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Inclusão Social e 
Diversidade 
Disciplina: Cultura e Processo de Subjetivação 
Pedagógico do Instituto Souza 
atendimento@institutosouza.com.br 
Modalidade de Curso 
Curso livre de Capacitação profissional 
 
Página 1 de 28 
 
 
 
História, cultura e subjetividade: problematizações 
 
 
 
Flávia Cristina Silveira Lemos (Adaptado) 
Psicóloga/UNESP, Mestre em Psicologia e Sociedade/UNESP, Doutoranda em História e 
Sociedade/UNESP, Bolsista FAPESP. Fonte de financiamento: Bolsista Fapesp. Endereço: SOS 411 
– Bloco "P" – Apto 306 – Asa Sul – Brasília / DF, CEP 71010-152. E-
mail: flavazevedo@bol.com.br ou flavazevedo@hotmail.com 
 
 
Temos acompanhado, nas últimas décadas, uma overdose de autores 
falando de cultura, de identidade e diferença baseando-se nos estudos culturais, na 
história cultural, na antropologia cultural, na sociologia da cultura. Burke (2001) 
assinala que haveria, hoje, um momento de efervescência dos chamados estudos 
culturais. No entanto, aponta para a fragmentação desses estudos e para a 
dificuldade em definir o que é "cultura". Neste artigo, pretendemos promover um 
debate problematizador desta questão que nos toca tão de perto, nas ciências 
humanas de um modo geral. 
A história cultural clássica estava ancorada na arte, na literatura e na 
descrição das ideias. A cultura era considerada um patrimônio e pairava no ar 
enquanto uma unidade transcendente, descolada da economia, da política e das 
relações sociais, de acordo com Burke (2001) e Chartier (1990). A nova história ou 
História Cultural, renovada pelas contribuições das ciências sociais, pretende 
colocar em causa seus objetos e dar primazia ao modo como os construímos ao 
estabelecer relações entre os acontecimentos. Chartier (1990) vai afirmar uma 
história cultural que busca o confronto, localizar as lutas discursivas e de poder no 
campo do saber. Também afirma a ruptura da história cultural com um sujeito 
universal e abstrato e a descontinuidade das formações sociais e culturais. 
mailto:flavazevedo@bol.com.br
mailto:flavazevedo@hotmail.com
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Chartier (1990) relata que a cultura era pensada sob a perspectiva de um 
legado recebido e também como transmissão de hábitos e costumes de uma 
geração a outra. No entanto, Chartier (1995) afirma que os objetos não são 
simplesmente aceitos de modo passivo; eles não são recebidos como uma herança 
perpetuada por uma tradição. Existe um processo de recepção, de apropriação 
cultural dos objetos, que são utilizados de diferentes formas. A realidade não é 
recebida como um arquivo e congelada em uma memória em espaços estanques. 
As realidades sociais seriam sempre construídas e não simplesmente repassadas. 
A memória, para Bergson, é uma duração, um devir, virtualidade que se 
atualiza (DELEUZE, 2004). A memória também é multiplicidade qualitativa e não 
totalidade e reminiscência. A memória como a cultura é um conjunto de forças, toda 
tentativa de aprisioná-la em modelos fixos e estáveis é uma negação da vida, uma 
reatividade e não uma afirmação da vida. Exaltar os monumentos do passado, 
concebendo-os a partir de identidades culturais cristalizadas é uma prática de uma 
vida ressentida, que reduz a pluralidade dos acontecimentos ao conhecido e 
semelhante. Tudo o que vive é transitório, os objetos são configurações provisórias, 
resultado de uma luta, de uma tensão de forças que nunca finda. 
A realidade não é um dado objetivo, mas o que chamamos de realidade é 
efeito de um processo de objetivação que remete às práticas concretas dos homens. 
Os textos, os saberes, a subjetividade e a cultura não são dotados de um sentido 
intrínseco, absoluto e único a ser desvelado (CHARTIER, 1990). 
O modo de ser da civilização ocidental tem se pautado na perspectiva 
metafísica de mundo e de ser, afirmando a imutabilidade dos objetos, em sua 
unidade e na possibilidade de controlar tecnicamente os eventos. "A marca da 
metafísica é a crença na duração" (MOSÉ, 2005, p. 35). A linguagem é um 
instrumento da cultura que, ao nomear os objetos, paralisa-os em conceitos, 
conferindo-lhes uma suposta estabilidade. Nomear, categorizar, classificar, distribuir 
os indivíduos em grupos de pertença, divididos por semelhanças como as de raça, 
as de gênero, as de faixa etária, as de classe é congelar os processos de produção 
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da subjetividade em identidades estáticas, fechando a pluralidade em guetos, 
impedindo a possibilidade de diferenciação. 
A proposta de Certeau (2003), em consonância com a de Chartier, é que 
pensemos a cultura no plural ao invés de percebê-la como um objeto natural ou 
como uma unidade. Seria ingênua a visão de cultura como patrimônio, a noção de 
uma cultura pura primeira, como nos apresentou Arendt (2003). Chartier (1990) e 
Certeau (2003) propõem a realização de uma sociologia da cultura, em que nos 
preocuparíamos em interrogar os modos de produção da cultura, como ela é 
difundida e quais são seus meios de circulação. 
Poderíamos perceber como o conceito de durabilidade proposto por Arendt 
(2003) é colocado em xeque, pois este imprimia uma ideia de permanência dos 
objetos no mundo, independentemente da manipulação dos agentes sociais que os 
recebessem. 
Arendt (2003) adota o conceito de cultura como cultura de elite; para ela, as 
obras que duram e que poderiam ser consideradas culturais seriam as produzidas 
pelos artistas, o que tem sido também bastante questionado pelos historiadores da 
terceira geração do Annales. É como se somente alguns ilustrados, gênios, heróis 
canonizados e célebres criassem bens culturais e estes fossem aceitos sem 
nenhuma transformação. Burke (2001) assinala como o processo de canonização de 
artistas, de diversos autores e dos denominados cientistas/pesquisadores vem 
sendo estudado pelos historiadores. Exemplos contundentes que ilustram esta 
afirmação são os estudos realizados sobre a história dos intelectuais, a história da 
leitura, a interrogação da função-autor, a crítica às biografias e à microhistória. 
Esta divisão entre cultura letrada e cultura popular tem sido alvo de 
interrogações pelos historiadores e estudiosos das ciências sociais. Para Certeau 
(2003), não há uma cultura de elite homogênea, assim como não há uma cultura 
popular oposta, também homogênea, compartilhada por classes sociais distintas. Os 
costumes e hábitos, comportamentos, modos de ser e modos de existir entrecruzam-
se. Há um processo de circulação das práticas culturais entre os diversos grupos 
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sociais. Chartier (1995) afirma que a categoria "cultura popular" é uma classificação 
erudita, produzida para separar as condutas situadas fora de um modelo tomado 
como referência que é o da cultura erudita. Os vários etnocentrismos têm se mantido 
em função de práticas que classificam modos de existir de primitivos, não civilizados, 
carentes, não desenvolvidos diante das práticas de grupos específicos que se 
agenciam para controlar a produção e reprodução dos bens culturais. 
Por outro lado, também encontramos práticas que afirmam a existência de 
uma cultura popular homogênea que não se comunica com a cultura letrada. Muitos 
estudos afirmaram um projeto de aculturação das camadas populares com a 
emergência dos Estados modernos. 
Considera-se que, [...] as culturas tradicionais, camponesas ou populares, 
saíram do isolamento, e portanto se desenraizaram, em proveito de uma cultura 
nacional e republicana. Outra transformação radical situa-se antes e depois do 
surgimento de uma cultura de massa: supõe-se que os novos instrumentos da mídia 
tenham destruído uma cultura antiga, oral e comunitária, festiva e folclórica, que era, 
ao mesmo tempo, criadora, plural e livre. O destino historiográfico da cultura popular 
é portanto ser sempre abafada, recalcada, arrasada, e, ao mesmo tempo, sempre 
renascer das cinzas (CHARTIER, 1995, p. 181). 
ParaChartier (1995), não podemos mais pensar a cultura popular como 
carente e dependente da cultura dominante, assim como não devemos romantizá-la. 
Não haveria um sistema simbólico unificado e aceito de modo igual pelos membros 
de uma determinada classe, de um gênero específico, de uma faixa etária ou de 
qualquer outro grupo. As regras podem ser compartilhadas por um grupo, mas cada 
um as vivencia de uma maneira diferente. Um indivíduo cumpre algumas, rompe 
com outras, segue normas de outros grupos, apropria-se de modos de existência de 
outras categorias sociais, produz bifurcações, linhas de fuga às práticas instituídas. 
Os camponeses, assim como as classes populares, não foram e são simplesmente 
opressos como queriam muitos intelectuais marxistas. Foucault (1999) já nos alertou 
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para a positividade das relações de poder e também para a possibilidade de 
resistência aos processos de sujeição. 
Há um espaço entre as normas impostas e o vivido. O autor não nega que 
haja modos de agir, viver, sentir e pensar afirmados e outros negados em diferentes 
épocas, assim como não nega que existam regras coercitivas estabelecidas por 
certos grupos que formam alianças políticas e impõem um conjunto de regras aos 
outros. A crítica coloca-se negando uma suposta homogeneidade cultural, "tanto os 
bens simbólicos como as práticas culturais continuam sendo objeto de lutas sociais, 
em que estão em jogo sua classificação, suas hierarquizações, sua consagração 
(ou, ao contrário, sua desqualificação)" (CHARTIER, 1995, p. 184-185). 
Foucault (2004) foi um historiador que afirmou o tempo todo a política de 
silenciamento a que eram submetidos certos grupos sociais. Os discursos são 
constrangidos por determinadas regras, as dos grupos que se apresentam como os 
representantes dos saberes da ciência, da política, dos trabalhadores, como os 
sindicalistas, entre outros que pretendem falar em nome de. 
Veyne (1998), ao analisar o trabalho de Michel Foucault, afirmou que para 
este autor não existiriam objetos naturais, mas práticas que constituem os objetos. 
E, estas práticas de poder, discursivas e de subjetivação, seriam imanentes aos 
processos sociais, culturais, políticos, econômicos e históricos. Logo, não teria 
sentido falar de "cultura" enquanto uma unidade estanque, ou seja, não partiríamos 
de um objeto a priori, mas tentaríamos mapear um diagrama de forças que se 
entrecruzam em um embate constante. Tratar-se-ia de cartografar o jogo de 
relações que formam os objetos-acontecimentos que são raros e singulares, daí a 
importância das práticas culturais, ancoradas nas práticas vizinhas (imanentes), 
como já mencionamos. 
Foucault (1999) nos mostra como a noção de poder como repressão, como 
opressão de uma classe sobre outra, como pressupunha Marx, é problemática, pois, 
as práticas culturais não são somente expressões da esfera macro-econômica. Hall 
(2005) assinala como não podemos classificar os processos de discriminação a 
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partir de uma única categoria: gênero, raça ou classe. Uma mulher pobre branca 
pode exercer domínio sobre uma mulher pobre negra; um homem branco rico não 
letrado pode ser humilhado por um outro homem branco rico letrado; um 
adolescente europeu pode sentir-se superior a um outro latino, mesmo que 
pertencentes à mesma classe social. As relações não são determinadas, em 
primeira instância, por uma esfera unicamente econômica. No entanto, falar de uma 
determinação cultural ou social seria, ainda, permanecer em um ponto de vista 
causal. 
De acordo com O'Brien (1995, p. 34), os trabalhos de Foucault podem ser 
considerados "um modelo para a escrita da história da cultura", pois ele 
problematizava os extratos históricos de sua própria época. As preocupações de 
Foucault eram com os modos de agir no presente e como eles estavam em vias de 
ruptura com o estabelecido. 
Foucault, ao analisar as práticas culturais do Ocidente, rejeitava as 
concepções totalizantes de cultura. Ele estava preocupado com a singularidade dos 
eventos, com a raridade dos objetos, voltando-se para as práticas que produzem 
determinado objeto que não pode ser transposto para outras épocas (O'BRIEN, 
1995). Tratava-se de derrubar uma lógica causal ancorada na busca de origens e 
em uma história linear. Apontar as rupturas e não fazer uma história de um objeto 
natural que iria deslocando-se rumo a um apogeu. 
As relações de poder eram o foco. Como efeitos delas, emergiam os novos 
acontecimentos e não o agrupamento de categorias por semelhança. Tratava-se de 
observar as heterogeneidades, ou seja, realizar a análise da proveniência e não a 
busca de origens. Um segundo procedimento seria a análise da emergência, em que 
nos preocuparíamos com os estados de forças que marcam o aparecimento de um 
costume ao invés de assinalar o momento final de um processo. Não há por que a 
História buscar as raízes de uma suposta identidade individual ou coletiva. Em cada 
inversão das relações de força, teríamos o surgimento de novos objetos (MARTON, 
2001). Portanto, não teria sentido buscar nos documentos-acontecimentos vestígios 
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de culturas anteriores para costurar uma linha reta do tempo, apontando as 
continuidades de certas tradições ao longo da história, querendo rebater as 
multiplicidades que proliferam em categorias agrupadas por semelhanças. 
Foucault (2005), com sua genealogia, criticava a veneração dos 
monumentos do passado, sua preocupação era apontar as rupturas do presente em 
relação aos outros períodos. Tratava-se de identificar elementos e descrever 
relações, organizando e recortando os documentos, abandonando o projeto de uma 
história-memória. Estabelecemos séries e descrevemos relações entre elas, 
constituindo séries de séries, multiplicando os extratos. 
Além de Foucault, outros pensadores têm se preocupado com a questão da 
singularidade, que poderíamos dizer que é a marca unificadora dos estudos 
culturais, na atualidade. No entanto, em nenhum momento, Foucault propôs uma 
análise histórica e dos processos de subjetivação determinista ou causal. Ele nunca 
afirmou que a cultura era uma entidade metafísica, pairando acima dos homens. A 
subjetivação é uma prática concreta, imanente às práticas de poder e às discursivas. 
Foucault nunca pensou as práticas culturais isoladas das econômicas, das políticas, 
das sociais e das históricas. Ele, em nenhum momento, falou da singularidade 
enquanto uma essência; não afirmou uma política da diferença como identidade 
alternativa. O que ele afirmava era a existência de um processo de subjetivação 
constante, de diferenciação, de produção de modos de existência (DELEUZE, 2000). 
Cardoso Jr. (2002) assinala a diferença entre subjetividade e subjetivação a 
partir das perspectivas foucaultiana e deleuzeana, ambas, atualizações de 
Nietzsche. "O processo de subjetivação é um processo de composição de modos de 
vida que se realiza no domínio dos encontros de corpos" (CARDOSO JR., 2002, p. 
190-191). A subjetividade seria um momento de parada da subjetivação, seria um 
movimento de desaceleração. "Um eu, uma identidade, outros nomes da 
subjetividade, se, por um lado, são pontos de parada no processo de subjetivação, 
por outro lado, são ancoradouros que garantem a navegação desse mesmo 
processo" (CARDOSO JR., 2002, p. 190-191). Subjetividade e subjetivação não se 
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opõem, mas se interligam em um mesmo processo. O problema seria viver arrastado 
pelos fluxos de subjetivação sem paradas ou cristalizar-se em uma subjetividade 
desvitalizada. 
Lyotard (1996) afirma que não podemos esquecer que toda história é 
produto de sua época, estando de alguma maneira comprometida com as questões 
de seu tempo. É curioso, para o autor, como justamente no período em que o capital 
se apropriou dos fluxos culturais e passou a afirmar as diferenças identitárias,passamos a nos ocupar da singularidade. Lyotard assinala que, no capitalismo 
avançado, a cultura foi capitalizada e tornou-se um universal. Descobrimos o 
mercado das singularidades e passamos a arquivá-lo, transformando-o em memória. 
Guattari (1996, p.16) nos alertou para o processo de produção de 
subjetividades homogeneizadas a partir do equivalente cultural: "O capital funciona 
de modo complementar à cultura enquanto conceito de equivalência: o capital 
ocupa-se da sujeição econômica, e a cultura, da sujeição subjetiva". Para Guattari, 
podemos lutar contra os modos de subjetivação normalizantes, desenvolvendo 
processos de singularização, estabelecendo guerra às máquinas de captura do 
Estado e do Capitalismo Mundial Integrado, que pretendem transformar tudo em 
mercadoria para consumidores vorazes. 
Estaríamos capturados neste fluxo capitalístico ou teríamos alguma margem 
de ruptura e resistência a este processo? Este é o desafio que nos é colocado hoje. 
A subjetivação apresenta-se historicamente porque ela se embaraça nos 
poderes e saberes. [...] De um modo geral, pode-se dizer que os processos de 
subjetivação dependem, antes de mais nada, da maneira como a linha de 
subjetivação escapa às relações de poder e aos arquivos do saber (CARDOSO JR., 
2002, p. 192). 
Como nos organizar, criando estratégias, produzindo corpos sem órgãos que 
desmanchem os modos-sujeitos desvitalizados pelos vampiros sugadores que 
simbolizam o capitalismo contemporâneo. Criar corpos sem órgãos é permitir-se 
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experimentar além do limite orgânico, ou seja, romper com as formas. São as 
intensidades que povoam os corpos sem órgãos que pedem passagem e desfazem 
os extratos sociais com suas ordenações rígidas e englobantes (DELEUZE; 
GUATTARI, 1999). O controle, por mais sutil que seja, nunca é total. A vida escapa 
ao controle, os fluxos escoam pelos lados, transbordam. Não chegamos a um 
momento catastrófico, em que não poderia existir mais novidade no mundo, a 
estilística da existência é possível e imanente a uma ética e política. Somente 
acreditando no mundo, podemos suscitar novos acontecimentos (ORLANDI, 2002). 
 
REFERÊNCIAS 
ARENDT, H. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 2003. [ Links ] 
BURKE, P. Variedades da história cultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. [ Links ] 
CARDOSO JR., H. R. Foucault e Deleuze em co-participação no plano conceitual. In: RAGO, M.; 
ORLANDI, L. B. L.; VEIGA-NETO, A. (Org.). Imagens de Foucault e Deleuze: ressonâncias 
deleuzeanas. Rio de Janeiro: DP&A, 2002. [ Links ] 
CERTEAU, M. A cultura no plural. Campinas: Papirus, 2003. [ Links ] 
CHARTIER, R. A História Cultural entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1990. [ Links ] 
______. "Cultura Popular": revisitando um conceito historiográfico. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, 
v. 8, n. 16, p. 179-192, 1995. [ Links ] 
DELEUZE, G. Bergsonismo. Rio de Janeiro: Ed. 34, 2004. [ Links ] 
______. Conversações. Rio de Janeiro: Ed. 34, 2000. [ Links ] 
DELEUZE, G; GUATTARI, F. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. Rio de Janeiro: Ed. 34, 
1999. [ Links ] 
FOUCAULT, M. A ordem do discurso. São Paulo: Loyola, 2004. [ Links ] 
______. Arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005. [ Links ] 
______. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. Petrópolis: Vozes, 1999. [ Links ] 
GUATTARI, F. Micropolítica: cartografias do desejo. Petrópolis: Vozes, 1996. [ Links ] 
HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2005. [ Links ] 
LYOTARD, J-F. Moralidades pós-modernas. Campinas, SP: Papirus, 1996. [ Links ] 
MARTON, S. Extravagâncias: ensaios sobre a filosofia de Nietzsche. São Paulo: Discurso: UNIJUÍ, 
2001. [ Links ] 
MOSÉ, V. Nietzsche: e a grande política da linguagem. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 
2005. [ Links ] 
O'BRIEN, P. A História da cultura de Michel Foucault. In: HUNT, L. (Org.). A nova história cultural. 
São Paulo: Martins Fontes, 1995. [ Links ] 
ORLANDI, L. B. L. Que estamos ajudando a fazer de nós mesmos. In: RAGO, M.; ORLANDI, L. B. L.; 
VEIGA-NETO, A. (Org.). Imagens de Foucault e Deleuze: ressonâncias deleuzeanas. Rio de Janeiro: 
DP&A, 2002. [ Links ] 
VEYNE, P. Foucault revoluciona a história. In: ______. Como se escreve a história. Brasília, DF: 
UNB, 1998. [ Links ] 
 
 
 
 
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A SUBJETIVAÇÃO NA PERSPECTIVA DOS ESTUDOS CULTURAIS E 
FOUCAULTIANOS (ADAPTADO) 
 
 
Inês HennigenI; Neuza Maria de Fátima GuareschiII 
IProfessora da Universidade de Caxias do Sul, doutora em Psicologia pela PUC-RS 
IIProfessora/pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia - PUC-RS. Coordenadora 
do grupo de pesquisa Estudos Culturais, Identidades/Diferenças e Teorias Contemporâneas. E-
mail: nmguares@pucrs.br 
 
PRÁTICAS CULTURAIS E PRODUÇÃO DE DISCURSOS 
No texto "A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções culturais do 
nosso tempo", Hall (1997, p. 16) refere a enorme expansão, na segunda metade do 
século XX, de tudo o que está associado à cultura, enfatizando "o seu papel 
constitutivo, hoje, em todos os aspectos da vida social". Em função da marcação 
temporal realizada, poder-se-ia pensar, de forma equivocada, que o objetivo é 
afirmar que somente na contemporaneidade a cultura adquire centralidade para a 
vida social. Contudo, além de falar sobre uma maior incidência cultural sobre o 
social (aumento e diversidade de produtos culturais em circulação), Hall traz 
reflexões sobre as mudanças na concepção de cultura e suas repercussões na 
produção do conhecimento e no modo de pensar a subjetivação, o que tem sido 
designado como virada cultural. A partir daí, cada vez mais se trabalha com a 
dimensão simbólica da cultura, concebida como prática que constitui significados, 
que forja a subjetividade. Wortmann e Veiga-Neto (2001, p. 108) colocam que o 
termo cultura passou a se referir a "uma cadeia ampla e abrangente de instituições e 
de práticas que incluem desde atividades rotineiras, próprias ao dia-a-dia dos 
sujeitos, até as que se exercem nas corporações e nas instituições". 
Para entender tal mudança é necessário referir outra virada: a lingüística. A 
proposição de Wittgenstein, de que a linguagem extrai seu significado, não da 
estrutura, mas do contexto na convivência social, é tomada como referência 
mailto:nmguares@pucrs.br
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fundamental dessa perspectiva. A linguagem deixa de ser vista como mera 
ferramenta para expressar o que está dado no mundo, para relatar com neutralidade 
os significados possuídos pelas coisas. Ela passa a ser concebida como atributiva, 
uma vez que não existiria qualquer correspondência estreita entre as palavras e as 
coisas. Aquilo que se supunha ser fato natural, a realidade objetiva, passa a ser 
considerado fenômeno discursivo. Os significados não são tomados como 
preexistentes, mas concebidos como resultantes de jogos de linguagem e de 
sistemas de classificação nos quais estão inseridos (Guareschi, Medeiros e Bruschi, 
2003). 
Esta virada conceitual reverbera nas ciências humanas e sociais e um novo 
campo - os estudos culturais - começa a se formar, acolhendo a noção de que a 
cultura só se torna possível na linguagem e pela linguagem (Bernardes e Guareschi, 
2004). Nessa abordagem, os conceitos de cultura e discurso são articulados às 
relações de poder, que perpassamo tecido social e possibilitam nova compreensão 
do processo de produção de identidade/diferença. 
Para Hall (1997), a dimensão global da cultura tem despertado interesse, por 
sua relevância no que diz respeito à estrutura e organização da sociedade: as 
indústrias culturais são, ao mesmo tempo, infra-estruturas materiais e meio de 
circulação de ideias e imagens. Contudo, diz que isso não pode eclipsar o fato de 
que a revolução cultural tem reflexos na vida cotidiana das pessoas comuns. Utiliza 
a expressão centralidade da cultura para apontar sua incidência em cada recanto da 
vida social, como um elemento-chave na ligação entre ambiente doméstico e 
tendências mundiais, estando convicto de que não se pode estudar a cultura "como 
uma variável sem importância, secundária ou dependente em relação ao que faz o 
mundo mover-se; tem de ser vista como algo fundamental, constitutivo, 
determinando tanto a forma como o caráter desse movimento, bem como a sua vida 
interior" (p. 23). 
Os seres humanos utilizam sistemas ou códigos de significado para 
interpretar, organizar e regular sua conduta, enfim, para dar sentido às próprias 
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ações, bem como às ações dos outros: são suas culturas. Assim, uma vez que todas 
as práticas sociais comunicam significado, constituem-se como práticas de 
significação e podem ser examinadas pelo trabalho que fazem subjetivamente. Hall 
(ibid.) enfatiza que não se pode pensar mais que a identidade emerge de um centro 
interior, mas sim da tensão entre os discursos da cultura e o desejo (consciente ou 
inconsciente) de responder aos seus significados e identificar-se. Dessa forma, o 
sujeito passa a ser entendido como constituído pela cultura, sendo a mesma tomada 
como prática social que, ao forjar sentidos, ganha efeitos de verdade, institui modos 
de viver, de ser, de compreender, de explicar a si mesmo e o mundo (Bernardes e 
Guareschi, 2004). 
Com o objetivo de responder às críticas sobre um suposto idealismo cultural, 
Hall (1997, p. 33) esclarece que "toda prática social tem condições culturais ou 
discursivas de existência. As práticas sociais, na medida em que dependem do 
significado para funcionarem e produzirem efeitos, se situam 'dentro do discurso', 
são 'discursivas'". 
A noção de discurso, desenvolvida na Lingüística, tem contribuído de forma 
significativa em diversos campos do conhecimento, mas sua apropriação nem 
sempre é isenta de problemas: algumas vezes, é simplificada e perde sua 
especificidade, noutras, requer a reorganização do quadro conceitual do campo para 
viabilizar novas articulações (Pinto, 1989). Segundo Hall (1997, p. 29), "o termo 
refere-se tanto à produção de conhecimento através da linguagem e da 
representação, quanto ao modo como o conhecimento é institucionalizado, 
modelando práticas sociais e pondo novas práticas em funcionamento".1 
Pinto (1989) apóia-se no pensamento de Barthes para enfatizar a 
historicidade da construção social de significado: os sujeitos e os discursos são 
construídos a partir das significações, que são tomadas como o sentido natural das 
coisas num dado momento histórico. Assim, os sujeitos sociais não são causa do 
discurso, são efeitos discursivos. Essa autora, que não descarta a existência de um 
discurso dominante, afirma que este não constitui uma racionalidade que dá sentido 
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a todas as relações sociais. Enfatiza a multiplicidade de discursos - de lógicas - no 
interior da sociedade, o que enfraquece a posição de poder de cada discurso em 
particular e acarreta uma constante luta entre os mesmos no sentido de interpelar 
novos sujeitos. Desse modo, constituem-se sujeitos sociais duplamente múltiplos, 
uma vez que cada um é sujeito de uma variedade de discursos e que os discursos 
não interpelam igualmente a todos. O discurso só exerce poder pela identificação, 
pela adesão espontânea: "a capacidade de um discurso exercer poder está 
definitivamente associada à sua capacidade de responder a demandas, de se inserir 
no conjunto de significados de uma dada sociedade, reconstruindo posições e 
sujeitos" (p. 36). 
É preciso que o sujeito se reconheça nos e através dos discursos e isso não 
acontece de forma direta, linear, não só em função da multiplicidade discursiva, mas 
também porque se trata de um processo ativo de incorporação, seleção, 
organização e interpretação de práticas, sentidos e valores (Escosteguy, 2003). 
Conseqüentemente, o tecido social é perpassado pelas lutas em torno da imposição 
de significados. As práticas culturais ou práticas de significação tentam fazer valer 
certos significados, particulares de um grupo social, sobre todos os outros: os jogos 
de poder estão sempre implicados. As práticas culturais são interpelativas, buscam 
dizer ao indivíduo quem é ele, como deve ser, o que deve fazer; inventam as 
categorias das quais se ocupam, criam referentes que se constituem como 
marcadores pelos quais os sujeitos passam a se reconhecer e posicionar. Contudo, 
para que isso aconteça, é preciso que tais significados adquiram o estatuto de 
verdade para o sujeito. 
Para Foucault (2000a) o discurso não é concebido como conjunto de signos, 
mas como prática que forja os objetos de que fala, estando incluídos aí os sujeitos; 
não é mera designação de coisas, mas remete a sua fundação. Ressalta que, a 
partir da análise dos discursos, os fortes laços que supomos atar as palavras às 
coisas desfazem-se e destaca-se um conjunto de regras próprias da prática 
discursiva. Os discursos são feitos de signos, mas vão além da designação das 
coisas através dos mesmos e isso os torna irredutíveis à língua ou ao ato de fala. 
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Para o autor, no discurso, deve-se buscar um campo de regularidade para diversas 
posições de subjetividade. 
O discurso, assim concebido, não é a manifestação, majestosamente 
desenvolvida, de um sujeito que pensa, que conhece, e que o diz: é, ao contrário, 
um conjunto em que podem ser determinadas a dispersão do sujeito e sua 
descontinuidade em relação a si mesmo. É um espaço de exterioridade em que se 
desenvolve uma rede de lugares distintos. (...) não é nem pelo recurso a um sujeito 
transcendental nem pelo recurso a uma subjetividade psicológica que se deve definir 
o regime de suas enunciações. (pp. 61-62) 
Foucault (ibid.) concebe discurso como um conjunto de enunciados (as 
coisas ditas) apoiados na mesma formação discursiva. O discurso não forma uma 
unidade retórica ou formal de aparecimento localizável na história. É constituído por 
um número limitado de enunciados, cujas condições de existência podem ser 
definidas. A prática enunciativa não é uma operação expressiva de um indivíduo, 
mas um conjunto de regras anônimas, históricas, que definem, para dada época e 
área, as condições de exercício da função enunciativa. 
Segundo Veiga-Neto (2003), a palavra episteme é utilizada por Foucault 
para designar as regras que organizam a produção de discursos. Refere-se às 
condições de possibilidade para que algo seja pensado em uma determinada época. 
Uma episteme funciona enfocando e dando sentido às práticas discursivas e não 
discursivas, funcionando também em decorrência dessas práticas. Remete às 
possibilidades de discursos: delimita um campo de saberes, designa enunciados 
sem sentido ou proibidos (por serem estranhos a ela) e aqueles que são permitidos, 
determinando entre esses os verdadeiros e os falsos. A expressão episteme não 
pode ser utilizada como sinônimo de saber, pois diz respeito a um ordenamento 
histórico de saberes, que constitui um princípio anterior ao ordenamento do discurso 
efetuado pela ciência. 
A episteme não é uma forma de conhecimento ou um tipo de racionalidade 
que, atravessando as ciências mais diversas, manifesta a unidade soberana de um 
Página 15 de 28sujeito, de um espírito ou de uma época; é o conjunto das relações que podem ser 
descobertas, para uma época dada, entre as ciências, quando estas são analisadas 
no nível das regularidades discursivas. (Foucault, 2000a, pp. 216-217) 
 
PLURALIDADE DISCURSIVA, A QUESTÃO DO PODER E SUA RELAÇÃO COM 
O SABER 
Independentemente do objeto dos discursos, deve-se sempre pensar que 
existe uma pluralidade, uma rede de discursos que o produz. Assim, 
pluridiscursividade, heterogeneidade discursiva, interdiscurso, são expressões que 
remetem à dispersão dos enunciados, logo, dos discursos. Um discurso qualquer, o 
discurso político, por exemplo, pode ser compreendido como um conjunto de 
enunciados apoiados numa determinada formação discursiva - no caso, a ciência 
política -, que funciona como uma matriz de significados. Contudo, é importante 
considerar que os enunciados de qualquer formação estão sempre em correlação 
dinâmica com coisas ditas em outros campos (Fischer, 1997). 
Os discursos podem ser entendidos como histórias que, encadeadas e 
enredadas entre si, se complementam, se completam, se justificam e se impõem a 
nós como regimes de verdade. Um regime de verdade é constituído por séries 
discursivas, famílias cujos enunciados (verdadeiros e não verdadeiros) estabelecem 
o pensável como um campo de possibilidades fora do qual nada faz sentido - pelo 
menos até que aí se estabeleça um outro regime de verdade. Cada um de nós 
ocupa sempre uma posição numa rede discursiva de modo a ser constantemente 
"bombardeado", interpelado, por séries discursivas cujos enunciados encadeiam-se 
a muitos e muitos outros enunciados. Esse emaranhado de séries discursivas institui 
um conjunto de significados mais ou menos estáveis que, ao longo de um período 
de tempo, funcionará como um amplo domínio simbólico no qual e através do 
qual daremos sentido às nossas vidas. 
É esse dar sentido que faz de nós uma espécie cultural. (Veiga-Neto, 2000, pp. 56-
57) 
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Desse modo, quem somos - o que se costuma chamar de identidades ou de 
subjetividade - se estabelece através de jogos de força, de relações de poder 
imanentes a esse processo, numa constante busca pela imposição de determinados 
significados. Nesse sentido, é pertinente introduzir uma observação sobre a 
concepção inicial de poder no campo dos estudos culturais, marcar seu 
deslocamento e discutir as posições foucaultianas sobre o tema. 
Na sua origem, os estudos culturais concebiam poder como algo que se 
possui e se utiliza - verticalmente - para submeter as pessoas às determinações da 
classe social dominante ou de certas instituições/Estado. Contudo, algumas 
pesquisas recentes abandonam essa definição e aproximam-se da noção de poder 
capilar de Foucault. Para esse pensador, poder não é força que emana de um 
centro, algo que seja possuído e localizável e que visa impedir a ação alheia. É 
concebido como uma positividade, como ação sobre outras ações possíveis, 
"multiplicidade de correlações de força imanentes ao domínio onde se exercem e 
constitutivas de sua organização, o jogo que, através de lutas e afrontamentos 
incessantes as transforma, reforça, inverte" (1999, p. 88). O poder está em toda 
parte, distribuído difusamente pelo tecido social: as relações de poder são 
imanentes a todos os tipos de relações. 
O que faz com que o poder se mantenha e seja aceito é simplesmente que 
ele não pesa só como uma força que diz não, mas que de fato ele permeia, produz 
coisas, induz ao prazer, forma o saber, produz discurso. Deve-se considerá-lo como 
uma rede produtiva que atravessa todo o corpo social muito mais do que uma 
instância negativa que tem por função reprimir. (Foucault, 2000e, p. 8) 
Foucault (1999) pensa o poder a partir de algumas proposições: não é algo 
que se adquire, compartilhe ou deixe escapar, mas que se exerce em meio a 
relações desiguais e móveis; as relações de poder não são exteriores a outros tipos 
de relação (processos econômicos, relações de conhecimento, etc.); não há 
oposição global entre dominadores e dominados, as correlações de força múltiplas 
que se formam e atuam sobre o conjunto social servem de suporte aos efeitos de 
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clivagem que o atravessam - as grandes dominações são efeitos hegemônicos 
sustentados continuamente pela intensidade dos afrontamentos; não se exerce 
poder sem objetivos -, mas não são subjetivas, visto que não resultam da decisão de 
um sujeito; onde há poder há resistências - elas se inscrevem nas relações de poder 
como o interlocutor irredutível. 
Essa dinâmica do poder produziu-se no Ocidente à medida que o direito de 
vida e morte do soberano deslocou-se e o poder sobre a vida (não do indivíduo, mas 
de todos) passou a ser fundamental. A partir dos séculos XVII e XVIII desenvolveu-
se uma nova mecânica de poder: inventaram-se procedimentos específicos, 
instrumentos novos; surgiram os grandes aparelhos do Estado, como exército, 
polícia, administração local. E instalou-se uma nova economia do poder: 
procedimentos que permitiam fazer circular os efeitos de poder de maneira contínua, 
ininterrupta, adaptada e individualizada. Essa nova dinâmica apóia-se nos corpos e 
nos seus atos; é um tipo de poder que se exerce continuamente através da 
vigilância; supõe um sistema minucioso de coerções materiais; apóia-se no princípio 
segundo o qual se deve propiciar, simultaneamente, o crescimento das forças 
dominadas e o aumento da força e da eficácia de quem domina. Esse poder, alheio 
à forma da soberania, é o poder disciplinar. 
As disciplinas veicularão um discurso que será o da regra, não da regra 
jurídica derivada da soberania, mas o da regra "natural", quer dizer, da norma; 
definirão um código que não será o da lei, mas o da normalização; referir-se-ão a um 
horizonte teórico que não pode ser de maneira alguma o edifício do direito, mas o 
domínio das ciências humanas; a sua jurisprudência será a de um saber clínico. 
(Foucault, 2000d, p. 189) 
Uma outra forma de poder sobre a vida, que se produziu por volta da metade 
do século XVIII, o biopoder, centrou-se nos fenômenos típicos das populações. 
Conforme Foucault (1999), o polo disciplinar toma o corpo como máquina: visa seu 
adestramento, a ampliação de aptidões, a extorsão de suas forças, o crescimento de 
sua utilidade e docilidade, a sua integração em sistemas de controle eficazes e 
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econômicos. O outro polo, que não lhe é antitético, mas interligado, centrou-se no 
corpo-espécie e visava regular nascimentos, mortalidade, nível de saúde, 
longevidade, migrações, criminalidade, etc. Com o biopoder inventou-se o conceito 
de população, que abarca a dimensão coletiva de corpos, que não era, até aquele 
momento, uma problemática no campo dos saberes. Para conhecer e regular esse 
corpo-coletividade foi necessário descrevê-lo e quantificá-lo, relacionar os 
resultados, fazendo combinações e comparações para, se possível, prever o futuro a 
partir do passado. 
Para tanto, diferentes saberes engendraram-se: a estatística, a demografia, 
a medicina sanitária. A produção desses campos de saberes, em sincronia com o 
desenvolvimento do biopoder, mostra que entre as estratégias de poder e as 
técnicas de saber não existe exterioridade: "os saberes se engendram e se 
organizam para 'atender' a uma vontade de poder" (Veiga-Neto, 2003, p. 141). 
Foucault emprega a expressão saberes para se referir a teorias sistemáticas, 
manifestas por meio de discursos científicos tomados como verdades. Para esse 
pensador, o sujeito não é produtor de saberes, mas é produzido no interior de 
saberes. 
Se Foucault aproxima saber e poder numa quase fusão, é claro que para ele 
não são a mesma coisa: poder e saber são dois lados de um mesmo processo. As 
relações de força constituem o poder, ao passo que as relações de forma constituem 
o saber, mas aquele tem o primado sobreeste. O poder se dá numa relação 
flutuante, isso é, não se ancora numa instituição, não se apoia em nada fora de si 
mesmo, a não ser no próprio diagrama estabelecido pela relação diferencial de 
forças; por isso, o poder é fugaz, evanescente, singular, pontual. O saber, bem ao 
contrário, se estabelece e se sustenta nas matérias/conteúdos e em elementos 
formais que lhe são exteriores: luz e linguagem, olhar e fala. É bem por isso que o 
saber é apreensível, ensinável, domesticável, volumoso. E poder e saber se 
entrecruzam no sujeito, seu produto concreto, e não num universal abstrato. (...) 
aquilo que opera esse cruzamento nos sujeitos é o discurso, uma vez que é 
justamente no discurso que vêm a se articular poder e saber. (Ibid., pp. 157-158) 
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Foucault buscou compreender o funcionamento do poder, não porque estava 
interessado em construir uma teoria sobre o mesmo, mas porque ele constitui um 
operador capaz de explicar como os indivíduos se subjetivam, imersos em suas 
redes (ibid.). 
 
IDENTIDADE, MODOS DE SUBJETIVAÇÃO E A GOVERNAMENTALIDADE 
No campo dos estudos culturais, como apontam Guareschi, Medeiros e 
Bruschi (2003), o conceito de identidade tem sido utilizado sob rasura. Ele segue 
sendo importante para pensar questões do contemporâneo, mas os modos de 
concebê-lo alteraram-se profundamente: as identidades passaram a ser vistas como 
processuais e constituídas nas redes discursivas.2 
Para Hall (1998), estruturas e processos centrais das sociedades modernas 
estão sofrendo alterações que abalam seus quadros de referência. A partir das 
mudanças estruturais e institucionais na segunda metade do século XX, o processo 
de identificação tornou-se mais provisório, variável e problemático. A concepção de 
identidade unificada, que estabilizava o mundo social, ruiu; as paisagens culturais de 
classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade fragmentaram-se; o 
indivíduo perdeu suas localizações sociais e o sentido de si, numa espécie de dupla 
descentração. No mundo contemporâneo, o sujeito não tem mais uma identidade 
essencial, mas várias identidades, (trans)formadas continuamente em relação ao 
modo como é representado pelos sistemas culturais ao redor. Assim, "à medida em 
que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos 
confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades 
possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos identificar - ao menos 
temporariamente (ibid., p. 13). 
Apesar de o indivíduo estar exposto a variadas situações de interpelação, 
para ele se identificar, ser interpelado por um significado específico (e, por extensão, 
com o sistema de significação do qual este faz parte) deve ser capaz de dar sentido 
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ao(s) enunciado(s) que escoram tal significado. O dinamismo é a tônica: caso um 
enunciado volte a nos interpelar, pode nos encontrar noutra posição e o resultado 
será diferente. Aceitar uma verdade não remete só ao racional: ou ela é imposta 
violentamente (e aí se pode resistir) ou "nos deixamos capturar por ela, como um 
efeito do poder, o qual, sendo sutil e insidioso, nos impõe tal verdade como natural 
e, portanto, necessária" (Veiga-Neto, 2000, p. 58). 
Na perspectiva dos estudos culturais, não é o sujeito que produz as práticas 
de significação, são elas que vão constituir os sujeitos. Cada indivíduo tornar-se-á 
sujeito à medida que se tomar a partir de certas práticas de significação, assim, 
estará posicionado na rede discursiva de uma determinada forma. As práticas de 
significação emergem de uma determinada episteme, que cria regimes de verdade. 
Contudo, as práticas de significação somente se constituem como tal à medida que 
são tomadas como verdades. 
Isso acontece segundo uma contingência histórica e cultural, pois nessa 
perspectiva opera-se com um sujeito que nunca é idêntico a si mesmo ao longo do 
tempo; ao contrário, ele guarda uma abertura para o tempo, tempo histórico que o 
vai posicionar na diferença e não no mesmo. A cultura, ao longo do tempo, vai nos 
interpelar para determinadas posições de sujeito.3 "Isto é fruto do estar 
permanentemente em uma rede discursiva, sobre a qual incidem formações 
discursivas que metamorfoseiam a todo momento as visões de mundo e os modos 
de vivermos neste mundo" (Bernardes e Hoenisch, 2003, pp. 112-113). 
É importante assinalar, como lembram Bernardes e Hoenisch (ibid.), que 
identidade e subjetividade não são correlatas, mas podem ser articuladas sob certas 
condições. O conceito de subjetividade, construído na perspectiva pós-estruturalista, 
vai justamente criticar a noção de identidade forjada na modernidade. Ligado à ideia 
de soberania do sujeito, tal conceito remetia a uma identidade essencial, que até 
poderia sofrer modificações, mas que tinha um estatuto de permanência. Por seu 
lado, o pós-estruturalismo vai desenvolver - em sincronia com as produções da 
virada lingüística - a ideia de descentramento do sujeito: ele não tem nada de 
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absoluto e fixo, mas está sempre por se fazer. O sujeito é visto como derivado de 
práticas sociais, econômicas, culturais, políticas: ele não faz a história, é construído 
pela mesma, de variadas formas, em diferentes épocas; ele é um efeito das práticas 
de significação. 
Apesar de se atribuir a Foucault um repúdio ao sujeito (e depois sua 
reintrodução), o próprio filósofo diz ser seu objetivo conhecer os modos pelos quais 
os indivíduos tornam-se sujeitos (1995). O que Foucault abandona, segundo Veiga-
Neto (2003), é a noção de "sujeito desde sempre aí", buscando os modos pelos 
quais o indivíduo se subjetiva. Ao longo do seu trabalho, ele toma a palavra sujeito 
em dois sentidos: sujeito assujeitado pelo controle e pela dependência, e preso a si 
próprio por um autoconhecimento. 
A referência ao conceito de governo possibilita avançar a discussão sobre o 
processo de subjetivação na visão de Foucault. Como observa Rose (1998), o termo 
governo refere-se a maneiras de buscar a realização de fins sociopolíticos através 
da ação sobre forças, atividades e relações dos indivíduos que constituem uma 
população. O próprio Foucault (2000b) diz que, diferente da soberania, cujos 
instrumentos têm a forma da lei, nas teorias de governo não se busca impor uma lei 
aos indivíduos, mas dispor as coisas: utilizam-se mais as táticas ou usam-se as leis 
como táticas. A emergência do problema da população desbloqueia a arte do 
governo que, a partir daí, se desenvolve de um modo específico e autônomo. Os 
fenômenos próprios à população deslocaram o modelo da família da economia e do 
governo,4 pois seus fenômenos são irredutíveis aos da família (epidemias, espiral do 
trabalho/riqueza, etc.). 
A população aparece como objetivo final de governo, que visa aumentar sua 
riqueza, duração de vida, saúde, etc. Fim e instrumento de governo: sujeito de 
necessidades, aspirações, mas também objeto nas mãos do governo. A 
transmutação da arte do governo em uma ciência política não exclui os papéis 
desempenhados pela soberania e pela disciplina. Por um lado, busca-se encontrar - 
existindo uma arte de governo - uma forma jurídica, institucional, um fundamento de 
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Direito que se poderia dar à soberania que caracterizava um Estado. Por outro, a 
disciplina passa a ser muito mais valorizada quando se procura gerir a população. 
Não se visa só à massa coletiva dos fenômenos: gerir a população significa geri-la 
em profundidade, minuciosamente, no detalhe. Por isso, não se pode pensar que 
aconteceu a mera substituição de uma sociedade de soberania paraa disciplinar e, 
depois, para a sociedade de governo. Constituiu-se, sim, um triângulo: soberania-
disciplina-gestão governamental. 
Como diz Veiga-Neto (2003), é nesse ponto que o conceito de 
governamentalidade se faz valer: ele refere-se às práticas de governo que têm na 
população seu objeto, na economia seu saber e nos dispositivos de segurança seus 
mecanismos básicos. A governamentalidade, para Rose (1998), refere-se ao 
conjunto de instituições, procedimentos, análises e reflexões, cálculos e táticas que 
permitem o exercício de uma forma complexa e específica de poder sobre a 
população. Esse autor aponta a relação entre governo e saberes sobre a 
subjetividade. Afirma que duas características do governo são importantes para 
compreender essa ligação: o governo depende do conhecimento (é preciso saber 
sobre características e processos próprios da população, desenvolvendo esquemas 
explicativos) e esse deve ser de um tipo específico (é preciso traduzir os fenômenos 
em materiais sobre os quais o cálculo político possa trabalhar, isto é, traduzir em 
números, estatísticas). 
Rose propõe que três aspectos conjugam-se na administração do eu 
contemporâneo: os poderes públicos tomam as capacidades pessoais e subjetivas 
como parte de seus objetivos, colocando uma maquinaria em movimento para a 
regulação das condutas através de ações sobre as mesmas; a organização moderna 
(escola, fábrica, companhia aérea) toma a administração da subjetividade como uma 
tarefa central para alcançar seus objetivos, pois considera a inteligência, a 
personalidade, a capacidade (do aluno, cliente ou empregado) para traçar suas 
estratégias, dando um matiz psicológico à vida organizacional; surge uma expertise 
da subjetividade: profissionais (psicólogos/as, trabalhadores/as sociais, gerentes de 
pessoal) que têm arvorado sua capacidade de compreender os aspectos 
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psicológicos e agir sobre os mesmo ou orientar outras pessoas sobre como lidar 
com os mesmos. 
As estratégias para conduzir a conduta operam por meio da tentativa de 
moldar as tecnologias do eu, que, na perspectiva foucaultiana, referem-se aos 
mecanismos de auto-orientação, às formas pelas quais os indivíduos vivenciam, 
compreendem, julgam e conduzem a si mesmos. 
As tecnologias do eu tomam a forma da elaboração de certas técnicas para 
a conduta da relação da pessoa consigo mesma, por exemplo, ao exigir que a 
pessoa se relacione consigo mesma epistemologicamente (conheça a si mesma), 
despoticamente (controle a si mesma) e de outras formas (cuide de si mesma). (...) 
E elas são sempre praticadas sob a autoridade real ou imaginada de algum sistema 
de verdade e de algum indivíduo considerado autorizado, seja esse teológico e 
clerical, psicológico e terapêutico, ou disciplinar e tutelar. (Rose, 2001, p. 41) 
O processo de governamentalização está, dessa forma, vinculado ao papel 
dos experts na criação e administração das tecnologias da subjetividade. O 
processo de desestatização da governamentalidade e da governamentalização do 
Estado acontece no deslocamento de estratégias centralizadoras de regulação da 
conduta para estratégias colocadas sob a responsabilidade da expertise (Silva, 
1998). O conhecimento e a expertise moderna da psique não operam somente no 
sentido de constrangimento ou repressão da liberdade do indivíduo. Ao contrário, 
estimulam a subjetividade promovendo auto-inspeção e autoconsciência, moldam 
desejos, buscam maximizar as capacidades intelectuais - buscam produzir 
indivíduos livres para escolha. 
O governo da alma depende de nos reconhecermos como, ideal e 
potencialmente, certo tipo de pessoa, do desconforto gerado por um julgamento 
normativo sobre a distância entre aquilo que somos e aquilo que podemos nos 
tornar e do incitamento oferecido para superar essa discrepância, desde que 
sigamos o conselho dos experts na administração do eu. (Rose, 1998, p. 44) 
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Bernardes e Hoenisch (2003) compreendem, com Foucault, a subjetividade 
como o modo no qual o sujeito faz a experiência de si mesmo num jogo de verdade 
em que ele está em relação consigo mesmo. Isso remete aos modos de ser 
engendrados no social, na cultura. Assim, trata-se de uma consciência de si 
permanentemente em produção, uma formação existencial constituída em um 
determinado tempo-espaço. Esses autores apontam que não se trata de um mero si 
mesmo, algo da ordem de uma condição de individualidade, mas constitui formas 
pelas quais "o sujeito se observa e se reconhece como um lugar de saber e de 
produção de verdade" (p. 117). O que perpassa essas colocações é a ideia de 
processo de subjetivação, aquilo que está sendo permanentemente constituído 
culturalmente, via interpelações discursivas e lutas pela imposição de significações. 
 
IDENTIDADE/DIFERENÇA: RETOMANDO OS JOGOS DE PODER NA 
PRODUÇÃO SUBJETIVA 
Quando se trabalha com o conceito de identidade, diferente do que acontece 
como com o de subjetividade, parece que se precisa completar a expressão: fala-se 
em identidade cultural, racial, étnica, de gênero, sexual entre outras. Por exemplo, 
Hall (1997), quando se propõe a discutir a pluralização de identidades, fala em 
constante tensionamento das diversas posições identitárias - ou jogo de identidades 
-, o que abre espaço para que ele pense em identidades que podem ser 
contraditórias. 
Esse tipo de argumentação, se tomado de forma apressada e simplificada, 
pode remeter à ideia de um sujeito composto: uma identidade para cada lugar social. 
E, seguindo por esse caminho, a distinção entre identidade e papel social tornar-se-
ia muito tênue. Contudo, buscando-se os fundamentos epistemológicos de cada 
perspectiva, é possível estabelecer com clareza a diferença. A teoria dos papéis 
remete a uma gama relativamente fixa de condutas esperadas pelo social, prévias 
ao sujeito, que ele somente desempenha (o melhor possível, para a harmonização 
social). De forma bastante diversa, o conceito de identidade refere-se a um processo 
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que se forja discursivamente, logo, que é instável e que não está dado anterior ao 
sujeito: só quando ele toma alguns significados como verdades para si, que ele se 
subjetiva naquele sentido. Como propõem Bernardes e Hoenisch (2003, p. 119) 
"falamos de posição-de-sujeito, na qual a identidade expressa-se na forma como nos 
tornamos algo ou alguém em uma determinada composição de grupo, etnia, raça, 
gênero, família ou profissão". 
Pensar a identidade como constituída em uma rede discursiva implica 
concebê-la como uma fixação em uma determinada posição na linguagem, 
constituída a partir da diferença. Dessa forma, as posições identitárias que os 
sujeitos ocupam são concebidas como plurais e relacionais. Silva (2000) insiste 
nesse ponto, enfatizando que a identidade não pode ser abordada sem a 
consideração da diferença: elas são interdependentes e resultam de atos de criação 
lingüística, logo, caracterizam-se pela instabilidade e pela possibilidade de novas 
significações. Não há precedência de uma sobre a outra, tratando-se de uma 
constituição simultânea. Não há com falar do ser sem relacioná-lo ao não ser. 
As pesquisas no campo dos estudos culturais têm buscado a articulação 
entre identidade e diferença; é no âmbito desse referencial que são discutidas as 
lutas pela imposição de significados que se reflete sobre os jogos de poder 
imanentes à produção de identidade/diferença. Cabe lembrar que existe uma 
tradição política nesse campo: se poder já não é concebido da mesma forma, como 
algo que separa e distingue "dominadores e dominados", a reflexão sobre os jogos 
de poder, agora pensado como algo que circula no tecido social, segue sendo uma 
forte marca desse campo. Não se busca mais explicitar fontes de poder, mas como 
afirma Silva (ibid.), a produção de identidade/diferença nunca é inocente. A definição 
da identidadee da diferença envolve disputas entre grupos sociais assimetricamente 
situados em relação ao poder num processo em que estão implicadas lutas mais 
amplas por recursos materiais e simbólicos da sociedade. 
Esse autor aponta uma série de processos que, de forma interrelacionada, 
constituem identidade/diferença: diferenciação, inclusão/exclusão, classificação e 
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demarcação de fronteiras. Classificar é um processo central na vida social e pode 
ser compreendido como um ato de significação através do qual se divide e ordena - 
hierarquiza - o mundo em grupos. Assim, se constroem as oposições 
binárias5 (homem/mulher, branco/negro), nas quais um termo recebe valor positivo e 
o outro negativo. De forma correlata, a atribuição de todas as características 
positivas a uma identidade leva à fixação de uma identidade como norma, a 
constituição da chamada identidade hegemônica, que se tornará a identidade - todas 
as outras possibilidades identitárias estarão colocadas como hierarquicamente 
inferiores a esta. 
"Questionar a identidade e a diferença como relações de poder significa 
problematizar os binarismos em torno dos quais elas se organizam" (ibid., p. 83). 
Nesse sentido, é fundamental poder mostrar que o que é deixado de fora - a 
diferença, o "outro" - é parte inerente da constituição do dentro - da identidade. A 
produção da identidade faz-se a partir de um movimento que busca fixá-la e 
estabilizá-la e, ao mesmo tempo, comporta um outro movimento, que tende a 
subvertê-la, desestabilizá-la. Assim, as identidades, na perspectiva dos estudos 
culturais, são compreendidas como móveis, instáveis, e os encontros com a 
diferença acabam constituindo novas combinações. 
O fato de vivermos em mundos crescentemente múltiplos (Bernardes e 
Guareschi, 2004) em função das tecnologias de informação, dos processos de 
globalização, nos coloca em permanente contato com as diferenças culturais. 
Também nesse sentido trabalham as políticas de identidade, os novos movimentos 
sociais, que contestam a imposição cultural de sistemas de significação 
universalizantes. Sua proposta não é inverter hierarquias sociais ou mesmo 
fortalecer certa identidade, mas subverter, desestabilizar os marcadores identitários 
pela produção contínua da diferença. Assim, estão comprometidas com a produção 
de novas práticas de significação, com as lutas em torno da imposição de 
significados. 
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-69752006000200004#b5
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Tendo em vista o lugar que a Psicologia ocupa como produtor de discursos 
sobre os modos de ser no mundo contemporâneo, acreditamos que é fundamental 
estarmos atentos/as para o conhecimento que construímos e fazemos circular. 
Nesse sentido, problematizar certas noções arraigadas em nosso campo e oferecer 
outras possibilidades de compreender a subjetivação foram objetivos do presente 
escrito. 
 
Referências 
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