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Marina Magalhães (@medbymarina) - unit - P8 Desnutrição Infantil Definição 🖤 estado de deficiência ou excesso tanto de macronutrientes quanto de micronutrientes que causa desequilíbrio entre o suprimento de energia, de nutrientes e a demanda do organismo, alterando a garantia na manutenção, no crescimento e nas funções metabólicas. 🖤 a desnutrição energético‐proteica (DEP) pode ser classificada como: primária, quando não há outra doença associada (relacionada à insegurança alimentar), ou secundária, quando há doença relacionada. 🖤 é de fundamental importância identificar a desnutrição no ambiente hospitalar para evitar ou minimizar sua repercussão na evolução dos enfermos. 🖤 do ponto de vista funcional, há dois compartimentos de proteínas regulados diferentemente no corpo: o compartimento somático, representado por proteínas dos músculos esqueléticos, e o compartimento visceral, representado pelo armazenamento de proteínas nos órgãos viscerais, principalmente no fígado. Epidemiologia 🖤 está associada à morte de 56% das crianças menores de 5 anos nos países em desenvolvimento. 🖤 ao longo de cinco décadas (50 a 90) a mortalidade de crianças hospitalizadas com desnutrição grave não mudou, mantendo-se alta e, em alguns locais, chegando a 50%. 🖤 a taxa de mortalidade hospitalar das crianças não deve ultrapassar a 5%. Este percentual de óbitos geralmente ocorre nas primeiras 48 horas de internação. 🖤 no Brasil, a taxa de letalidade hospitalar das crianças com desnutrição grave internadas é de cerca de 20%. 🖤 é frequentemente letal em crianças menores de 5 anos, sendo mais comum em países de baixa renda. 🖤 no Brasil, 15 a 20% dos pacientes são internados já sofrendo de desnutrição por perda, em parte por causa de doença de base, precárias condições socioeconômicas e sistema de saúde pouco equipado para atendê-los precocemente. Tipos 🖤 Marasmo : a principal causa do marasmo na infância é a restrição crônica à ingestão de alimentos. É considerado o estágio final do processo de caquexia. O perfil de avaliação nutricional do paciente portador de marasmo mostra peso inferior a 80% do ideal, prega cutânea de tríceps menor que 3 mm, circunferência muscular do braço inferior a 15 cm, altura inferior a 60% do padrão e hipoalbuminemia não inferior a 2,8 g/dL. Apesar da aparência mórbida, as condições de imuno-competência, cicatrização de feridas e resistência ao estresse moderado estão relativamente conservadas. O quadro desenvolve-se insidiosamente durante meses ou anos, dependendo do grau de restrição alimentar e pode também estar relacionado a anorexia, alcoolismo, doenças do sistema nervoso central ou resposta catabólica a doenças. Pela oferta reduzida de glicose, ocorre depleção do glicogênio hepático com aumento da gliconeogênese para manter a glicemia. Ocorre lipólise, proteólise, cetogênese com o aumento da produção de ácidos graxos e corpos cetônicos para serem usados como fontes de energia pelo organismo. No Marasmo ocorre perda de massa muscular generalizada e acentuada redução do tecido subcutâneo. Os pacientes apresentam-se emagrecidos, desidratados e com sinais de deficiências específicas de minerais ou vitaminas. Os cabelos são esparsos, finos e secos, sem o brilho normal. A pele é seca e fina, com pouca elasticidade. A diminuição da energia gerada acarreta redução no metabolismo basal para conservar a função dos órgãos e o resultado é hipovolemia, bradicardia e hipotermia. Ajustado à época de aparecimento e ao grau da DEP, alterações morfofuncionais do sistema nervoso central (SNC) são esperadas, com mudanças no processo de mielinização do SNC, nas atividades mitóticas dendríticas, produção de neurotransmissores e no amadurecimento da retina. Marina Magalhães (@medbymarina) - unit - P8 A redução na oferta de fosfatos energéticos promove alterações nas bombas iônicas de membrana celular, cursando com sódio corporal elevado e hiponatremia, hipopotassemia, hipercalcemia e maior tendência a edema intracelular. As principais complicações e causas de morte são gastroenterite, desidratação e infecções respiratórias. O marasmo constitui uma adaptação à desnutrição crônica, uma vez que responde ao tratamento nutricional. Mas é importante instituir o tratamento nutricional de forma cautelosa para evitar desequilíbrios metabólicos componentes da síndrome do roubo celular, como hipofosfatemia e insuficiência respiratória. 🖤 Kwashiorkor : é o termo utilizado para descrever a condição resultante da ingestão inadequada de proteínas, mas com quantidade suficiente de energia. É comum em regiões pobres em que a disponibilidade de calorias se dá sem a ingestão de produtos proteicos. A ingestão energética adequada mantém a insulina circulante em níveis normais. A produção de proteínas como albumina e imunoglobulinas não ocorre como deveria pela baixa disponibilidade de aminoácidos, com isso há redução da pressão oncótica, contribuindo para o aparecimento de edemas. Por outro lado, a síntese aumentada de ácidos graxos, devido ao excesso de carboidratos e à redução do transporte de lipídeos no plasma leva à infiltração gordurosa do fígado (esteatose) e hepatomegalia. O quadro clínico do Kwashiorkor inclui edema de membros inferiores, podendo acometer também braços e face. Os pacientes podem apresentar lesões parecidas com as da pelagra nas áreas de edema. A pele torna-se eritematosa e brilhante e em outras regiões mostra ressecamento, hiperceratose e hiperpigmentação. O tecido subcutâneo está preservado, enquanto a massa muscular é escassa. Acoloração dos cabelos torna-se castanho-clara, ruiva ou louro-claro por falta de pigmentação. Os pacientes são pálidos pela anemia, com extremidades frias e cianóticas e tônus e força muscular reduzidos. Quando a carência protéica no Kwashiorkor é sazonal, pode ocorrer o sinal da bandeira, em que surgem faixas transversais de cabelos com diferentes tonalidades (as mais claras representando crescimento de cabelo nos períodos de carência e as mais escuras nas épocas de ingestão mais adequada). As complicações do Kwashiokor são as mesmas do marasmo, embora diarreia e infecções respiratórias e da pele sejam mais frequentes e mais graves. As causas de morte mais comuns são edema pulmonar, broncopneumonia, sepse, gastroenterite e distúrbios hidroeletrolíticos. Laboratorialmente, encontram-se hipoalbuminemia inferior a 2,8 g/dL, transferrina inferior a 150 mg/dL, leucopenia inferior a 1.500 linfócitos/mm3 nea aos antígenos de hipersensibilidade tardia e anergia cutânea aos antígenos de hipersensibilidade tardia. É melhor prevenir do que tratar o kwashiorkor do adulto. A prevenção requer 2 | Página Marina Magalhães (@medbymarina) - unit - P8 reconhecimento precoce dos estados graves hipermetabólicos e administração diária das necessidades protéico-calóricas. 🖤 Desnutrição Protéico-calórica Mista : essa forma combinada de marasmo e kwashiorkor acontece quando um paciente marasmático é submetido a estresse agudo, como trauma cirúrgico ou infecção, de modo que o kwashiorkor se soma à desnutrição calórica prévia. Trata-se de uma condição muito séria por causa da tendência à infecção e outras complicações. Deve ser reconhecida e tratada de imediato. Nutrigenômica da desnutrição 🖤 a expressão gênica pode ser alterada por diferentes componentes da dieta ou do jejum. Por exemplo, a falta de proteína pode diminuir a expressão de genes responsáveis pelo fator de crescimento semelhante à insulina (IGF), contribuindo para o retardo de crescimento frequentemente observado em crianças com desnutrição, e o jejum pode modular a ação de vários hormônios e provocar a alteração de vias de sinalização e expressão gênica. 🖤 acredita-se que o turnover proteico hepático, induzido pelo jejum, quando comparado com o muscular, não se comporta como fonte primária de aminoácidos gliconeogênicos, mas sim para regular a quantidade citoplasmática e fornecer aminoácidos para reações de síntese e oxidação durante a ausência de nutrientes. 🖤 o jejum não causa somente o desequilíbrio na homeostase energética, mas promove uma resposta orquestrada semelhante à resposta de fase aguda, caracterizada por danos teciduais, inflamação, produção de radicais livres e outros tipos de insultos. 🖤 a dieta rica em glúten é capaz de aumentar a expressão de genes envolvidos na síntese e degradação do colesterol hepático. Observa-se aumento da expressão de todos os genes responsáveis pela síntese de colesterol e receptores de LDL, em paralelo com a redução das concentrações séricas de HDL e colesterol total. 🖤 em resumo, a desnutrição causa alterações moleculares, que resultam em modificações fisiológicas no organismo, como resposta de fase aguda, mudança metabólica do anabolismo para catabolismo auxiliado pelo aumento do transporte de nutrientes a partir do tecido periférico, ativação de diversas vias de sinalização e inibição de outras, principalmente aquelas relacionadas à diferenciação celular. Em conjunto, essas alterações resultam em sintomas clínicos, como diarreia, má absorção de nutrientes, aumento da permeabilidade intestinal, enteropatias, bacteremias gram-negativas (entéricas), e resposta imunológica prejudicada. 🖤 no entanto, graças ao surgimento da metagenômica ( análise genômica da comunidade de microrganismos de um determinado ambiente), acredita-se que microrganismos presentes no intestino humano têm papel fundamental na absorção de nutrientes a partir dos alimentos, e em resposta à deficiência de nutrientes. Nesse cenário, a quantidade de calorias deixa de ser fator determinante para o desenvolvimento da desnutrição, e infecções entéricas, resultantes da inflamação intestinal, tornam-se responsáveis pelo aumento da percentagem de crianças desnutridas em países em desenvolvimento. 🖤 a insulina, por estar reduzida na desnutrição, deixa de agir sobre a síntese proteica e muscular, além de reduzir a lipogênese e o crescimento. 🖤 o hormônio de crescimento (GH) está com atividade aumentada, diferentemente do que ocorre com a insulina, a somatomedina e as gonadotrofinas, implicando aumento de síntese de proteínas viscerais e lipólise, redução de síntese de ureia e captação de glicose pelos tecidos. 🖤 as catecolaminas estão a princípio em sua condição normal, no entanto podem aumentar e acarretar aumento da lipólise e glicogenólise. 🖤 os glicocorticóides encontram-se na mesma situação das catecolaminas, podendo ou não estar aumentados. Eles podem aumentar o catabolismo proteico muscular, a lipólise, a gliconeogênese e o turnover das proteínas viscerais, e reduzir as ações do GH referentes às somatomedinas. Por sua vez, o eixo renina-aldosterona aumenta a retenção sódica e hídrica, provocando edema. 🖤 quanto aos hormônios tireoidianos, o T4 pode estar aumentado ou normal e o T3 reduzido, atuando, respectivamente, na diminuição da oxidação de glicose e redução do metabolismo basal. 🖤 as gonadotrofinas estão reduzidas na desnutrição, ocasionando a amenorréia em mulheres. 3 | Página Marina Magalhães (@medbymarina) - unit - P8 Diagnóstico 🖤 toda criança atendida em nível hospitalar deve ter de início,seu estado nutricional criteriosamente avaliado. 🖤 as crianças com desnutrição grave devem ter atendimento e cuidado especializado imediatos, devido à sua maior susceptibilidade a complicações graves e risco de morte. 🖤 quando atendida pela primeira vez, a criança deve ser imediatamente avaliada quanto ao risco de morte. Se houver sinais gerais de perigo (hipoglicemia, desidratação, hipotermia, anemia grave, sinais de infecção ou outros), o tratamento deve começar o mais rápido possível, para redução do risco de morte. 🖤 com a finalidade de classificar o estado nutricional da criança é necessário seguir as etapas: sinais clínicos de edema e classificar, fazendo registro no prontuário e acrescentando o CID 10, quando pertinente; e pesar, medir a estatura (altura ou comprimento) e registrar, respectivamente em gramas e centímetros, no prontuário. 🖤 se apresentar desidratação ou edema, considerar como peso inicial aquele do dia em que essas situações estiverem resolvidas (hidratadas e parada da perda de peso). É necessário anotar o peso diário no gráfico de registro. Na Caderneta de Saúde da Criança, o registro do peso deverá ser anotado por ocasião da internação (peso inicial) e da alta. Caso a internação da criança se prolongue, esta anotação deverá ser feita mensalmente até a alta. 🖤 Classificação da OMS: 🖤 a história nutricional pregressa e atual da criança deve ser detalhada, particularmente nos seguintes aspectos: história da amamentação (duração do aleitamento materno exclusivo e idade da suspensão total do aleitamento materno); início da introdução de alimentos complementares ao leite materno; dieta habitual (tipo, frequência e quantidade); perda de apetite recente; modificações da alimentação em função da doença da criança; pessoa que cuida/alimenta a criança; utensílios utilizados para alimentar a criança (tipo e higienização); prática de estocagem de alimentos já preparados e sua administração à criança; prática de administração de sobras/restos de alimentos de uma refeição para outra; alimentos habitualmente disponíveis no domicílio e utilizados para a alimentação da criança; alimentos habitualmente consumidos pela família, mas que não são dados à criança e razões para a sua não administração; e alimentos preferidos pela criança. 🖤 os antecedentes a serem questionados são: peso e estatura da criança ao nascer; condições de preenchimento da Caderneta de Saúde da Criança (monitoramento do desenvolvimento e do crescimento, imunização, suplementação vitamínica e/ou mineral); marcos de desenvolvimento atingidos (sentar, ficar em pé, etc); doenças e internações anteriores, particularmente por desnutrição e infecções; tratamento nutricional recebido, acompanhamento após a alta e reinternações; ocorrência de diarréia e vômitos atual e nas duas últimas semanas (duração, freqüência e aparência); cor da urina e hora em que urinou pela última vez; contato com sarampo e tuberculose e, em áreas endêmicas, malária; participação em programas de saúde e sociais, inclusive recebimento direto de alimentos ou transferência direta de renda; uso habitual de medicamentos; e histórico de alergia. 🖤 já quanto aos antecedentes familiares deve-se questionar sobre: presença de irmãos menores de 5 anos; antecedentes de internação ou tratamento para desnutrição entre irmãos menores de 5 anos; morte de irmão menor de 5 anos e sua causa, especialmente por desnutrição; responsável/chefe da família; renda familiar (mensal/número de pessoas na família); condição de emprego/trabalho do chefe da família; condições de moradia (água, saneamento básico e tipo e propriedade do domicílio); e comportamento de risco da família (alcoolismo, tabagismo e uso de drogas). 4 | Página Marina Magalhães (@medbymarina) - unit - P8 🖤 Classificação de Gomez: tinha como função a determinação do prognóstico de morbi-mortalidade de crianças hospitalizadas de acordo com a sua condição nutricional. Entretanto, esse critério passou a ser utilizado como classificação nutricional. Essa classificação é preconizada para crianças menores de 2 anos. Nessa faixa etária, o peso é o parâmetro que tem maior velocidade de crescimento, variando mais em função da idade do que do comprimento da criança, o que o torna mais sensível aos agravos nutricionais, sendo o primeiro a modificar-se nestas circunstâncias. A utilização da classificação de Gomez deve ser mais cautelosa quanto mais jovem for a criança, já que sua margem de erro é maior no primeiro ano de vida, levando a uma maior probabilidade de um diagnóstico falso positivo, ou seja, de se classificar uma criança normal como sendo portadora de DEP. Assim, no primeiro trimestre de vida, é recomendável considerar, para avaliação do estado nutricional, o aspecto clínico, vitalidade, movimentação, número de micções, evacuações e sono. Nessa fase, coloca-se como normal o ganho de peso médio de aproximadamente 30g/dia. Caso haja ganho de peso menor ou igual a 20g/dia, estabelece-se a situação de risco nutricional. 🖤 Classificação de Waterlow: baseia-se nos índices de estatura/idade (E/I) e peso/ estatura (P/E). É preconizada para crianças de 2 a 10 anos de idade. Nessa fase, o crescimento é mais lento e constante, predominando o estatural, fazendo com que o peso da criança varie mais em função de sua estatura do que da idade. Como consequência, os agravos nutricionais serão melhor avaliados pela relação E/I, seguida de P/E. 🖤 Exames Complementares: 5 | Página Marina Magalhães (@medbymarina)- unit - P8 Tratamento 🖤 Fase I (Inicial/Estabilização): a) PASSOS 1-2 – TRATAR/PREVENIR HIPOGLICEMIA E HIPOTERMIA: a hipoglicemia é uma importante causa de morte da criança com desnutrição grave nos primeiros dias de tratamento. Por isso, o seu risco deve ser sistematicamente avaliado em toda criança hospitalizada com desnutrição grave. Pode ser causada por infecção sistêmica grave ou período prolongado de jejum (ex: período de 4 ou mais horas decorridos no transporte da criança até o hospital e/ou espera em fila de atendimento). Considera-se que tem hipoglicemia a criança com desnutrição grave cujo nível de glicose sanguínea é inferior a 54 mg/dl (menor que 3 mmol/l). Assume-se que toda criança com desnutrição grave tem hipoglicemia e deve ser tratada para tal imediatamente e, se for possível, a realizar, de imediato, exame laboratorial específico para investigar a gravidade da situação. 6 | Página Marina Magalhães (@medbymarina) - unit - P8 Já a hipotermia , é uma importante causa de morte nessas crianças e, frequentemente, ocorre nas seguintes condições: infecções graves; marasmo; presença de áreas extensas de pele lesada; de idade abaixo de 12 meses. Considera-se que a criança com desnutrição grave tem hipotermia, que requer conduta clínica específica, quando a temperatura axilar está abaixo de 35,0 ºC ou a temperatura retal estiver abaixo de 35,5 ºC ou, ainda, quando a temperatura estiver tão baixa que não possa ser lida no termômetro axilar disponível. Para manter a criança aquecida, podem ser utilizadas as seguintes condutas, que também são medidas preventivas da hipotermia: técnica canguru; agasalhar bem a criança (inclusive a cabeça), de acordo com a temperatura local; cobrir a criança com cobertor previamente aquecido (friccionado, passado a ferro), especialmente em locais de clima frio; colocar aquecedor ou lâmpada próxima à criança. Evitar contato ou proximidade excessiva com a fonte de aquecimento. Não use lâmpadas fluorescentes, que não são úteis para aquecimento e podem causar danos à visão; acomodar a criança em cama que deve estar em uma parte quente da enfermaria, livre de correntes de ar e, quando necessário, manter portas e janelas fechadas; trocar frequentemente as fraldas, roupas e lençóis molhados para conservar a temperatura corporal da criança; evitar exposição ao frio (ex: banho prolongado e exame físico em lugares abertos ou com correntes de ar; deixar a criança dormir junto com sua mãe ou cuidador para receber aquecimento durante à noite; e monitorar a temperatura ambiente (recomenda-se, como ideal, em torno de 25° a 30 °C). Outras condutas importantes que devem estar associadas ao tratamento da hipotermia são: verificar e tratar/previnir hipoglicemia (Passo 1). Toda criança hipotérmica deve ser tratada como hipoglicêmica, quando não for possível fazer o diagnóstico por determinação da glicemia; alimentar a criança imediatamente (Passo 7). Se necessário, reidrate primeiro (Passo 3). Alimente-a a cada 2 horas, inclusive no período noturno. Essa conduta previne a recaída da hipoglicemia e hipotermia; e tratar as infecções associadas de forma apropriada (Passo 5). Toda criança hipotérmica deve ser tratada como tendo infecção subclínica, até confirmação do diagnóstico. b) PASSO 3 – TRATAR A DESIDRATAÇÃO E O CHOQUE SÉPTICO: a desidratação pode progredir de leve à moderada (perda de peso de 5 – 10% e > 10% respectivamente), enquanto o choque séptico progride de "incipiente" para "desenvolvido" à proporção que o fluxo sanguíneo para os órgãos vitais diminui. No caso da criança com desnutrição grave com diarréia, deve-se assumir como tendo algum grau de desidratação e, quando associada a sinais de choque, letargia ou inconsciência, o seu estado clínico é considerado grave. No choque séptico, quando há história de diarréia e desidratação leve ou moderada, a manifestação clínica é mista. Portanto, frequentemente é necessário tratar a criança para ambos: desidratação e choque séptico. Os princípios básicos para o tratamento da desidratação envolvem: usar a via intravenosa (IV) apenas quando há sinais evidentes de choque. Infusão IV na criança com desnutrição grave tem riscos de causar hiperidratação e levar à insuficiência cardíaca congestiva (ou seja, a via oral é a preferencial); e as crianças com desnutrição grave apresentam níveis baixos de potássio e altos de sódio corporal. Portanto, a solução para reidratação oral dessas crianças deve ter menos sódio e mais potássio que a solução padrão de reidratação oral preconizada pela OMS e deve estar associada a uma mistura de minerais e eletrólitos. A quantidade de RESOMAL a ser administrada via oral ou nasogástrica (NG) é de 70 a 100ml por Kg de peso. Administrar esta quantidade durante 12 horas, em velocidade mais lenta que para as crianças que não apresentam desnutrição grave. Começar com 5ml/Kg de peso a cada 30 minutos, durante as primeiras 2 horas. A seguir, 6–10ml/Kg de 7 | Página Marina Magalhães (@medbymarina) - unit - P8 peso/hora durante as próximas 4 a 10 horas. Deve-se monitorar a criança a cada hora, verificando a quantidade de soro administrado e a velocidade de administração. Como orientação prática, as crianças abaixo de 2 anos devem receber 50–100ml de RESOMAL depois de cada evacuação com fezes amolecidas, enquanto que as crianças maiores de 2 anos devem receber 100–200ml. Deve-se continuar este tratamento até quea diarréia tenha parado. A oferta de soro de reidratação RESOMAL deve ser feita em períodos alternados com a amamentação ou com o preparado alimentar inicial, de hora em hora. Para as crianças que podem deglutir, dar a quantidade necessária, em copinho ou com colher, em intervalos curtos, de alguns minutos. Para as crianças debilitadas e que não conseguem beber voluntariamente o soro em quantidade suficiente, dar o RESOMAL por sonda nasogástrica, na mesma velocidade. Começar a dar a dieta de preparado alimentar inicial tão logo quanto possível, oralmente ou por sonda NG, usualmente dentro de 2-3 horas após iniciar a reidratação. Se a criança estiver alerta e bebendo, da-se a dieta de preparado alimentar inicial imediatamente, mesmo antes que a reidratação esteja completa. Usualmente, a dieta e o RESOMAL são dadas em horas alternadas. Se a criança vomitar, deve-se dar a dieta por sonda NG. Quando a criança parar de evacuar fezes aquosas, continua-se a alimentação oferecida por via oral. A reidratação está completa quando a criança não estiver mais com sede, estiver excretando urina de cor clara e em quantidade abundante e outros sinais de desidratação tiverem desaparecido. A reidratação oral deve ser suspensa a qualquer momento se a criança apresenta algum ou todos dos seguintes sinais de hiperhidratação: frequência respiratória e de pulso aumentam; as veias jugulares se tornam ingurgitadas; e/ou há um edema crescente (exemplo: pálpebras inchadas). A infusão intravenosa (IV) para reidratação em uma criança com desnutrição grave está indicada apenas nos casos de colapso circulatório causado por desidratação grave, choque séptico, hipoglicemia severa, vômitos intensos, íleo paralítico e em algumas outras raras situações. Já o choque séptico pode ser reconhecido antes que a hipotensão ocorra, por meio de uma tríade clínica que inclui: hipo ou hipertermia, estado mental alterado (criança letárgica ou inconsciente), enchimento capilar lento maior que 2 segundos ou 3 segundos – choque frio – ou enchimento capilar rápido – choque quente –, pulsos periféricos reduzidos (choque frio) ou oscilantes (choque quente) e débito urinário reduzido (menor que 1ml/Kg/hora). Em caso de choque, remover a criança de imediato para a Unidade de Tratamento Intensivo. Se 8 | Página Marina Magalhães (@medbymarina) - unit - P8 a criança já não estiver em hidratação venosa, puncionar uma veia para administração de medicamentos e soro intravenoso e, se possível, para coleta de sangue para exames. Comece a reidratação IV imediatamente. Dê solução preparada com solução salina a 0,9% e glicose a 10% (na proporção de 1:1), resultando em uma solução a 0,45% de solução salina e glicose a 5%. Administre antibioticoterapia de amplo espectro e mantenha a criança aquecida e faça a higiene inicialmente com pano úmido ao invés de banho de imersão. É necessário verificar o pulso e a frequência respiratória no início e, depois, a cada 5-10 minutos. Se houver algum sinal de insuficiência hepática (ex: púrpura, icterícia, fígado aumentado e doloroso), dê uma dose única de 1 mg de vitamina K1 por via intramuscular. c) PASSO 4 – CORRIGIR OS DISTÚRBIOS HIDROELETROLÍTICOS: é importante ressaltar que embora o sódio plasmático possa ser baixo, existe excesso de sódio corporal. A administração de altas quantidades de sódio como, por exemplo, por meio do soro fisiológico, pode levar a criança a óbito. Edema de desnutrição nunca deve ser tratado com diurético. A OMS recomenda a adição de potássio e magnésio extras nos preparados alimentares dessas crianças (3-4 mmol/Kg/dia e 0,4-0,6 mmol/Kg/dia, respectivamente). As crianças com desnutrição grave também apresentam deficiência de zinco, cobre, selênio, ferro e de vitaminas (vitamina A e ácido fólico). As deficiências de zinco e vitamina A prejudicam a função do sistema imunológico e têm efeito direto sobre a estrutura e função da mucosa. A deficiência de ferro se caracteriza por neutropenia e anemia microcítica. A função cardíaca está prejudicada na deficiência de selênio. A suplementação com zinco reduz a incidência de diarréia e pneumonia e melhora o crescimento. A suplementação com vitamina A tem demonstrado impacto positivo na redução da morbidade e mortalidade por diarréia e sarampo. A suplementação com ferro previne/corrige a deficiência deste micronutriente e melhora a cognição e o crescimento da criança, mas não é recomendada na fase de estabilização inicial de tratamento da criança com desnutrição grave, porque piora a infecção que ocorre neste período. A correção dos distúrbios hidroeletrolíticos pode ser feita de três maneiras: pela reidratação oral, pela reidratação intravenosa e pela alimentação (preparados alimentares). Estas maneiras não são excludentes entre si. d) PASSO 5 – TRATAR INFECÇÃO: o processo infeccioso é suspeitado apenas porque a criança está apática ou sonolenta. Dessa forma, presume-se que todas as crianças com desnutrição grave tenham infecção que frequentemente é subclínica (infecção oculta), e devem receber antibioticoterapia desde o início do tratamento. São indicativos de infecção grave: a hipoglicemia, a hipotermia, a letargia ou inconsciência, a incapacidade da criança de mamar ou beber líquidos ou ainda a aparência de estar gravemente doente. O tratamento com antibióticos deve ser iniciado de imediato para todas as crianças. Sempre que possível, coletar as culturas indicadas, antes de iniciar a antibioticoterapia.9 | Página Marina Magalhães (@medbymarina) - unit - P8 Se a anorexia persiste depois de 7 dias de tratamento de antibiótico, mantenha o tratamento até completar 10 dias. Bactérias patogênicas podem começar a crescer no intestino delgado. A OMS recomenda que seja dado o metronidazol: 7,5mg/Kg de peso, 3 vezes ao dia, durante 7 dias, a todas as crianças admitidas com desnutrição grave. Para infecções por parasitas, dê 100 mg de mebendazol, 2 vezes ao dia, durante 3 dias, por via oral. Aplicar vacina com a tríplice viral (sarampo, caxumba, rubéola) aos 12 meses, com reforço entre 4-6 anos de idade. Ao ser hospitalizada, toda criança, esteja com desnutrição ou não, deve ter seu calendário de vacinação avaliado. Se incompleto, o hospital deve providenciar o mais rápido possível a sua atualização. Por ocasião da alta hospitalar, as orientações a respeito das demais doses faltantes devem ser reforçadas junto à mãe ou ao cuidador. e) PASSO 6 – CORRIGIR AS DEFICIÊNCIAS DE MICRONUTRIENTES: é importante realizar um exame cuidadoso dos olhos da criança com desnutrição grave para identificação da presença ou ausência de manifestações clínicas oculares decorrentes da hipovitaminose A. Toda criança com desnutrição grave que permanece com os olhos fechados é suspeita de lesão ocular por hipovitaminose A e deve ter seus olhos examinados com atenção. Hipovitaminose A : em crianças sem manifestações oculares deve-se fazer a administração rotineira de vitamina A, em dose única, de acordo com a idade, no primeiro dia de internação, exceto se a criança já recebeu a vitamina A há 30 dias ou menos, da data de internação. Já em crianças com manifestações oculares (cegueira noturna, xerose conjuntival, xerose corneana ou ulceração de córnea ou ainda o amolecimento da córnea – queratomalácia), devem ser tratadas com megadoses de vitamina A, com a finalidade de evitar a cegueira. Dê preferência à administração por via oral usando a preparação de base oleosa. No caso de não poder usar a via oral, porque a criança está com vômito, inconsciente ou em anorexia intensa, usar solução aquosa por Via Intramuscular nas mesmas dosagens específica para a idade. Alguns procedimentos complementares são a proteção dos olhos da criança com compressas úmidas em solução salina de 0,9% e pingue gotas oftálmicas de tetraciclina a 1%, 4 vezes ao dia, até que os sinais de inflamação desapareçam; pingar nos olhos uma gota de solução de atropina a 1%, três vezes ao dia, durante 3 a 5 dias; e tamponamento de olhos lesados, pois pode haver ruptura da córnea ulcerada devido às escoriações provocadas pelo contato do dedo da criança ao tocar seus próprios olhos. Um procedimento básico é colocar luvas na criança. Deficiência de outras vitaminas : essas outras vitaminas podem ser riboflavina, ácido ascórbico, piridoxina, tiamina de vitaminas lipossolúveis (K, E e D). Estas vitaminas, se disponíveis, devem ser administradas nos preparados alimentares. Em alguns casos, o acréscimo dessas vitaminas aos preparados alimentares pode alterar o sabor prejudicando a aceitação pela criança. Nesse caso recomenda-se a administração direta da suplementação de vitaminas hidrossolúveis e lipossolúveis disponíveis no comércio, por via oral. O ácido fólico deve também ser administrado na dose de 5 mg, no 1° dia e, a partir daí, administrar 1 mg/dia por, no mínimo, duas semanas. Como a maioria destes complexos estão associados a minerais, é importante certificar-se de que eles não contenham ferro em sua composição, pois este só deve ser dado a partir da segunda semana de tratamento depois que a criança começar a ganhar peso. Deficiência de Ferro : a administração de ferro não deve ser iniciada no primeiro dia de tratamento para recuperação da criança com desnutrição, porque pode piorar a lesão tecidual e a infecção, por facilitar o crescimento de bactérias patogênicas. A OMS e o Departamento Científico de Nutrição da SBP recomendam iniciar o tratamento com ferro a partir do momento em que a criança começa a ter bom apetite e ganhar peso (geralmente na segunda semana de tratamento). A partir desse momento, 10 | Página Marina Magalhães (@medbymarina) - unit - P8 administre ferro elementar (3 a 4mg/Kg peso/dia, por via oral). Os níveis de Hemoglobina (Hb) abaixo de 4g/dl (anemia muito grave) ou entre 4–6 g/dl (anemia grave), associados a dificuldades respiratórias, e sinais de insuficiência cardíaca (taquicardia e hepatomegalia), são denominados aqui como “anemia grave”. O tratamento da anemia grave deve ser feito com papa de hemácia (10ml/Kg de peso), infundida lentamente, durante um período de 3 horas. É preferível não usar o sangue total, pois há risco de hipervolemia e insuficiência cardíaca congestiva. Durante a transfusão, monitore o pulso e a frequência respiratória da criança em intervalos de, no máximo, 15 minutos. Se a frequência respiratória aumentar em 5 incursões por minuto e/ou o pulso em 25 batimentos por minuto, transfundir a papa de hemácia mais lentamente. Não repita a transfusão de sangue mesmo se a hemoglobina se mantiver baixa. A tendência da criança é melhorar os níveis de hemoglobina à medida que ela vai se recuperando. O tratamento estará completo após a introdução da suplementação de ferro. Dermatose secundária à deficiência de zinco : a deficiência de zinco é comum em crianças com Kwashiorkor e Kwashiorkor-Marasmático e as lesões de peleque apresentam, melhoram rapidamente com a suplementação com zinco. Outras medidas que podem ser utilizadas são: nas áreas afetadas, por 10 minutos, utilizar compressas de gases embebidas em solução de permanganato de potássio a 1%; manter a região do períneo seca, aumentando a frequência de trocas de fraldas; e aplicar cremes de barreira (óleo de zinco) nas áreas sem epiderme e, violeta genciana ou creme de nistatina, nas feridas ou ulcerações. f) PASSO 7– REINICIAR A ALIMENTAÇÃO CAUTELOSAMENTE: na fase de estabilização (que se inicia no primeiro dia e pode ir até o sétimo dia de internação), a quantidade e tipo de alimento são importantes. A via oral é a preferencial para administrar a alimentação, sendo a via nasogástrica restrita apenas às condições descritas neste manual. A via oral deve ser retomada tão logo quanto possível e o objetivo é suprir a quantidade de energia e proteína suficientes para manter os processos fisiológicos básicos da criança. A estabilização pode durar de 1 a 7 dias, de acordo com a evolução da criança. Frequentemente dura apenas 3 dias. Nessa fase, a oferta líquida total, não deve ultrapassar o volume de 120 a 140 ml/Kg de peso/ dia, incluindo o volume das preparações e de soro (oral e venoso) administrados. Se há edema, usar o menor valor e, se houver perdas por vômitos e/ou diarréia, aumentar a oferta conforme a orientação específica contida no Passo 3. Fornecer no máximo 100 Kcal/Kg de peso/dia (mínimo aceitável de 80 Kcal/Kg de peso/dia) e 1 a 1,5 g de proteína/Kg de peso/dia. Estes valores são essenciais para manter os processos fisiológicos básicos da criança. Se o teor nas 24 horas for menor de 80 Kcal/Kg de peso/dia a criança continuará em fase de catabolismo e seu estado nutricional tenderá a piorar. Se for superior a 100 Kcal/Kg de peso/dia, a criança pode sofrer problemas metabólicos que interferirão na sua recuperação, podendo inclusive levá-la à morte. O preparado alimentar inicial contém 75 Kcal/100ml e 0,9g proteína/100ml, e é o recomendado nessa fase do tratamento porque é o que melhor atende às características fisiopatológicas e às metas nutricionais estabelecidas. Oferecer em pequenos volumes e em intervalos frequentes, de preferência de 2 em 2 horas (dia e noite), principalmente para as crianças com maior risco. As refeições noturnas são muito importantes para a boa evolução da criança. A administração por sonda nasogástrica só deve ser feita se a criança não aceitar o equivalente a 80 Kcal/Kg de peso/dia. Se a criança estiver recebendo leite materno continue a amamentação, garantindo a manutenção da técnica adequada. Assegure-se que ela receba primeiro o preparado alimentar, pois o valor calórico fornecido pelo leite materno, nesse caso, não é suficiente para assegurar a velocidade de crescimento rápido que a criança com desnutrição grave necessita para atingir a sua reabilitação. Caso a criança seja alimentada por sonda nasogástrica deve-se manter este método até que ela aceite, por via oral, 3/4 do total da dieta das 24 horas ou que aceite o volume total da preparação, em duas refeições consecutivas. Após a retirada da sonda, o volume de refeição da criança deve ser rigorosamente monitorado nas primeiras 48 horas. 11 | Página Marina Magalhães (@medbymarina) - unit - P8 Tanto na fase de estabilização como na de recuperação nutricional deve ser feita a observação e registro diário dos seguintes dados. Se o volume total ingerido, depois de descontadas as perdas, não atingir 80 Kcal/ Kg de peso/dia, insista gentilmente para que a criança aceite todo o volume oferecido, em cada preparação. Caso ela recuse, administre o volume restante por sonda nasogástrica. g) PASSO 8 – RECONSTRUIR OS TECIDOS PERDIDOS (FASE DE REABILITAÇÃO OU DE CRESCIMENTO RÁPIDO): o retorno do apetite é o indicador de que a criança está pronta para entrar nessa fase, o que usualmente ocorre depois de, no máximo, uma semana de internação e implementação do tratamento de estabilização. Durante esta fase de reabilitação, é necessária uma abordagem intensiva para atingir ingestão muito alta e o crescimento rápido (ganho de peso maior que 10g/Kg/dia). É essencial fazer a transição gradual e criteriosa entre o preparado alimentar usado na fase inicial e o preparado da fase de crescimento rápido ou de fase de reabilitação. Isto evita a ocorrência de sobrecarga cardíaca e até de consequente insuficiência cardíaca que pode levar a criança à morte. I . Faça uma transição gradual do preparado alimentar inicial para o preparado de crescimento rápido da fase de reabilitação, o qual contém 100 Kcal/100ml e 2,9 g proteína por 100ml. Durante 48 horas, substitua o preparado alimentar inicial pela mesma quantidade do preparado alimentar de crescimento rápido, mantendo a mesma frequência de alimentação. A partir daí, aumente 10 ml em cada refeição, de forma que o volume de cada uma delas seja 10ml maior que o da refeição anterior. II . Após a transição gradual, ofereça refeições frequentes de 4 em 4 horas, de acordo com a aceitação da criança. Geralmente a criança nessa fase de crescimento rápido deve receber cerca de 200 ml/Kg de peso/dia do preparado alimentar. Neste caso, uma criança de 7 Kg deve receber um volume aproximado nas 24 horas de 1400 ml (7x200 ml), de 4 em 4 horas (233 ml por refeição). Nesta fase, a criança deverá estar recebendo um total decalorias na faixa de 150-220 kcal/ Kg de peso/dia e um total de proteínas na faixa de 4 a 5 g/Kg de peso/dia. Crianças menores de 24 meses: se a criança é amamentada, encoraje-a a continuar, mas, assegure-se da quantidade adequada de calorias e nutrientes para a recuperação nutricional, oferecendo o preparado alimentar de crescimento rápido antes do leite materno. Crianças maiores de 24 meses: podem receber dieta livre adequada para sua idade, desde que se garanta o conteúdo calórico-proteico necessário para sua recuperação e que possua boa aceitação por parte da criança. Mesmo neste caso, o preparado alimentar deve continuar a ser oferecido, entre as principais refeições, para garantir a absorção adequada de minerais contidos no mesmo. h) PASSO 9 – AFETIVIDADE, ESTIMULAÇÃO, RECREAÇÃO E CUIDADO: para que a reabilitação nutricional tenha sucesso é fundamental garantir a estimulação física e sensorial da criança porque a desnutrição grave leva ao atraso do desenvolvimento físico e psicosocial. Se esta reabilitação não for realizada adequadamente, este atraso poderá ser ainda maior e levar a seqüelas a longo prazo. Deve-se ter cuidados com a criança, um ambiente estimulantes, atividades lúdicas e recreativas, a prática de atividades físicas possíveis e encorajamento do cuidador. 🖤 Fase de Acompanhamento: i) PASSO 10 – PREPARAR PARA A ALTA E O ACOMPANHAMENTO APÓS A ALTA: a criança com desnutrição grave é considerada recuperada quando seu peso/altura atinge 85- 90% da mediana do padrão NCHS (–1dp). Isto geralmente ocorre dentro de quatro a oito semanas de internação. Não é recomendado que a criança permaneça hospitalizada durante o tempo para completa recuperação, porque 12 | Página Marina Magalhães (@medbymarina) - unit - P8 existe o risco de infecção hospitalar cruzada, além da demanda de alta rotatividade de leitos hospitalares no SUS. A criança pode ter alta antes de sua completa recuperação desde que com a garantia de seu acompanhamento nos ambulatórios dos hospitais ou centros de saúde, nos centros de recuperação nutricional, e nas visitas domiciliares pela equipe da Estratégia de Saúde da Família. Os profissionais de saúde devem aconselhar a família sobre a necessidade de ministrar vitamina A a cada 6 meses e receber imunizações de reforço, caso o Calendário de Vacinação da criança esteja incompleto para sua idade. No caso de óbito, registrar o CID correspondente ao último diagnóstico nutricional no prontuário, na AIH e no atestado de óbito. Discutir com a equipe as causas que levaram ou contribuiram para o óbito. Políticas de Saúde 🖤 Fome Zero: o Projeto Fome Zero partiu de um diagnóstico de que o Brasil não teria, até então, uma política geral de segurança alimentar e que a vulnerabilidade à fome atingiria um contingente de 44 milhões de brasileiros (27,8% da população). Basicamente, o Projeto Fome Zero buscava atacar o problema da insegurança alimentar a partir da melhoria do nível de renda da população considerada pobre, uma vez que o problema da fome no Brasil está muito mais relacionado com a insuficiência de renda do que, propriamente, com a falta de oferta ou escassez de alimentos. O projeto apontava que a pobreza é resultado de um modelo de crescimento perverso, assentado em salários muito baixos e que levava à crescente concentração de renda e ao desemprego. A decorrência disso era que a questão da fome no Brasil envolve “três dimensões fundamentais: primeiro, a insuficiência de demanda, decorrente da concentração de renda, dos elevados níveis de desemprego e subemprego e do baixo poder aquisitivo dos salários pagos à maioria da classe trabalhadora. Segundo, a incompatibilidade dos preços atuais dos alimentos com o baixo poder aquisitivo da maioria da sua população. E a terceira, a exclusão daquela parcela da população mais pobre do mercado, muitos dos quais trabalhadores desempregados ou subempregados, velhos, crianças e outros grupos carentes, que necessitam de um atendimento emergencial”. Assim, o eixo central do Projeto estava “na conjugação adequada entre as chamadas políticas estruturais – voltadas à redistribuição da renda, crescimento da produção, geração de empregos, reforma agrária, entre outros – e as intervenções de ordem emergencial, muitas vezes chamadas de políticas compensatórias”. No campo das políticas específicas, que seriam aquelas destinadas a promover a segurança alimentar e nutricional e combater diretamente a fome e a desnutrição dos grupos populacionais mais carentes, o Projeto propunha um conjunto de ações, sendo o Programa Cupom Alimentação – PCA apresentado como inovador devido ao seu caráter massivo capaz de atingir todas as famílias e pessoas vulneráveis estimadas. A proposta do PCA – depois transformada no Cartão Alimentação – era gerar uma demanda ampla por alimentos e, em decorrência disto, aumentar a geração de emprego e renda por meio da maior circulação local de moeda e da produção local de alimentos. O PCA visava “direcionar a capacidade de gasto adicional dos consumidores mais pobres para a aquisição de alimentos, estimulando a produção dos pequenos agricultores locais, um setor de reconhecida capacidade ociosa no País”. Além disso, o programa seria complementar a outros programas de transferência de renda e suas condicionalidades, como o Bolsa Escola e o Bolsa Alimentação. A proposta era iniciar a implantação do PCA a partir de cadastros já existentes, como dosassentados da reforma agrária e de programas de 13 | Página Marina Magalhães (@medbymarina) - unit - P8 transferência de renda de forma gradual para que a ampliação da oferta local/regional de alimentos e o comércio pudessem acompanhar o aumento da demanda dando prioridade inicial para as regiões afetadas pela seca no Nordeste. Além disso, também constavam: ampliação e redirecionamento do Programa de Alimentação do Trabalhador – PAT, priorizando os trabalhadores de mais baixa renda; distribuição de alimentos em caráter emergencial para as populações atingidas por calamidades naturais (secas e enchentes, por exemplo) e os novos assentados da reforma agrária, por um período determinado; combate à desnutrição materno-infantil, por meio do fornecimento de produtos alimentares, como o leite, e de nutrientes básicos, como ferro e vitaminas, para as crianças inscritas nas redes públicas de serviços de saúde e de assistência social. As políticas locais envolviam todos os níveis de governo no combate à fome a partir de programas já implantados com sucesso em muitos municípios, sendo diferenciados segundo as áreas de residências (áreas urbanas metropolitanas, áreas urbanas não metropolitanas e áreas rurais). Para as regiões metropolitanas foram sugeridos: multiplicação de Restaurantes Populares e Bancos de Alimentos; modernização de equipamentos de abastecimento como varejões, sacolões, compras comunitárias e parceria com supermercados. Para áreas urbanas não metropolitanas ou pequenas e médias cidades, os instrumentos se repetem, mas com características diferenciadas: Bancos de Alimentos, parceria com varejistas; modernização dos equipamentos de abastecimento; incentivo à agricultura urbana, por meio de instrumentos como feiras do produtor e sistemas de entrega em domicílio de produtos frescos, cursos de formação para implantação de hortas nas escolas, cadastro de terrenos urbanos sem uso para produção de hortas e a cessão para produção, por tempo determinado previamente, para pessoas interessadas e sem emprego. Para as áreas rurais foram valorizadas as políticas de apoio à agricultura familiar, como a preferência de compra pública derivada da demanda institucional (merenda escolar, creches, hospitais, restaurantes populares etc.), em favor dos agricultores familiares; assistência técnica; apoio à comercialização e infraestrutura; e políticas de apoio à produção para autoconsumo, por meio da doação de sementes, insumos e ferramentas específicas para uso em hortas e jardins, bem como matrizes para iniciar a criação de pequenos animais. Conforme consta na cartilha “Política de Segurança Alimentar para o Brasil”, do MESA, a formulação do programa Fome Zero é apresentada em três eixos: implantação de políticas públicas; construção participativa da Política de Segurança Alimentar e Nutricional; e mutirão contra a fome. 🖤 Bolsa Família: o Programa Bolsa Família (PBF) foi responsável por duas evoluções importantes para o sistema brasileiro de proteção social: unificou diversos programas similares já existentes, mas que operavam separadamente, eliminando lacunas, sobreposições e ineficiências; e conferiu uma nova dimensão ao sistema, ao passar a atender também à população pobre em idade ativa, alcançando grupos que contavam com baixíssima cobertura da proteção social, especialmente as crianças. Antes do PBF, o sistema era caracterizado por benefícios contributivos (previdência social) e não contributivos (Benefício de Prestação Continuada – BPC) para pessoas que perderam a capacidade produtiva. No que tange à educação, o Bolsa Família proporciona menores taxas de abandono e maiores taxas de progressão entre os beneficiários. E quanto mais tempo a família permanece no programa, maiores os impactos. Na saúde, além da contribuição do PBF para a redução da mortalidade infantil, identificou-se que as crianças beneficiárias apresentam maiores taxas de vacinação, e as mulheres grávidas fazem mais consultas de pré-natal que as não beneficiárias de igual perfil. Conjuntamente, o Bolsa Família e o Cadastro Único proporcionaram uma base sólida para a expansão e a consolidação, de forma articulada, das políticas voltadas à população mais vulnerável. Ao mesmo tempo, o BSM representa um desafio constante para a qualidade do Cadastro Único e do PBF, pois seu sucesso depende da boa cobertura e da focalização de ambos. O Programa Bolsa Família (PBF) associa transferência de renda e acesso aos direitos sociais básicos de saúde, alimentação, educação e assistência social às famílias que se encontram em circunstâncias de pobreza e de extrema pobreza, buscando superar sua condição de vulnerabilidade. 14 | Página Marina Magalhães (@medbymarina) - unit - P8 A condicionalidade de educação do PBF exige frequência escolar de 85% para crianças e adolescentes de 6 a 15 anos, e de 75% para jovens de 16 e 17 anos. No caso de descumprimento, as escolas precisam registrar os motivos. Estabelece-se um canal de diálogo com as famílias, com advertência, bloqueio, suspensão e, em casos extremos, cancelamento do benefício. As famílias são constantemente alertadas e orientadas, por mensagens no extrato e envio de cartas. Para as que apresentam casos reiterados de descumprimento, a rede de assistência social é acionada para apoiar no enfrentamento de situações de vulnerabilidade e risco social. As condicionalidades também são um compromisso do poder público, não somente das famílias. Crianças beneficiárias do PBF apresentaram progressão escolar 6 pontos percentuais (p.p.) maior queas de mesmo perfil socioeconômico não beneficiárias. O programa elevou a frequência escolar no Nordeste, o que pode ter contribuído para alguma redução do trabalho infantil. Grávidas beneficiárias fizeram mais acompanhamento pré-natal (1,6 visita a mais), e o peso ao nascer de suas crianças (3,26 kg) foi superior ao das demais (3,22 kg). Entre 2005 e 2009, a fração de gestantes beneficiárias do PBF sem cuidados pré-natais caiu de 19% para 5%, queda significativamente maior que a observada entre não beneficiárias. A proporção dos filhos de beneficiárias exclusivamente amamentados nos seis primeiros meses de vida (61%) era maior que a dos demais (53%), assim como suas taxas de vacinação, especialmente contra difteria, tétano, coqueluche e poliomielite. Comparativamente às demais, as mulheres beneficiárias – em larga maioria, titulares do cartão do programa – vêm adquirindo maior autonomia e poder nas decisões familiares, poder de compra de bens duráveis, remédios e vestuário, participação no mercado de trabalho e autonomia no uso de métodos contraceptivos, tendências que certamente contribuíram para a expressiva diminuição da fecundidade no país. O Bolsa Família, em combinação com o PSF, pode afetar a sobrevivência das crianças de diferentes formas; por exemplo, um aumento de renda pode aumentar o acesso a alimentos e produtos relacionados à saúde, como remédios ou produtos de higiene. As condições do programa relacionadas à saúde podem melhorar o acesso aos serviços de saúde. O impacto maior do Bolsa Família incidiu sobre a TMCM5 (taxa de mortalidade de crianças menores de cinco anos) resultante de desnutrição e diarreia, acarretando uma redução – de 65% e 53%, respectivamente – nos municípios com um nível de cobertura mais alto, enquanto o alto nível de cobertura do PSF foi associado a uma redução na TMCM5 decorrente de doenças diarreicas (47%) e de infecções do trato respiratório inferior (30%). O Bolsa Família também possui forte papel na diminuição da ocorrência de baixo peso ao nascer, além de influenciar de maneira pequena sobre o mercado de trabalho (“efeito preguiça”). 🖤 Bolsa Alimentação: o programa engloba várias ações agrupadas em dois eixos fundamentais, onde o primeiro trata do apoio financeiro a famílias de baixa renda em risco nutricional, proporcionando-lhes meios que lhes permitam o reforço da alimentação. O segundo eixo, busca tornar as famílias beneficiadas mais conscientes de suas responsabilidades na melhoria de suas condições nutricionais, incentivando, principalmente, sua participação em ações básicas de saúde, com enfoque predominantemente preventivo. Serão beneficiárias do Programa Bolsa-Alimentação, gestantes e nutrizes e ainda, crianças de seis meses a seis anos e onze meses de idade, que estejam em risco nutricional, pertencentes a famílias com renda mensal per capita inferior ao valor fixado nacionalmente em ato do Poder Executivo para cada exercício. Crianças órfãs de mãe ou filhas de mães soropositivas para o HIV/aids, terão direito ao benefício logo no primeiro mês de vida, uma vez que, no primeiro caso não haverá possibilidade de amamentação e no segundo, por medida preventiva, seria contra-indicado o aleitamento materno tendo em vista o risco de transmissão do vírus. Grande parte dos óbitos infantis verificados no território brasileiro, está associada à desnutrição, sendo de fundamental importância combatê-la por meio de medidas duradouras, tais como oferecer condições às famílias de baixa renda para o acesso a uma alimentação adequada, além da realização de ações básicas de saúde, voltadas especialmente para crianças nos seus primeiros anos de vida, por ser este o momento de maior impacto na prevenção das doenças prevalecentes na infância e no combate à mortalidade infantil. 15 | Página Marina Magalhães (@medbymarina) - unit - P8 A necessidade de se aprimorar a política de combate às carências nutricionais, para melhorar a eficácia da ação governamental, levou o Ministério da Saúde a alterar sua forma de atuação, substituindo a sistemática de repasses de recursos fundo a fundo aos municípios brasileiros, passando a fazê-lo diretamente aos beneficiários pertencentes a famílias de baixa renda, objetivando a promoção da melhoria das condições de saúde e de nutrição. Esta sistemática se mostra bastante promissora e apresenta grande vantagem em relação à anterior. Todos ganham com a “Bolsa-Alimentação”, conforme demonstrado a seguir: Ganhos das Famílias: terão mais liberdade para escolher os alimentos que sejam mais adequados às suas necessidades, visto que, o gosto, a preferência e a sazonalidade de produção de alguns alimentos, diferem de região para região do país; e terão oportunidade de empregar o dinheiro recebido da “Bolsa Alimentação” em usos alternativos afins ao objetivo do Programa, de forma a potencializar a melhoria das condições de saúde e nutrição dos beneficiários. Ganhos do Município/Estado: terão um aumento em mais de três vezes do número de beneficiários, comparativamente ao Incentivo ao Combate às Carências Nutricionais (ICCN); o Programa fomentará a atividade econômica dos municípios, aumentando o volume de circulação de moeda, gerando empregos, renda, cidadania e bem-estar social; e as administrações municipais não terão mais a preocupação nem o custo de realização de licitações, controle de estoques e distribuição de alimentos. O Projeto Alvorada foi concebido para reduzir as desigualdades regionais e elevar a qualidade
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