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TCC Ana Cláudia pronto 22 nov 2019 Améin hallelluya Gezuis vai beber hoje

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17
EMANCIPAÇÃO FEMININA: A BUSCA POR LIBERDADE EM A BOLSA AMARELA, DE LYGIA BOJUNGA[footnoteRef:1] [1: Artigo científico apresentado à Banca Examinadora como requisito para obtenção de nota na disciplina Trabalho de Conclusão de Curso e obtenção de grau de Licenciatura em Letras Língua Portuguesa e Língua Inglesa no semestre 2019/2.] 
Orientanda: Ana Cláudia Tavares Prata [footnoteRef:2] [2: Acadêmica do Curso de Letras IEAA/UFAM.] 
Orientadora: Elis Regina Fernandes Alves[footnoteRef:3] [3: Orientadora do Trabalho de Conclusão de Curso e Professora do Instituto de Educação, Agricultura e Ambiente – IEAA/UFAM.] 
RESUMO: O trabalho “Emancipação feminina: a busca por liberdade em A bolsa amarela, de Lygia Bojunga” objetiva analisar a protagonista Raquel e sua busca pela liberdade feminina a partir de três grandes desejos escondidos dentro de sua bolsa amarela: ser grande, ser menino, ser escritora. Inicialmente, realiza-se um levantamento do papel histórico da mulher, do conceito de feminismo e sua inserção na literatura, para assim partir para a análise da personagem pelo viés do feminismo. O feminismo se compõe de movimentos históricos em que as mulheres lutam por igualdade nas mais diversas esferas. É por meio destes movimentos que a mulher conquistou certa independência e seu espaço na literatura. Os autores utilizados para embasamento teórico foram Beauvoir (1967; 1970), Alves e Pitanguy (1985), Woolf (2014), Perrot (2007), entre outros. A análise revela que Raquel é uma personagem que, apesar de ser criança, é questionadora e à frente de seu tempo, pois não segue os padrões daquela época. Consegue impor-se em seu meio e desiste de querer ser menino, pois percebe que ser menina pode ser bom. 
Palavras-chave: Feminismo; Libertação Feminina; A bolsa amarela.	
ABSTRACT: The work “Female emancipation: the search for freedom in The yellow bag, by Lygia Bojunga” intends to analyze the protagonist Raquel and her search for female freedom from three big wishes hidden inside her yellow bag: being an adult, being a boy, being a writer. In the beginning, a survey is done about the historical role of women, the definition of feminism and its insertion into the literature, in order to analyze the character from the feminist point of view. The feminism is characterized by historical movements in which women struggled for equality in different spheres. From these movements, women could conquest certain independence and their space in literature. The authors used for theoretical approach were Beauvoir (1967; 1970), Alves and Pitanguy (1985), Woolf (2014), Perrot (2007), among others. The analysis reveals that Raquel is a character who, although being a child is questioner and ahead of her time, because she does not follow the standards of that time. She can impose herself and she gives up being a boy, because she notices that being a girl can also be good.
Key words: Feminism; Female Release; The Yellow Bag.
1. INTRODUÇÃO
Durante muito tempo, as mulheres sempre foram vistas como seres inferiores em relação aos homens e submissas a eles. Suas principais funções eram serem mães, esposas dedicadas e cuidar das tarefas domésticas: “o papel desse ser puramente afetivo é o de esposa e dona de casa” (BEAUVOIR, 1970, p. 144). Enquanto os homens tinham o direito de estudar, pensar e governar, a mulher tinha esse direito negado. A educação para as mulheres era limitada, não tinham direito ao voto, ao divórcio e nem poder de escolha para o casamento, esses direitos só foram parcialmente conquistados com movimentos feministas, que começaram a ter força por volta do século XIX. 
A partir disso, as mulheres buscam a igualdade de direitos sociais, civis e políticos, além de lutar contra a inferiorização e opressão que sofriam, o que se refletiu na literatura, que também começou a reivindicar igualdade entre os gêneros. Partindo desses pressupostos, será feita uma análise da obra A Bolsa Amarela, de Lygia Bojunga, com foco na protagonista Raquel, pelo viés do feminismo, buscando evidenciar os motivos que a levavam a querer ser menino, a crescer logo e ser escritora e como esta personagem luta por sua liberdade a partir de três grandes desejos escondidos dentro da bolsa amarela. O desejo de Raquel em querer ser menino não parece estar ligado às questões sexuais, mas sim aos direitos socialmente atribuídos ao gênero masculino, assim como os outros dois desejos, o de crescer logo e ser escritora estão ligados aos papeis sociais. Tudo na narrativa é fruto da imaginação de Raquel que, de uma maneira bem criativa, reproduz como a mulher era vista pela sociedade da época.
	Para a realização deste trabalho, inicialmente, utiliza-se o levantamento teórico bibliográfico do papel histórico da mulher ao longo da história, seus direitos, deveres e o que lhe era vetado, a partir de pressupostos teóricos como os de Alves e Pitanguy (1985), Beauvoir (1967; 1970), Bonnici (2007), Perrot (2007), entre outros. Em seguida, será debatido o feminismo como movimento social, bem como suas precursoras e o feminismo no campo literário, tendo como base teórica Beauvoir (1967;1970), Michel (1982), Zolin (2003), Woolf (2014), dentre outros. Por fim, será analisada a protagonista Raquel na obra A Bolsa Amarela, extraindo trechos para que se evidencie como esta protagonista luta por direitos em meio às proibições ditadas pelo universo masculino.
2. O PAPEL HISTÓRICO DA MULHER
	Ao longo da história, as mulheres tiveram uma longa caminhada em busca de seus direitos, no decorrer deste processo ocorreram avanços e retrocessos. Aos homens, era permitida a atuação em atividades nobres, enquanto a mulher era subjugada às atividades de amamentação e reprodução humana, como afirma Beauvoir: “é a maternidade sua vocação natural” (1967, p. 248). A mulher era relegada aos papeis domésticos, que incluíam a criação dos filhos e os cuidados da casa, e nunca atividades externas, sociais e políticas.
	 
A mulher grega, no período antes de Cristo, não tinha acesso à educação, uma vez que era proibida de pensar e tinha como principal objetivo ser companhia agradável a seu marido nas horas de lazer. O discurso do senador Marco Pórcio Catão apud Alves e Pitanguy (1985, p. 14-15) nos mostra com clareza o medo que os homens tinham caso fosse dado poder às mulheres, deixando nítida a inferiorização da mulher romana: “Os senhores sabem como são as mulheres: façam-nas suas iguais, e imediatamente elas quererão subir às suas costas para governá-los”. 
Em certas sociedades, ainda no período antes de Cristo, porém, a mulher não era tão inferiorizada, como nas sociedades tribais da Gália e da Germânia em que possuíam uma atuação semelhante à do homem. Segundo Alves e Pitanguy (1985, p. 15) “faziam a guerra, participavam dos conselhos tribais, ocupavam-se da agricultura e do gado, construíam suas casas.” As mulheres funcionavam, também, como juízas, inclusive de homens. Em Esparta, a mulher era tratada quase que com igualdade, como afirma Beauvoir (1970, p. 109) “Esparta, onde prevalecia um regime comunitário, era a única cidade em que a mulher se via tratada quase em pé de igualdade com o homem”.
	Na Idade Média, a mulher teve acesso à instrução profissional, um direito que perderia tempos depois, sendo que essa oscilação ao acesso do mercado de trabalho sempre foi comum às mulheres, pois a necessidade da mão de obra feminina só aparecia em tempos de crise econômica. Exerceram atividades que eram desempenhadas pelo sexo masculino, mas também desempenhavam atividades propriamente ditas femininas. Mesmo ao desempenhar a mesma função, sempre houve uma desvalorização do trabalho feminino, o pagamento era inferior ao do homem. E essa desvalorização levou a uma manifestação de rivalidade dos trabalhadores homens contra as mulheres no trabalho. Em Londres de 1344, surgiram também algumas restrições em que só poderiam empregar mulheres que fossem filhas e esposas. O mercado de trabalho já excluía as mulheres. (ALVES e PITANGUY, 1985).
	As mulheres ainda eram minoria no campo daeducação, tinham esse direito privado, porém há registros de mulheres que se formaram e atuaram na área de medicina e do direito. Segundo Alves e Pitanguy (1985), Christiane de Pisan, considerada como uma das primeiras feministas no século XIV, defendia a igualdade na educação entre os sexos: “Se fosse costume mandar as meninas à escola e ensinar-lhes as ciências, como se fazem aos meninos, elas compreenderiam as sutilezas das artes e ciências, tal como eles”. Para Christiane de Pisan, não somente aos homens deveria ser dada boa educação, mas às mulheres também, pois uma mulher sem estudo era facilmente manipulada e subjugada.
	Apesar da significante participação social da mulher durante a Idade Média, isso não foi suficiente para conceder prestígio social, pois as artes e o conhecimento científico não eram considerados em si valores, o que só ocorreu no Renascimento. Ainda em meados do século XIV, não se pode deixar de mencionar a perseguição que as mulheres sofreram, que ficou conhecida como a “caça às bruxas”, que foi um verdadeiro genocídio, no qual muitas mulheres foram torturadas e mortas, simplesmente por tentarem usar conhecimentos medicinais, o que não lhes era permitido. No século XV, a medicina passa a ser somente desempenhada pelo sexo masculino, tirando as parteiras desse ofício, sob a acusação de serem bruxas, pois usavam ervas medicinais para a cura. Ao mesmo tempo em que foram proibidas de atuar na medicina, também o foram de entrar em universidades, e quem ousasse desobedecer ao poder patriarcal e da igreja seria queimada. (ALVES e PITANGUY, 1985).
Para Ambroise Paré, médico do século XVI, apud Alves e Pitanguy (1985), o sexo feminino era prova de inferioridade da mulher, pois “o que o homem tem externamente a mulher o tem internamente” e, indo mais além, François Rabelais apud Alves e Pitanguy (1985) fala que o corpo da mulher pode levá-la à desordem moral, ou seja, uma desorganização do comportamento humano dentro de uma sociedade. Nesse sentido, o sexo feminino era visto como inferior devido à propagação dos discursos religiosos, pseudocientíficos, familiares e até do próprio Estado. Havia uma total desvalorização da mulher pelo homem nesta utilização de discursos pseudocientíficos, em que a ciência era distorcida em favor do sexo masculino. Bordieu reforça isso quando afirma que a mulher foi descrita de forma a parecer biologicamente inferior. 
A diferença biológica entre os sexos, isto é, entre o corpo masculino e o feminino, e, especificamente, a diferença anatômica entre os órgãos sexuais, pode assim ser vista como justificativa natural da diferença socialmente construída entre os gêneros e, principalmente, da divisão social do trabalho (BOURDIEU, 2002, p. 10).
Enquanto nos séculos anteriores a educação foi restringida apenas ao sexo masculino, no século XVIII, uma ou outra mulher de classe alta tinha acesso à educação, porém o mínimo, que era a educação básica. Entendia-se que o acesso a mais do que isso inverteria os papeis de homens e mulheres, como se nota: “Quer a razão que as mulheres não metam jamais o nariz num livro, jamais a mão numa pena [...]. Para o homem, a maça de Hércules [...] A leitura abre as portas perigosas do imaginário. Uma mulher culta não é uma mulher” (PERROT, 2007, p. 93). 
Com a pouca liberdade conquistada no século XVIII, a mulher no século XIX, de modo geral, não tem acesso à educação intelectual, é impedida de frequentar universidades e ter bens, e não tinha poder de escolha sobre o casamento. Era subjugada a casar-se com o escolhido pelo pai em uma forma de contrato entre genro e sogro, em casamentos arranjados, sendo restrita a liberdade de escolha pela jovem: “[...] durante muito tempo os contratos foram assinados entre o sogro e o genro, não entre o marido e a mulher [...] A liberdade de escolha da jovem sempre foi muito restrita”. (BEAUVOIR 1967, p. 166-167). Mesmo que o escolhido não fosse de seu agrado, jamais poderia recusar. 
O século XIX foi marcado por muitos movimentos revolucionários, as mulheres buscavam melhorias nas condições de trabalho, porém sofreram muitas repressões e outras foram presas. O Movimento Sufragista, um movimento de luta por direitos de cidadania, direito de voto e ao voto principalmente pela classe de mulheres trabalhadoras, foi uma das principais reivindicações nos séculos XIX e XX.
O século XX representou um período de extrema importância no que refere às reivindicações das mulheres, período que conseguiram o direito de votar, direito ao divórcio, ingresso na universidade e participação no mercado de trabalho, embora ainda com diferença salarial, direitos até então renegados. A conquista ao voto foi um importante passo na condição de vida social das mulheres. As conquistas foram alcançadas graças ao rompimento do silêncio, o que colaborou para a libertação social.
 Ao analisar a condição da mulher, desde sua infância, Beauvoir acredita que desde cedo as meninas são condicionadas a aprender o que é ser mulher, o que é o papel feminino, a mãe ensina a cuidar da casa, dos irmãos e em uma simples brincadeira de boneca desenvolvem o instinto materno “a menina constata que o cuidado das crianças cabe à mãe”. (BEAUVOIR, 1967, p. 24). As meninas são submetidas aos afazeres domésticos, enquanto o menino é poupado, todas as atividades da casa são sobrecarregadas na menina, que começam na fase infantil e se prolongam nas demais. Segundo Beauvoir “Grande parte do trabalho doméstico pode ser realizado por uma menina muito criança; habitualmente dele os meninos são dispensados; mas permite-se, pede-se mesmo à irmã, que varra, tire o pó, limpe os legumes, lave um recém-nascido, tome conta da sopa” (BEAUVOIR, 1967, p. 27). A menina carrega consigo que os afazeres domésticos são responsabilidades dela, enquanto cabe ao homem ser o responsável pela família e chefe da casa. Ao entender o conceito de Bordieu (2002), de violência simbólica em que as meninas fazem os trabalhos domésticos como se fosse unicamente tarefa feminina ou que deve receber um salário menor que o homem porque engravida, percebe-se uma imposição como se fosse obrigação feminina realizar as atividades domésticas o que torna uma forma de violência simbólica, pois limita a menina, desde cedo, ao cuidado doméstico.
	A evolução da condição da mulher foi bastante lenta, houve muitos períodos de luta das mulheres pela busca de reconhecimento de sua cidadania e por melhores condições de trabalho e salariais, e no Brasil não foi diferente, como analisam Alves e Pitanguy (1985). O direito ao voto, que foi uma importante conquista para as mulheres, no Brasil só ocorreu em 1932, no governo Getúlio Vargas que promulgou um decreto que dava direito às mulheres de votar, mas ainda faltava dar mais um passo que seria o direito ao divórcio, pois as mulheres eram obrigadas a permanecerem casadas mesmo em uniões adversas. Conforme reforça Simone de Beauvoir “o casamento é seu ganha pão e a única justificativa social de sua existência”. (BEAUVOIR, 1967, p. 166). O divórcio era motivo de repúdio, e só chegou ao Brasil nos anos 1970. 
	Portanto, percebe-se que, as mulheres foram resistentes na busca por seus direitos, e apesar de terem sofrido repreensões, não se deixaram abater pelo sexismo e nem aceitar a limitação do seu papel social, político e cultural. Após muitos anos de lutas reivindicando seus direitos, as mulheres conseguiram ingressar na universidade, direito de votar e ser votada e melhores condições de trabalho e salários. Diante das transformações sociais ocorridas, surgiram organizações de mulheres para reivindicar seus direitos, e na literatura o feminismo também se desenvolveu como forma de dar voz às mulheres. 
	
2.1 FEMINISMOS 
	O movimento feminista envolve a luta das mulheres em busca de seus diretos. Com o maior rompimento do silêncio em meados do século XIX, período em que as mulheres começaram a fazer manifestações e reivindicar melhores condições de trabalho, uma das primeiras reivindicações. Juntamente com os homens, as mulheres lutaram, fizeram greve,porém foram reprimidas, pois estavam lutando por uma jornada de trabalho menor, as mulheres eram praticamente “escravas do trabalho”, como apontam Alves e Pitanguy (1985).
	Depois de muitas lutas dos homens, foi concedido o sufrágio universal, o direito de voto sem levar em consideração a renda, porém não abrangeu a classe feminina. Após muitas lutas das mulheres de todas as classes sociais, no final do século XIX para o século XX, iniciou-se nos Estados Unidos o sufrágio feminino, entretanto só depois de muitas décadas foi concedido à mulher o direito ao voto. A revolução Francesa foi uma forte influenciadora para o movimento feminista. (MICHEL, 1982).
	O feminismo é um movimento constante que busca por igualdade social. Desde o século XVII as mulheres começaram a se questionar e tomar consciência das desigualdades a que eram submetidas e iniciaram a luta para diminuir a desigualdade política e de direitos, como se nota na obra A Vindication of the Right of Woman, de Mary Wollstonecraft, em que a autora fala da exclusão da mulher em ter direitos básicos, sendo a educação a base para o fim das desigualdades. Segundo Alves e Pitanguy (1985, p. 9-10):
O Feminismo busca repensar e recriar a identidade de sexo sob uma ótica em que o indivíduo, seja ele homem ou mulher não tenha que adaptar–se a modelos hierarquizados, e onde as qualidades “femininas” ou “masculinas” sejam atributos do ser humano em sua globalidade. [...] Que as diferenças entre sexos não se traduzam e relações de poder que permeiam a vida de homens e mulheres em todas as suas dimensões: no trabalho, na participação política, na esfera familiar, etc.
 Entende-se que o feminismo não seja uma luta individualizada, específica, voltada apenas para um objetivo, mas lutas constantes em favor da igualdade entre os gêneros, nas mais diversas esferas: política, educacional, diferença salarial entre os gêneros, ou seja, no sentido de que ambos tenham direitos e oportunidades iguais. 
É a partir do feminismo que a mulher conquista sua independência, liberdade e também seu espaço no campo da literatura. Devido ao preconceito que sofriam na sociedade regida pelo sistema patriarcal e privadas de educação intelectual, as mulheres eram condicionadas a viver sob a sombra de pseudônimos masculinos, como por exemplo as irmãs Brontë, que fizeram publicações com pseudônimos masculinos, e só anos depois conseguiram publicar utilizando seu próprio nome, como foi o caso de Emily Brontë com a publicação de O morro dos ventos uivantes, em 1847, como analisou Virginia Woolf em Um teto todo seu, uma das primeiras autoras a discutir a escrita feminina. Woolf se destacou ao escrever defendendo as mulheres em um momento em que o sexo feminino sofria grande discriminação. As primeiras escritas de Woolf refletem o descontentamento das mulheres em relação ao homem, somente ao homem era concedido o direito de escrever, às mulheres era negado este direito. Woolf fala que a mulher precisa ter seu espaço e dinheiro, que seja livre de interrupções ou coisas que possam tirar a atenção na hora de escrever ficção: “a mulher precisa ter dinheiro e um teto todo, seu espaço próprio, se quiser escrever ficção” (WOOLF, 2014, p. 9). Só com a independência conquistada, a mulher poderia escrever sem que nada pudesse interferir na sua escrita. 
Em seguida, Simone de Beauvoir, em seu livro O segundo sexo, analisa como a mulher era tratada como objeto sexual ou como servidora dos homens. A mulher era reprimida pela sociedade desde a infância. Na infância já se tem o sexo feminino visto com inferioridade e o sexo masculino como superior. Enquanto o menino é encorajado, a menina renuncia sua autonomia, tem brincadeiras mais leves para não sujar a roupa, os meninos usam roupas que facilitem os movimentos nas brincadeiras. O menino é livre e a menina é privada de liberdade, pois quanto menos ela compreender o mundo, menos chances ela terá de se firmar como sujeito e continuará sendo tratada como objeto: “[...] recusam-lhe a liberdade; fecha-se assim um círculo vicioso, pois quanto menos exercer sua liberdade para compreender, apreender e descobrir o mundo que a cerca, menos encontrará nele recursos, menos ousará afirmar-se como sujeito”. (BEAUVOIR, 1967, p. 22).
	A sistematização da crítica feminina na literatura, nos anos 70, ocorre com a publicação de Sexual Politics, de Kate Millet, que estuda os papéis das personagens femininas nos romances tradicionais, que são sempre estereotipadas como megeras, dissimuladas, perigosas, impotentes, indefesas, submissas, ou seja, mulheres passivas, incapazes de se impor. Segundo Zolin: 
As críticas feministas mostram como é recorrente o fato de as obras literárias canônicas representarem a mulher a partir de repetições de estereótipos culturais, como por exemplo, o da mulher sedutora perigosa e imoral, o da mulher como megera e incapaz, e entre outros, o da mulher como anjo capaz de se sacrificar pelos que a cercam. Sendo que a representação da mulher como incapaz e impotente subjaz uma conotação positiva; a independência feminina vislumbra na megera e na adúltera remete à rejeição e à antipatia. (ZOLIN, 2003, p.170).
	A mulher, nas obras literárias canônicas, é apresentada como estereotipada, uma hora vista como “anjo” porque é bondosa, outras vezes como “demônio” porque teria seus próprios pensamentos, e isso faria com que houvesse uma quebra de regras do sistema patriarcal que era muito rígido naquela época, e a literatura refletia isso. Com a ascensão do feminismo e da crítica feminista, as mulheres puderam explorar temas como sexualidade, amor, pois na verdade, se sabia que o público era feminino, e a escrita era estereotipada de propósito, como se aquela representação na literatura fosse um modelo a ser seguido. As mulheres eram representadas sem qualquer capacidade intelectual, reprimidas aos papeis que lhes eram impostos e isso influenciava na escrita literária de outros autores ou na interpretação destas representações pelos leitores.
	Elaine Showalter, outra precursora nos estudos literários femininos, também nos anos 1970, se debruçou em analisar obras escritas por mulheres e utiliza a ginocrítica para falar da escrita de autoria feminina, pois esta crítica “investiga como a escrita de autoria feminina é diferente da escrita de autoria masculina na linguagem, no enredo (personagens ou enredo arquétipos), nos temas (as ideias e as preocupações compartilhadas por escritoras), no uso das metáforas ou imagens” (BONICCI, 2007, p. 242). Para Showalter, não havia uma distinção entre a escrita masculina e a feminina, o que havia era a “cultura da mulher” isto é: “uma teoria que incorpora ideias a respeito do corpo, da linguagem e da psique da mulher, mas as interpreta em relação aos contextos sociais nos quais elas ocorrem” (SHOWALTER, 1994, p. 44).
	Showalter cria a ideia das fases do feminismo: a fase feminina, feminista e fêmea. A fase feminina é a fase em que as escritoras fazem uso da imitação do padrão masculino, de uso dos pseudônimos masculinos. Com o sistema patriarcal vigente, nesta fase a mulher ainda era estereotipada como bondosa, pura, frágil que não tinha voz e vez. Orgulho e preconceito, de Jane Austen, publicado em 1813, representa bem essa fase, pois aqui a literatura feminina era pouco valorizada e dificilmente as escritoras utilizavam seu verdadeiro nome. Além disso, as personagens femininas deste romance, embora consigam dar leves passos para fora do patriarcalismo, acabam, ao fim da narrativa, se rendendo ao que lhes era imposto, o casamento e a maternidade, como formas de se atingir plenitude e felicidade.
	A fase feminina, mais ou menos no século XX, é a fase das personagens lutando para ter voz, ter direitos e não mais são estereotipadas como na fase anterior. Mrs. Dalloway, de Virginia Woolf, se enquadra nesta fase, tendo em vista que a protagonista Clarissa oscila entre as duas fases, feminina e feminista, pelo fato dela ter tido relações sexuais antes do casamento, e ser livre em alguns aspectos, algo que naquelaépoca era impensável, no entanto, a personagem acaba abrindo mão, não somente de seus sonhos, como também de sua identidade para agradar aos outros. 
E, por fim, a terceira fase, designada de fase fêmea, trata da autodescoberta, as personagens lutam para serem mulheres como desejam, não mais seguir o que a sociedade dita do que é ser mulher, como reforça Beauvoir: “não se nasce mulher, torna-se mulher” (BEAUVOIR, 1967, p. 9). A fase da autodescoberta é justamente para desconstruir essa ideia. Observa-se na obra A cor púrpura, de Alice Walker, de 1982, um grande exemplo da autodescoberta, a personagem Celie, uma mulher negra, após viver em um casamento arranjado e violento, luta e consegue sair desse casamento, ser independente e se autodescobrir em sua sexualidade.
Tendo como objeto de estudo a obra A bolsa amarela, de Lygia Bojunga, de 1976, será realizada uma investigação do feminismo, a partir da personagem Raquel, que através de fatos do seu cotidiano, juntamente com seres imaginários, e com os três desejos que esconde dentro da bolsa amarela, cria histórias fantásticas da vida que queria para si. Em meio às aventuras, Raquel busca pela sua autodescoberta como pessoa, pois ao longo da narrativa é visível que a personagem quer se libertar dos estereótipos a ela atribuídos naquela época. 
3. ANÁLISE
	A Obra A Bolsa Amarela (2007) é de autoria de Lygia Bojunga Nunes, considerada um dos maiores nomes da literatura Infanto-Juvenil do Brasil. Foi a primeira escritora a ganhar o prêmio Hans Christian Andersen, um dos prêmios mais importantes da literatura. Em suas obras, Lygia Bojunga tem como principal temática a infância, desse modo, a autora faz uma mistura de fantasia e realidade, para tratar de questões sociais principalmente ligadas à criança e os jovens. Seu primeiro livro publicado foi Os Colegas em 1972, e entre suas publicações que se destacam são: Angélica (1975), A Bolsa Amarela (1976), A Casa da Madrinha (1978) e O Sofá Estampado (1980). (FRAZÃO, 2019). 
A autora, em A Bolsa Amarela, narra a história divertida de Raquel, a filha mais nova entre os irmãos, que era ignorada, pois eles tinham em mente que criança não sabia de nada. Por sofrer essa opressão por parte dos irmãos que não lhe davam atenção, Raquel decide escrever para seus amigos imaginários para compartilhar seus desejos que eram guardados dentro da bolsa amarela, presente que sobrou dos que tia Brunilda sempre enviava para sua família. A bolsa amarela seria o lugar ideal para Raquel guardar seus desejos que eram: ser menino, ser gente grande e ser escritora. A bolsa seria como uma espécie de refúgio para a menina guardar seus desejos, seus amigos imaginários e suas histórias inventadas.
De início, Raquel não tem voz, e é a partir das três grandes vontades escondidas dentro da bolsa amarela que a personagem vai de encontro à sua autoafirmação; crescer logo, ser garoto e ser escritora: “Às vezes acho que é a vontade de crescer de uma vez e deixar de ser criança. Outra hora acho que é a vontade de ter nascido garoto em vez de menina. Mas hoje tô achando que é a vontade de escrever.” (BOJUNGA, 2007, p. 9). Raquel tinha em seu pensamento que ao crescer (ser adulta) ou ser menino conquistaria toda a liberdade que era negada por ser criança e menina, pois ela percebia que os meninos podiam fazer tudo, tinham a liberdade que as meninas (mulheres) eram privadas naquela época, seja no âmbito familiar ou escolar, por isso acha que ser menino pode resolver seus problemas: “[...] eu acho muito melhor ser homem do que mulher.” (BOJUNGA, 2007, p. 16). E tem uma visão bastante feminista da exclusão da mulher de certas áreas sociais, como revela no diálogo com o irmão:
 [...] Vocês podem um monte de coisas que a gente não pode. Olha: lá na escola, quando a gente tem que escolher um chefe pras brincadeiras, ele sempre é um garoto. Que nem chefe de família: é sempre o homem também. Se eu quero jogar uma pelada, que é o tipo de jogo que eu gosto, todo mundo faz pouco de mim e diz que é coisa pra homem; se eu quero soltar pipa, dizem logo a mesma coisa. (BOJUNGA, 2007, p. 16).
	Raquel vive em uma época que os homens tinham o direito de fazer tudo e decidirem tudo, ela percebe que os meninos têm o poder de chefiar desde a infância a vida das mulheres e até nas brincadeiras são os meninos que chefiam, uma vez que meninos e meninas são educados de formas diferentes, como já entendeu Beauvoir ao afirmar que a menina é criada para seguir, enquanto o menino é criado para liderar. A personagem faz uma comparação do menino chefiando uma brincadeira, com o homem chefiando uma família, embora ela não entenda as diferenças entre os gêneros de modo profundo, mas consegue perceber isso no dia a dia, que o tratamento de homens e mulheres não é igual, pois ela vê essa diferença na escola e na sua casa. É a partir dessas percepções em seu convívio familiar e escolar que a menina observa que há distinção entre o que a menina pode fazer e o que não pode, e o que é só para o menino. Raquel se faz questionamentos ainda criança, não gosta, não sabe entender a razão dessa diferença, pois foi criada para “ser menina”, “agir como menina” e para tornar-se mulher, como já vimos em Beauvoir:
É só a gente bobear que fica burra: todo mundo tá sempre dizendo que vocês é que têm que meter as caras no estudo, que vocês é que vão ser chefes de família, que vocês é que vão ter responsabilidade, que – puxa vida! – vocês é que vão resolver tudo. Até pra resolver casamento – então eu não vejo? – a gente fica esperando vocês decidirem. A gente tá sempre esperando vocês resolverem as coisas pra gente. Você quer saber de uma coisa? Eu acho fogo ter nascido menina. (BOJUNGA, 2007, p. 17).
Ela percebe que se for seguir o que a sociedade impõe para a menina, ela vai ser “burra”, que não poderá estudar, ser chefe de família, ter responsabilidades, ter independência, que são sempre os homens que iriam fazer tudo por ela. A menina vê em sua casa um exemplo em que seu irmão estuda e sua irmã fica em casa. Raquel tem consciência de que a mulher é ensinada a ser submissa, pouco inteligente, a não decidir nada, não ter liberdade e independência, como entendeu Beauvoir ao afirmar que o mundo sempre pertenceu aos machos. Raquel percebe, ainda, que as decisões sobre o casamento são feitas pelo sexo masculino. Já vimos que, durante séculos, o casamento era decidido pelo pai e marido, como corroborou Beauvoir, e esta obra, dos anos 1970, evidencia que esta realidade ainda não tinha mudado. 
Outra questão levantada pela personagem é o desejo de ser escritora em uma época em que somente homens podiam escrever. Como a personagem não tem voz, é na escrita que ela encontra um meio de dar voz às mulheres, contudo, ao ter sua privacidade invadida, Raquel desiste de ser escritora. "[...] e eu comecei a desconfiar que a gente ser escritora quando é criança não dá pé. Desisti de escrever cartas”. (BOJUNGA, 2007, p. 21). Já vimos que a mulher era proibida de escrever, e, nesta obra, Raquel vê na escrita um refúgio por se sentir menosprezada 
e oprimida, lembrando o que Woolf já afirmara sobre a mulher ter oportunidade de escrever, para só assim conseguir mostrar sua realidade, contar suas experiências que são próprias das mulheres, mas que só eram descritas pelos homens. Raquel compreende que ser escritora, naquela época, ia em contrapartida às regras sociais do período, assim como as mulheres no século XIX percebiam que ser escritora era quase impossível, e para publicar suas obras faziam uso de pseudônimos masculinos, já que as mulheres eram proibidas de escrever.
	No dia em que chega o embrulho enviado pela tia Brunilda, e nele a bolsa amarela, entre outras coisas que a tia não fazia mais uso, é visível a reprodução de machismo do marido e dependência da mulher, pois naquela época as mulheres eram vistas como troféus pelos maridos, porque eram sustentadas por eles e deveriam ser as esposas obedientes e donas de casa. Quando o tio de Raquel se defronta com a esposa falando em arrumar um emprego, logoo marido não deixa: “Vou arranjar um emprego.” Aí ele Fala: “De jeito nenhum!” (BOJUNGA, 2007, p. 25). Nota-se o estranhamento de Raquel em relação ao discurso do tio, em não deixar sua esposa trabalhar, por ser curiosa, a menina se faz questionamentos que iam além de sua ingenuidade infantil. Em pleno século XX, as mulheres ainda se viam impedidas de trabalhar pelos maridos, e sua tia Brunilda é um exemplo disso, a realidade do século XIX ainda não havia mudado, porém Raquel, por ser à frente do seu tempo, já percebe que há algo errado nisso, o fato da menina questionar o porquê de sua tia não poder trabalhar mostra como Raquel sabia de sua posição. 
	Raquel fica com o que sobrou dos presentes que tia Brunilda enviou, a bolsa amarela, lugar em que guarda seus desejos: “abri um zipe; escondi fundo minha vontade de crescer; fechei. Abri outro zipe; escondi mais fundo minha vontade de escrever; fechei; No outro bolso espremi a vontade de ter nascido garoto.” (BOJUNGA, 2007, p. 31). Raquel começa a reforçar a ideia de ser menino, dados os fatos vivenciados anteriormente, em que, sendo menina, não podia sequer liderar brincadeiras, e, talvez quando crescesse, seu marido não lhe deixaria trabalhar, como o marido da tia.
	O contexto da época nos traz uma reflexão em torno de modelos pré-estabelecidos, as mulheres não eram instruídas para ter sua autonomia, eram subordinadas aos maridos sem qualquer poder de decisão. Raquel cria personagens imaginários que na verdade são sua consciência, ao criar esses personagens a menina reproduz o que ela vê. O galo e as galinhas refletem a sua consciência confusa em relação aos papeis masculinos e femininos, como se observa no fragmento abaixo: 
“Então eu chamei as minhas quinze galinhas e pedi, por favor, pra elas me ajudarem. Expliquei que vivia muito cansado de ter que mandar e desmandar nelas todas noite e dia. Mas elas falaram: “Você é o nosso dono. Você que resolve tudo pra gente.” Sabe, Raquel, faziam coisa nenhuma sem vir me perguntar: “Eu posso? Você deixa?” E se eu respondia: “Ora, minha filha, o ovo é seu, a vida é sua, resolve como você achar melhor”, elas desatavam a chorar, não queriam mais comer, emagreciam, até morriam. Elas achavam que era melhor ter um dono mandando o dia inteiro: faz isso! faz aquilo! bota um ovo! pega uma minhoca” do que resolver qualquer coisa. Diziam que pensar dá muito trabalho. (BOJUNGA, 2007, p. 35).
	Esta consciência da menina evidencia a representação da realidade à sua volta, ela via as mulheres assim, as galinhas representam as mulheres e os galos representam os homens. As mulheres se acostumam aos seus papeis, não conseguem se ver fora deles, não questionam, como afirma Bordieu, sobre a incorporação da dominação que é a própria ideia de que quando provocadas a mudar sua posição de dominação, as mulheres têm dificuldade, por isso os movimentos feministas demoram séculos para poder ter efeito, porque as próprias mulheres incorporam a dominação e não conseguem mudar. 
	No decorrer da narrativa, quando Afonso dá de presente a guarda-chuva para Raquel e ela sabe de todo processo que a guarda-chuva passou, em que teve voz entre escolher ser do gênero masculino ou feminino, mostra-se o oposto em relação ao pensamento de Raquel. Não é só uma decisão de escolha da guarda-chuva em ser homem ou mulher, é escolher posições sociais, locais de fala, é uma escolha simbólica, e pode-se fazer uma alusão à fala de Beauvoir em “não nascer mulher, tornar-se mulher”. Pois aqui, a guarda-chuva é quem decide o que quer ser. Gradativamente, a vontade de ser garoto de Raquel vai ficando menor: “Fui andando e pensando que eu também queria te escolhido nascer mulher: a vontade de ser garoto sumia e a bolsa amarela ficava mais leve de carregar.” (BOJUNGA, 2007, p. 48). Saía o peso de seu ombro de achar que só em outra realidade, outra vida, as coisas seriam melhores, ela vai percebendo que a vida pode ser boa sendo mulher, a ideia de ser menino só é possível em outra realidade. 
A impossibilidade de mudar sua vida e ser menino fazia sua bolsa pesar, pois era uma realidade que Raquel nunca iria conseguir mudar. Quando Raquel vai resolvendo suas questões, a bolsa vai ficando mais leve, numa ideia simbólica de que a mulher, quando decide ser o que quer ser, consegue sofrer menos com as imposições sociais sobre seu sexo. Porém, no almoço na casa da tia Brunilda, a vontade de Raquel volta, quando seu primo quer saber o que tem dentro da bolsa, e ao tomar a bolsa com força da mão da menina, a vontade de ter nascido garoto aflora em Raquel. Ao olhar como seu primo, menino, consegue se impor em meio a todos na mesa, Raquel recai, momentaneamente, no desejo de ter aquele poder. Raquel, no início não tem voz, sempre que fala algo, todos discordam, acham sempre que a garota está inventando coisas e não lhe dão ouvidos, o que reflete o contexto familiar da época, a sociedade patriarcal e a condição feminina. Mas, no almoço na casa de sua tia, isso muda, pois Raquel, mesmo sendo advertida por seus pais, esboça sua opinião na frente de todos. 
“Fui para perto da tia Brunilda: - A senhora acha engraçado tudo que o Alberto faz, não é? Ele pode fazer a maior besteira do mundo que a senhora acha graça.
Minha mãe fechou a cara: - Não fala assim com a tia Brunilda. - Ela não tá ligando a mínima o que o Alberto faz comigo, por que é que eu vou ligar pra ela?” (BOJUNGA, 2007, p. 75-76).
	Neste momento, Raquel apresenta argumentos sobre a superioridade masculina, a menina só estava querendo respeito por ser criança e mulher. Raquel tem coragem de questionar os papeis masculinos de superioridade, pois ela vai percebendo que não precisa ficar calada, não precisa agradar a todos, que pode sim ter opinião, tudo isso ajuda a bolsa a ficar mais leve. Relacionando os argumentos da menina com os movimentos feministas, observa-se que aos poucos as mulheres foram ousando cada vez mais, tendo coragem para se libertar e conquistar seu espaço. 
	No decorrer da narrativa, nota-se que as vontades de Raquel vão desaparecendo gradativamente, porém só um desejo se sobressai sobre os outros, o de ser escritora. A menina já não se importava se iriam zombar dela: “resolvi que se eu queria escrever qualquer coisa eu devia escrever e pronto. Carta, romancinho, telegrama, o que me dava na cabeça. Queriam rir de mim? Paciência.” (BOJUNGA, 2007, p. 103). Isso significa que este era o único desejo genuíno, enquanto que ser grande e ser menino eram desejos circunstanciais, pois enquanto ela não se percebia como alguém que tinha voz, achava que ser grande e ser menino seriam a solução, que tendo esses desejos realizados ninguém poderia oprimi-la e só assim alcançaria sua liberdade. 
Um dos objetos que a menina leva na bolsa amarela, o alfinete enferrujado que mostra o caminho para “A casa dos Consertos”. Ao chegar no lugar indicado pelo alfinete, a menina se depara com um universo diferente, em que há uma nova estrutura familiar. A desmitificação do seu pensamento ocorre quando Raquel percebe que todos tinham direitos e deveres iguais na “Casa dos Consertos”:
Entrei. A Casa do Consertos se dividia em quatro partes. Na primeira tinha uma menina assim da minha idade; na outra tinha um homem; na outra, uma mulher, e na outra um velho. A menina estava estudando, a mulher cozinhando, o homem consertando um relógio, o velho consertando uma panela. Tossi, - pra ver se eles olhavam pra mim. Mas o quatro estavam tão interessados nas coisas que eles tavam fazendo que nem me viram nem nada.
A mulher cozinhava cantando baixinho. Uma música boa mesmo da gente ouvir. Volta e meia ela provava a comida, e aí ficava com uma cara ainda mais feliz. [...] A menina estava fazendo o mapa do mundo. [...] E o velho espiou o fundo da panela e falou: - Vou soldar essa panela tão bem soldada que ela ainda vai cozinhar muitos anos. (BOJUNGA, 2007, p. 108-109).
Ao observar tudo que havia e acontecia na casa, Raquel se faz questionamentos sobre quem seria o chefe da casa, pois a menina cresceu em um ambiente em que ochefe era sempre do sexo masculino e com poder decisão sobre tudo e todos. A menina curiosa pergunta quem era o chefe da casa, logo Lorelai disse que não havia, pois os quatro poderiam resolver juntos: “-quem é que resolve as coisas? quem é o chefe? – Chefe? – É, o chefe da casa. Quem é? Teu pai ou teu avô”? (BOJUNGA, 2007, p. 113). É evidente que Raquel confronta o modelo de sua família com a de sua amiga imaginária e, ao confrontar-se com um modelo diferente, Raquel tem outra visão, pois a menina cresceu em um ambiente em que a mulher é sempre submissa e o homem dá ordens, isso nos remete aos modelos pré-estabelecidos de família, sobre os quais Beauvoir afirma que o homem, nos ideais patriarcais, é provido de superioridade moral e social e muitas vezes superioridade intelectual, por isso deve ser o chefe da família.
As vontades iam cada vez diminuindo: “Comecei então a achar que ser menina podia mesmo ser tão legal quanto ser garoto. E foi aí que as minhas vontades deram pra emagrecer.” (BOJUNGA, 2007, p. 125). A partir do momento em que Raquel se depara com um modelo diferente de família, em que as mulheres têm a mesma igualdade de gênero, a menina vai percebendo que ser menina não era tão ruim, pois aos poucos ela vai resolvendo suas questões e percebe que o peso da bolsa diminui e leva consigo os desejos de ser garoto e ser gente grande, acreditando que esses desejos seriam a solução para resolver seus problemas. O único desejo que prevalece é o de ser escritora. O seu conflito em querer ser garoto estava praticamente resolvido através da visão que ela teve na casa dos concertos de igualdade entre os gêneros, na verdade aquele modelo de família que Raquel encontrou na “Casa dos Consertos” era a família que Raquel gostaria de ter, um lugar em que todos tinham voz e igualdade, principalmente em ser mulher. Como já vimos em Alves e Pitanguy, foi através das reivindicações dos movimentos feministas que as mulheres conquistaram seus direitos como cidadãs e conseguiram voz em um cenário completamente machista e Raquel começa a reivindicar seus direitos, tomando como exemplo a família da “Casa dos Consertos”, que dá voz a todos igualmente.
	Aos poucos, Raquel vai se desvencilhando da ideia de que precisaria ser do sexo oposto para que pudesse fazer atividades “tipicamente de garotos”, essa ideia se desfaz no cenário da “Casa dos Consertos”, lugar em que não há sexismo, ou seja, não há discriminação fundamentada no sexo, na casa dos consertos é o primeiro momento em que a menina percebe que há modelos familiares diferentes e os papeis sociais são diversos e que as funções que são tradicionalmente de homens e mulheres se alternam e não são estáticas: “Abri a bolsa amarela e tirei minha vontade de ser garoto e minha vontade de ser grande. Elas tinham emagrecido tanto que pareciam até de papel.” (BOJUNGA, 2007, p. 131). Neste momento, Raquel se autodescobre em sua identidade feminina e se identifica com o que quer de fato. Quando a menina se aceita em seu gênero, se liberta e não quer mais esconder seus desejos na bolsa amarela e os liberta de sua consciência.
O único desejo que prevalece em Raquel é o de ser escritora, pois é na escrita que o mundo real se materializa. “- E a tua vontade de escrever? – Ah, essa eu não vou soltar. Mas sabe? Ela não pesa mais nada: agora eu escrevo tudo que eu quero.” (BOJUNGA, 2007, p. 132). Desse modo, é nítido que o desejo de escrever é uma reivindicação do direito de escrever. Como já vimos em Woolf, até meados do século XIX, a mulher era proibida de escrever, somente os homens tinham esse direito e a escrita masculina era o modelo que as mulheres teriam que seguir.
Ao fim, Raquel tem um sonho e ao acordar fala para Afonso das coisas que ela não podia fazer por ser do sexo feminino, de imediato Raquel percebe que pode fazer o que quiser sem precisar ser do sexo oposto, logo, a menina vai à praia, numa viagem mental infantil, pois não vai à praia de fato, apenas imagina ali estar junto com o galo e a guarda-chuva. Neste momento, Raquel vai em busca de sua libertação, pois esse passeio na praia é uma metáfora que permite que a guarda-chuva e o galo possam ir embora, livrando-a, assim, do peso de querer ser o que não é. O trecho abaixo mostra como Raquel não precisa mais das ideias dos outros, sozinha ela se sente capaz de decidir o que quiser.
Sabe? Disseram que eu não podia soltar pipa. - Por que? - Falaram que era coisa de garoto. - Ué! - Tá vendo? Falaram que tanta coisa era coisa só pra garoto, que eu acabei até pensando que o jeito era nascer garoto. Mas agora eu sei que o jeito é outro. [...] Você vai precisar de bambu. - Não vou, não senhor. - Vai, sim senhora, você não entende de pipa. - Entendo. - Vai precisar, Raquel!! - Você vai ver como eu não vou. E não comprei nem bambu, nem ripinha, nem nada. (BOJUNGA, 2007, p. 126).
 
 	Raquel precisava se apoiar em amigos imaginários porque sozinha não se sentia capaz, a menina achava que precisava mudar, ser menino e ser grande para poder conseguir o que queria da vida e o uso desses amigos imaginários seriam como uma espécie de ponte, para que a menina pudesse andar com as próprias pernas. Ao se libertar de seus amigos imaginários, Raquel percebe que o peso da bolsa diminui, pois suas dúvidas estavam sendo resolvidas, como se observa no fragmento: “Fiquei parada. Sem saber se tava triste ou contente. Eles indo embora, a bolsa amarela ficava muito mais fácil de carregar, mas... sei lá.” (BOJUNGA, 2007, p. 128). Raquel não precisava mais esconder suas vontades dentro da bolsa amarela, porque sozinha ela era capaz de ser quem quisesse e não sofrer com isso, as vontades da menina voaram junto com a pipa, somente a vontade de ser escritora permaneceu. No diálogo entre Raquel e o galo a garota se liberta de suas vontades. 
- Você não vai mais esconder as vontades dentro da bolsa amarela? – Não. Elas viram que eu tava perdendo a vontade delas, então perguntaram se podiam ir embora. Eu falei que sim. Elas quiseram saber se podiam ir que nem a pipa e eu disse: “claro, ué”. E a tua vontade de escrever? – Ah, essa eu não vou soltar. Mas sabe? Ela não pesa mais nada: agora eu escrevo tudo que eu quero, ela não tem tempo de engordar. (BOJUNGA, 2007, p.132).
Por fim, Raquel, apesar de relutar em deixar seus amigos imaginários irem embora, se despede do galo e da guarda-chuva, e ao irem embora ela se sente leve, pois sozinha conseguiria encontrar suas próprias respostas e já não precisaria continuar criando situações imaginárias, irreais, fantasias, para se apoiar, acreditar em si e se apoiar em sua escrita já era o bastante.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
	Para a realização deste trabalho, primeiramente foi feito o levantamento teórico bibliográfico sobre o a visão histórica que se tinha sobre a mulher, em que se buscou descrever as obrigações impostas às mulheres, bem como o modo como eram inferiorizadas, desde a infância. Em seguida, foi feito um panorama acerca dos feminismos, as lutas sociais, o feminismo na literatura e suas contribuições para que a retratação das personagens femininas deixasse de ser estereotipada.
Os objetivos da pesquisa foram analisar a personagem Raquel, na obra A Bolsa Amarela, de Lygia Bojunga, que buscava por liberdade e autoafirmação em seu gênero feminino, a partir de três grandes desejos que viviam escondidos dentro da bolsa: ser menino, ser grande, ser escritora. Notou-se que os desejos escondidos, na verdade, eram a maneira que a menina encontrava para ser livre, pois Raquel acreditava que para ter liberdade era necessário ser do sexo masculino, tendo em vista que a menina vive em uma época em que as mulheres ainda eram vistam como seres inferiores.
Em meio às histórias inventadas pela personagem, há um conflito interno com ela mesma, visto que Raquel observa tudo o que acontece ao seu redor e faz questionamentos sobre os papeis femininos, e até o final da narrativa ela encontra as respostas e a própria personagem consegue se autodescobrir e desistir da ideia de ser garoto e ser adulta. Vale ressaltarque em nenhum momento há o conflito da personagem em relação à sua sexualidade, mas queria ser menino apenas pelo fato de poder desempenhar atividades que somente homens poderiam executar. 
Com a análise da personagem, nota-se que Raquel é uma menina à frente do seu tempo, por não seguir os padrões da época. Ela vai além do pensamento ultrapassado machista, se autodescobre em sua identidade feminina, e não precisar seguir o que a sociedade dita. Raquel descobre que não precisa ser do sexo masculino ou adulta para poder ser livre e escrever, que mesmo sendo criança e mulher pode ser o que quiser. Neste sentido, essa obra evidencia que há uma divisão em relação ao gênero masculino e feminino, e que desde a infância nem sempre essa divisão é justa. Raquel percebe que há barreiras em sua vida e que essas barreiras se dão no ambiente escolar e familiar por conta do seu gênero. Portanto, essa obra leva o jovem e o adolescente a fazer uma reflexão em torno desses papeis, principalmente a menina a se descobrir como mulher e gostar de ser mulher, ter voz, se assumir em sua identidade, fugir dos estereótipos impostos a ela pela sociedade, pois ela não é obrigada a seguir os padrões que a sociedade impõe.
REFERÊNCIAS 
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BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo: fatos e mitos. Tradução de Sérgio Milliet. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1967.
BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo: a experiência vivida. Tradução de Sérgio Milliet. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1970.
BOJUNGA, Lygia. A Bolsa Amarela. 34ª ed., Rio de Janeiro: Casa Lygia Bonjunga, 2007.
BONNICI, Thomas. Teoria e crítica literária feminista: conceitos e tendências. Maringá: Eduem, 2007.
BORDIEU, Pierre. A dominação masculina. Trad. Maria Helena Kühner. Rio de janeiro: Bertrand Brasil, 2002.
FRAZÃO, Dilva. Biografia de Lygia Bojunga. Disponível em< https://www.ebiografia.com/lygia_bojunga/ Acesso em 25 out 2019.
MICHEL. Andrée. O feminismo: uma abordagem histórica. Rio de Janeiro: Zahar, 1982.
PERROT, Michele. Minha história das mulheres. Trad. Angela M. S. Corrêa. São Paulo: Contexto, 2007.
SHOWALTER, Elaine. A crítica feminista no território selvagem. In: HOLLANDA, Heloísa 
Buarque de. (org). Tendências e impasses: o feminismo como crítica da cultura. Rio de Janeiro: Rocco, 1994. p.23-57. 
WOOLF, Virginia. Um teto todo seu. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990.
ZOLIN, Lúcia Osana. Crítica Feminista. In: BONNICI, Thomas; ZOLIN, Lúcia Ozana. (org.) Teoria Literária: Abordagens históricas e tendências contemporâneas. Maringá: Eduem, 2003. p. 263-261.

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