a cauda de um cometa. 
✓
E importante notar que esse passado retido ainda se encontra dentro 
do presente sentido. Ainda não foi separado do instante atual pelo 
esquecimento ou afastamento da mente. Assim, não é como a memó­
ria operacional, que pode ficar fora da mente por um breve período 
de tempo mas é prontamente recordada. Nenhuma recordação é 
necessária para o passado-do-momento-presente porque ele ainda 
está no momento presente. O futuro-do-momento-presente foi cha­
mado de “protensão”. Este é o futuro imediato, que é esperado ou 
está implícito no que já ocorreu durante o passado e o presente-dos- 
momentos-presentes. Esse futuro-do-momento-presente faz parte da 
experiência do momento presente sentido porque seu prenúncio, ain­
da que vago, está atuando no instante atual e dá direcionalidade e, 
por vezes, um senso do que está por vir.
Talvez o ponto mais essencial sobre o momento presente com­
posto de três partes seja o fato de que todas as suas partes se mantêm 
juntas, subjetivamente, como uma experiência global, única, unificada 
e coerente, que ocorre num agora subjetivo. (Ver também Varela 
[1999] para uma recente discussão sobre o presente de três partes.)
PROTEGENDO O MOMENTO PRESENTE DO PASSADO 
E DO FUTURO, E ENCONTRANDO UM LUGAR PARA ELE
O momento presente pode tornar-se refém tanto do passado quan­
to do futuro. O passado pode eclipsar o presente, jogando sobre ele 
uma sombra tão densa que só resta ao presente confirmar o que já
49
O MOMENTO PRESENTE
era sabido, pouco podendo acrescentar. Ele é essencialmente apa­
gado. O passado psicodinâmico corre esse perigo. Este é um dos 
motivos pelos quais a psicanálise tem sido capaz de minimizar a 
importância do presente. Ele é visto como apenas mais uma repre­
sentação de padrões passados. O passado se apresenta de muitas 
formas influentes, entre as quais não só a história pretérita do paci­
ente, mas também os objetivos de longo prazo do terapeuta e as 
expectativas do paciente em relação ao tratamento.
O futuro também pode aniquilar o presente reorganizando-o 
tanto e tão depressa que ele se torna efêmero e quase morre. Aque­
les que propõem um papel abertamente determinante para a re­
construção verbal/narrativa pós-fato enfrentam esse risco, porque 
agem como se a única realidade psicológicaclinicamente relevante 
fosse concedida quando a experiência é verbalmente transmitida.
O desafio está em imaginar o momento presente numa espécie 
de equilíbrio dialógico com o passado e o futuro. Se não estiver 
bem ancorado num passado e num futuro, o momento presente vai 
flutuar para longe como um ponto sem sentido. Se estiver exa- 
geradamente ancorado, torna-se diminuído. Além disso, o presente 
tem de ser capaz de influenciar, talvez até o mesmo ponto, tanto o 
passado quanto o futuro, da mesma forma que eles o influenciaram. 
Mais uma vez o exemplo de uma frase musical pode nos ajudar a 
começar a abordar alguns destes problemas. Suponha que a frase 
seja ouvida na ausência de qualquer experiência musical passada; 
em outras palavras, é isenta de valores culturais. Evidentemente, 
isso é impossível. No entanto, estamos biologicamente programa­
dos para sermos capazes de formar uma idéia de como o fim da 
passagem poderia ser (enquanto a frase ainda está se desdobrando) 
com um mínimo de experiência anterior. Princípios de organização 
perceptual (provavelmente universais), como proximidade, boa 
continuação, destino comum e similaridade, foram identificados pela 
psicologia da Gestalt. Estes permitiriam formar futuros possíveis, 
dos quais qualquer um poderia se realizar, à medida que a frase se 
desdobra. A frase então poderia assumir algum tipo de forma sem
50
A NATUREZA DO MOMENTO PRESENTE
experiência anterior. Outras restrições e tendências perceptuais são 
menos ou não absolutamente isentas de valores culturais (ver 
Deutsch, 1999a, 1999b).
Embora não existam platéias musicais isentas de valores cultu­
rais, um interessante experimento se aplica à questão. Schenellenberg 
(1996) mostrou que a certa altura de uma nova frase musical temos 
a habilidade de prever seus finais possíveis. Criamos e impomos 
uma forma à medida que ela está acontecendo, enquanto escuta­
mos, e o fazemos sem pensar. Conforme a frase passa, mas não 
ainda completamente, construímos em nossa mente várias implica­
ções imediatamente futuras do que ainda estamos ouvindo agora. 
Estas noções baseiam-se no modelo de implicação-realização de 
Narmour (1990).
Em termos específicos, se pedirmos a diversas pessoas, separa­
damente, que escutem apenas uma parte de uma frase e depois que 
adivinhem como ela pode terminar, elas concordarão em relação 
aos diversos finais possíveis. Na verdade, ocidentais pouco habitu­
ados à música chinesa, dotada de uma escala tonal diferente, po­
dem concluir uma frase incompleta de música tradicional chinesa, 
imaginando aproximadamente os mesmos finais possíveis para a 
frase que os ouvintes chineses (que também nunca escutaram a fra­
se antes). Quando o experimento é feito ao contrário, o desempe­
nho do ouvinte chinês é tão precário quanto o do ocidental na 
tentativa de prever finais possíveis de uma nova frase de música 
tradicional ocidental. (Músicos experientes se saem melhor.)
Nesse sentido, uma frase musical contém um passado e um fu­
turo imediatos. A forma da frase musical é revelada e capturada 
pelo ouvinte enquanto a crista do instante presente imediato passa 
do ainda ressoante horizonte do passado (do momento presente) 
para o prenunciado horizonte do futuro (do mesmo momento pre­
sente) (Darbellay, 1994). Grande parte do charme de se ouvir músi­
ca reside nas surpresas que o compositor oferece, inventando 
caminhos finais que nos surpreendem mas não violam abertamente 
as implicações que percebemos.
51
O MOMENTO PRESENTE
Parte das composições de música contemporânea é feita exata­
mente para brincar ou romper com nossas implicações que criam 
tendências, ou mesmo paralisá-las.
O ato de dar forma à frase enquanto ela está acontecendo é de 
grande interesse, pois contribui para esclarecer a natureza do ago­
ra, em particular o problema da influência do futuro no presente. 
Em outras palavras, a relação entre acontecimentos e (re)construções 
de acontecimentos. Em música, a forma de uma frase não espera 
que as frases subseqüentes ganhem vida. Alguns pensadores sugeri­
ram que a forma da frase musical só é evidente depois que ela pas­
sou e é captada de novo pela mente. Se isso fosse verdade, nunca 
escutaríamos nada. Apenas “pensaríamos” música. No entanto, essa 
é a posição radical de alguns pensadores psicanalíticos ao conside­
rar o diálogo terapêutico. Eles afirmam que não existe aconteci­
mento (coup) até que este seja apresentado simbolicamente depois. 
Há somente uma (re)construção (après-coup). Só então a experiên­
cia assume sua forma subjetiva pela primeira vez.
Pelo menos na música, a frase assume uma forma unitária e coe­
rente na mente enquanto está acontecendo. E este vai ser o caso de 
muitos outros aspectos da experiência. Também é verdade que a 
(re)construção ocorre de modo penetrante na música, bem como 
em outras experiências da vida.
Muito da riqueza da música deve-se ao fato de cada frase subse­
qüente recontextualizar a anterior, e vice-versa, ad infinitum. Varia­
ções e estruturas temáticas mais amplas contextualizam e 
recontextualizam todas as frases, repetidamente. Todas as re- 
contextualizações modificam os fenômenos, mas não os criam. E este 
é o ponto crucial. Uma experiência coerente foi apreendida durante 
o momento presente, ainda que ela possa ter múltiplos destinos.
Mas o que dizer da ação do passado na determinação da forma 
do momento presente, tanto na música como na vida? Vejamos, 
por exemplo, o estudante de pós-graduação da entrevista do café- 
da-manhã. O ato de despejar o suco de laranja no copo foi em gran­
de parte determinado por suas preocupações da noite anterior e
A NATUREZA DO MOMENTO PRESENTE
por seus traços de personalidade há muito tempo estabelecidos. O 
passado assume muitas formas: por exemplo, esquemas, represen­
tações, modelos, predisposições, expectativas, fantasias originais. 
Estas estruturas do passado encontram os eventos que se desenro­
lam no presente. Um diálogo dinâmico tem início. (O presente tem 
sempre um quê de novidade; possui condições locais próprias e 
únicas. Mesmo que fosse apenas uma repetição exata de algo que 
aconteceu antes, o presente conta com a diferença de ocorrer pela 
segunda vez, o que em si o torna único.) Ele vem sob forte controle 
do passado, que pode ser percebido, alterado ou mesmo surpreen­
dido pelo presente. Da mesma forma, o presente determina quais 
partes do passado serão escolhidas para serem reanimadas e mon­
tadas. Ambos estão sempre atuando um no outro. Narmour (1990, 
1999) defende isso veementemente para a música no presente em 
movimento.
Em resumo, o momento presente nunca é totalmente eclipsado 
pelo passado, nem completamente apagado pelo futuro. Ele retém 
uma forma própria, embora seja influenciado pelo que se passou 
antes e pelo que vem depois. Ele também determina a forma do 
passado que é trazida para o presente e os contornos do futuro 
imaginado. Esse triálogo entre passado, presente e futuro se dá quase 
continuamente de momento em momento na arte, na vida e na 
psicoterapia.
CARACTERÍSTICAS DO MOMENTO PRESENTE
O momento presente tem sido relativa mas não totalmente ignora­
do pela psicologia. Alguns dos trabalhos mais importantes sobre o 
assunto, essenciais para que eu pudesse escrever este livro, foram 
elaborados no século passado. Em suas recentes investigações sobre 
a consciência, a psicologia redescobriu a perspectiva fenomenológica. 
Mas o momento presente como uma entidade psicológica já existia 
muito antes disso, com diversos nomes diferentes: o “presente es­
0 MOMENTO PRESENTE
pecioso” (James, 1890/1972); o “presente pessoal” (W Stem, 1930), 
o “presente real” (Koffka, 1935) e o “presente percebido” ou “pre­
sente psicológico” (Fraisse, 1964). Ele é uma entidade crucial na 
fenomenologia da percepção (Merleau-Ponty, 1945/1962) e nas 
concepções atuais da consciência. Todos eles capturam aspectos li­
geiramente diferentes dessa experiência subjetiva. Algumas dessas 
unidades de processo são mais orientadas para

Continue navegando