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A Lógica do Pensamento Arquitetônico. ou A lógica da invenção arquitetônica. ou ainda Dois parênteses e uma receita de bolo. 1. Introdução. Quando me foi proposto falar sobre a lógica do pensamento arquitetônico – numa referência ao livro de Karl Popper “A lógica da Pesquisa Científica”, irrefletidamente aceitei. Posteriormente, quando iniciei a costura do texto, percebi a impropriedade do título. Primeiro, porque eu mesma tenho dúvidas sobre o que venha a ser “pensamento arquitetônico”. Da arquitetura é inegável que há a história; há também os diversos procedimentos que os arquitetos adotam para projetar; sem dúvida há os instrumentos dos quais se valem para representar – e apresentar – suas idéias, seus projetos; para edificá-las, recorrem à tecnologia da construção, não sem antes engenhar inúmeros dispositivos e artefatos para torná-las habitáveis; concluída a edificação, vêm os habitantes – ou usuários; avaliam-se os seus usos e os costumes que afeta; se ela é notável, certamente será percebida pela crítica; caso perdure, entra na história, que é de sua concepção, de suas formas, de suas técnicas, de seus usos e de seus frutos. De tudo isso que se abriga sob o generoso teto da palavra arquitetura, o que mais se aproximaria de um “pensamento arquitetônico” seria a reflexão analítica e crítica que se faz sobre o objeto arquitetônico. Ainda assim a expressão me parece imprópria, pois o pensamento sobre arquitetura não é necessariamente um pensamento arquitetônico. Ademais, para Popper (1974, p.51) “a epistemologia ou lógica da pesquisa científica deve ser identificada com a teoria do método científico.” Mutatis, mutandi, eu deveria então partir da premissa de que a lógica do pensamento arquitetônico deve ser identificada com a teoria do método da arquitetura. Essa transposição suscita, entretanto, algumas indagações para as quais eu não tenho respostas prontas e certamente não as encontraria no âmbito de um curto texto. Essas indagações são: A arquitetura tem um método? Caso tenha, quais são as regras desse método? Existe - ou pode existir – uma teoria dessas regras? Uma metodologia? A dificuldade de responder a essas questões e a certeza de que elas não são triviais me levaram a reformular o problema, recortando-o, se não por método, por conveniência. Assim não vou falar de pensamentos, pois esses se constituem em domínios muito amplos, como mencionei acima. Vou falar de um domínio bem mais restrito, de cuja existência eu não duvido: a invenção arquitetônica (ou o processo de projeto, como usualmente é chamado). 2. A lógica da invenção. Afirmamos em trabalho recente1 que o processo de projeto é um processo de aquisição (ou produção) de conhecimento sobre o objeto que se projeta. Se esse objeto é novo, isto é, se será 1 Malard, M.L. O processo de projeto: problemas a resolver. CD-ROM do Seminário Arquitetura e Conceito, Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Arquitetura, NPGAU, agosto de 2003. edificado desde as fundações, trata-se de produzir conhecimento sobre um objeto inexistente, o que me parece paradoxal. Entretanto, podemos considerar que esse objeto se desdobra em duas instâncias: uma, que é a antecipação do objeto – o projeto – e outra que é o objeto real, edificado. As duas instâncias são mediadas pela construção, que é determinada pela primeira e determina a segunda. A primeira instância – o projeto – é, portanto, dupla invenção: da construção e do objeto edificado. Podemos, portanto, dizer que o processo de projeto é um processo de invenção - de geração - de idéias arquitetônicas. Uma idéia arquitetônica, nessa linha de raciocínio, não pode ser confundida com um pensamento arquitetônico. “Idéia” aqui, é tomada no sentido moderno de “representação mental” (Descartes, Locke, Berkeley, Hume e outros). Portanto, uma idéia arquitetônica pode vir a ter forma visível por meio de representações visuais tais como desenhos, maquetes e modelos computadorizados. Mas não geramos idéias arquitetônicas aleatórias, sem um propósito específico e pré-definido. Ao contrário, nossas idéias arquitetônicas são estimuladas por problemas físico/espaciais que temos a resolver. Quando nos defrontamos com problemas físicos/espaciais nós conduzimos o nosso pensamento para gerar suas possíveis soluções. São as nossas hipóteses projetuais, as nossas conjecturas sobre como deveria ser aquela edificação, as nossas teorias sobre as espacializações daquele problema, as nossas tentativas para resolvê-lo. Para que formulemos hipóteses, conjecturas ou teorias que levem à solução de problemas físicos/espaciais, nós teremos de conhecer esses problemas, investigando-os. Mas as investigações não precedem as soluções. Ao contrário, interagem com elas. O processo de projeto não tem uma seqüência linear e, muitas vezes, segue um caminho aparentemente caótico, de idas e vindas, onde vários procedimentos se entrelaçam. Cristopher Jones (1963), entretanto, conseguiu argumentar, com muita consistência, que esse processo poderia ser visto em três etapas distintas: análise - que seria o levantamento de dados para o programa; síntese - que seria a geração de soluções; avaliação (crítica) - que seria a escolha entre as alternativas de solução geradas. O objetivo de Jones era o de encontrar um caminho que fosse capaz de reduzir os erros e suas conseqüentes modificações projetuais, e o de gerar projetos mais imaginativos. Lawson (1980), embora criticando a estanqueidade das etapas propostas por Jones, aceita que o processo de projeto poderia ser subdividido nesses três momentos. Adiciona, entretanto, uma hipótese ad hoc: argumenta que, no processo de projeto, há uma espécie de negociação entre o problema e a solução; essa negociação se faz por intermédio das três atividades descritas por Jones: análise, síntese e avaliação (crítica). Mais tarde, na introdução do seu livro “Design in mind” (Lawson, 1997), ele reconhece que o modelo tripartite (análise, síntese, avaliação) não é satisfatório, porque o projetista desenvolve o seu entendimento do problema através das tentativas de resolvê-lo, como se a análise fosse feita através da síntese. A problematização vem, pois, junto com a solução. Essa constatação de Lawson derivou de um estudo comparativo entre estudantes de arquitetura e de ciências naturais, num experimento laboratorial conduzido por ele. O experimento consistia em solicitar aos dois grupos que fizessem uma composição usando blocos coloridos sobre uma retícula de 3x4. Dava-se aos estudantes uma quantidade de blocos a mais do que eles precisariam para a composição. Os blocos tinham suas faces verticais coloridas de azul e vermelho. Pedia-se, então, que os estudantes fizessem uma composição onde predominasse o vermelho e uma outra, onde predominasse o azul. Introduziam-se, também, algumas regras ocultas, que interditavam certas composições. Um programa de computador avaliava a solução encontrada e a aceitava ou não, de acordo com as tais regras ocultas. QuickTime™ and a None decompressor are needed to see this picture. O problema. O número de respostas possíveis para o problema é 6000. As regras mudavam de um exercício para o outro. Lawson observou que os dois grupos abordavam o problema de modo distinto. Os estudantes de ciências tentavam, primeiro, descobrir as regras que governavam as combinações permitidas para, a partir delas, elaborar os arranjos. Os estudantes de arquitetura, ao contrário, selecionavam os blocos de modo a obterem a cor desejada para o perímetro. Se a composição fosse rejeitada, eles faziam a tentativa seguinte utilizando uma combinação de blocos onde a cor do perímetro era o critério primeiro de seleção. E assim sucessivamente, até que uma solução aceitável fosse conseguida. Assim, eles desenvolviam gradualmente estratégias cognitivas através da síntese e aprendiam sobre o problema na medida em que faziamtentativas de soluções. Perseguiam obstinadamente o resultado desejado, partindo de um critério elementar – a cor do perímetro – para fazer as tentativas; se errassem, tentavam novamente, seguindo o mesmo critério da cor. A cada tentativa eles conheciam um pouco mais do problema e de suas regras. Ao final, dominavam completamente o experimento, pois haviam construído um conhecimento consistente sobre todas as suas facetas. E haviam-no feito de um modo bastante peculiar, diferente de todos os outros grupos estudados. Os estudantes de ciências naturais também adquiriam domínio do experimento, mas por um caminho mais sistemático e controlado: tentavam descobrir as regras subjacentes ao problema, para depois formular as soluções. Eles partiam do pressuposto que essas regras eram pré-estabelecidas. Os estudantes de arquitetura, ao contrário, iam inventando as regras no caminho e aprendiam a reconstituí-las a partir da solução. Esse, sem dúvida, é um modo muito peculiar de conhecer; um modo inventivo. QuickTime™ and a None decompressor are needed to see this picture. Uma composição com os blocos de Lawson. 3. Dois parênteses. As constatações de Lawson encontram respaldo na teoria do conhecimento de Popper2, embora o seu objetivo não tenha sido o de testá-la no âmbito do processo criativo. Ambos os grupos procederam por tentativa e erro, eliminando o erro pela crítica (ou avaliação). A diferença foi que os estudantes de ciências se preocupavam em conhecer as leis (pré-estabelecidas) que regiam as soluções. Os estudantes de arquitetura preocupavam-se tão somente com as soluções. Essa peculiaridade de abordagem dos estudantes de arquitetura não lhes é inata; é resultado de suas atividades de prática projetual; nela, eles aprendem sobre o problema arquitetônico tentando resolvê-lo arquitetonicamente. Isso, certamente, é o que diria Popper. Assim sendo, uma boa estratégia para aperfeiçoar o ensino/aprendizado de arquitetura seria a de levar o estudante a se defrontar, durante o curso, com o maior número possível de problemas arquitetônicos e tentar resolvê-los arquitetonicamente. Abro, aqui, dois parênteses: Parêntese 1. O problema a ser dado para os estudantes não pode ser trivial, como os blocos de Lawson. Se o objetivo é desenvolver a habilidade de elaborar soluções arquitetônicas, o 2 A teoria de que o aprendizado se dá na solução de um problema, por tentativa e erro, com eliminação do erro pela crítica – autocrítica e crítica de terceiros. problema deve apresentar desafios que instiguem a inventividade. Não sendo assim, será mero mecanismo de adestramento projetual. Parêntese 2. O desenvolvimento da capacidade de análise (de dados) não se dissocia, no fazer arquitetônico, do desenvolvimento da capacidade de síntese (projetual). Os conhecimentos necessários à síntese ou são inerentes a ela (comparecem no processo de elaboração da solução projetual) ou são analíticos (e também ali comparecem). Para mim, o grande problema do ensino de arquitetura é o de não se assumir arquitetônico e insistir em separar os conteúdos analíticos e críticos, da prática projetual. Fechados os parênteses, explico porque utilizo o advérbio “arquitetonicamente” para qualificar o verbo resolver. Acredito, como Lawson, que o modo arquitetônico é um modo peculiar de resolver problemas. Não é teórico, não é analítico, não é empírico, não é filosófico, não é artístico, não é religioso, não é científico. Não sei se a arquitetura é uma forma específica de conhecimento, como sugere Kapp (2003, p.1), mas certamente o arquiteto possui um modo peculiar de produzir conhecimento – de fazer arquitetura - associando e relacionando diversos saberes para resolver os problemas físicos/espaciais. Para inventar soluções arquitetônicas. E qual é a lógica desse processo de invenção? Eu diria que é a mesma lógica de qualquer processo criativo: tentativa e erro, com eliminação do erro pela crítica (tanto a autocrítica como a crítica independente). Senão, vejamos: 4. O método. O processo de projeto inclui inúmeras atividades, as quais podem ser identificadas e recortadas para fins analíticos. Depois essas atividades podem ser decompostas em atividades componentes e estas em tarefas. Podemos, também, usar o artifício de ordená-las seqüencialmente, como se fossem etapas distintas e subseqüentes. Estão-se interessados em saber como as tarefas se estruturam nas atividades e estas nas etapas, teremos, então um modelo de análise estrutural. Mas, como o nosso objetivo não é elaborar um modelo de projetação mas, sim, discutir a lógica de um processo aparentemente caótico, deixemos de lado o estruturalismo e concentremos apenas nas grandes etapas do projeto. Propomos, de início, 7 etapas: 1 2 3 4 5 6 7 problema conhecer o problema ou levantar dados locacionais organizacionais e populacionais econômicos e financeiros filosóficos operacionais e funcionais da base material analisar ou processar dados fazer o pré- dimensionamento , o leiaute e a quantificação dos espaços elaborar hipóteses de soluções preliminares (anteprojeto) criticar as soluções para eliminar problemas projetar (início de um novo ciclo) Para facilitar o entendimento das atividades e respectivas tarefas que constituem cada etapa, podemos recorrer a uma simulação. Tomemos, por exemplo, o problema de elaborar o projeto de uma creche. A etapa (1) é o surgimento e configuração do problema: há uma demanda por uma creche num determinado bairro e a respectiva Associação de Moradores nos procura para projetá- la. O nosso problema passa a ser, então, projetar uma creche. As atividades componentes da etapa (1) configuram-se perfeitamente como um projeto não arquitetônico. A demanda pode ter sido gerada a partir de um estudo feito por um grupo de assistentes sociais preocupados com a violência doméstica naquela região da cidade. Embora o arquiteto seja convocado ao trabalho após a configuração da demanda, sua entrada no circuito pode alterá-la, com um raciocínio tipicamente arquitetônico, que bem poderia ser este: Por que vocês não aproveitam aquela área residual do terreno da escola? É muito bem localizado, pode ser acessado por duas ruas, o que facilita a distribuição dos fluxos; além disso possui excelente topografia, o que barateia a construção. Uma outra vantagem adicional é a possibilidade de compartilhamento das áreas de lazer, num revezamento entre escola e creche. Digo que esse raciocínio é tipicamente arquitetônico porque nele há a análise dos dados e a síntese da solução físico/espacial ocorrendo interativamente. O discurso acima enuncia diversas “idéias arquitetônicas”, todas elas passíveis de se tornarem visíveis: os acessos, o assentamento da edificação, a integração física escola/creche. Vamos então partir para a etapa (2) que é conhecer o problema e levantar os dados sobre ele. Os dados locacionais são relativos ao terreno onde a creche será construída. Precisamos conhecer sua localização, suas dimensões, sua topografia, a sua posição com relação ao sol, os meios de transporte até ele, as condições do logradouro público, a legislação urbanística aplicável e outros mais. O levantamento dos dados locacionais também se constitui de muitas atividades não arquitetônicas pois, a rigor, qualquer pessoa com escolaridade de nível médio poderia coletá- los. Bastaria que recebesse uma listagem das informações necessárias e a especificação do seu formato. Por outro lado o arquiteto, ao analisá-los, fará múltiplas sínteses físico/espaciais: verá marquises para o norte, janelas para o sul, área de recreação para o leste; verá a entrada das crianças pela rua de menor movimento, separada do acesso de carros; quem sabe verá um volume trapezoidal, pois o terreno se estreita no sentido da dimensão maior; há de pensar em janelas para opoente, protegidas por brises, para não perder a bonita vista da praça logo adiante. Essas são idéias arquitetônicas que não conseguimos deixar de sintetizar quando analisamos os dados locacionais. Os dados organizacionais e populacionais dizem respeito `a instituição creche. Poderíamos chamá-los também de dados institucionais. Precisamos saber a quantas crianças a creche vai atender e sua faixa etária, quantos funcionários terá, qual é o papel de cada funcionário e sua distribuição por idade e gênero, e qual é o organograma técnico e administrativo da creche. Novamente temos um caso similar ao anterior. Ao ver esses dados, o arquiteto pensará em berçários intercalados por salas de apoio, talvez para leste (já relacionando com os dados locacionais); pensará, também, em salas multiuso, para as crianças dançarem, pintarem e bordarem; verá espaços para as áreas de convivência dos funcionários; perceberá que a diretoria deve ficar próxima da entrada principal e ter uma visão – ou um controle – de todo o resto. Enfim, os dados organizacionais se somarão aos dados locacionais e ao problema, todos eles contribuindo na geração das idéias arquitetônicas. Os dados filosóficos seriam aqueles também chamados de dados conceituais: qual é a missão de uma creche na nossa sociedade, qual será a sua orientação psico-pedagógica, o que significa cuidar bem de uma criança; quais atividades devem ocorrer para que se garanta o desenvolvimento físico, psicológico, mental e intelectual das crianças nas diversas faixas etárias, qual é o papel a ser desempenhado pelos pais e por outras pessoas da comunidade, e outras questões. Esses dados, que evidentemente não são arquitetônicos, são os preferidos pelos arquitetos. Entretanto, deles é muito difícil retirar idéias arquitetônicas que resolvam problemas práticos, como nos casos anteriores. Em compensação, fornecem inspiração de sobra para a composição das formas volumétricas, das ambiências, das aparências exteriores e interiores do edifício. Esses dados permitirão o devaneio do arquiteto e irão ciceronear sua viagem ao mundo das formas e das idéias (mais ao primeiro do que ao segundo); nesse momento eles falarão de Heidegger, de Deleuze e Gatarri, de Derridas, de Foulcaut e, mais recentemente, de Guy Debord e Constant; terão a oportunidade de discorrer sobre as táticas e as estratégias, as contaminações, os labirintos e os diagramas; poderão requentar tranqüilamente os anos 60 e 70 sem desaguar no pós-moderno (o que, diga-se de passagem, já é um grande avanço). Pensarão nas formas da moda, devidamente justificadas por discursos de diversas procedências, às vezes de sentidos antagônicos. Mas, como as formas da moda, nos últimos 50 anos, não se casam muito bem com os discursos, as incoerências teóricas nem são notadas. Os dados econômicos e financeiros dizem respeito ao tipo de financiamento do empreendimento, aos recursos disponíveis e respectivos fluxos. Os dados operacionais e funcionais abrangem os horários de funcionamento para as crianças e funcionários, o sistema de entrada e saída de crianças, as atividades de repouso, lazer, ensino/aprendizagem, alimentação, os cuidados de saúde e higiene pessoal que envolvem as crianças e os funcionários, as atividades que envolvem pessoas da comunidade, as atividades administrativas, de vigilância, limpeza e manutenção, as atividades de lazer e descanso dos funcionários, os equipamentos, mobiliários e utensílios utilizados em todas as atividades, com respectivas especificações de exigências ambientais e de instalação, outros dados operacionais e funcionais. Os dados da base material referem-se às condições geomorfológicas do terreno, a infraestrutura instalada na rua, os materiais construtivos disponíveis no mercado, suas condições de oferta e sua adequação técnica, funcional, arquitetural e econômica, as características técnicas da mão de obra disponível, etc. Para todos esses dados poderemos desenvolver o mesmo raciocínio que fizemos para os primeiros e perceberemos, em todos os momentos, a presença da síntese pela análise. Só isso seria suficiente para refutar a divisão tripartite de Jones - análise/síntese/avaliação - e demolir qualquer construção curricular vigente. 4.1. As etapas negligenciáveis. A etapa (3) diz respeito à organização e interpretação dos dados levantados: o arquiteto faz tabelas e gráficos, traça diagramas organizacionais e fluxogramas, interage com outros profissionais. Essa é reconhecidamente uma atividade arquitetônica, mas que pode já ter sido feita no levantamento dos dados. A etapa (4) compreende o pré-dimensionamento e quantificação dos espaços necessários, pois já são conhecidos os elementos para elaborar leiautes funcionais e operacionais, uma vez que se conhecem as atividades e os seus fluxos, as pessoas, os mobiliários, os equipamentos e utensílios envolvidos nessas atividades. Essa etapa é conhecida e reconhecida como metodologia de projeto. Felizmente saiu de moda, mas – cuidado! - ela pode ser requentada qualquer dia desses e se transformar numa reputada tese de doutorado da primeira década do terceiro milênio. A etapa (5) é a de elaboração de esboços, modelos, maquetes, e outros meios de representação das idéias projetuais que ocorrem ao arquiteto. Nessa fase o arquiteto usa a autocrítica para selecionar as hipóteses que lhe parecem mais consistentes com os dados e com suas intenções. Infelizmente é pouco conhecida, pouco estudada, talvez por ser peculiarmente arquitetônica; os arquitetos não gostam de estudar os fatos que são peculiares ao seu fazer. A etapa (6) é quando o anteprojeto - a síntese das idéias arquitetônicas que passaram pelo crivo da autocrítica do arquiteto - vem à crítica de terceiros. Novamente se instaura um processo de idas e vindas, até que um anteprojeto seja aprovado pelas partes - arquiteto e usuários ou clientes - e um outro ciclo tenha início, a etapa 7, que é o projeto para execução. Temos aí, nas etapas 6 e 7, um outro caso de desamor. Ninguém quer estudar isso. As discussões que aí se tecem são muito pouco acadêmicas, beiram a intrigas e maledicências. 5. Receita de bolo. Ingredientes: 4 ovos 1 xícara de açúcar 2 xícaras de farinha de trigo 1 xícara de leite 1 colher das de sopa de fermento em pó 2 colheres das de sopa de manteiga Modo de fazer: Misture a manteiga às gemas e ao açúcar, reservando as claras. Peneire a farinha com o fermento em pó e adicione à mistura, aos poucos, juntamente com o leite. Bata as claras em neve…. 6. Receita de parede. Ingredientes: 500 tijolos furados 2 sacos de cimento 6 sacos de areia 1 saco de cal 20 litros de água Modo de fazer: Prepare a argamassa misturando… 7. Receita de (bom) projeto? Há 40 anos procuro nos livros, nas revistas, nas exposições, nos escritórios, nas repartições, nas conversas, na prática profissional, nos debates, na pesquisa aplicada, nos congressos, seminários e simpósios, nas ABEAs e IABs, na TV, na internet, nos projetos dos meus alunos, enfim, por onde ando, vivo e convivo, uma resposta para uma única questão: O que pode nos ajudar – a nós, arquitetos - a fazer melhores projetos? Qualquer estudo, pesquisa, consideração, ensaio, palpite, paper, artigo, dissertação, tese ou tratado que não se proponha a contribuir nessa direção, não há de me parecer relevante e, portanto, não há de me interessar academicamente. Justifico-me: tenho urgência – e preciso de ajuda - para encontrar respostas à questão que mais me angustia como professora de projeto de arquitetura: o que posso fazer para ajudar os meus alunos a elaborarem bons projetos? Se não houver perspectiva de resposta para essa pergunta, então não faz sentido haver um curso de arquitetura. Que a arquitetura se faça como foi feita durante séculos: pelos mestres, sem professores. Bibliografia. Jones, JC. A method of systematic design. In Conference on Design Methods (ed. Jones and Thorneley). London:Pergamon Press, 1963. Kapp, S. Autonomia Heteronomia Arquitetura. CD-ROM do Seminário Arquitetura e Conceito, Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Arquitetura, NPGAU, agosto de 2003. Lawson, B. How designers think: the design process demystified. Oxford: Architectural Press, 1980. Lawson, B. Design in mind. Oxford: Architectural Press, 1980. Malard, M.L. O processo de projeto: problemas a resolver. CD-ROM do Seminário Arquitetura e Conceito, Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Arquitetura, NPGAU, agosto de 2003. Popper, K.R. A lógica da Pesquisa Científica. São Paulo: Editora Cultrix, 1974.
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