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Microbiologia Médica e Imunologia Enf. Rômulo Roberto (adaptado: Obra originalmente publicada sob o título Review of medical microbiology and immunology, 12th edition. Warren Levinson). Virologia Básica Os outros agentes infecciosos descritos neste livro, isto é, bactérias, fungos, protozoários e vermes, são células únicas ou compostos por várias células. Células são capazes de replicação independente, podem sintetizar sua própria energia e suas próprias proteínas, e podem ser visualizadas em microscópio óptico. Em contrapartida, vírus não são células; eles não são capazes de replicação independente, não sintetizam nem sua própria energia nem suas próprias proteínas, e são muito pequenos para serem vistos em microscópios ópticos. Os vírus são caracterizados pelos seguintes determinantes: 1. Os vírus são partículas compostas por um cerne interno contendo ou DNA ou RNA (mas não ambos) coberto por um capsídeo proteico protetor. Alguns vírus possuem uma membrana lipoproteica externa, chamada envelope, externa ao capsídeo. Os vírus não possuem núcleo, citoplasma, mitocôndrias nem ribossomos. Células, tanto procarióticas quanto eucarióticas, possuem tanto DNA como RNA. Células eucarióticas, como células fúngicas, protozoárias e humanas, possuem um núcleo, citoplasma, mitocôndrias e ribossomos. Células procarióticas, como células bacterianas, não possuem divisão entre núcleo e citoplasma, não possuem mitocôndrias, mas possuem ribossomos; portanto, são capazes de sintetizar suas próprias proteínas. 2. Os vírus precisam se reproduzir (se replicar) no interior de células, pelo fato de serem incapazes de gerar energia ou sintetizar proteínas. Como eles só se reproduzem no interior de células, vírus são parasitas intracelulares obrigatórios. (As únicas bactérias que são parasitas intracelulares obrigatórias são clamídias e riquétsias. Elas são incapazes de sintetizar energia suficiente para se replicar independentemente.) 3. Os vírus replicam-se de uma maneira diferente da das células (i.e., não passam por fissão binária ou mitose). Um vírus pode se replicar, gerando milhares de vírus como sua progênie, enquanto uma célula se divide, produzindo apenas duas células-filhas. ÁCIDOS NUCLEICOS VIRAIS A anatomia de dois tipos representativos de partículas virais é apresentada na Figura. O ácido nucleico viral (genoma) é localizado internamente e pode ser tanto DNA de fita simples ou dupla quanto RNA de fita simples ou dupla.1 Apenas vírus possuem material genético composto por DNA fita simples ou de RNA de fita simples ou dupla. O ácido nucleico pode ser pode ser tanto linear quanto circular. O DNA é sempre uma molécula única; o RNA pode apresentar-se em uma molécula única ou em vários fragmentos. Por exemplo, tanto o influenzavírus quanto o rotavírus possuem genoma de RNA segmentado. Quase todos os vírus possuem uma cópia única de seu genoma (i.e., são haploides). Uma exceção é encontrada na família dos retrovírus, cujos membros possuem duas cópias de seu genoma (i.e., são diploides). CAPSÍDEO VIRAL E SIMETRIA O ácido nucleico é cercado por uma cobertura proteica, denominada capsídeo, composta por subunidades denominadas capsômeros. Cada capsômero, composto por uma ou várias proteínas, pode ser visto em microscópio eletrônico como uma partícula esférica, algumas vezes com um orifício central. A estrutura composta pelo genoma de ácido nucleico e pelas proteínas do capsídeo é denominada nucleocapsídeo. O arranjo dos capsômeros fornece à estrutura viral sua simetria geométrica. Nucleocapsídeos virais possuem duas formas de simetria: (1) icosaédrica, na qual os capsômeros são arranjados em 20 triângulos que formam uma figura simétrica (um icosaedro) com um contorno aproximado de uma esfera; e (2) helicoidal, na qual os capsômeros são arranjados em uma espiral oca que apresenta forma de bastão. A espiral pode ser rígida ou flexível. Todos os vírus de humanos que possuem nucleocapsídeo helicoidal são cobertos por uma membrana externa chamada envelope (i.e., não existem vírus helicoidais de humanos não envelopados). Vírus que possuem um nucleocapsídeo icosaédrico podem ser envelopados ou não envelopados (Figura 28-2). A vantagem de construir uma partícula viral com subunidades proteicas idênticas é dupla: (1) há uma redução na necessidade de informação genética, e (2) há favorecimento de automontagem (i.e., nenhuma enzima ou energia é necessária). De fato, partículas virais funcionais foram montadas em tubos de ensaio pela combinação de ácidos nucleicos purificados com proteínas purificadas na ausência de células, fonte de energia e enzimas. PROTEÍNAS VIRAIS As proteínas virais possuem várias funções importantes. As proteínas do capsídeo protegem o genoma de DNA ou RNA de degradação por nucleases. As proteínas na superfície dos vírus medeiam a ligação deles a receptores específicos presentes na superfície da célula hospedeira. A interação de proteínas virais com o receptor celular é um importante determinante de especificidade para espécies e orgãos. Proteínas virais externas são também antígenos importantes que induzem anticorpos neutralizantes e ativam células T citotóxicas para matar células infectadas por vírus. Essas proteínas externas não apenas induzem anticorpos, mas também são alvos deles (i.e., anticorpos ligam-se a essas proteínas virais e impedem [“neutralizam”] o vírus de entrar na célula e replicar-se). As proteínas externas induzem essas respostas imunes após infecção natural e imunização (ver a seguir). Algumas das proteínas internas virais são estruturais (p. ex., as proteínas do capsídeo de vírus envelopados), enquanto outras são enzimas (p. ex., as polimerases que sintetizam o mRNA viral). As proteínas internas virais variam dependendo do vírus. Alguns vírus possuem DNA ou RNA-polimerases ligadas ao seu genoma; outros, não. Se um vírus possui um envelope, então uma proteína de matriz que medeia a interação entre as proteínas do capsídeo e as proteínas do envelope está presente. Alguns vírus contêm proteínas reguladoras no virion em uma estrutura denominada tegumento, que se localiza entre o nucleocapsídeo e o envelope. Essas proteínas reguladoras incluem fatores de transcrição e tradução que controlam tanto processos virais quanto celulares. Membros da família dos herpes-vírus, como o herpes-vírus humano e o citomegalovírus, possuem tegumentos proeminentes e bem-caracterizados. ENVELOPE VIRAL Além do capsídeo e das proteínas internas, existem outros dois tipos de proteínas, ambas associadas ao envelope. O envelope é uma membrana lipoproteica composta por lipídeos derivados da membrana celular do hospedeiro e por proteínas que são vírus- -específicas. Além disso, muitas vezes há glicoproteínas na forma de projeções similares a espículas na superfície, que se ligam a receptores da célula hospedeira durante a entrada do vírus na célula. Outra proteína, a proteína de matriz, medeia a interação entre proteínas do capsídeo e o envelope. O envelope viral é adquirido enquanto o vírus sai da célula por meio de um processo denominado “brotamento” (ver Capítulo 29). O envelope da maioria dos vírus é derivado da membrana externa celular, com a notável exceção dos herpes-vírus, que obtêm seu envelope a partir da membrana nuclear da célula. Em geral, a presença de um envelope confere instabilidade ao vírus. Vírus envelopados são mais sensíveis ao calor, dessecamento, detergentes e solventes lipídicos, como álcool e éter, do que os vírus com nucleocapsídeo não envelopado, que são compostos apenas por ácido nucleico e proteínas do capsídeo. Um fato clínico interessante correlacionado a essa observação é que praticamente todos os vírus transmitidos pela via fecal- -oral (os que precisam sobreviver no ambiente) não possuem um envelope, isto é, são vírus com nucleocapsídeo não envelopado. Esse grupo inclui vírus como o vírus da hepatite A,poliovírus, vírus Coxsackie, ecovírus, vírus Norwalk e rotavírus. Em contrapartida, vírus envelopados são mais comumente transmitidos por contato direto, como pelo sangue ou por transmissão sexual. Exemplos desses vírus incluem o vírus da imunodeficiência humana, o herpes-vírus humano do tipo 2 e o vírus da hepatite B e C. Outros vírus envelopados são transmitidos diretamente por picadas de insetos (p. ex., vírus da febre amarela e vírus do oeste do Nilo) ou por mordidas de animais (p. ex., o vírus da raiva). Muitos outros vírus envelopados são transmitidos de pessoa para pessoa por gotículas de aerossol respiratório, como o influenzavírus, o vírus do sarampo, o vírus da rubéola, o vírus sincicial respiratório e o vírus da varicela- zóster. Se as gotículas não infectarem imediatamente, elas podem secar no ambiente e os vírus envelopados são rapidamente inativados. Observa-se que os rinovírus, que são transmitidos por gotículas de aerossol, são vírus com nucleocapsídeo não envelopado que podem sobreviver no ambiente por períodos de tempo significativos. Portanto, podem também ser transmitidos por mãos que entraram em contato com o vírus em superfícies contaminadas. Conforme descrito anteriormente neste capítulo, as proteínas de superfície dos vírus, sejam proteínas do capsídeo ou glicoproteínas do envelope, são os principais antígenos contra os quais o hospedeiro monta sua resposta imune contra o vírus. Elas também são determinantes de especificidade de tipo (frequentemente chamado de sorotipo). Geralmente, há pouca proteção cruzada entre sorotipos diferentes. Vírus que apresentam múltiplos sorotipos (i.e., possuem variantes antigênicos) exibem uma habilidade aprimorada em evadir as defesas do hospedeiro, uma vez que anticorpos contra um sorotipo não protegem contra outro sorotipo. AGENTES ATÍPICOS SEMELHANTES A VÍRUS Existem quatro exceções aos vírus típicos descritos anteriormente: (1) Vírus defectivos são compostos por ácidos nucleicos virais e proteínas, mas são incapazes de se replicar na ausência de um vírus auxiliar, que fornece as funções faltantes. Vírus defectivos geralmente possuem uma mutação ou uma deleção em parte do seu material genético. Durante o crescimento da maior parte dos vírus de humanos, é produzida uma maior quantidade de partículas defectivas do que de partículas virais infecciosas. A razão entre partículas defectivas e infecciosas pode ser tão alta quanto 100:1. Como essas partículas defectivas podem interferir no crescimento das partículas infecciosas, foi hipotetizado que os vírus defectivos podem auxiliar na recuperação de uma infecção por limitar a habilidade de partículas infecciosas crescerem. (2) Pseudovirions contêm DNA da célula hospedeira no lugar do DNA viral dentro do capsídeo. Eles são formados durante infecções por certos vírus quando o DNA da célula hospedeira é fragmentado e pedaços dele são incorporados no interior do capsídeo proteico. Pseudovirions podem infectar células, mas não se replicam. (3) Viroides consistem apenas em uma única molécula de RNA circular sem capa proteica nem envelope. Existe uma extensa homologia entre as bases do RNA de um viroide, gerando grandes regiões de fita dupla. O RNA é bem pequeno (PM de 1 × 105) e aparentemente não codifica para nenhuma proteína. Porém, viroides replicam, mas o mecanismo ainda não é claro. Eles causam várias doenças em vegetais mas não estão relacionados a nenhuma doença humana. (4) Príons são partículas infecciosas compostas puramente por proteínas (i.e., não contêm nenhum ácido nucleico detectável). Príons são partículas infecciosas compostas inteiramente por proteínas. Eles não possuem DNA nem RNA. • Eles causam doenças como a doença de Creutzfeldt-Jakob e kuru em humanos e a doença da vaca louca e paraplexia enzoótica em animais. Essas doenças são chamadas encefalopatias espongiformes transmissíveis. O termo espongiforme refere-se à aparência semelhante à esponja do encéfalo vista nessas doenças. As proteínas do príon são codificadas por um gene celular. Quando estas proteínas estão na configuração α-helicoidal normal, elas são não patogênicas, mas quando sua configuração muda para folha β-pregueada, elas agregam-se em filamentos que perturbam a função neuronal e resultam nos sintomas da doença. • Príons são altamente resistentes à inativação por luz ultravioleta, calor e outros agentes inativantes. Como resultado, têm sido inadvertidamente transmitidos por hormônios de crescimento humanos e instrumentos neurocirúrgicos. • Por serem proteínas humanas normais, eles não geram resposta inflamatória nem resposta por anticorpos em humanos Replicação CURVA DE CRESCIMENTO VIRAL A curva de crescimento representada na Figura 29-1 mostra que quando um virion (uma partícula viral) infecta uma célula ele pode replicar-se em aproximadamente 10 horas para produzir centenas de virions no interior dessa célula. Essa notável amplificação explica como os vírus se espalham rapidamente de célula a célula. Observa-se que o tempo necessário para os ciclos de crescimento variam; de minutos, para alguns vírus de bactérias, a horas, para alguns vírus de humanos. O primeiro evento mostrado na Figura 29-1 é bastante surpreendente: o vírus desaparece, como representado pela linha contínua que decai até o eixo x. Apesar de a partícula viral não estar mais presente, o ácido nucleico viral continua a funcionar e começa a se acumular no interior da célula, como indicado pela linha tracejada. O tempo no qual nenhum vírus é encontrado no interior da célula é conhecido como período de eclipse. O período de eclipse termina com o aparecimento do vírus (linha contínua). O período de latência, em contrapartida, é definido pelo tempo do início da infecção até o aparecimento do vírus extracelularmente. Observa-se que a infecção inicia com uma partícula viral e termina com várias centenas de partículas virais sendo produzidas; esse tipo de reprodução é exclusivo dos vírus. Alterações da morfologia celular acompanhadas por pronunciadas perturbações de funções celulares começam perto do fim do período de latência. Este efeito citopático (ECP) culmina na lise e morte das células. O ECP pode ser visto em microscopia óptica e, quando observado, é um passo inicial importante no diagnóstico de infecções virais. Nem todos os vírus causam ECP; alguns podem replicar-se causando poucas mudanças morfológicas e funcionais nas células. EVENTOS ESPECÍFICOS DURANTE O CICLO DE CRESCIMENTO Uma visão geral dos eventos está descrita e apresentada de forma diagramática na Figura 29-2. A partícula viral infectante parental liga-se à membrana celular e então penetra na célula hospedeira. O genoma viral é “desnudado” pela remoção das proteínas do capsídeo, deixando o genoma livre para funcionar. São sintetizados o RNA mensageiro e as proteínas precoces; as proteínas precoces são enzimas usadas para replicar o genoma viral. RNA mensageiro tardio e proteínas são, então, sintetizados. Essas proteínas tardias são proteínas estruturais do capsídeo. Os virions da progênie são montados a partir do material genético replicado e das proteínas do capsídeo recém- -produzidas, e são, então, liberados da célula. Outra forma geral de descrever o ciclo de crescimento é a seguinte: (1) eventos precoces (i.e., adsorção, penetração e desnudamento); (2) eventos intermediários (i.e., expressão gênica e replicação do genoma); e (3) eventos tardios (i.e., montagem e liberação). Com esta sequência em mente, cada estágio será descrito de maneira mais detalhada. Adsorção, penetração e desnudamento As proteínas da superfície do virion ligam-se a receptores proteicos específicos na superfície da célula por meio de ligações fracas não covalentes. A especificidade dessa ligação determina o espectro de hospedeiro do vírus. Alguns vírus possuem um espectro limitado, enquanto outros possuemum espectro amplo. Por exemplo, os poliovírus podem entrar somente em células de humanos e outros primatas, enquanto o vírus da raiva pode entrar em todas as células de mamíferos. A especificidade de órgãos de um vírus também é derivada da interação com receptores. Os receptores celulares que já foram identificados são proteínas de superfície que possuem várias outras funções. Por exemplo, o herpes-vírus humano do tipo 1 liga-se ao receptor do fator de crescimento de fibroblastos, o vírus da raiva liga-se ao receptor de acetilcolina, e o vírus da imunodeficiência humana (HIV) liga-se à proteína CD4 de linfócitos T auxiliares. A partícula viral penetra por meio de seu engolfamento por uma vesícula pinocitótica, dentro da qual o processo de desnudamento inicia. O pH baixo no interior da vesícula favorece o desnudamento. O rompimento da vesícula ou a fusão da camada externa do vírus com a membrana da vesícula deposita o cerne do vírus no citoplasma. Os receptores para vírus na superfície celular são proteínas que possuem outras funções na vida da célula. Provavelmente o mais conhecido é a proteína CD4 que funciona como um dos receptores para HIV, mas cuja função normal é se ligar a proteínas do MHC de classe II envolvidas na ativação de linfócitos T auxiliares. Alguns vírus de bactérias (bacteriófagos) possuem um mecanismo especial de entrada em bactérias que não possui equivalente em vírus de humanos ou em vírus de animais ou plantas. Alguns dos bacteriófagos do grupo T infectam Escherichia coli pela ligação de várias proteínas da cauda à superfície celular e então usam lisozimas da própria cauda para degradar uma porção da parede celular. Neste ponto, a bainha da cauda contrai-se, fazendo a ponta do cerne atravessar a parede celular. O DNA viral então entra na célula pelo cerne da cauda, enquanto as proteínas do capsídeo permanecem do lado externo. Agora, é interessante descrever o fenômeno de ácido nucleico infeccioso, pois ele fornece uma transição entre os conceitos de especificidade de hospedeiro descritos anteriormente e de funcionamento precoce do genoma, que será discutido a seguir. Observa-se que a questão é se o genoma purificado é infeccioso. Todos os vírus são “infecciosos” para uma pessoa ou cultivo celular, mas nem todos os genomas purificados são infecciosos. Ácido nucleico infeccioso consiste em DNA ou RNA viral (sem nenhuma proteína) que pode executar o ciclo de crescimento viral em sua totalidade e resultar na produção de partículas virais completas. Isso é interessante a partir de três pontos de vista: (1) A observação de que o ácido nucleico purificado é infeccioso é a prova definitiva de que o ácido nucleico, e não as proteínas, é o material genético. (2) O ácido nucleico infeccioso pode contornar a especificidade do espectro de hospedeiros determinada pela interação entre proteína viral-receptor celular. Por exemplo, apesar de poliovírus intactos só poderem crescer em células de primatas, RNA purificado de poliovírus pode entrar em células de não primatas, passar pelo seu ciclo de crescimento normal e produzir poliovírus normais. Os poliovírus produzidos nas células de não primatas só podem infectar células de primatas porque agora possuem suas proteínas de capsídeo. Essas observações indicam que as funções internas de células de não primatas são capazes de sustentar o crescimento viral depois que a penetração ocorreu. (3) Apenas alguns vírus geram ácido nucleico infeccioso. A razão para isso será discutida posteriormente. Observa-se que todos os vírus são infecciosos, mas nem todos os DNAs ou RNAs virais (genomas) são infecciosos. Expressão gênica e replicação do genoma O primeiro passo na expressão gênica viral é a síntese do mRNA. É neste ponto que os vírus seguem caminhos diferentes dependendo da natureza de seu ácido nucleico e da parte da célula onde eles se replicam (Figura 29-3). Os vírus de DNA, com uma exceção, replicam-se no núcleo e usam a RNA-polimerase dependente de DNA do hospedeiro para sintetizar seu próprio mRNA. Os poxvírus são a exceção porque se replicam no citoplasma, onde não têm acesso à RNA- -polimerase da célula hospedeira. Eles, portanto, carregam sua própria polimerase dentro da partícula viral. O genoma de todos os vírus de DNA consiste em DNA de fita dupla, exceto para os parvovírus, que possuem um genoma de DNA de fita simples (Tabela 29- 2). A maior parte dos vírus de RNA realiza seu ciclo replicativo inteiramente no citoplasma. As duas principais exceções são os retrovírus e os influenzavírus, que possuem um passo replicativo importante no núcleo. Os retrovírus integram uma cópia de DNA do seu genoma no DNA da célula hospedeira, e os influenzavírus sintetizam os genomas de sua progênie no núcleo. Além disso, o mRNA do vírus da hepatite delta é também sintetizado no núcleo dos hepatócitos. O genoma de todos os vírus de RNA consiste em RNA de fita simples, exceto para os membros da família dos reovírus, que possuem um genoma de RNA de fita dupla. O rotavírus é um patógeno humano importante pertencente à família dos reovírus. Os vírus de RNA dividem-se em quatro grupos com estratégias bastante diferentes para sintetizar mRNA. Montagem e liberação As partículas da progênie são montadas pelo empacotamento do ácido nucleico viral dentro das proteínas do capsídeo. Pouco é conhecido sobre os passos exatos do processo de montagem. Surpreendentemente, alguns vírus podem ser montados em tubos de ensaio apenas pelo uso de RNA purificado e proteínas purificadas. Isso indica que a especificidade para a interação reside no RNA e nas proteínas, e que a ação de enzimas e o gasto de energia não são necessários. As partículas virais são liberadas da célula por um dos dois processos descritos a seguir. O primeiro é a ruptura da membrana celular e liberação das partículas maduras; isso geralmente ocorre com vírus não envelopados. O segundo, que ocorre com vírus envelopados, é a liberação dos vírus por brotamento através da membrana celular externa (Figura 29-5). (Uma exceção é a família dos herpes-vírus, cujos membros adquirem seu envelope da membrana nuclear em vez da membrana celular externa.)* O processo de brotamento inicia quando proteínas específicas virais se inserem na membrana celular em sítios específicos. O nucleocapsídeo viral então interage com esses sítios específicos na membrana por meio da proteína de matriz. A membrana celular evagina nesse local, e a partícula envelopada brota da membrana. O brotamento geralmente não danifica a célula, e, em certos casos, a célula sobrevive enquanto produz grandes números de partículas virais por brotamento. LISOGENIA O ciclo de replicação típico descrito anteriormente ocorre na maioria das vezes em que o vírus infecta uma célula. Entretanto, alguns vírus podem usar uma via alternativa, chamada de ciclo lisogênico, na qual o DNA viral se torna integrado no cromossomo da célula hospedeira e nenhuma partícula viral da progênie é produzida nesse momento (Figura 29-6). O ácido nucleico viral continua a funcionar em seu estado integrado de várias maneiras. Umas das mais importantes funções da lisogenia do ponto de vista médico é a síntese de várias exotoxinas em bactérias, como diftérica, botulínica, colérica e toxinas eritrogênicas, codificadas por genes de um bacteriófago integrado (prófago). Conversão lisogênica é o termo aplicado para as novas propriedades que uma bactéria adquire como resultado da expressão dos genes de um prófago integrado. A conversão lisogênica é mediada pela transdução de genes bacterianos de uma bactéria doadora para uma bactéria receptora por bacteriófagos. Transdução é o termo usado para descrever a transferência de genes de uma bactéria para outra por vírus. O ciclo lisogênico ou “temperado” é descrito para o bacteriófago lambda, pois ele é o modelo melhor entendido. Vários aspectosde infecções por vírus causadores de tumores ou herpes-vírus são similares aos eventos do ciclo lisogênico do fago lambda. O estudo de genética viral compreende duas grandes áreas: (1) mutações e o seu efeito na replicação e patogênese; e (2) a interação de dois vírus geneticamente distintos que infectam uma mesma célula. Além disso, os vírus servem como vetores de terapia gênica e de vacinas recombinantes, duas áreas que são uma grande promessa para o tratamento de doenças genéticas e para a prevenção de doenças infecciosas. MUTAÇÕES Mutações no DNA ou RNA viral ocorrem pelos mesmos processos de substituição de bases, deleções e mudança na fase de leitura como as já descritas para bactérias no Capítulo 4. Provavelmente o uso prático mais importante das mutações é a produção de vacinas contendo vírus vivos atenuados. Esses mutantes atenuados perderam sua patogenicidade mas mantiveram sua antigenicidade – eles, portanto, induzem imunidade sem causar doença. Existem dois outros tipos de mutantes de interesse. Os primeiros são variantes antigênicos como os que ocorrem frequentemente com os influenzavírus, que possuem uma proteína de superfície alterada e, portanto, não são mais inibidos pelos anticorpos preexistentes de uma pessoa. O variante pode, então, causar doença, enquanto a linhagem original não. Os segundos são mutantes resistentes a fármacos, que são insensíveis a um fármaco antiviral porque seu alvo, geralmente uma enzima viral, foi modificado. Mutações letais condicionais são extremamente valiosas para determinar a função de genes virais. Essas mutações funcionam normalmente em condições permissivas mas falham em replicar ou expressar o gene mutante em condições restritivas. Por exemplo, mutantes letais condicionais sensíveis à temperatura expressam seu fenótipo normalmente em uma temperatura baixa (permissiva), mas em uma temperatura alta (restritiva) o produto gênico mutante é inativo. Fornecendo um exemplo específico, mutantes sensíveis à temperatura do vírus do sarcoma Rous podem transformar células normais em malignas na temperatura permissiva de 37o C. Quando as células transformadas são mantidas na temperatura restritiva de 41o C, seu fenótipo retorna à aparência e ao comportamento normais. O fenótipo maligno é recuperado quando a temperatura permissiva é restaurada. Observa-se que mutantes sensíveis à temperatura já foram introduzidos na prática clínica. Mutantes sensíveis à temperatura do influenzavírus estão sendo agora usados para produção de vacinas, porque esses vírus irão crescer nas vias aéreas superiores mais frias, onde causam poucos sintomas e induzem anticorpos, mas não crescerão nas vias aéreas inferiores mais quentes, onde podem causar pneumonia. Alguns mutantes deletérios possuem a característica incomum de serem partículas defectivas interferentes. Eles são defectivos porque não podem replicar a não ser que a função deletada seja fornecida por um vírus “auxiliar”. Eles também interferem no crescimento do vírus normal se infectam primeiro e antecipam as funções celulares necessárias. Partículas defectivas interferentes podem contribuir para a recuperação de infecções virais; elas interferem na produção da progênie viral, limitando, assim, a disseminação do vírus para outras células.
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